sábado, 7 de janeiro de 2023

Luiz Werneck Vianna* - Acertado o passado, falta o futuro

Quatro anos de pesadelo ficaram para trás, a sociedade aliviada desperta ainda com o travo das amarguras por que passou, mas que não impede que se entregue efusivamente às comemorações pela volta da esperança no seu horizonte. Foi uma vitória difícil, tida por muitos como improvável, sob ameaças golpistas permanentes de que não se concretizaria por atos de força. Obstando seu caminho levantou-se um sem número de obstáculos, entre os quais uma inédita instrumentalização do Estado que derramou uma cornucópia de recursos visando fins eleitorais em setores sociais selecionados, especialmente na população de baixa renda.

Difícil, improvável, e além do mais desconforme com nossas tradições em matéria de campanhas eleitorais na medida em que não foi suportada pela presença de um programa de governo. Essa foi uma disputa presidencial em que o tema da economia, em sua acepção tradicional, passou ao largo dos holofotes. Na verdade, ela foi balizada pelos resultados das pesquisas eleitorais, tomando forma enquanto avançava, tendo como alicerces as políticas sociais do candidato Lula e suas pretéritas administrações. Com esse inusual procedimento, logo os temas dominantes foram se impondo, como o da pobreza, o da mulher e o das regiões desfavorecidas pelo capitalismo brasileiro e foram eles a pavimentar o caminho da apertada vitória eleitoral.

Ascânio Seleme - Lula salvou o Brasil

O Globo

O país deve lhe agradecer por estancar a agenda retrógrada de seu antecessor e restabelecer a voz de grupos que estavam excluídos

Lula nos salvou do pior pesadelo, dando vida nova à democracia terrivelmente ameaçada por Jair Bolsonaro. O Brasil deve lhe agradecer por não retroceder aos tempos das trevas.

Lula quer trazer de volta para o orçamento da União os pobres e os miseráveis, só lembrados nos últimos quatro anos durante os poucos meses que antecederam a eleição presidencial. O Brasil deve lhe agradecer por prometer três refeições por dia a mais de 30 milhões de brasileiros que passam fome.

Lula indicou mais mulheres para o Ministério do que Dilma Rousseff, incluiu mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência e a comunidade LGBTQIA+ na pauta da política nacional. O Brasil deve lhe agradecer por estancar a agenda retrógrada de seu antecessor e restabelecer a voz de grupos que estavam excluídos do debate desde 2018.

Lula devolveu aos direitos humanos a prioridade que o tema necessita num país tão desigual e violento como o nosso. O Brasil deve lhe agradecer por nomear o incrível advogado e filósofo Sílvio Almeida para tocar uma pauta que antes cabia à inacreditável advogada e pastora Damares Alves.

Lula nomeou Nísia Trindade para o Ministério da Saúde. O Brasil deve lhe agradecer por entregar a pasta mais sensível de seu governo à presidente da Fiocruz, entidade que fabrica vacinas, objeto de desprezo do general Pazuello e de Marcelo Queiroga, últimos dois ocupantes do cargo.

Demétrio Magnoli - Mourão e os manés

Folha de S. Paulo

Vice de Bolsonaro emitiu declaração de guerra contra ex-presidente e almeja liderar bloco

"Perdeu, mané." A mensagem emergiu no pronunciamento do presidente em exercício Hamilton Mourão, horas antes do Ano-Novo, na véspera da inauguração de Lula 3. Não foi, porém, a principal. O general, vice, senador emitiu uma declaração de guerra a Jair Bolsonaro, anunciando um cisma.

A fuga do presidente para a Flórida, molecagem final, descortinou uma oportunidade preciosa. Enquanto, desmoralizados, os manés derradeiros ainda ajoelhavam-se diante de urutus estáticos, Mourão detonou cargas de explosivos na abandonada casamata bolsonarista.

"Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país deixaram com que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criasse um clima de caos e de desagregação social." Lideranças? Trata-se, claro, de Bolsonaro. Lida direito, a mensagem adensa o argumento para processar o presidente fujão por crimes contra a ordem constitucional: ali está, pouco disfarçada, a acusação de "fomentar um pretenso golpe".

Mourão mandou os manés para casa ("Retornemos à normalidade da vida, aos nossos afazeres e ao concerto de nossos lares") como quem diz que as tais "lideranças" os iludiram. Não esqueceu de tocar nas emoções sacrossantas dos fanáticos, imputando veladamente ao STF ("instituições públicas") uma "abstenção intencional do cumprimento dos imperativos constitucionais". Mas esvaziou o circo bolsonarista sobre o artigo 142, mencionando a "equivocada canalização de aspirações e expectativas para outros atores públicos" (leia-se: Forças Armadas) que "carecem de lastro legal para o saneamento do desequilíbrio institucional".

Cristina Serra - Lula, Múcio e os militares

Folha de S. Paulo

A relação entre o poder civil e as Forças Armadas ainda vai gerar focos de tensão por muito tempo

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, precisa tomar cuidado com a língua condescendente que distorce fatos e agride a realidade, transformando atos golpistas em "manifestações da democracia" que, inclusive, contaram com a participação de "familiares e amigos" dele. O ministro disse ainda que escolheu os novos comandantes militares pela internet.

A historiadora Heloisa Starling, da UFMG, estudiosa da atuação de militares na política, aponta dois erros de Múcio. "O que temos visto é a tentativa de corroer a democracia por dentro. A naturalização do golpismo contribui para essa corrosão. Ele não é ministro do Bolsonaro. É ministro de Lula e tem que defender a democracia".

O segundo erro, destaca a historiadora, foi ter perdido a oportunidade de valorizar as indicações dos comandantes por antiguidade. "Não se escolhe militar pela internet. Ele não soube enfatizar que a escolha foi feita por um critério respeitoso e que fortalece a instituição. Não foi por afinidade política ou ideológica. O ministro precisa entender o papel dele."

Alvaro Costa e Silva - A tática do revogaço

Folha de S. Paulo

Novo governo fez gol, mas será necessário criar e não só desarmar

Nenhum juiz marca pênalti ou expulsa no primeiro minuto, mesmo que o zagueiro entre de carrinho com as duas pernas na canela do atacante. Luis Fernando Verissimo lembrou essa circunstância do futebol para explicar o que, em política, é conhecido como "os primeiros 100 dias" —período que o governo recém-eleito usa para impor medidas impopulares ou projetos polêmicos. Uma espécie de privilégio e blindagem de críticas mais duras reservado a quem chega. Com Lula não está sendo assim.

Presidente pela terceira vez, Lula é um centroavante mais do que manjado pela torcida, não importando em que lado (esquerdo ou direito) da arquibancada se agite a bandeira. Tem sempre alguém —impaciente, desconfiado, furioso, prevendo o lance errado— que grita antes que ele pegue na bola: "É esse! É esse!".

João Gabriel de Lima* - Uma força-tarefa para a Amazônia

O Estado de S. Paulo.

O tema da Amazônia é uma questão complexa, que não será resolvida por um único ministro

“O futuro da economia será verde e digital”, sintetizou recentemente, de forma brilhante, a alemã Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Para ter alguma relevância no mundo, o Brasil precisa dedicar atenção especial ao vetor “verde”. “A Floresta Amazônica é o que o mundo vê primeiro quando olha para nós”, diz Márcio Astrini, diretor executivo do Observatório do Clima – uma rede que é referência na área ambiental. Astrini é o entrevistado do minipodcast da semana.

O tema da Amazônia, em suas facetas humana e econômica, apareceu em vários discursos de posse ao longo da semana, de Marina Silva a Geraldo Alckmin, de Sonia Guajajara a Simone Tebet. É um bom sinal. Trata-se de uma questão complexa, que não será resolvida por um único ministro. É necessária uma força-tarefa.

Adriana Fernandes - Renan precisa da chave de Haddad

O Estado de S. Paulo.

Se não se meter a fazer obra nova, ministro dos Transportes terá resultados a mostrar

O Brasil tem 8,6 mil obras paralisadas com recursos da União, de acordo com levantamento mais recente do Tribunal de Contas da União (TCU). O porcentual de obras públicas paralisadas subiu de 29% para 38,5% nos últimos dois anos. Os números são assustadores. Falta de dinheiro, problemas no projeto e omissão política estão entre as razões para o desperdício de dinheiro público.

Boa parte dessas obras está licitada e contratada. Só precisa de dinheiro para terminar. Mas novos gestores e também senadores e deputados (com emendas parlamentares nas mãos) insistem no erro de anunciar e patrocinar a construção de novas obras.

Miguel Reale Jr. - Reconstrução com integridade

O Estado de S. Paulo.

Lula bem enfrentou os fatores sociais e do meio ambiente. Porém, deixou de se atentar à governança, valor essencial para a credibilidade da gestão

No início do governo de Franco Montoro no Estado de São Paulo, foi solicitado a todos os órgãos da administração pública relato acerca do estado da arte, visando à obtenção de radiografia acerca da situação deixada por Paulo Maluf, necessária à execução do plano do então novo governo. Coube-me, como assessor do governador, realizar a síntese dos relatos. Era um descalabro, a começar pela área de segurança pública, da qual se jactava o malufismo, pois não havia fardamento, carros, armas, cassetetes, cavalos, motocicletas. Porém Montoro, em sua fidalguia, não quis publicar, tomando o texto apenas como ponto de partida para organizar a reconstrução do Estado.

Não foi a melhor orientação, pois se deixou de mostrar a farsa que era o governo Maluf com déficit público da ordem de 20% e desperdício. Agora andaram bem o gabinete de transição e Lula da Silva, este nos discursos de posse, em divulgar o resultado trágico dos anos Jair Bolsonaro.

Ricardo Henriques* - O horizonte da política educacional

O Globo

Está prevista a revisão de uma série de marcadores normativos que são cruciais para nortear a educação básica

A educação de qualidade para todos é eixo vital para o desenvolvimento socioeconômico sustentável de um país. Não à toa, Daron Acemoglu, um dos autores do livro “Why Nations Fail”, questionado sobre onde o Brasil falha em entrevista recente, indicou a necessidade de uma nova estratégia de desenvolvimento econômico. Dentre os elementos citados para viabilizá-la, a educação encabeçou a lista.

A despeito da resposta não ser uma novidade, tampouco o é a premência de equalização de forças das agendas social e econômica para redução das desigualdades. O discurso de posse do presidente Lula deu sinais nítidos do entendimento dessa centralidade. Os novos ares de 2023 são alvissareiros, mas vêm acompanhados de demandas urgentes apontadas no relatório de transição do novo governo.

Eduardo Affonso - Muito cedo ou tarde demais para criticar?

O Globo

Ter esperança nas boas intenções do governo está liberado. Entretanto, se o assunto forem os maus presságios...

Já se pode comemorar muita coisa, de domingo para cá. Marina Silva cuidando do Meio Ambiente, em vez de Salles e sua boiada, por exemplo. Ou a esfuziante Margareth Menezes na gestão da Cultura, até outro dia a cargo de um álgido Mário Frias.

Foi bonito ver Raoni subindo a rampa e “o povo” — ali representado pelo venerando cacique, por uma criança de periferia, uma catadora de recicláveis, um operário, um professor, uma cozinheira, um artesão, um ativista anticapacitista — fazendo a passagem da faixa no lugar do capitão fujão. Sem falar na irresistível vira-lata Rê (difícil supor que ela seja tratada, na intimidade, pelo seu nome panfletário: “Senta, Resistência”, “Não pula, Resistência”, “No sofá, não, Resistência!”).

Há momentos — e aquele era um — em que o simbolismo é tudo.

Uma economia verde e sustentável, como proposta por Alckmin, é auspiciosa. Assim como a luta contra o preconceito, a exclusão e a invisibilidade social (“Vocês [todos] existem e são valiosos para nós”, nas palavras do ministro dos Direitos Humanos).

Pablo Ortellado - Poder de Moraes requer escrutínio

O Globo

Inquéritos das fake news e das milícias digitais foram necessários

O inquérito das fake news e o inquérito das milícias digitais conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes foram barreiras contra o avanço do golpismo. Sem eles, os bloqueios de estradas, a insubordinação policial e os atentados terroristas talvez tivessem escalado, numa sucessão que poderia levar a uma ruptura institucional. Foram necessários. Foram fundamentais. Porém, além de terem sido instaurados de maneira heterodoxa, concentraram muitos poderes extraordinários nas mãos de uma só pessoa, e esses poderes necessitam de supervisão e escrutínio.

Na última terça-feira, no site Metrópoles, o jornalista Rodrigo Rangel revelou que no dia 12 de dezembro o ministro Alexandre de Moraes autorizou uma ampla quebra de sigilo telefônico e de dados atingindo não apenas oito investigados (cujos nomes não foram revelados pela reportagem), mas também todos aqueles que se comunicaram com eles.

Carlos Alberto Sardenberg - Puxando capivara

O Globo

Seria interessante saber se o governo Lula pretende manter os esforços para recuperar dinheiro da corrupção

A Advocacia-Geral da União, agora comandada por Jorge Messias, defende os interesses do governo perante a Justiça. Órgão importante, já que o governo é alvo de frequentes demandas e, não raro, autor de processos. Mas é muito duvidoso que seja função da AGU fazer “o enfrentamento” de fake news e desmascarar “mentiras” a respeito de políticas públicas. A AGU pode, sim, ir à Justiça para acusar autores do que imagina ser fake news ou mentira. Mas quem decide o que é e o que não é só pode ser o Judiciário.

Muito estranho, portanto, que um dos primeiros atos envolvendo a AGU tenha sido a criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, justamente com o objetivo de identificar e enfrentar fake news e mentiras a respeito do governo. A Procuradoria vai decidir e punir? Em causa própria?

Tem cheiro forte de censura.

Em vez disso, seria interessante saber o que AGU do governo Lula fará em relação aos processos do petrolão. Não, isso não acabou, embora o STF tenha anulado a Lava-Jato alegando vícios formais nos processos.

Marcus Pestana - O desafio da atenção primária à saúde no novo governo

Empossado o novo Governo, trate-se agora de encaminhar soluções para os grandes problemas nacionais. Grande expectativa há em relação à área da saúde.

Temos problemas crônicos no SUS e a pandemia realçou a importância das políticas publicas de saúde. Mas certamente a condução da pandemia não foi das melhores. O Brasil é o 17º. país do mundo em número de mortes por milhão de habitantes. Temos 2,7% da população mundial e 11% das mortes.

O presidente Lula nomeou para o Ministério da Saúde a cientista Nísia Trindade, a primeira mulher a ocupar o posto. Ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz, se saiu bem na construção das parcerias para a produção das vacinas contra o Coronavírus e tem bom relacionamento com a comunidade científica internacional e com os organismos multilaterais. Sua nomeação sinaliza compromisso com a ciência e com o sistema público de saúde. Certamente, por sua respeitabilidade, conseguirá formar uma boa equipe.

Antonio Fausto Nascimento - Tebet é renovação e futuro

Simone Tebet arrasou no discurso de posse no Ministério do Planejamento. Contraponto ao estatismo e demagogia populista.

Compromisso com equilíbrio fiscal e controle da dívida pública.

Reforma tributária, impostos menos regressivos sobre os mais pobres.

Outro ponto alto foi extinção ou privatização de estatais deficitárias e inúteis.

Parcerias com empresas privadas para investimentos produtivos.

Combate ao desperdício, imenso no Serviço Público, de obras paradas a todo tipo de irracionalidade, que leva ao déficit orçamentário, ganhos imerecidos, privilégios, corrupção e nepotismo.

O Estado brasileiro gasta muito e mal, não entrega os serviços prometidos, daí a exclusão do povo trabalhador. Responsabilidade fiscal e inclusão social sempre juntas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula deveria rever escolhas para ministérios

O Globo

Currículos dos titulares da Integração Nacional e do Turismo são motivo de embaraço

Em sua primeira reunião com os 37 ministros no Planalto ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou a necessidade de o governo ter maioria no Congresso para poder aprovar a agenda de demandas da sociedade. A estrutura pulverizada da política brasileira faz com que presidentes sejam eleitos sem maioria no Parlamento. Por isso a montagem das equipes costuma levar em conta a governabilidade. Eleito por uma frente ampla, uma novidade positiva no cenário brasileiro, Lula teve desta vez um desafio ainda maior do que o normal.

Parte das falas de Lula na reunião de sexta-feira demonstra que essa tarefa tem se provado particularmente espinhosa. Em recado dúbio, o presidente disse que quem fizer algo errado “será convidado a deixar o governo”, mas prometeu “não deixar ninguém na estrada”.

Embora não tenha citado nomes, os alvos da declaração, presentes na sala, eram do conhecimento de todos: o ministro da Integração Nacional, Waldez Góes (PDT), ex-governador do Amapá, e a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil).

Poesia | Os Velhos | Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Frevo - Chico Buarque (Vinicius de Moraes e Tom Jobim)