S.O.S. construção civil
• Recursos estão retidos no Banco Central em depósitos compulsórios e ajudariam a conter crise na construção civil
Geralda Doca – O Globo
BRASÍLIA - O governo estuda alternativas para atenuar a crise na construção civil, agravada pelo atraso nos repasses da União ao programa Minha Casa Minha Vida e pela sangria de recursos da caderneta de poupança, que perdeu R$ 29 bilhões só no primeiro quadrimestre. E uma das hipóteses em debate é a liberação de parte dos recursos da poupança retidos no Banco Central (BC), os chamados depósitos compulsórios. Hoje, 30% dos valores depositados na poupança são recolhidos ao BC. A proposta em discussão é liberar entre 10% e 15% desse montante para que os bancos possam aumentar a oferta de crédito para a habitação. Essa medida, segundo fontes do setor, poderia injetar no sistema financeiro entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões.
A poupança faz parte do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), voltado para imóveis de até R$ 750 mil, com juros limitados a 12% ao ano, mais a TR. Segundo a legislação, 65% dos depósitos de poupança devem ser direcionados ao crédito habitacional; 5% podem ser aplicados livremente, e o restante fica retido no BC.
Diante da escassez dos recursos da poupança, a Caixa, líder no mercado imobiliário, e o Banco do Brasil restringiram o financiamento habitacional, tanto para os mutuários, que terão que pagar juros mais altos e dar uma entrada maior, quanto para as empresas. Há poucos dias, as incorporadoras foram informadas pelos dois bancos de que as linhas de crédito com recursos da caderneta destinadas à produção de novas unidades foram suspensas.
A liberação de parte dos compulsórios beneficiaria principalmente a Caixa - maior captadora de depósitos da poupança -, mas é defendida pela concorrência. A proposta está em análise pelos ministérios da Fazenda, do Planejamento e pelo BC, e a expectativa é de uma definição até o próximo mês.
- Com a baixa na poupança, não temos alternativa. Esperamos que a liberação dos compulsórios ocorra entre maio e junho - disse o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Rubens Menin.
Ele explicou que o outro instrumento de captação de recursos para o setor, as letras de crédito imobiliário - LCIs (papéis vinculados a ativos imobiliários) -, apesar da isenção fiscal, é mais oneroso para os bancos do que os depósitos da poupança. Segundo Menin, a liberação de parte dos compulsórios seria uma medida emergencial, até o país atravessar o período de alta nos juros, que tem estimulado a saída dos recursos da caderneta em busca de aplicações com maior retorno.
Além da evasão dos depósitos da poupança, os atrasos nos repasses da União ao programa Minha Casa Minha Vida, que começaram há cerca de um ano e ainda persistem, agravam a crise na construção civil, com paralisações de obras em vários estados e demissões de trabalhadores. O problema é mais sério entre as pequenas construtoras que assumiram grandes conjuntos residenciais para baixa renda (faixa 1, totalmente custeada com recursos públicos), sobretudo no Nordeste, mas atinge também as faixas 2 e 3 (que usam recursos do FGTS).
No Rio Grande do Norte, por exemplo, as seis construtoras que participam do programa paralisaram a construção de 4,5 mil unidades para a faixa 1 e, na última terça-feira, deram início às demissões de trabalhadores. Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-RN), Arnaldo Gaspar Júnior, se nada for feito, entre 30 e 60 dias, boa parte dos quatro mil empregados perderão seus empregos:
- Aqui, a situação está explosiva. Na sexta-feira, todos os trabalhadores do setor entraram em greve contra as demissões nas empresas que participam do Minha Casa.
Ele explicou que essas são pequenas construtoras, mais prejudicadas, que entraram no programa porque havia um cronograma de repasses de até 15 dias após a medição das obras pela Caixa. Isso vigorou até outubro, quando começaram os atrasos, que já chegaram a 90 dias e, agora, estão em 60 dias.
O quadro se repete no Mato Grosso, onde duas das três empresas que operam o programa entraram em recuperação judicial. Segundo o presidente do Sinduscon-MT, Cezário Siqueira Gonçalves Neto, as paralisações atingem entre três mil e quatro mil unidades em Cuiabá, Sinop, Barra do Garças e outros municípios.
- O governo federal tem que fazer o seu papel, tem que pagar. As empresas não têm fôlego para esperar por 30 dias, 45 dias. Elas não conseguem gerenciar o processo e quando vão ao mercado, os bancos públicos não têm recursos para emprestar - disse o empresário.
O deputado Marcos Abrão (PPS-GO), da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, fez um alerta:
- Algumas cidades pequenas do interior de Goiás estão virando um cemitério de casas inacabadas.
O problema vem sendo discutido na Comissão, que cobra do Tesouro Nacional um cronograma para regularizar os débitos atrasados. Houve uma audiência pública para tratar do assunto há cerca de um mês e conversas posteriores com a Fazenda. Até agora, sem uma resposta oficial.
- O Tesouro alega que está regularizando, mas existem atrasos de até 90 dias - pontuou o presidente da comissão, deputado Júlio Lopes (PP-RJ).
Pelos cálculos de José Carlos Martins, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic), o governo virou o ano devendo R$ 1 bilhão ao programa, dos R$ 17,4 bilhões aplicados. Até o início desta semana, foram repassados R$ 4,8 bilhões para quitar o débito antigo e o corrente (do ano), e a expectativa é que os desembolsos sejam menores nos próximos quadrimestres, diante do corte orçamentário a ser anunciado ainda este mês.
- Antes de lançar a terceira etapa do programa, o governo precisa colocar os pagamentos em dia. Não trabalhamos com um produto acabado, temos que comprar terreno, desenvolver projetos e buscar financiamento. Cadê a previsibilidade? - indagou Martins.
O presidente do Sinduscon-RN reforça:
- Estamos no escuro desde novembro. Não sabemos o que vai acontecer. Se o governo não consegue cumprir o cronograma proposto, que alongue o prazo da entrega das obras e dê algum tipo de compensação para que as empresas possam buscar fontes de financiamento no mercado.
Fontes do setor informam já ter recebido a sinalização do governo de que, na terceira fase do Minha Casa, as faixas de baixa renda mais dependentes dos aportes da União deverão ser contempladas só em 2016, diante do arrocho fiscal. A expectativa é que neste ano, somente deverão avançar as faixas em que os tomadores têm capacidade de financiar o imóvel (faixas 1 e 2 e uma faixa intermediária, que mescla recursos do orçamento e do FGTS). A nova fase tem como meta três milhões de moradias.
Para destravar o programa nos grandes centros, onde o custo do terreno é mais elevado, o setor quer que o governo eleve o valor do financiamento que hoje chega a R$ 190 mil, no máximo, para R$ 225 mil. O valor está congelado há três anos.
Em nota, o Ministério das Cidades diz que já repassou à Caixa os recursos para quitar o pagamento das medições apresentadas até o fim de março. "O Ministério das Cidades já repassou ao agente operador do fundo - Caixa Econômica Federal - os recursos necessários para a quitação do pagamento referente a medições apresentadas e previsão de pagamento até o fim de março. As seguintes serão remetidas nas próximas semanas", diz o texto.