Raquel Landim
Os críticos dizem que com sorte, seis economistas reunidos chegam a sete soluções para o mesmo problema. A resposta para o dilema do baixo crescimento e da inflação alta no Brasil, porém, aponta quase um só caminho. Seis dos principais economistas brasileiros de correntes de pensamento diferentes, convidados pelo "Estado" a refletir sobre o assunto, chegaram ao mesmo diagnóstico.
Da Casa das Garças, reduto tucano, à Unicamp, de onde saíram os principais condutores da política econômica do governo, incluindo a presidente Dilma, a resposta é quase unânime. Para reanimar o crescimento, o governo precisa estimular o setor privado a investir, e, para domar a inflação, é preciso subir os juros e cortar gastos do setor público.
É claro que há divergência sobre como fazer isso. Mas, surpreendentemente, apenas Luiz Carlos Bresser-Pereira - professor emérito da Fundação Getúlio (FGV) e ministro nos governos Sarney e FHC - é contra a alta de juros.
Essa discussão ganhou ainda mais relevância na semana passada, depois da polêmica provocada por uma declaração da presidente Dilma. "Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico", disse, durante encontro dos Brics na África do Sul. "Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende?"
O Brasil vive uma situação complexa e paradoxal. Nos últimos dois anos, o crescimento médio do PIB foi de apenas 1,8%.
Ao mesmo tempo, o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) bateu em 6% no acumulado em 12 meses até fevereiro, e só não ultrapassou o teto da mantêm praticamente o mesmo diagnóstico par ta de inflação (6,5%) por conta de manobras, como o corte do preço da energia e os pedidos aos prefeitos para não reajustar a passagem de ônibus.
Em 2012, a taxa de desemprego ficou em 4,6%, O País está em pleno emprego, o que significa demanda aquecida. A produção industrial, no entanto, caiu 2,7% no ano passado.
Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, fundador e diretor da Casa das Garças, não minimiza os desafios, mas diz que o governo tem hoje todos os instrumentos para lidar com a situação. "Só precisa decidir utilizá-los de maneira adequada", diz. Ele defende uma política "eficaz" de concessões de obras de infraestrutura,
A conclusão de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor emérito da Unicamp, fundador da Facamp, e um dos conselheiros de Dilma, é parecida. "Se o governo quer apoiar o crescimento através do investimento, certamente não pode ser leniente com a inflação", diz. Belluzzo, no entanto, acredita que um aperto monetário leve será suficiente para recuperar a credibilidade do BC e conter as expectativas de inflação.
Gustavo Franco, ex-presidente do BC e hoje sócio da Rio Bravo Investimentos, afirma que o aumento dos juros é uma solução de "qualidade inferior" e que o grande problema da economia brasileira é a "gastança" do governo. "Já deveríamos ter aprendido a lição que é muito melhor combater a inflação atacando a sua causa, que é a política fiscal."
Para Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, o Brasil precisa de uma "inversão total" da política fiscal com contração dos gastos correntes, que permitiria, ao mesmo tempo, controlar a inflação no setor de serviços e manter juros baixos e câmbio depreciado para ajudar a indústria. Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore Associados, diz que o pleno emprego é um sinal inequívoco de que não existe um problema de demanda. "O País não investe em infraestrutura e, por isso, não cresce. O governo fica tentando resolver injetando mais demanda na economia e deixando a inflação subir", resume.
Para Bresser-Pereira, os empresários não investem porque o câmbio continua apreciado, apesar da recente desvalorização promovida pelo governo Dilma. "O câmbio é o interruptor da economia, que liga ou desliga a demanda para as empresas."
Pelos sinais mais recentes, como os pacotes de concessão de obras de infraestrutura, parece que a equipe econômica de Dilma chegou à mesma conclusão que esses economistas. Mas ainda há muitas dúvidas sobre a convicção e a eficiência com que as autoridades estão implementando as medidas necessárias. Em i breve, o BC terá de decidir se sobe ou não os juros e com que intensidade. Será um bom teste.
'País precisa de política eficaz de concessões'
Edmar Bacha - Diretor da Casa das Garças
"Se a única coisa que você tem em mãos é a política monetária, obviamente esses dois objetivos (crescimento e inflação) são excludentes. Mas certamente temos outros recursos, como a política fiscal. Com dois instrumentos - os gastos do governo e a taxa de juros - é possível perseguir dois objetivos diferentes. Acho que dá para conciliar. Por exemplo: se o governo tiver uma política eficaz de concessões de infraestrutura, é possível aumentar os gastos com investimentos, e, ao mesmo tempo, reduzir gastos correntes e fazer um relativo aperto da política monetária. O governo determina os juros, controla o orçamento e pode ter uma política de concessões efetiva. Só precisa decidir utilizar esses instrumentos de maneira adequada. A política monetária ê eficaz para controlar a inflação, porque reduz a propensão das pessoas a comprar a crédito. Não há mistério nisso. Baixar o juro de curto prazo ajuda no capital de giro, mas não é suficiente para induzir um volume maior de investimentos. Os investimentos dependem de uma boa regulação, que garanta a perspectiva de lucro futuro dos empreendedores."
'A inflação pode comprometer o futuro do Brasil'
Yoshiaki Nakano - Professor da FGV
"O atual patamar de inflação é preocupante e, se persistir, comprometerá o futuro da economia. O quadro atual é complexo. Não se trata de simples excesso de demanda e pleno emprego gerando a inflação. O dinamismo da demanda se manteve enquanto a capacidade ociosa da indústria aumentou e os investimentos caíram. O câmbio apreciado por um longo período gerou forte expansão do setor de serviços e desindustrialização. O setor de serviços não sofre com as importações, pode elevar preços e aumentar salários muito acima do avanço da sua produtividade. Convivemos com uma inflação de demanda nos serviços e de custos na indústria. No curto prazo, o investimento não deverá reagir o suficiente para gerar um novo ciclo de crescimento, portanto, não resta senão a elevação dos juros para reduzir a inflação. Se o BC optar pela apreciação do câmbio, vai agravar o problema. Para controlar a inflação e retomar o crescimento, seria preciso controlar a demanda nos serviços e, ao mesmo tempo, reduzir juros e mudar o câmbio para estimular a indústria. Mas isso só seria possível com a inversão da política fiscal".
‘Juros vão subir, mas muito menos do que antigamente’
Luiz Gonzaga Belluzzo, Diretor da Faculdade de Campinas (Facamp)
"Posso começar com uma pergunta ao inverso: será que todo crescimento gera inflação?
Acho que não. Estamos num momento em que, na minha opinião, o BC vai ter de subir os juros, dado o grau de difusão da inflação. Pelas experiências passadas, temos o vírus da indexação. Com uma inflação alta e avançando, o grau de desconfiança é um problema para o investimento. Se o governo quer apoiar o crescimento via investimentos, certamente não pode ser leniente com a inflação. Mas do que estamos falando? De uma alta de 0,5 ponto na próxima reunião (do Copom) e 0,5 ponto na outra. Nada como os períodos em que o juro subia para 45%. O gasto de capital do governo tem de subir e fazer deslanchar os investimentos privados. Não dá para usar o câmbio para baixar a inflação. Isso ocorreu desde 1994 até recentemente, e afeta o investimento. Não tem regrinha, não tem modelinho. É tentativa e erro. Não estamos numa situação de explosão inflacionária com desvario de gastos.
Mas é claro que a política fiscal também pode ajudar, controlando o gasto corrente."
'O BC exagerou na redução da taxa Selic'
Affonso Celso Pastore, Sócio da A.C. Pastore & Associados
"No longo prazo, o crescimento aumenta em países com estabilidade de preço. No curto prazo, se a inflação está instalada e tem inércia grande, o único jeito de combatê-la é com política monetária e política fiscal. E isso, em geral, leva a uma desaceleração do crescimento. A questão é saber porque o Brasil não cresce. Com o País em pleno emprego, essa não é uma economia sem demanda. O Brasil não cresce porque o investimento é insuficiente. O governo precisa de um programa de investimento em infraestrutura, mas não tem dinheiro. É preciso que o setor privado invista. Só que o governo não quer privatização e arbitra uma taxa de retorno baixa. O País, então, não investe em infraestrutura e, por isso, não cresce. O governo fica tentando resolver o problema injetando mais demanda na economia e deixando a inflação subir. E isso cria dois defeitos: crescimento baixo e inflação alta. O BC exagerou quando baixou os juros, porque tentou usar a Selic para estimular o crescimento. A política fiscal brasileira deveria mudar integralmente. E preciso um superávit forte e privatizações para deixar o setor privado investir."
'O problema não está no BC, mas no Ministério da Fazenda'
Gustavo Franco, Sócio da Rio Bravo Investimentos
"É claro que dá para mexer em inflação e crescimento independentemente. Não há relação linear. Dizer que as políticas ortodoxas implicam em sacrifício é uma armadilha retórica.
Tudo depende do que seja determinante para o crescimento.
No governo Dilma, aumentaram os gastos públicos e o crescimento caiu. É evidente que houve uma deterioração da confiança empresarial em relação ao equilíbrio das contas públicas. A receita supostamente desenvolvimentista heterodoxa fracassou. Para voltar a crescer, o Brasil precisa retomar as reformas, ter políticas macro responsáveis e mais investimento privado. No Brasil, as pessoas relutam a acreditar em algo simples: o investimento é acumulação de capital. As políticas têm de ser amistosas ao capital. A inflação está mais camarada do que eu esperaria dada a deterioração das condições fiscais. O melhor instrumento para combater a inflação é a política fiscal. Sem uma política fiscal sadia, teremos uma solução inferior que é a alta dos juros. O problema não está no BC, mas no Ministério da Fazenda e na Presidência."
'Real apreciado impede o crescimento'
Luiz Carlos Bresser-Pereira, Professor da FGV
No curtíssimo prazo, não é possível reanimar o crescimento e controlar a inflação ao mesmo tempo. O Brasil cresce pouco porque o câmbio está sobrevalorizado. Se a moeda depreciar, o efeito inflacionário é pequeno, mas inevitável e prejudicaria a meta de inflação. Eu acho que o governo deveria corrigir a taxa de câmbio. O ideal seria o dólar a R$ 2,90, mas não há condições políticas, porque, além de compra de divisas e de controle da entrada de capitais, seria necessário um imposto sobre a exportação de commodities. Provavelmente o governo conseguiria levar o dólar para R$ 2,30, o que já seria alguma coisa. O câmbio é um interruptor de luz, que dá ou nega acesso à demanda. Estamos desconectando nossas empresas da demanda. Estou de acordo que é necessário destravar os investimentos, mas só é possível fazer isso criando oportunidades lucrativas para os empresários. Também é necessário uma política de concessões, mas não substitui um câmbio competitivo. Não vejo necessidade de subir os juros. Isso não interessa ao Brasil. O governo ainda tem outros mecanismos, como as medidas macroprudenciais.
Fonte: O Estado de S. Paulo