• Procurador italiano tentou, sem sucesso, esclarecer referências a ex-presidente feitas por homem apontado como operador de Berlusconi
Jamil Chade - O Estado de S. Paulo
NÁPOLES - O Ministério Público da Itália interrogou no fim de março o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato para tentar colher informações que auxiliem uma investigação de indícios de corrupção envolvendo Valter Lavitola – que está preso no país europeu sob a acusação de extorsão – e o ex-premiê Silvio Berlusconi em negócios com empresas italianas no Brasil.
O que levou os italianos a buscar Pizzolato foi uma carta datada de 13 dezembro de 2011 e endereçada a Berlusconi. Nela, Lavitola cita o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O italiano é apontado como o “operador” do ex-premiê. Ele fala de uma concessão para a exploração de madeira na Amazônia que teria adquirido e sugere que Lula o teria ajudado a chegar a um acordo com uma empresa. Essa empresa, não identificada, teria comprado parte da concessão. Lavitola lamenta, porém, que, naquele momento, o ex-presidente brasileiro não estaria mais ajudando.
“O calor do processo judiciário está determinando um compreensível, mas odioso, ostracismo em minha relação. Ninguém quer assinar nada que tenha a ver comigo e infelizmente o presidente Lula (que se confirmou como um verdadeiro amigo) já não conta quase nada”, escreveu na carta endereçada a Berlusconi.
O italiano morou no Brasil e, em 2008, obteve um visto de residência. Documentos do Banco Central obtidos pelo Estado revelam, por exemplo, que Lavitola estava registrado no órgão, chegou a ter importações financiadas e até mesmo um CPF.
A correspondência de 13 de dezembro de 2013 foi usada como base do processo que condenou Lavitola à prisão por tentar extorquir Berlusconi em 5 milhões de euros.
O Ministério Público italiano está convencido de que Lavitola guarda “importante segredos” em relação ao ex-primeiro-ministro. Por isso, no dia 19 de março deste ano, o procurador de Nápoles, Vincenzo Piscitelli, decidiu ouvir Pizzolato na prisão de Módena, no norte da Itália, onde está desde 5 de fevereiro e aguarda o processo de extradição para que possa cumprir sua pena de 12 anos e 7 meses de prisão imposta pelo Supremo Tribunal Federal por seu envolvimento com o esquema do mensalão – a audiência sobre a extradição está marcada para 5 de junho.
O ex-diretor do Banco do Brasil fugiu para a Itália no ano passado antes de ser preso. Em fevereiro, depois de cinco meses foragido, ele foi capturado em Maranello, próximo de onde está detido agora. Ele usou documentos falsos de um irmão morto há mais de 30 anos para sair do Brasil e circular pela Europa.
Negócios. Em 22 de abril, o Estado noticiou o depoimento prestado por Pizzolato. Tanto o Ministério Público italiano quanto a Polícia Federal brasileira afirmam que há possibilidade de haver “negócios conjuntos” de Lavitola com o ex-diretor do Banco do Brasil envolvendo interesses de empresas de telecomunicações. O objetivo principal da oitiva de Pizzolato na prisão de Módena, porém, era mesmo entender a citação a Lula. Segundo o procurador Piscitelli, o brasileiro não deu qualquer tipo de resposta quando foi questionado sobre o assunto.
O documento que deu origem ao depoimento de Pizzolato foi encontrado nos computadores apreendidos de um outro suspeito de fazer parte de esquemas de corrupção, o ítalo-argentino Carmelo Pintabona.
O Ministério Público italiano afirma que tem provas sobre os negócios de Lavitola no Brasil. Há, de fato, uma madeireira ligada ao italiano, a Maremma. A holding tem sede oficial em Nova York. Mas seus escritórios ficam em Roma. Ela faz parte do Bonaventura group llcc, empresa de Lavitola que centraliza todos seus negócios e que, segundo a Justiça, chegou a acumular ativos de 5 bilhões de euros no auge do poder de Lavitola. No Brasil, porém, a madeireira que explora a concessão usa um outro nome, não revelado pela Justiça italiana à reportagem do Estado. Todas elas já foram confiscadas pela Justiça italiana, no último dia 28 de abril. O Estado não conseguiu identificar, portanto, os contratos de concessão de extração de madeira na Amazônia ligados a Lavitola.
Laranjas. Os documentos que estão com o Ministério Público italiano também apontam para um esquema suspeito de ser o de estabelecimento de “laranjas” para atuar em nome de Lavitola no Brasil. O italiano passou parte das ações de sua empresa com sede em Nova York para duas brasileiras: Neire Cássia Pepes Gomes, de Manaus, e Danielle Aline Louzada. Ambas passaram a ter o direito de assinar em nome da holding.
Na carta de 2011, de 20 páginas, escrita no Rio, Lavitola lista favores que já havia prestado ao Berlusconi e cobra do ex-primeiro-ministro ajuda financeira. Lavitola já estava sendo investigado e temia ser preso, como acabaria acontecendo.
A primeira cobrança é de que, se um dia saísse da prisão, Lavitola contaria com Berlusconi para poder viver no Brasil. “É necessário que, quando eu sair da prisão, que eu vá viver no Brasil”, escreveu ao ex-premiê.
É no capítulo sobre seus negócios no Brasil que Lavitola cita Lula e mais precisamente em seus empreendimentos no setor de explosão de madeira. A menção sugere que o ex-presidente teria atuado para favorecer o italiano em uma disputa. “Ele (Lula) só conseguiu obter da direção da companhia compradora que, com uma sentença (obviamente concordada) de uma Corte Arbitral, venha impor a eles um acordo comigo”, escreveu.
Procurado por meio do Instituto Lula, a assessoria do ex-presidente disse que ele nunca ouviu falar de Lavitola.
Versões. Depois de ter admitido em uma primeira audiência nos tribunais italianos que a carta era dele, Lavitola mudou sua versão em diversas oportunidades. Em 2012, ele declarou que não chegou a mandar a carta a Berlusconi. Agora, seu advogado, Antonio Cirilo, diz que a carta é falsa e que alguém do “serviço secreto americano” a escreveu.
Pintabona, em uma audiência diante do procurador Piscitelli, confirmou a veracidade da carta. No mesmo interrogatório, Pintabona afirma que Lavitola foi quem o apresentou a Berlusconi durante a viagem do ex-premiê ao Brasil. Lavitola é investigado por ter promovido, naquela viagem, uma festa em São Paulo para Berlusconi com a presença de prostitutas.
O advogado de Pizzolato no processo de extradição, Alessandro Sivelli, disse que “é destituída de qualquer fundamento” a notícia de que seu cliente “teria sido interrogado pela autoridade judicial italiana e, em particular, pela Procuradoria da República de Nápoles, pelo crime de lavagem de dinheiro cometido em conjunto com notáveis da política italiana.”
Facilitador. Valter Lavitola foi acusado pela Justiça italiana de ter facilitado uma série de esquemas financeiros comprometendo Berlusconi.
Apontado como o operador de Berlusconi, Lavitola vivia no Rio de Janeiro em 2011, quando fugiu para o Panamá depois de ser indiciado naquele mesmo ano na Itália. Mas se entregou em 2012 e retornou para Roma. Ex-editor do jornal Avanti, Lavitola é acusado de ter pago US$ 24 milhões em propinas às autoridades do Panamá para que o governo centro-americano fechasse um acordo para a compra de radares e outros equipamentos militares da gigante italiana Finmeccanica.
Lavitola também foi acusado e condenado por extorsão contra Berlusconi, exigindo 5 milhões de euros por seu silêncio em relação às atividades do ex-primeiro-ministro italiano.