quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Governo ainda deve solução eficaz para armamentismo

O Globo

Há mais de 1,6 milhão de armas em situação irregular e quase 1 milhão nas mãos de amadores

O avanço do armamentismo no governo passado se transformou em herança pesada para a gestão Luiz Inácio Lula da Silva. Dos 2,89 milhões de armas registradas na Polícia Federal (PF) em nome de civis, servidores públicos, policiais e guardas municipais para defesa pessoal, 1,6 milhão, mais da metade, está em situação irregular, com o registro vencido, de acordo com reportagem do Jornal Nacional. Esse total não inclui os Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs), a categoria de amadores que se multiplicou no governo Jair Bolsonaro, atraídos pela facilidade de comprar armas e munições.

De 2018 ao final de 2022, a quantidade de CACs sextuplicou, de 117.467 para 783.385. O novo governo suspendeu decretos armamentistas de Bolsonaro, determinou a concentração na PF do controle de todo o armamento em mãos de civis. Concluído no ano passado, o recadastramento da PF contou 939.154 armas em poder de amadores. Mas a resistência do Exército a abrir mão do controle dos CACs e da própria PF a assumir a função, alegando falta de estrutura, tem mantido intocado esse arsenal. As armas continuam em circulação e, como mostrou reportagem do GLOBO, os clubes de tiro continuam funcionando a pleno vapor. Pouco se avançou na solução desse grave problema.

Vera Magalhães - Política com tecla SAP

O Globo

Lula e Bolsonaro tentam editar declarações comprometedoras numa era em que vídeos deixam pouca margem para dúvida

Numa era em que declarações de políticos ganham as redes sociais, com direito a vídeo em questão de minutos, tentar reescrever declarações e adicionar “contextos” ou interpretações posteriores tem pouca validade para além de apaziguar as torcidas organizadas. Foi o que tentaram fazer, no mesmo dia, Lula e Jair Bolsonaro, com falas recentes que causaram celeuma.

O presidente concedeu entrevista ao jornalista Kennedy Alencar em que se apegou ao fato de não ter usado a palavra “Holocausto” em sua declaração em Adis Abeba, onde disse que o único precedente para o que Israel comete na Palestina tinha sido “quando Hitler resolveu matar os judeus”.

Não é preciso fazer um tratado de interpretação de texto para saber que a ausência da denominação histórica dada à matança dos judeus pela Alemanha nazista não elimina a comparação disparatada feita pelo presidente brasileiro.

Esse tipo de contorcionismo poderia e deveria ser evitado por Lula. Se ele não viu razões para se retratar da fala, não há por que achar que Holocausto foi “interpretação” de Benjamin Netanyahu. Não foi o primeiro-ministro de Israel que deu nome ao evento histórico nefasto do Holocausto.

Elio Gaspari - A anistia de Bolsonaro

O Globo

Se não havia trama golpista, vai-se anistiar o quê?

A manifestação convocada por Jair Bolsonaro para a Avenida Paulista mostrou o vigor de sua liderança política. Quem esteve lá informa que havia até mesmo cordialidade no ambiente. O Bolsonaro de 2024 pretende ser diferente de todos os anteriores:

— O que eu busco é a pacificação, é passar uma borracha no passado. É buscar uma maneira de nós vivermos em paz, não continuarmos sobressaltados.

É, ou seria, um novo e bem-vindo Bolsonaro. Dando um passo adiante, ele falou em “conciliação”:

— É, por parte do Parlamento brasileiro, uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação. Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil. Agora nós pedimos a todos os 513 deputados, 81 senadores, um projeto de anistia para que seja feita justiça em nosso Brasil.

Na mesma ocasião, ele ressalvou que não pretende beneficiar quem vandalizou prédios no 8 de Janeiro. Sobram aqueles que pretendiam anular o resultado da eleição em que Lula o derrotou.

Bernardo Mello Franco – Borracha no passado

O Globo

Jair Bolsonaro convocou sua tropa para mostrar força e tentar barganhar uma anistia. Três dias depois de silenciar na Polícia Federal, o capitão abriu o bico na Avenida Paulista.

Seu apelo foi explícito: “O que eu busco é a pacificação. É passar uma borracha no passado. É buscar maneiras de nós vivermos em paz. É não continuarmos sobressaltados”.

De volta ao palanque, o ex-presidente falou em “conciliação” e “anistia para aqueles pobres coitados que estão presos”. Na prática, quer um acordão para proteger aliados e salvar a própria pele.

O comício de domingo provou que Bolsonaro ainda tem capacidade de mobilização. Derrotado nas urnas e declarado inelegível, ele mantém a condição de líder inconteste da direita.

Luiz Carlos Azedo - Relação de Lula com evangélicos tem duas dimensões

Correio  Braziliense

Presidente não consegue atrair o eleitorado pentecostal, embora tenha apoio de setores evangélicos. O fosso está nas questões do aborto e das relações homoafetivas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é católico romano, sempre foi ligado aos padres adeptos da teoria da libertação, sobretudo ao frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, ou Frei Betto. Na década de 1970, Frei Betto organizou Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) na Arquidiocese de Vitória (Espírito Santo); depois foi para São Paulo, trabalhar na Pastoral Operária do ABC. Foi quando se aproximou de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, que havia liderado as grandes greves operárias do ABC em 1978.

A chegada de Frei Beto a São Bernardo coincide com a fundação do PT, que se tornaria o leito natural para os militantes das comunidades eclesiais de base, que estavam sendo dissolvidas por ordem do Papa João Paulo II. Frei Betto era amigo de dona Marisa, falecida esposa de Lula, e chegou a assessorá-lo no Palácio do Planalto, no primeiro mandato. Essa relação, que se mantém até hoje, está longe de favorecer uma aproximação de Lula com os evangélicos.

Roberto DaMatta - O mal-estar da globalização

O Globo

Todo conflito desvenda exclusivismos que não podem ser tomados como modelos absolutos

Quando se trata de guerra — de violência e fúria que fulminam pessoas e formas de vida —, todo comentário é discutível e potencialmente ofensivo. Feita a primeira vítima, fica difícil chegar à última.

Nas razões convocadas pela guerra, quando ela emerge como um sujeito — uma instituição com direitos tão profundos quanto justos e desumanos do agredido ou do agressor —, o conflito armado tem enorme vigor. Isso porque ele chama a promessa de finalização de uma injúria ou etapa histórica. Quem não se lembra daquela guerra que acabaria com todas as guerras?

Se o mundo fica melhor sem judeus, muçulmanos, católicos, puritanos, materialistas, índios... — eu esgotaria um volume com exemplos —, então há o remédio de tomar Jerusalém, exterminar subversivos e catequizar índios e todos os que não são como nós. Se não admitimos o outro como alternativa e classificamos as alternativas como erros, ignorância, pecado, primitivismo, doença ou deformação, legitimamos seu extermínio porque, nesse caso, o aniquilamento é cura, livramento e progresso. Algo, valha-me Deus, que está na base de todo etnocentrismo e dos anacronismos.

Zeina Latif - No inevitável mundo novo, todos querem ser ouvidos

O Globo

As redes não aumentam a polarização da forma imaginada, não se distanciando do que ocorre no mundo off-line

A crise global de 2008-09 e seus desdobramentos produziram inflexões no sentimento das sociedades mundo afora. A insatisfação com governantes, instituições e elites só fez crescer, com a visão de que as classes populares foram deixadas para trás. No Brasil, a inflexão veio nos protestos de 2013. O país que muito prometeu decepcionava os filhos da nova classe média recém surgida.

O segundo capítulo dessa história veio, em um contexto de insegurança econômica, com a ascensão de políticos populistas no mundo ocidental, ocupando o vácuo deixado por líderes que não conseguiram compreender os novos anseios da sociedade.

Barry Eichengreen aponta algumas características próprias dos líderes populistas, como se colocarem como “salvadores”, propondo soluções imediatistas e contraproducentes, com pouco apego a recomendações técnicas.

São “anti” muitas coisas e atacam políticos tradicionais, que são vistos como corruptos ou dominados por grupos que conspiram contra o bem comum. Os populistas de direita atacam as minorias e os de esquerda, segmentos da elite — outra parcela é premiada com favores oficiais.

Fernando Exman* - Articulação do Planalto entra em nova fase

Valor Econômico

Cargo de articulador político do Planalto está longe de ser um emprego confortável

Vem do processo cinematográfico a frase segundo a qual uma foto não representa o todo do filme. Afinal, o cérebro humano é incapaz de processar várias imagens como fotografias independentes, quando elas são transmitidas em alta velocidade. Sequenciados, os quadros, ou “frames”, provocam uma sensação de movimento. Ao fixar-se apenas em um dos fotogramas, o público pode ser levado a um erro de avaliação.

É o que ocorre quando se analisa, individualmente, as fotografias divulgadas nas redes sociais na quinta-feira (22) à noite pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após encontro com líderes partidários e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Lula aparece ladeado por Lira e pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, também ocupa o primeiro plano. Mais distante, aparece o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Mas são as fotos, não o filme. Hoje, Rui Costa é o interlocutor preferencial de Lira. E o sucesso da agenda do governo depende dessa relação, embora a função estivesse fora dos planos do ministro.

Christopher Garman* - Ato mostra força eleitoral de Bolsonaro

Valor Econômico

Ato mostra realidade que contraria análises que previam uma pacificação do país após a eleição de 2022 e um declínio na relevância política do ex-presidente

Sob qualquer métrica, o ex-presidente Jair Bolsonaro atingiu seus objetivos com a manifestação realizada na Avenida Paulista no último domingo. Acuado diante de investigações contra ele e membros de seu círculo pessoal, Bolsonaro deu uma demonstração de força política.

Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apontam que entre 600 mil e 750 mil pessoas compareceram ao ato. Ainda que esses números não sejam precisos - ou sejam até mesmo inflados - as imagens deixam claro que a manifestação teve um tamanho considerável. Por sua vez, o pedido do ex-presidente para que os participantes evitassem cartazes criticando diretamente o Judiciário foi atendido - o que atenua o risco (relevante) de dar mais munição a ações judiciais contra ele. Finalmente, as grandes lideranças nacionais de direita compareceram ao evento.

A manifestação pode ser examinada sob duas óticas: suas repercussões de curto prazo ou que ela indica sobre o futuro da política brasileira. A segunda é bem mais relevante que a primeira.

Lu Aiko Otta - Receitas seguiram fortes em fevereiro

Valor Econômico

Desempenho da arrecadação é recebido com alívio nos bastidores da equipe econômica

Fevereiro ainda não acabou, mas os dados preliminares mostram que a arrecadação tributária seguiu robusta. Haverá queda em relação ao recorde histórico de janeiro. Por motivos sazonais, os ingressos de receita são maiores no primeiro mês do ano do que no segundo. Mas tudo indica que haverá, novamente, uma surpresa positiva.

O desempenho da arrecadação é recebido com alívio nos bastidores da equipe econômica. Também há grande torcida para que se confirme o anúncio, hoje, de um forte superávit primário nas contas do governo central em janeiro. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou um saldo positivo de R$ 77,9 bilhões para o mês.

Assim, ganha corpo a hipótese de o governo não tomar a impopular decisão de contingenciar despesas para cumprir a meta de zerar o déficit público neste ano eleitoral. A decisão será anunciada no dia 22 de março, com a divulgação do relatório bimestral com projeções de receitas e despesas para o ano.

Vinicius Torres Freire - Dinheiro largado no chão do governo

Folha de S. Paulo

Revisão de gasto é necessária para que país seja mais justo e eficiente, não apenas o governo

O governo antecipou o pagamento de R$ 30,1 bilhões em precatórios deste ano. Rendeu economia de R$ 2 bilhões em juros etc. contou a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) a este jornalista. Não precisou bulir com ninguém, não cortou serviço ou benefício. Achou uma nota de R$ 100 no chão. Há outras por aí.

É muito dinheiro, R$ 2 bilhões. Faltam coisas tão elementares como ultrassom e remédio em hospital público, carteiras e material de limpeza em escolas etc.

É pouco dinheiro. Equivale a 0,1% do total da despesa federal em 2023, que foi de R$ 2,1 trilhões.

É dinheiro bem gasto? É pergunta necessária, claro, para qualquer item da despesa.

É preciso, possível ou recomendável cortar todos os ganhos obtidos com revisão de gastos e programas do governo? Não. Por exemplo, afora milagres, jamais será possível fazê-lo nas despesas com saúde pública, em que a necessidade é feia.

Igor Gielow - Recado da Paulista para Lula vai além de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Eleição na capital é teste para a musculatura antipetista apresentada na avenida

Se a multidão levada à avenida Paulista no domingo (25) de certa forma encarnou um epitáfio do poderio do bolsonarismo como forma de pressão de seu líder sobre as instituições, há sinais de uma movimentação social que deveria preocupar Lula (PT) e seu governo.

Jair Bolsonaro (PL) não ficou um centímetro mais distante das agruras judiciais que o esperam devido ao comportamento golpista por causa dos milhares que envergaram verde e amarelo. Seu tom amedrontado, deixando o serviço sujo para o pastor Silas Malafaia, confirma essa realidade.

Assim, fica fácil para o governo tergiversar e a esquerda em geral repetir o erro usual de tachar a totalidade dos presentes ao evento pseudoreligioso de gado, fascista ou algo do gênero.

Bruno Boghossian - Tarcísio perdeu o CPF na Paulista

Folha de S. Paulo

Se aliados descrevem o governador como um equilibrista, falta explicar por que ele sempre cai para o mesmo lado da corda

Tarcísio de Freitas disfarçou mal. Pegou o microfone, apertou velhos botões do patriotismo ("estamos aqui para celebrar o verde-amarelo") e lançou palavras genéricas sobre liberdade. Enquanto colegas exibiam uma dose de orgulho golpista, ele disse que era preciso entender um tal "desafio da representatividade".

O governador paulista tentou fingir que aquele era um comício normal, num domingo qualquer. Exaltou obras de infraestrutura hídrica, citou um questionável milagre de expansão de ferrovias e disse ser grato a seu líder político —sem mencionar que os dois só estavam ali porque um deles corre o risco de ser preso por preparar um golpe de Estado.

Mariliz Pereira Jorge - Gente ignorante ganha eleição

Folha de S. Paulo

Tratar o bolsonarismo como um movimento de elite em 2024 é puro elitismo

É quase irresistível não fazer piada sobre os participantes da manifestação convocada por Jair Bolsonaro. Tudo tão caricato, mas o que vimos é mais alarmante do que cômico. Em público, integrantes do governo Lula ironizaram, enquanto o presidente reconheceu que foi "grande". Pelo menos temos um adulto na presidência.

Tanto faz se foram 185 ou 700 mil, era gente para dedéu na rua, sem falar de lives que reuniram mais de 200 mil pessoas e da mobilização nas redes, na quantidade de artigos, muitos desmerecendo o significado do ato, além dos que se lambuzaram em etarismo, racismo e elitismo. Por mais engraçado que seja, as senhoras que entoam Geraldo Vandré devem acreditar que lutam pela democracia e talvez estejam dispostas a pegar em armas para defendê-la da ditadura em que acreditam viver. O nível de dissonância cognitiva é grande, mas produzir meme não dissolve essa massa antidemocrática.

Wilson Gomes* - Construir pontes ou afiar facas?

Folha de S. Paulo

Em um cenário de radicalização, Lula precisa ponderar o que fala

Na semana passada, argumentei que Lula estava diante de uma escolha crucial entre abraçar ou rejeitar a "via bolsonariana".

Nos últimos quatro anos, vimos que governar é fazer declarações e decidir que se vai falar só para os seus, mesmo que sejam uma minoria, criar inimigos, provocar o outro lado, polemizar sempre, além de mostrar-se forte e viril, popular e amado ou vítima e vulnerável, conforme a conveniência.

Lula hesita, mas vai ter que optar. Afinal, ou ele constrói pontes ou afia facas; ou investe em uma nova maioria composta com quem não lhe fez juramentos de fidelidade e ainda o olha com desconfiança ou aposta tudo nos seus crentes e se assume como líder de seita.

O recente episódio de radicalização dos lulistas deveria servir como uma lição sobre as consequências da adoção da abordagem bolsonariana.

Marcelo Godoy - A prisão que desafia Moraes

O Estado de S. Paulo

Se há erro no caso de Martins, ele deve ser solto; a PF tem como saber se prova da defesa é válida

A virtù e o direito eram para Cícero premissas, o núcleo fundador de seu tratado sobre a República. Não é por outra razão que Francesca Nenci, ao analisar a obra De Re Publica do pensador romano, afirma que, por meio de uma concepção da virtude (virtus) estritamente ligada ao direito, o diálogo de Cícero se sustenta em um sistema de valores próximos à tradição ocidental do chamado republicanismo. A teoria ciceroniana tem como base a ideia de que o homem tem por fim natural a vida em sociedade onde possa realizar a parte melhor de si mesmo justamente no âmbito do Estado, como cidadão, em sua vita activa. O ministro Alexandre de Moraes conhece bem essas páginas. Poucos em Brasília sabem como ele a importância da virtù para um homem público. Sua trajetória é testemunha disso.

Poesia | Quando olho para mim, de Fernando Pessoa

 

Música | Marisa Monte e Paulinho da Viola - Dança da Solidão