sábado, 16 de julho de 2016

Opinião do dia - Bolívar Lamounier

No Brasil, os intelectuais não se criticam mutuamente. Trata-se, ao que parece, de uma decorrência da exiguidade numérica: num grupo tão pequeno, questionamentos mútuos “não pegam bem”. Pode também ser um modus vivendi: como a maioria combina a atividade docente universitária com algum envolvimento político, cada um se sente no direito de fazer proselitismo partidário ou ideológico sem ser “incomodado” pelos demais.
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Bolívar Lamounier é cientista político. ‘Parece loucura, mas tem método’, O Estado de S. Paulo, 16/7/2016

Temer e PMDB apoiam PEC que limita partidos

• Após a eleição na Câmara explicitar a fragmentação partidária, presidente em exercício dá aval para que peemedebistas se unam ao PSDB na defesa de cláusula de barreira

Caio Junqueira e Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O recorde de candidaturas na eleição para a presidência da Câmara nesta semana fez o governo endossar um movimento para que PMDB e PSDB, os dois maiores partidos da base aliada do presidente em exercício Michel Temer, retomem no Congresso o debate sobre a imposição de uma cláusula de barreira para limitar a proliferação de legendas e conter a fragmentação partidária.

A cláusula de barreira é um índice que estabelece um porcentual mínimo de votos válidos que cada partido deve obter nas eleições, caso contrário há limitação ou perda de acesso ao Fundo Partidário, ao tempo de TV e atuação parlamentar.

O Congresso aprovou uma cláusula de 5% em 1995, mas, após pressão de pequenos partidos, a restrição foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2006. Agora, porém, impulsionados pela dificuldade de gerir a crise política com um Congresso cada vez mais fragmentado, Temer deu aval para que grandes partidos de sua coalizão retomem o debate. A via indireta é uma estratégia para ele não se indispor com siglas pequenas e médias que poderiam ser prejudicados com a proposta.

A primeira iniciativa neste sentido ocorreu já no dia seguinte à eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara, quando o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), apresentou uma emenda constitucional elaborada pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) ao recém-eleito. Para evitar confrontar a decisão do STF, o texto prevê uma adoção gradual da cláusula: 2% em 2018 distribuídos em 14 Estados e 3% em 2022.

Também determina o fim das coligações proporcionais até as eleições de 2020, outro limitador para pequenos partidos. Maia citou a medida como uma das prioridades de seu mandato-tampão, que expira em fevereiro de 2017. Já o PMDB, com aval do Palácio do Planalto, quer levá-la adiante em 2017 para que esteja válida em 2018.

“Precisamos de uma reforma política urgente com cláusula de barreira”, disse ao Estado o presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR). Para o senador José Aníbal (PSDB-SP), a eleição desta semana reforça a necessidade da cláusula. “A eleição na Câmara é um argumento poderoso para a cláusula. Não é possível trabalhar assim.”

Nas últimas eleições, a falta de uma limitação permitiu que 28 partidos elegessem deputados, um recorde na história recente do País. Se houvesse uma cláusula de barreira de 2%, o número de siglas com representantes no Congresso cairia para 16.

Novos. A cláusula também dificultaria a criação de partidos. Hoje há 35, sendo quatro formados depois de 2014. No TSE, estão em processo de criação 29 legendas. Algumas delas: Partido do Esporte, Partido Nacional da Saúde, Partido Popular de Liberdade de Expressão Afro-Brasileira e Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil. Em 2015, o Fundo Partidário chegou a R$ 812 milhões.

Duas dificuldades, porém, impõem-se à aprovação. Uma é como fazer com que o texto aprovado não confronte o que já foi considerado inconstitucional pelo STF. A outra é conseguir aprovar a emenda em um Congresso no qual boa parte dos parlamentares vê na fragmentação partidária sua força. Além disso, partidos pequenos mais programáticos prometem judicializar novamente o debate. “A decisão do STF foi em respeito às minorias. Quem é minoria hoje pode ser maioria amanhã. Até concordo com um filtro que exclua os partidos cartoriais, sem representatividade na sociedade. Mas os partidos ideológicos existem no mundo inteiro”, disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Proposta repete a fórmula que foi rejeitada em 2006

David Fleischer - O Estado de S. Paulo

Novamente, em 2016 para 2018, o Congresso Nacional volta a cogitar mudanças na legislação eleitoral e partidária dentro do conceito de uma “reforma política”. Desde 1985 tentaram aprovar alguma coisa na agenda de uma reforma política, mas com poucos resultados.

O Brasil utiliza o pior sistema eleitoral possível – representação proporcional de lista aberta com coligações. Muitos países usam representação proporcional, mas, em quase todos eles, com lista fechada. Quer dizer que o eleitor somente pode votar numa lista partidária e não em candidatos individuais (voto nominal).

Uma proposta para modificar a situação seria simplesmente “fechar a lista”, mas essa ideia já foi rejeitada várias vezes. Duas outras parecem ser mais viáveis: proibir coligações nas eleições proporcionais e impor uma cláusula de barreira, talvez de 2% ou 3%. Juntas, poderiam reduzir o número de partidos na Câmara dos 28 atuais para uns nove ou 10.

Recentemente, Aécio Neves (PSDB-MG) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES) apresentaram a PEC 36, propondo a adoção de uma cláusula de barreira para as eleições em 2018. Porém, aparentemente, esses dois senadores não conhecem a história das tentativas de reforma política no Brasil. A PEC 36 repete a fórmula que foi rejeitada pelo STF em 2006. A norma da cláusula de barreira (5%) teria reduzido o número de partidos de 21 para sete.

Mas essa norma criou deputados de primeira e segunda classes, pois deixava os eleitos tomarem posse, mas sem permitir que fizessem parte de comissões permanentes nem que esses partidos tivessem lideranças na Câmara. Agora, a PEC dos dois tucanos cai no mesmo erro de 2006. Uma cláusula de barreira é para barrar – não criar deputados de “segunda classe”.
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*Professor emérito de ciência política na Unb

Um freio na proliferação de siglas

• Renan e Rodrigo Maia querem aprovar pontos como cláusula de barreira e fim das coligações

Eduardo Bresciani, Isabel Braga, Leticia Fernandes e Maria Lima - O Globo

BRASÍLIA - A defesa de mudanças no sistema partidário e eleitoral, em regime de urgência, poderá unir partidos da base aliada e da oposição. Na reunião que o novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), teve com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quinta-feira, ficou acertado que os dois criarão uma comissão mista especial para agilizar a tramitação da reforma, com o objetivo de tentar aprovar mudanças até o fim do mandato de ambos, em janeiro.

Após ser eleito, Maia recebeu do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), uma proposta de reforma que visa reduzir o número de partidos no país, a partir da criação de uma cláusula de desempenho mínimo e da proibição de coligação entre as legendas para as eleições parlamentares. A relatoria ou a presidência da comissão que analisará as propostas pode ficar com Aécio. A proposta já enfrenta a resistência de pequenos partidos.

Financiamento público na pauta
A ideia da articulação comandada por Renan, Maia e Aécio é reunir os partidos médios e grandes para conseguir aprovar essas medidas. Há a expectativa de contar também com o apoio do PT.

Outro assunto que deve entrar em debate e preocupa todos os partidos é o financiamento público das campanhas, agora que as empresas não podem mais fazer doações aos candidatos. O PT, que apoia essa proposta há anos, também está preocupado em coibir a infidelidade partidária.

A tentativa de união dos grandes partidos contra os pequenos já ocorreu outras vezes, mas sempre fracassou. A última foi no ano passado, na votação da reforma política. Havia votos suficientes para aprovar a cláusula de desempenho, mas, como estava em discussão o sistema de votação, os grandes partidos acabaram se dividindo em alianças com pequenos, e se comprometeram a não aprovar a proposta.

Por isso, a ideia agora é centrar os debates apenas nesse tema e no fim das coligações proporcionais. Nesse caso, a ideia é fazer a mudança apenas em 2020, o que daria tempo para os partidos e para os parlamentares de pequenas legendas programarem seu futuro até lá.

“Esses caras vivem do fundo partidário”
Nos últimos anos, os parlamentares vêm tentando aprovar uma reforma política com cláusulas de barreira e fim das coligações proporcionais, mas a tramitação esbarra na reação dos pequenos partidos. As mudanças até passam no Senado, mas param na Câmara.

O acesso irrestrito aos milionários recursos do Fundo Partidário e ao tempo de TV é um obstáculo às cláusulas de barreira. Para se ter uma ideia, o recém-criado Partido Ecológico
Nacional (PEN), com apenas dois deputados, receberá R$ 5,8 milhões este ano.

— A resistência dos nanicos será nossa maior dificuldade, mas vamos tocar agora, com a força de Rodrigo Maia. Esses caras vivem disso, do Fundo Partidário — disse o líder do DEM, deputado Pauderney Avelino (AM).

A fragmentação partidária, ampliada nos últimos anos, dificulta o progresso da iniciativa. Para conseguir aprovar a mudança na Constituição seriam necessários 308 votos. Na configuração atual da Câmara, sete partidos teriam que se unir de forma quase integral para atingir esse número: PMDB, PT, PSDB, PP, PR, PSD e PSB. Juntos, eles somam 331 deputados.

Atualmente, há 27 partidos na Câmara, e 13 deles têm menos de dez deputados, o que torna reduzidas suas chances de superar a cláusula de barreira. Entre eles está o PSC do líder do governo na Casa, André Moura (SE).

— Vamos ter que ter coragem para enfrentar isso. Nós queremos aprovar as cláusulas de barreira, mas não para matar os partidos — defendeu Aécio, autor da proposta encampada por Rodrigo Maia.

O líder do PT, Afonso Florence (BA), disse ser favorável aos pontos propostos e acrescentou ser preciso achar uma solução que não prejudique as legendas pequenas que têm “densidade ideológica”, citando como exemplo PSOL e PCdoB.

— Tem muito partido mesmo, mas tem partido pequeno que tem ideologia e partido pequeno que é artificial — afirmou Florence.

Resistências declaradas
Na reunião com Renan, Rodrigo Maia citou a resistência do PCdoB — que foi importante para a vitória dele — ao fim das coligações proporcionais. Para o líder do PMDB, Baleia Rossi, a polêmica deve ser menor sobre as coligações:

— Pode ser algo progressivo. Do jeito que está, é insustentável. Não podemos ter 35 partidos, não é bom nem para a democracia — afirmou o peemedebista.

O líder do PTB, Jovair Arantes (GO), disse que o fim das coligações e a cláusula de barreira só serão aprovados se for estipulada uma data futura, que não atinja os atuais atores políticos.
— Tem que ser para o futuro. Muitos partidos que eram pequenos cresceram — disse Jovair.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que o PSOL concorda com o fim das coligações nas eleições proporcionais, mas não com a cláusula de barreira.

— O fim das coligações dará uma enxugada enorme, e o resto terá decantação natural. A cláusula de barreira é antidemocrática, os pequenos nem poderão sobreviver. Será a cristalização dos grandes partidos atuais, que também sofrem de nanismo moral: alguns pequenos se vendem porque os grandes e médios compram.

No Senado, PMDB atuou a favor da escolha de Maia

• Em troca, partido conseguiu que fosse mantido o acordo para eleição de Eunício em 2017

Júnia Gama - O Globo

BRASÍLIA - Com medo de ter sua hegemonia afetada e tentando eliminar a influência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre o Congresso, o PMDB do Senado atuou de forma decisiva pela eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara. O acordo que possibilitou a vitória de Maia teve como pano de fundo a ameaça velada de que, caso não ajudasse a eleger Maia, a negociação para que os peemedebistas fiquem com a presidência do Senado em fevereiro do ano que vem estaria comprometida.

Os senadores José Agripino (DEM-RN) e Aécio Neves (PSDB-MG) estiveram na linha de frente da negociação. A interlocução foi feita, principalmente, com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o líder do partido, Eunício Oliveira (PMDB-CE), candidato a presidir a Casa no próximo ano.

— Na hora que o PMDB fizesse o presidente da Câmara, estaria criado um obstáculo gratuito para a presidência do Senado. Se fosse Rogério Rosso o eleito, também não haveria reciprocidade de nossa parte. Então, eles trabalharam em legítima defesa dos interesses deles — afirmou um aliado de Maia.

Atualmente, há um amplo acordo para eleger Eunício em 2017, mas o PMDB foi informado de que haveria rebelião na base aliada de Michel Temer contra a eleição dele, caso a velha oposição continuasse escanteada dos cargos de comando. Nas contas dos senadores, o trabalho, que incluiu, além de Renan e Eunício, Romero Jucá (PMDBRR) e Jader Barbalho (PMDB-PA), serviu para virar ao menos 20 votos entre os deputados do PMDB.

Além do próprio partido, Renan influenciou na aliança do PCdoB com Maia, por meio de seu aliado Aldo Rebelo. Para o PR, em troca dos votos para Maia, foi prometido um espaço na Mesa Diretora do Senado. Segundo interlocutores de Renan, o sentimento anti-Cunha também contribuiu para o acordo. Seus aliados lembram que, durante o período em que Renan foi alvejado pela Lava-Jato, Cunha fez cobranças públicas sobre ele, tentando jogá-lo no olho do furacão.

Pauta mais conservadora ficará em 2º plano na Câmara, diz novo presidente

Bernardo Mello Franco – Folha de S. Paulo

O novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende impor um freio à pauta conservadora que marcou a gestão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Eleito com apoio da esquerda, ele diz que evitará a votação de projetos que "radicalizem o ambiente" e gerem confrontos em plenário.

Temas que mobilizam as bancadas evangélica e ruralista, como o Estatuto da Família e a proposta que dificulta a demarcação de terras indígenas, devem sair da lista de prioridades do plenário.

Maia elogia Cunha, de quem foi aliado até poucas semanas atrás, mas diz que "tende a votar" a favor de sua cassação. Ele acredita que o peemedebista perderá o mandato em agosto. "Acho que não tem muita saída", afirma.


• Folha - A gestão Eduardo Cunha deixou uma pauta conservadora e polêmica na Câmara. Como o sr. lidará com ela?

Rodrigo Maia - Neste momento de crise, a gente não pode radicalizar mais o ambiente entre governo e oposição, ou entre deputados que pensam de forma conservadora e liberal nos valores.
O Brasil precisa criar um ambiente que seja mais de consenso do que de dissenso. Não quero tensionar as relações na Câmara. Vou deixar os temas que geram mais divisão e mais problemas para um segundo momento.

• Muitos projetos que atingem minorias estão avançando, como o que dificulta a demarcação de terras indígenas e o chamado Estatuto da Família. O que pensa sobre eles?

A demarcação é um tema que está distante da minha realidade. Vou tentar equilibrar. Se deixar na mão dos meus amigos [da bancada ruralista], fica difícil... [risos].

No caso dos temas de valores da família, eu sempre tendo a votar numa posição mais conservadora. Mas acho que neste momento deve prevalecer o consenso. São poucos meses e teremos uma eleição no meio. Se a gente radicalizar nos temas, não vai avançar para lugar nenhum.

• Parte da bancada evangélica o boicotou porque o sr. apoiou, em 2006, um projeto que criminaliza a homofobia.

Foi o último grande projeto aprovado na Câmara. Isso foi usado de forma sórdida e desleal contra mim.

O projeto precisa ser melhorado no Senado, porque tem alguns excessos. Mas o tema da homofobia preocupa a todos, inclusive os evangélicos. E está na ordem do dia porque ainda estão matando pessoas por causa da orientação sexual delas.

Os evangélicos que não misturam as coisas sabem que meus votos foram majoritariamente conservadores nos últimos anos. Eu caminhei do centro para a direita.

• O Planalto quer liberar os jogos. O que pensa disso?

Sou a favor do projeto que libera resorts com cassinos e prevê investimentos na rede hoteleira. Apenas liberar os bingos não dá, mas precisamos discutir o tema. Hoje temos 8.000 máquinas ilegais.

• A liberação dos cassinos pode ser aprovada neste ano?

Se caminhar na linha de um projeto sério, sim.

• O Ministério Público afirma que a legalização do jogo pode favorecer a lavagem de dinheiro do crime. Como evitar isso?

Criando uma agência com estrutura para fiscalização on-line. Nos EUA, o sistema de controle é muito rígido. No Brasil, há muito dinheiro e nenhuma fiscalização.

• A imagem da Câmara está muito desgastada. O que pretende fazer para melhorá-la?

Estamos vivendo a pior crise desde a redemocratização. O sistema político brasileiro faliu. Nós vamos ter que reconstruí-lo de qualquer jeito.
Todos os partidos terão que ter generosidade para abrir mão de posições. Defendo a redução do número de partidos, com a cláusula de desempenho, e o fim das coligações proporcionais.

• Isso não passou na reforma do ano passado, da qual o sr. foi relator. Pode passar agora?

Não dá para ser daqui a quatro ou cinco eleições. Temos que aprovar algo importante até 2018. Todos precisam entender que não dá para fazer eleição do jeito que a coisa está. E o financiamento empresarial não vai voltar tão cedo.

No campo ético, temos que melhorar os sistemas de controle, que são muito falhos, e encaminhar a comissão especial das dez medidas contra a corrupção, propostas pelo Ministério Público. Precisamos construir um texto que dê uma resposta à sociedade no campo da ética.

• O Planalto acaba de retirar a urgência de um pacote de medidas anticorrupção enviado na gestão de Dilma Rousseff.

A retirada da urgência pode parecer uma vontade de não discutir os temas, mas eu não vejo isso no presidente Temer. Para liberar a pauta legislativa, você precisa usar esses instrumentos.

• Como será a eleição municipal deste ano, após o veto às doações empresariais?

Este ano vai ser o caos. Vai ter muita campanha que não vai fechar. O brasileiro acha que no final as coisas acabam tendo solução. Tem muito candidato achando que no final vai aparecer dinheiro. Não vai aparecer.

• O sr. disse que só votará a cassação de Cunha com quorum alto. Havia articulação para esvaziar o plenário e salvá-lo?

Juro por Deus que nunca ouvi isso, mas posso ter me antecipado. Minha preocupação é dizer à sociedade que este tema será pautado. Se votar com quorum baixo, vão dizer que o Rodrigo Maia mentiu. Prefiro que atrase dez dias a ser cobrado depois.

• O sr. foi aliado de Cunha até pouco tempo atrás. Como pode garantir que não atuará para salvá-lo da cassação?

Ninguém nunca me viu interferindo no Conselho de Ética ou na Comissão de Constituição e Justiça. Não vou ajudar nem atrapalhar. Meu papel é fazer o julgamento com isenção.
Eduardo tem méritos. A Câmara funcionou bem na presidência dele. Reconhecer a virtude no momento em que as pessoas estão por baixo é mais difícil que apontar os erros. Para apontar os erros dele, já tem muita gente.

• Como presidente, o sr. vai votar no processo de cassação?

Não sei.

• E se votar?

Minha tendência é acompanhar a cassação. A situação dele é muito difícil. Acho que não tem muita saída.

• Na pauta econômica, o que será votado na sua gestão?

A gente tem que votar a PEC [proposta de emenda à Constituição] do teto de gastos e avançar ao máximo na Previdência.

Antes de encaminhar a reforma, o governo precisa de uma estratégia de comunicação. Tem que mostrar como a responsabilidade fiscal impacta a vida das pessoas.
Desde a aprovação da LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal], o equilíbrio fiscal deixou de ser questão ideológica para ser questão de Estado. O grande erro da Dilma foi acreditar que podia descumprir a lei. Foi por isso que ela caiu.

• E o projeto que reduz o papel da Petrobras no pré-sal?

Vou pautá-lo. A proposta do ministro José Serra acaba com a obrigatoriedade, mas mantém a preferência da Petrobras [na exploração do pré-sal]. A Petrobras está endividada, e o Brasil precisa atrair capital estrangeiro.

• Dilma Rousseff diz que foi vítima de um golpe para entregar o pré-sal às empresas estrangeiras. O sr. se incomoda ao ser chamado de golpista?

Isso me incomoda zero. Nasci quando meu pai estava no exílio [no Chile, em 1970]. Tenho a convicção de que a Dilma caiu porque houve crime de responsabilidade e porque ela perdeu as condições de governar o país.

Eu ajudei a aprovar o ajuste fiscal do Joaquim Levy [ministro da Fazenda em 2015]. Se minha intenção fosse derrubar o governo, teria ajudado a derrubá-lo antes.

• A CPMF pode voltar durante a sua gestão na Câmara?

O Brasil não tem espaço para aumentar receita. As empresas e as famílias estão endividadas. Ninguém consegue pagar mais imposto.

Sou contra recriar a CPMF. Espero que o governo não faça este pleito, porque eu terei muita dificuldade de encaminhá-lo. A solução para superar a crise não é aumentar a receita. É reestruturar o Estado e reduzir despesas.

• O governo interino também diz isso, mas acaba de dar aumentos a servidores e distribuir 'bondades' aos Estados.

Os Estados estão entrando em colapso. Se não houver um alívio fiscal, muitos vão parar, como o Rio de Janeiro.

Quanto ao funcionalismo, o processo longo de impeachment enfraquece o governo, que ainda é provisório. Há muita pressão inflando servidores contra o Michel [Temer]. Talvez isso tenha gerado muita dificuldade.

Acho que era um erro aprovar aqueles projetos, tanto que saí do plenário para não deixar o meu dedo nas votações. Acho que aquilo não foi bom e espero que não ocorra novamente.

Entendo a angústia dos servidores, mas é melhor receber um salário menor do que ter uma inflação de 40%. Os Estados fizeram muita bondade e agora estão atrasando salários. Se o governo federal fizer muita bondade, vai perder o controle do equilíbrio fiscal e gerar inflação. O que você faz hoje com uma nota de R$ 100 no Brasil?

Tentativa de golpe militar mergulha Turquia na incerteza e no caos

• Presidente Erdogan conclama população às ruas; confrontos têm 42 mortos

Exército justifica ação para proteger democracia, mas governo assegura ainda manter o controle do país

O governo turco sofreu uma tentativa de golpe militar que deflagrou cenas de violência pelas ruas de Istambul e Ancara, onde ao menos 42 pessoas morreram, entre elas 17 policiais no bombardeio aéreo de um quartel e 12 civis num ataque a bomba ao Parlamento. O presidente Tayyip Erdogan, que tem perseguido jornalistas e juízes, disse que a ação foi organizada “por uma minoria no seio do Exército” e conclamou a população a sair às ruas e resistir. Explosões, tiros e informações desencontradas marcaram a madrugada. Militares decretaram a lei marcial, TVs saíram do ar e os principais aeroportos foram fechados. No começo da manhã de hoje, Erdogan voltou a Istambul e disse que os traidores pagarão um preço alto pela rebelião. O país ainda lida com informações contraditórias: militares afirmaram ter tomado o poder para proteger a ordem democrática, enquanto o governo diz que mantém o controle.

Turquia sem rumo

• Militares tentam derrubar Erdogan em noite violenta em Ancara e Istambul; desfecho é incerto

- O Globo

ANCARA E ESTAMBUL - Explosões, tiros e informações desencontradas marcaram a madrugada na Turquia, com o governo sendo alvo de uma tentativa de golpe militar organizada por “uma minoria no seio do Exército”, conforme classificou o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Confrontos ocorreram nas duas maiores cidades do país: na capital, Ancara, ao menos 42 pessoas morreram, entre elas 17 policiais no ataque aéreo ao quartel das forças especiais das Forças Armadas, enquanto outras 12 vítimas civis foram registradas num bombardeio ao Parlamento. Na maior cidade do país, Istambul, explosões e confrontos também foram registrados. O governo afirmou que a tentativa de golpe fracassou, mas no início da manhã (hora local), tiroteios ainda eram reportados na capital turca, inclusive no complexo presidencial.

Em comunicado pela TV estatal, que chegou a ser tomada, os insurgentes afirmaram ter tomado o poder para proteger a ordem democrática e a manutenção dos direitos humanos, e indicaram que o Estado de Direito seria prioridade. Segundo os militares rebeldes, as tradições seculares do país foram corroídas pelo governo de Erdogan, que tem adotado medidas autoritárias contra a liberdade de imprensa e perseguido jornalistas e juízes.

Em comunicado enviado por e-mail e veiculado por canais de TV turcos, os revoltosos anunciaram o toque de recolher e a aplicação da lei marcial. Redes sociais como Facebook e Twitter, e sites como YouTube tiveram as operações suspensas.

“As Forças Armadas Turcas tomaram o controle do país para restaurar a ordem constitucional, direitos humanos e liberdades, o Estado de Direito e a segurança geral que foi danificada”, indicou o comunicado assinado pelo autoproclamado Conselho de Paz na Nação, que disse não permitir “uma degradação da ordem pública na Turquia”.

Mas após horas de combates noite adentro, o premier Binali Yildirim afirmou que a “tentativa idiota” de golpe de Estado fracassara e a situação estava “amplamente sob controle”, com Erdogan — que conclamou a população a ir às ruas para apoiá-lo, num discurso transmitido pelo software FaceTime — retornando a Istambul. O presidente chegou à cidade e realizou um discurso no Aeroporto de Atatürk, informando que militares envolvidos na quartelada já estavam sendo presos.

— Essa tentativa de golpe foi um ato de traição realizado por uma minoria dentro das Forças Armadas — afirmou o presidente, que prometeu usar a ocasião para realizar o que chamou de “faxina” no Exército turco. — Estava em Marmaris, e o hotel onde estava hospedado foi bombardeado depois que saí de lá. Meu chefe de Estado Maior, Hulusi Akar, foi sequestrado pelos golpistas. Esses homens armados nas ruas estão agindo contra a nação. Esses tanques não são deles. Estes tanques foram confiados a eles e eles violaram essa confiança. Os responsáveis por essas ações pagarão um alto preço por isso.

Afirmando que não deixaria o país e permaneceria junto ao povo, Erdogan culpou o clérigo Fethullah Gülen, exilado nos Estados Unidos, pela tentativa de golpe, classificando seus seguidores como “uma organização terrorista armada”.

— Não há poder maior que o poder do povo — afirmou Erdogan em seu pedido de apoio.

A população ocupou praças e ruas de Istambul e Ancara em apoio ao governo, seguindo a orientação do presidente em apelo transmitido pela CNN Turk. Ele suspendeu as férias para retornar à capital. A rede teve sua transmissão interrompida depois que soldados invadiram a sede da emissora em Istambul.

Segundo o primeiro-ministro Binali Yildirim, mais de 120 militares envolvidos na tentativa de golpe foram detidos. O premier também afirmou que o Exército tinha ordens expressas para derrubar um avião sequestrado por golpistas. Segundo a agência estatal Anadolu, um helicóptero usado por rebeldes foi abatido por caças da Aeronáutica.

‘Fora da cadeia de comando’
Um porta-voz da Presidência confirmou que a ação contra o governo foi realizada por um grupo fora do comando do Exército, enquanto imagens mostravam militares sendo detidos por outros membros das forças de segurança. O general Zekai Aksakalli, comandante-geral do Exército, declarou à TV local que as forças especiais estão a serviço do povo.

— Houve um ato ilegal por um grupo dentro do Exército que agiu fora da cadeia de comando. — disse o premier à rede NTV. — O governo eleito pela população continua no poder. Este governo só sairá quando as pessoas disserem isso.

O principal líder da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, do Partido Republicano do Povo, afirmou que o país já foi alvo de “uma grande quantidade de golpes” e expressou apoio ao presidente:

— Todos devem saber que o Partido Republicano do Povo é devoto à permanência de nossa democracia.

Explosões violentas e intensas trocas de tiros ocorreram em diversas áreas da capital, deixando vários feridos em meio a um cenário de caos. Jatos sobrevoavam a cidade a baixa altitude. Em Istambul, maior cidade da Turquia, forças de segurança interditaram parcialmente duas pontes que cruzam o Estreito de Bósforo, que separa a Ásia e a Europa. Militares e policiais entraram em confronto quando membros das Forças Armadas tentaram tomar o prédio da companhia telefônica Telekom. Cidadãos turcos ocuparam a Praça Taksim, palco de manifestações contra Erdogan em 2013, que foi alvo de uma explosão horas mais tarde, assim como o Aeroporto de Atatürk, que teve o terminal aéreo fechado e os voos temporariamente cancelados. Enquanto confrontos ainda eram reportados nas principais cidades, o vice-primeiro-ministro Mehmet Simsek já comemorava a vitória sobre o golpe.

— O governo tem o completo controle da situação — assegurou.

Turquia declara fim de tentativa de golpe que deixou ao menos 265 mortos

• Premier acusa PKK e não descarta reintroduzir pena de morte para punir insurgentes

O Globo / Agências internacionais

ANCARA — O governo turco afirmou neste sábado ter conseguido controlar completamente a tentativa de golpe militar que criou um cenário de caos no país desde a noite de sexta-feira. Após o aeroporto de Istambul ter sido fechado na noite passada, os voos estão sendo retomados. Novos tiroteios foram registrados nesta manhã, após confrontos terem feito 265 mortos e 1.440 feridos, segundo o governo — o Exército cita 194 mortos. Na madrugada, os turcos responderam ao pedido do presidente, Recep Tayyip Erdogan, de sair às ruas para resistir. Alguns comandantes militares foram mantidos reféns pelos insurgentes, segundo o ministro turco dos Assuntos Europeus, Omer Celik.

Após, na noite de sexta-feira, militares afirmarem ter tomado o poder para proteger a ordem democrática e a manutenção dos direitos humanos, o primeiro-ministro, Binali Yildirim, chamou os insurgentes de terroristas. Ele acusou o grupo militante curdo PKK de participar da iniciativa contra o governo. Chamando a tentativa de golpe de uma mancha negra na democracia turca, o premier disse que a pena de morte não seria descartada como punição aos rebeldes, embora atualmente não esteja prevista na Constituição.

O Ministério de Interior da Turquia, Efkan Ala, ordenou a destituição de cinco generais e 29 coronéis desde o início da tentativa de golpe. Mais de 2,8 mil militares já foram presos pelas forças de segurança turcas. Além disso, autoridades turcas removeram neste sábado 2.745 juízes dos seus cargos, além de cinco membros do alto conselho judicial do país.

Segundo os militares rebeldes, as tradições seculares do país foram corroídas pelo governo de Erdogan, que tem adotado medidas autoritárias contra a liberdade de imprensa e perseguido jornalistas e juízes. Em comunicado enviado por e-mail e veiculado por canais de TV turcos, os revoltosos anunciaram o toque de recolher e a aplicação da lei marcial. Redes sociais como Facebook e Twitter, e sites como YouTube tiveram as operações suspensas.

"As Forças Armadas Turcas tomaram o controle do país para restaurar a ordem constitucional, direitos humanos e liberdades, o Estado de Direito e a segurança geral que foi danificada”, indicou o comunicado assinado pelo autoproclamado Conselho de Paz na Nação, que disse não permitir “uma degradação da ordem pública na Turquia”.

Mas após horas de combates noite adentro, o premier Binali Yildirim afirmou que a “tentativa idiota” de golpe de Estado fracassara e a situação estava “amplamente sob controle”, com Erdogan — que conclamou a população a ir às ruas para apoiá-lo, num discurso transmitido pelo software FaceTime.

O presidente, que estava de férias fora do país, voltou às pressas a Istambul. No aeroporto de Atatürk, ele desembarcou na madrugada de sábado sob os clamores de uma multidão que protestava contra os insurgentes.

Imagens mostravam militares sendo detidos por outros membros das forças de segurança. O general Zekai Aksakalli, comandante-geral do Exército, declarou à TV local que as forças especiais estão a serviço do povo.

— Houve um ato ilegal por um grupo dentro do Exército que agiu fora da cadeia de comando. — disse o premier à rede NTV. — O governo eleito pela população continua no poder. Este governo só sairá quando as pessoas disserem isso.

O principal líder da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, do Partido Republicano do Povo, afirmou que o país já foi alvo de “uma grande quantidade de golpes” e expressou apoio ao presidente:

— Todos devem saber que o Partido Republicano do Povo é devoto à permanência de nossa democracia.

Com mais de 265 mortos, governo declara fim da tentativa de golpe e anuncia repressão

• Quase 3 mil soldados teriam sido detidos, enquanto grupos de oposição desconfiam de que Erdogan estaria usando o caso para incrementar seus poderes

Jamil Chade - O Estado de S. Paulo

GENEBRA - O governo turco declarou neste sábado, 16, que a tentativa de golpe de estado promovido por parte dos militares fracassou e indicou que vai conduzir uma verdadeira repressão contra aqueles que apoiaram a tentativa de derrubar o governo.

Grupos de oposição chegaram a levantar dúvidas sobre o golpe, alertando sobre uma possível tese de que a manobra estava sendo usada pelo governo, já com tendências autoritárias, de ainda mais seu controle no poder. Quase 3 mil pessoas foram presas e, depois de uma reunião de emergência, mais de 2,7 mil magistrados, incluindo cinco juízes do supremo tribunal do país, foram demitidos por pertencer supostamente a grupos envolvidos com o golpe. Ancara acusa o ex-aliado Fethullah Gülen de ter orquestrado o golpe, o que ele nega.

Na manhã deste sábado, depois de uma noite de caos e violência, as autoridades afirmam que fizeram mais de 2,9 mil prisioneiros entre os soldados, deixando até agora 265 mortos. Os principais organizadores do golpe teriam sido o general Akin Ozturk, aposentado desde 2015, e o coronel Metin Iyidil.

Umit Dundar, um dos chefes militares do país, revela que pelo menos 104 pessoas envolvidas diretamente na tentativa de golpe foram mortas. Além deles, cerca de 160 civís morreram durante a noite. Mais de 1,6 mil feridos também foram registrados.

Para ele, depois de quatro tentativas de golpe nos últimos anos por grupos das Forças Armadas, "o capítulo dos golpes militares está fechado". "As pessoas tomaram as ruas e mostraram seu apoio pela democracia. Foi um ato de cooperação entre o governo e o povo. A nação nunca vai esquecer essa traição", disse, garantindo que os autores do golpe serão "punidos".

O primeiro-ministro Binali Yildirim convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que o golpe tinha chegado ao fim e que era uma "mancha negra" na história do país. Ele também indicou punições severas contra os responsáveis e apontou que seu governo poderia voltar a propor a pena de morte, o que permitiria executar os autores do golpe.

Chamando os golpistas de "terroristas", ele pediu que a população voltasse a sair às ruas para demonstrar apoio ao governo com bandeiras turcas.

5º Golpe. Esse havia sido o quinto golpe em 60 anos na Turquia. Mas o governo rapidamente pediu que a população tomasse as ruas para resistir. Os militares não abandonaram seus postos e confrontos foram registrados por toda a Turquia. O grupo alegava que estava tomando o poder para garantir a democracia e os direitos humanos. Televisões foram ocupadas e redes sociais suspensas.

Mas o desembarque de Recep Erdogan, em plena madrugada, no aeroporto de Istambul deixou claro a fragilidade do movimento. Ancara não estava ainda sob controle. A chegada do presidente na cidade turca, interropendo férias num balneário no Sul do país, também tranquilizou potências estrangeiras, alarmadas com as consequências de um eventual vácuo de poder num dos países mais importantes na região, que já vive o caos.

"A Turquia tem um governo democraticamente eleito e estamos sob comando", disse Erdogan, que contou que o hotel onde ele estava foi atacado logo depois de sua saída. "Não vamos abandonar o país", insistiu. Para ele, o golpe havia sido um "ato de traição" e alertou que os responsáveis pagarão "um preço muito alto."

Os militares haviam decretado uma ordem para exigir que ninguém deixasse suas casas. Mas, desafiando a determinação, a população ocupou ruas e praças. A noite ainda foi marcada por ataques contra o Parlamento e tiroteios. Televisões foram ocupadas e jornalistas atacados.

Já era início da manhã quando as televisões mostraram ao vivo grupos inteiros de soldados se entregando. Líderes da oposição que não medem críticas a Erdogan, entre eles o partido curdo HDP, deixaram claro que não apoiavam o golpe. "A única solução é a política democrática", declarou.

Oito militares pediram asilo na Grécia, enquanto um grupo circulou um email alertando que não havia decretado o fim do processo. Uma fragata ainda foi sequestrada pelos golpistas e alguns dos chefes militares continuavam até meados da tarde de sábado sequestrados. Mas, para o governo, o golpe estava "90% terminado".

Pela Europa, o governo turco emitiu comunicados para dar sinais de que estava no comando. "A tentativa foi derrotada pelo povo turco em unidade e solidariedade", disse uma nota emitida pelas embaixadas turcas. "Nosso presidente e governo estão no comando. As Forças Armadas turcas não estiveram envolvidas em sua totalidade no golpe. Foi apenas um grupo dentro dos militares e recebido com a resposta que merecia por nossa nação", indicou.

Poder. Mas não faltaram os alertas de que o movimento seria usado por Erdogan para reforçar ainda mais seu poder. O presidente, depois de mais de uma década no poder, havia conseguido acalmar diversos grupos diante do crescimento econômico no país. Ele ainda havia distribuído cargos a seus aliados, na esperança de evitar um eventual golpe.

Mas com a crise, os mais de 2,7 milhões de refugiados, gestos autoritários e a explosão de atentados, Erdogan havia dividido a sociedade. A guerra na Síria ainda desbordou para o lado turco, já fazendo centenas de vítimas do Estado Islâmico.

Nos últimos dias, Erdogan se voltou contra Gülen, por ter supostamente promovido o golpe. No Judiciário e nas Forças Armadas, o governo iniciou uma limpeza geral de qualquer pessoa com simpatias a um dos líderes da oposição.

Falando dos EUA, ele "categoricamente negou" qualquer envolvimento. "Condeno o golpe militar. Governos devem ser vencidos pelas eleições", insistiu. Segundo ele, era "especialmente insultante" ser acusado pelo golpe depois que ele mesmo sofreu diversas tentativas de derrubada por décadas.

Entre as entidades de direitos humanos, o temor é de que Erdogan responda ao golpe com uma repressão ainda maior. A Anistia Internacional pediu que uma investigação independente ocorra. Mas alertou que Erdogan não pode abrir mão dos direitos humanos. O Relator da ONU para Liberdade de Expressão, David Kaye, pediu maior garantia às imprensa, sob ataque no governo de Erdogan.

O colunista Mahir Zeynalov ainda apontou para o fato de o presidente ter declarado na noite de sexta que o golpe era "um presente de Deus."

Para a escritora Anne Applebaum, Erdogan vai ser cobrado por ter conseguido se manter no poder depois de um golpe graças às forças que ele justamente queria suprimir: oposição democrática e imprensa livre.

Reações. O que também garantiu a volta de Erdogan foi a resposta da comunidade internacional, alarmada diante do risco de ver mais um país na região sucumbir ao caos, depois do Iraque e Síria. O presidente americano, Barack Obama, pediu que todos os partidos na Turquia apoiassem o governo eleito, denunciando o golpe.

Na Europa, que teme a reabertura das fronteiras da Turquia e uma nova onda de refugiados, líderes também denunciaram a iniciativa dos militares. "A Turquia é um parceiro chave para a Europa", indicaram Jean-Claude Juncker, Federica Mogherini e Donald Tusk. "Apoiamos o governo eleito democraticamente", disseram.

Marcha da sensatez - Roberto Freire

- Diário do Poder

A consagradora vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, com a expressiva marca de 285 votos no segundo turno, representa uma conquista de todos aqueles que pretendem resgatar a moralidade, a decência e a credibilidade perdidas pelo Parlamento brasileiro nos últimos tempos. Trata-se de mais um passo importante da verdadeira marcha da sensatez que está em curso no país desde a admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff e a partir da posse do presidente interino Michel Temer no Palácio do Planalto.

A vitória de Maia, construída com o apoio de PSDB, PPS, DEM e PSB, contribuirá com o presidente Temer no processo de superação da grave crise enfrentada pelo Brasil e, além disso, reflete a ampla maioria que votou pelo impeachment. Fica cada vez mais claro que existe na Câmara uma base sólida de sustentação ao governo de transição, que tem se revelado atuante na votação de pautas importantes em um momento delicado da vida nacional.

Como um claro indicativo de que o governo Temer foi também um dos vitoriosos do processo eleitoral na Câmara, os dois candidatos que disputaram o segundo turno – Maia e Rogério Rosso, do PSD – integram a base parlamentar de apoio ao presidente da República e votaram pelo impeachment. A inusitada candidatura de um ex-ministro de Dilma, patrocinada por Lula em uma tentativa de enfraquecer a atual gestão, fracassou de forma retumbante e não reuniu votos suficientes para avançar à rodada final.

Venceu aquele que melhor representa os partidos que compõem o núcleo duro dos adversários do lulopetismo nesses últimos anos e ainda teve a capacidade de angariar apoio entre as legendas da nova oposição – principalmente no PT e no PCdoB, que já dão sinais de que começam a abandonar a narrativa falaciosa do “golpe” para participar do jogo democrático. A tese de que Dilma foi afastada por uma conspiração ilegítima fica cada vez mais restrita a uma minoria parlamentar irrelevante.

O Congresso Nacional, a Câmara em especial, teve sua imagem seriamente arranhada com a presença de Eduardo Cunha como presidente da Casa. Por outro lado, com seu afastamento do cargo por decisão do Supremo Tribunal Federal, que o transformou em réu, houve uma acefalia nos trabalhos legislativos causada pelo absoluto despreparo do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, para conduzir as atividades. Já passava da hora de escolhermos um deputado que devolvesse o respeito à Casa e desempenhasse seu papel obedecendo a liturgia do cargo.

Neste sentido, outro momento importante do Legislativo nesta semana foi a rejeição do recurso de Cunha, pela Comissão de Constituição e Justiça, o que finalmente abriu caminho para a votação em plenário que pode cassar seu mandato em decorrência da quebra de decoro parlamentar já plenamente configurada. A marcha da sensatez, que teve início com o impedimento de Dilma, a posse de Temer e agora prossegue com a eleição de Maia e a provável cassação de Cunha, ajuda o país a superar o impasse político e institucional, distensionando o ambiente e propiciando a discussão de reformas fundamentais para superarmos a crise.

Há enormes desafios pela frente e um longo caminho a percorrer até que o Brasil encontre o porto seguro. Vivemos um momento em que são fundamentais o compromisso e a responsabilidade da classe política para encontrarmos as soluções dos graves problemas que afligem a população. A eleição de um presidente da Câmara que resgata a autoridade moral do cargo é um passo muito importante para o país continuar no rumo certo. Depois de tantos anos de irresponsabilidade e desmantelo, ninguém interromperá a marcha da sensatez que nos levará adiante.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

O fim do centrão - Merval Pereira

- O Globo

O fim do centrão é um avanço democrático. A organização da nova correlação de forças no Congresso exigirá do presidente interino, Michel Temer, mais habilidade que normalmente, pois se é certo que o centrão já não tem uma liderança que o coloque em posição de disputar o poder parlamentar, o espírito que o gerou, a vontade de ser partícipe desse novo núcleo político majoritário, existe nos diversos partidos que o compõem.

Pequenos grupos políticos, surgidos em consequência de uma lei partidária que parece ter como lema a velha máxima de que sempre cabe mais um, acabam se transformando em máquinas de criar embaraços ao governo da ocasião para literalmente vender facilidades em troca.

Um dos problemas na reforma política, que necessariamente terá que ser feita, é justamente permitir a criação de espécies de consórcios partidários, que teriam os mesmos benefícios e privilégios dos partidos que atingissem o mínimo necessário de votos para atuar no Congresso.

O centrão, por exemplo, poderia se transformar num consórcio desses, e em vez de desidratar, como gostaria presidente interino, Michel Temer, ganharia consistência. O difícil nessas situações é unificar siglas que não têm nada em comum a não ser o desejo de participar do jogo político para benefício próprio.

E são tantos os interesses específicos dessas pequenas siglas — que já chegaram a reunir 300 deputados — que se torna impossível saber para que lado seguirão. Se esse é um problema quase insolúvel para o centrão, sua dissolução é uma boa notícia para a prática política.

Uma tendência possível é que, diante da cláusula de barreira aprovada, esses deputados procurem uma legenda mais forte, pois perderiam a facilidade da coligação proporcional, principal responsável pela eleição de vários desses deputados de poucos votos.

Diz o ministro Geddel Vieira Lima, responsável pela ligação do governo com os partidos, que é incorreto identificar esse grupo como centrão, já que os partidos teriam identidades próprias. É uma maneira sutil de inflar o ego de cada deputado desses para atraílos para o governo, coisa que pode parecer dispensável aos neófitos como a presidente afastada, Dilma Rousseff, mas é fundamental nesse jogo de aproximações que, sendo um jogo, não tem necessidade de refletir a realidade, mas apenas a aparência que cada jogador gostaria de ter.

Mesmo que a maioria deles, ou todos, estejam inclinados a estar próximos do governo, qualquer governo, é preciso fingir que sua cooptação é fruto de uma negociação política, não uma consequência quase automática de seu adesismo.

Peguemos Gilberto Kassab, ministro das Comunicações, Ciências e Tecnologia de Temer, ministro das Cidades de Dilma, um político de múltiplas facetas, como se vê. Criou do nada o PSD, um partido que, segundo sua definição, não é de direita, nem de centro, nem de esquerda.

Pois é do PSD Rogério Rosso, o candidato do centrão que disputou o segundo turno, exemplo do que está sendo desidratado para que a maneira de fazer política fique mais transparente. Ninguém dirá isso no governo, mas o fim do centrão tal como foi criado representa um avanço democrático que deve ser comemorado.

Diálogo e avanços - João Domingos

- O Estado de S. Paulo

Pode até parecer pouca coisa. Mas não é. A eleição do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a presidência da Câmara e a decisão da Comissão de Constituição e Justiça de mandar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para o julgamento do plenário são marcos importantes para a democracia representativa, há tempos envolta numa profunda crise, em que o cidadão não reconhece legitimidade no seu representante. E o representante de fato não faz nada para representar o cidadão que o elegeu.

A eleição de Maia para a presidência da Câmara foi construída a partir de uma aliança orgânica de partidos de centro-esquerda e de centro-direita – DEM, PSDB, PSB e PPS –, em oposição e substituição a um aglomerado de forças fisiológicas montado por Cunha para funcionar como sua tropa de choque em todo lugar e em toda circunstância.

Esse grupo, formado por 13 partidos médios e pequenos, que se autodenominou Centrão, nunca teve uma bandeira ideológica ou programática. Obedecia ao supremo guru Cunha, que levou à Câmara uma gestão personalista extremada.

O resultado da atuação de Cunha foi o esfarelamento dos partidos na Câmara, o fim da liderança dos líderes, a anarquia política generalizada, a perseguição aos adversários.

Nascida de um núcleo partidário que não se envolveu nas confusões de Cunha – aliás, fez oposição a ele –, a candidatura de Maia abriu o diálogo com as forças de centro-esquerda, isoladas de qualquer processo desde o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, em 12 de maio.

Claro que alas mais ortodoxas do PT reclamaram de deputados do partido terem feito negociações com Maia, um dos principais defensores do impeachment de Dilma, integrante do ex-PFL, sigla que já foi o próprio Belzebu para os petistas. Mas isso é um problema interno do PT e de outros partidos de centro-esquerda, seus fantasmas e o sectarismo que os acompanha. O fato é que o diálogo foi aberto. E o diálogo é uma das boas lições que o Parlamento sempre pode dar à sociedade, pois é uma forma de combater a intolerância.

Quando deputados, no anos 1980, Sebastião Curió e José Genoino estavam, como sempre estiveram, em lados opostos na política, mas tinham boas relações na Câmara. Como se sabe, Curió foi um dos responsáveis pelo desmantelamento da Guerrilha do Araguaia e prisão de Genoino, que durante o movimento armado no norte de Goiás e sul do Pará militava no PCdoB.

Não restam dúvidas de que as negociações serão muito importantes para o Legislativo, que terá uma extensa pauta de trabalho pela frente: fixação de teto para os gastos públicos da União e de Estados e municípios, acordo da dívida dos Estados, reformas da Previdência e trabalhista. Também serão de fundamental importância para o Executivo.

É provável que o governo de Michel Temer consiga até número suficiente de deputados e senadores para passar o trator em cima das forças oposicionistas, fazendo valer a força de sua base parlamentar para aprovar o que lhe interessa. Mas não é assim que a democracia funciona. Ela exige também respeito à oposição e às minorias.

O próprio Temer já disse que, passado o impeachment – no caso de sua aprovação, que o transformará em presidente efetivo –, vai procurar a oposição para conversar. Entre eles, o ex-presidente Lula. Questões de governo, lembrou Temer, não entrarão nas negociações, simplesmente porque as forças políticas são antagônicas. Mas quando o assunto for de preservação do Estado, aí sim, ele pretende dialogar com todo mundo.

Hoje o governo está com uma força. Amanhã, pode estar com outra. O Estado, porém, é um só. Não pertence a este ou àquele partido. Pertence à Nação, que dele espera o melhor.

O pior pelo retrovisor - Míriam Leitão

- O Globo

Na visão do mercado, recessão pode estar perto do fim. Os efeitos da crise ainda são fortes, mas a bolsa de valores já acumulou a expressiva alta que passa de 45% desde o final de janeiro. O índice de ações do setor elétrico disparou mais de 60%, os papéis da Petrobras dobraram de valor. O resultado reflete a percepção de algumas melhoras, inclusive regulatórias, na economia e a avaliação de que a recessão está perdendo força, apesar de estar claro que não haverá a volta rápida do crescimento.

O momento mais crítico do ano para a bolsa foi no final de janeiro. Ela chegou a 37 mil pontos. Agora está em 55 mil pontos. Nos últimos dias, foram oito pregões consecutivos de alta. Isso é reflexo basicamente de dois fatores: a expectativa de melhora na economia brasileira, e também a aposta de que o Banco Central americano não vai elevar os juros na velocidade esperada, cenário que foi reforçado com a saída do Reino Unido da União Europeia.

— O mercado vive um momento de euforia, colocando nos preços a perspectiva de melhora em relação ao futuro do Brasil. Há um fluxo grande de capitais do exterior vindo para cá, por causa da menor chance de alta de juros nos EUA. Além disso, muitos ativos aqui ficaram baratos no auge da recessão — explicou o economista William Castro Alves, da Valor Gestora de Recursos.

Ontem, também houve alívio com a divulgação do crescimento da economia chinesa, que manteve o ritmo de 6,7% no segundo trimestre, na taxa anualizada. Uma desaceleração brusca na segunda maior economia do mundo atingiria diretamente o Brasil, porque os chineses são o nosso principal parceiro comercial. Além disso, teria reflexos no próprio crescimento global, com outros efeitos indiretos sobre o país.

Na bolsa brasileira, o índice do setor elétrico acumula alta de mais de 60% desde janeiro. William Castro Alves explica que a mudança de governo deu mais segurança aos investidores, que enxergam menos interferências públicas nas decisões das estatais e também na Aneel, que fica mais forte para desempenhar seu papel de órgão regulador. As chuvas recuperaram um pouco os reservatórios de água e diminuíram custos. A melhora do PIB no futuro irá elevar o consumo de energia.

— O setor siderúrgico também teve um ganho forte na bolsa. Basicamente, o mercado está dando novos preços a ativos que afundaram no auge da recessão. Também é importante frisar que isso tudo acontece porque ninguém espera a volta da presidente Dilma ao poder. O cenário básico é de aprovação do impeachment no Senado — explicou.

A ação da Petrobras chegou a ser cotada em R$ 4,2 em janeiro e agora voltou para a casa de R$ 11. A nova diretoria da estatal foi bem recebida pelo mercado, e as mudanças no modelo de exploração do pré-sal, em votação no Senado, serão benéficas para a companhia, que precisa focar na redução do seu endividamento. Por outro lado, empresas do setor de celulose, que vinham se beneficiando do enfraquecimento do real, estão tendo pior desempenho, assim como outras exportadoras, com a valorização da nossa moeda nos últimos meses.

O país ainda vai conviver por um bom tempo com números negativos, como os que foram divulgados esta semana nos índices de vendas de varejo, serviços e o IBC-Br do Banco Central. O mercado de trabalho também deve demorar mais para reagir, e ninguém espera a queda forte dos juros, que ajudaria a impulsionar as vendas de produtos que dependem de financiamento.

A boa notícia, neste momento, é que o mercado de capitais sempre tenta antecipar novas tendências, e a aposta agora é de que o pior momento da recessão pode ter ficado para trás.

Parece loucura, mas tem método - Bolívar Lamounier*

- O Estado de S. Paulo

No Brasil, os intelectuais não se criticam mutuamente. Trata-se, ao que parece, de uma decorrência da exiguidade numérica: num grupo tão pequeno, questionamentos mútuos “não pegam bem”. Pode também ser um modus vivendi: como a maioria combina a atividade docente universitária com algum envolvimento político, cada um se sente no direito de fazer proselitismo partidário ou ideológico sem ser “incomodado” pelos demais.

Tal entendimento parece-me até certo ponto razoável, por duas razões: de um lado, nossa vida universitária nunca se pautou pelo estrito ascetismo outrora cultivado em algumas universidades do Primeiro Mundo; do outro, momentos cruciais da construção democrática brasileira exigiram uma defesa enfática da liberdade de cátedra, estreitamente associada à de expressão do pensamento. Fato, seja como for, é que entre nós o debate aberto e por vezes contundente que se observa nos países academicamente adiantados nunca se desenvolveu.

Ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, onde as revistas especializadas e mesmo alguns jornais, como The New York Review of Books, regularmente publicam resenhas sérias dos novos lançamentos editoriais, no Brasil resenhar é quase sinônimo de elogiar. Essa tradição, que remonta à época nada gloriosa dos catedráticos medalhões, afigura-se esdrúxula nos dias de hoje, com o regime democrático em pleno desenvolvimento, tendo os intelectuais um papel sabidamente importante na formação da opinião pública e cada cidadão querendo saber onde vai parar o dinheiro dos impostos que paga.

Fiz as observações acima instigado por declarações da doutora Marilena Chaui, professora titular de Filosofia da Universidade de São Paulo. Farei referência a três episódios: um, de dez anos atrás, associado ao “mensalão”; outro, de 2012, em que ela disse cobras e lagartos sobre a classe média brasileira; e um recente, a respeito da Operação Lava Jato e do juiz Sergio Moro.

Na primeira, contestando a veracidade das acusações referentes à compra de apoio no Congresso pelo PT, a professora Chaui interpretou-as, bem à maneira das chamadas “teorias conspiratórias”, como uma campanha difamatória urdida pela mídia, que se teria comportado como uma elite coesa. Em 2012, num evento organizado, se bem me lembro, por seu partido, num tom inusitadamente exaltado, ela declarou odiar a classe média. “Odeio-a”, especificou, “porque é ignorante e fascista”. Na mais recente, disse que os inquéritos em andamento nada têm que ver com combate à corrupção, tratar-se-ia de uma operação estrangeira (norte-americana, presumo) cujo real objetivo seria “tirar-nos o pré-sal”, hipótese ao ver dela comprovada pelo fato de o juiz Sergio Moro ter sido “treinado pelo FBI”.

A questão, como se vê, é como a comunidade intelectual – cuja segmentação ideológica tive o cuidado de ressaltar acima – reage a tais declarações. Podem elas ser aceitas como expressões normais de um determinado ponto de vista ideológico ou extrapolam tal âmbito, a ponto de merecerem alguma crítica? É óbvio que não tenho procuração para falar por outros integrantes de tal comunidade – e muito menos interesse em fazê-lo. Falo por mim.

Quanto a conspirações de elite, sou forçado a perguntar se a professora Chaui ponderou devidamente as companhias a que se reuniu ao abraçar esse tipo de teoria. Falo, naturalmente, dos Protocolos dos Sábios de Sião, cânone da virulência antissemita, da acusação, também falsa e antissemita, contra o capitão Dreyfus; e mesmo da peça também falsa e antissemita, denominada Plano Cohen, obra do então coronel Olímpio Mourão Filho, produzida na antevéspera do autogolpe getulista de 1937. Quem pensa dessa forma vê conspirações por todo lado, tramadas ora pela mídia, ora pelos judeus, ora pelo imperialismo. Karl Popper discute essa questão em seu celebrado livro A Sociedade Aberta e seus Inimigos: “Não afirmo que conspirações nunca acontecem. Ao contrário, elas são fenômenos sociais comuns. (Mas) tornam-se importantes, por exemplo, quando pessoas que acreditam em teorias conspiratórias – principalmente pessoas que acreditam saber como criar um paraíso na terra – chegam ao poder e se engajam em contraconspirações contra inexistentes conspiradores. Porque precisam explicar seu fracasso em produzir o almejado paraíso”.

Provavelmente por não ter-se debruçado sobre os problemas acima mencionados, Marilena Chaui recai na teoria conspiratória ao falar da Lava Jato, apenas substituindo a elite oculta do mensalão pelo imperialismo e pelo juiz Sergio Moro; e o mais pitoresco é que, no petrolão, houve de fato uma elite conspiratória: um conluio de grandes empreiteiros com altos agentes dos governos Lula e Dilma.

Em sua invectiva contra a classe média, não é mais a uma elite oculta que Marilena Chauí se refere, mas há um elemento comum importante a ressaltar. A ilustre filósofa ter-se-ia expressado melhor, com mais atenção à diversidade do fenômeno de que tratou, se tivesse lido Who Voted for Hitler?, de Richard F. Hamilton, mas esse não é seu método de trabalho. Ela presume, simplesmente, a existência de uma “pequena burguesia”, uma camada social homogeneamente ignorante e fascista.

Apesar de sua brilhante trajetória como professora de Filosofia, ela não vê dificuldade em atribuir determinados traços a esse coletivo abstrato e hipostasiado que é sua “classe média”. O mais curioso é ela ter declarado isso justo quando o governo petista trombeteava a entrada do Brasil no seleto grupo dos países “de classe média”. Graças a suas políticas sociais, mais de 50% da população brasileira teria ascendido ao paraíso dos ignorantes e fascistas.
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Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, membro da Academia Paulista de Letras

Rodrigo Maia e a luta contra a corrupção – Editorial / O Globo

• Além de se comprometer com a pauta das reformas, novo presidente da Câmara não pode se esquecer do aperfeiçoamento legal para a defesa do dinheiro público

O clima de distensão na Câmara, a partir da vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na disputa pela presidência da Casa, simbolizado pelo abraço do deputado fluminense no adversário derrotado, Rogério Rosso (PSD-DF), cria um espaço para negociações sérias sobre temas urgentes dos quais a Câmara precisa tratar. A agenda de reformas, para estabilizar a economia, se impõe, por exemplo. O próprio Maia já deu declarações sobre isso. Porém, há mais. A pauta do combate à corrupção também é prioritária, para que o Congresso aperfeiçoe os instrumentos legais, com a finalidade de coibir o roubo do dinheiro do contribuinte.

Há em andamento um processo de higienização da vida pública. Mas ele precisa ganhar velocidade e não permitir retrocessos. O fortalecimento do Ministério Público, consolidado na Constituição de 88; a profissionalização e autonomia operacional da Polícia Federal; e uma melhor atuação da Justiça, pela própria troca de gerações, são muito positivos. Não é, portanto, por acaso que nestes últimos dez anos têm transcorrido operações emblemáticas de enfrentamento da corrupção — o desbaratamento do mensalão e a LavaJato, os grandes destaques.

No âmbito do Legislativo, houve a aprovação da Lei da Ficha Limpa, um projeto de origem popular e que veio impedir que se candidate quem tiver sido condenado em segunda instância — portanto, por um colegiado de juízes —, sem ser necessário esperar o “trânsito em julgado”, um longo caminho até a última instância, repleto de chances de recursos protelatórios.

Rodrigo Maia precisa se comprometer também com a agenda do combate à corrupção. As resistências no Congresso são conhecidas. No mesmo caminho percorrido pelo projeto da Ficha Limpa, dez propostas de medidas anticorrupção, formuladas pelo MP a partir da Lava-Jato, chegaram ao Congresso sustentadas por dois milhões de assinaturas.

Waldir Maranhão (PP-MA), ainda na presidência da Câmara, resistiu a instalar a comissão para dar início à tramitação da proposta. Pressionado, a instalou. Cabe a Rodrigo Maia dar sequência à tramitação do projeto. Em palestra proferida em Washington, quinta-feira, o juiz Sérgio Moro criticou governo e Congresso, por não fazerem contribuições “significativas” neste campo. É indiscutível. No caso do Congresso, quando não é passivo, trabalha contra. Vide o projeto de lei do “abuso de autoridade”, hoje no Senado, no qual investigados pela Lava-Jato depositam esperanças para barrar o MP e a PF. Há, também, projetos lulopetistas para tornar inócuas as delações premiadas, com a proibição de que presos possam fazê-las.

Sabe-se do risco que corre a moralização em curso, a partir da esfera do Judiciário, do MP e da PF, com a possibilidade real de ocorrerem no Brasil retrocessos idênticos aos verificados na Itália depois da Mãos Limpas. Grupos políticos italianos atingidos por aquela devassa, feita também por organismos de Estado, nos subterrâneos financeiros da política, reagiram com a aprovação de leis para barrar as investigações. Tentativas com o mesmo objetivo já ocorrem hoje no Brasil.

O campo parlamentar é portanto essencial para consolidarem-se um sistema e uma cultura de punição de corruptos e corruptores. O novo presidente da Câmara precisa ter consciência disso.

O terror dos lobos solitários – Editorial / O Estado de S. Paulo

O atentado em Nice, no sul da França, que deixou um saldo de no mínimo 84 mortos – número que pode aumentar porque entre os mais de 100 feridos havia 52 em estado grave –, tem características que confirmam as previsões mais pessimistas sobre as dificuldades do combate ao terrorismo em todo o mundo. E o que primeiro chama a atenção nesse caso é a dimensão da tragédia que um só terrorista, com recursos limitados, é capaz de provocar, num país que, por ser um dos mais visados, é em princípio também um dos que devem estar mais preparados para enfrentar esse problema.

Tudo foi bem calculado. Tanto a escolha do dia – o 14 de Julho, data nacional da França – como o local, a famosa Promenade des Anglais, que margeia a praia, um dos mais movimentados da cidade, e da hora, ao fim do espetáculo de fogos de artifícios, antes de a multidão ali reunida começar a se dispersar. Nice é uma das principais cidades turísticas do país e recebe grande número de estrangeiros no verão europeu.

Num caminhão alugado, o terrorista avançou sobre a multidão, dirigindo em ziguezague de modo a atingir o máximo de pessoas. Ele percorreu assim dois quilômetros – o que explica tantos mortos e feridos –, ao fim dos quais, atacado por policiais, desceu e morreu disparando uma pistola. No depoimento de uma testemunha, “corremos sem saber muito o que fazer. Foi um pânico incrível, com todo mundo correndo na Promenade e na praia”. A presença de famílias com filhos pequenos – há 10 crianças entre os mortos – aumentou o desespero e o descontrole.

Passado o primeiro choque da tragédia, as autoridades francesas, às voltas com o terceiro atentado em pouco tempo – os outros dois, em 2015, foram o do jornal Charlie Hebdo, em janeiro, e o de novembro, que teve vários alvos e deixou 130 mortos –, e os especialistas em terrorismo em todo o mundo tentam entender o que aconteceu. O que se sabe até agora do terrorista, Mohamed Lahouaiej Bouhiel, é que é um franco-tunisiano de 31 anos, morador de Nice, com antecedentes de delitos comuns, mas sem ligação com o Estado Islâmico, a Al-Qaeda e outros grupos terroristas que atuam no Oriente Médio.

Portanto, um lobo solitário, como tudo indica, mas diferente dos até aqui conhecidos dessa categoria, que agem manipulados a distância por aqueles grupos. Sua ligação com eles seria indireta. O terrorista de Nice seria um produto do caldo de cultura criado por extremistas, que a partir tanto do Oriente Médio como de núcleos que atuam nos países europeus pregam a luta contra os valores ocidentais, ao mesmo tempo que exploram o ressentimento de filhos de imigrantes não inteiramente integrados às sociedades em que vivem.

Lidar com esses lobos solitários – com destaque agora para o tipo que agiu em Nice – é um dos maiores desafios da luta contra o terrorismo. É muito difícil descobri-los, localizá-los, monitorá-los e, portanto, prever quando passarão à ação. Foi o que aconteceu com os dois terroristas que cometeram em abril de 2013 o atentado na maratona de Boston, que deixou 3 mortos e 264 feridos, os que agiram em Paris em novembro do ano passado e agora – o mais complicado de todos – o de Nice.

Essa incapacidade de prever cria uma sensação de impotência, que afeta desde a população até os responsáveis pelo combate ao terror. E isso tende a piorar a curto prazo, com os reveses que vem sofrendo o Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque. Derrotados ali, privados dos territórios onde sonhavam implantar seu califado, os combatentes do EI devem se dispersar e apelar cada vez mais para o terrorismo, em qualquer parte do mundo, como já advertiram vários especialistas e o diretor do FBI, James Comey.

Encontrar um meio de lidar com essa complicada situação e neutralizar tanto quanto possível a ação dos terroristas é hoje o grande desafio dos serviços de inteligência, em especial os dos Estados Unidos e dos países europeus, que dispõem de mais recursos e experiência nesse terreno.

Psicanálise do Brasil - Rosiska Darcy de Oliveira

• Estamos no momento mais agudo da crise. População triste, pessimista, desencantada. Cair na real cobra o preço da angústia

- O Globo

Vivemos momento mais agudo da crise. Apalavra crise assombra o Brasil. Está em todas as bocas, nos sentimentos de fracasso e de falta de alternativa que nos afligem. Está em tantos fatos e sentimentos diversos e confusos que não encontra uma definição clara.

Os consultórios de psicanálise são frequentemente solicitados por situações de crise individual. Crise, nos indivíduos, é aquele momento em que alguém não pode mais ser quem era, ainda não pode ser outra pessoa e não pode, salvo morto ou delirante, deixar de ser. Habita então uma terra de ninguém em que não se tem outra escolha senão dar à luz a um novo eu, construído com o que nos é dado viver naquele momento. Quem não conheceu em sua própria trajetória um momento assim? Celebra-se depois de uma dura travessia o encontro com um eu melhor, mais verdadeiro, mais sólido, erguido sobre os escombros de falsas ilusões.

A matriz da crise que atinge a sociedade brasileira, no plano coletivo, se assemelha à matriz da crise individual. Perda de identidade, esfarelamento das ilusões e esperanças nutridas ao longo de anos em projetos, partidos, ideologias, na vaga certeza de sermos uma grande economia emergente, enfim o país do futuro que estaria chegando ao seu destino.

Nossos mitos estão sendo duramente confrontados à verdade: uma nação que nos últimos anos viveu uma farsa política, em que heróis eram bandidos e os bandidos os grandes heróis, invadido por uma corrupção metastática, à beira da falência moral e econômica, sustentado a duras penas por uma democracia que se eviscera para sobreviver.

O encontro com a verdade não pode ser senão doloroso e, no entanto, tudo isso é bom, é saudável, é promissor, único caminho possível para dar à luz um país verdadeiro. Mas, hoje ainda habitamos uma terra de ninguém.

O desnudamento da casta política pela Lava-Jato tem nos custado a reputação de um país de corruptos. O que somos e não somos. É quando vem à tona a evidência de um mundo político em decomposição que o sentimento de vergonha que invade os brasileiros revela-se ser o avesso dessa decomposição. É quando emergem as reservas de decência que são enormes no país onde a imensa maioria ganha a vida honestamente.

Vergonha, depressão são estados negativos que contêm em si mesmos os germens de uma mudança positiva, já em curso. São passagens estreitas, incontornáveis na travessia da impostura para a realidade.

Estamos no momento mais agudo da crise. Uma população triste, pessimista, desencantada. Cair na real cobra o preço da angústia pelo que está por vir. E, no entanto, estamos mudando para melhor, enfrentando a devastação do passado e o desmoronamento das vãs promessas sobre o futuro embutidas no estelionato eleitoral, confrontados à justa medida de nossas possibilidades presentes. Um novo país, redimensionado, está nascendo de sua própria crise.

É esse país em crise, confrontado às suas insuficiências, que vai receber os Jogos. A imprensa internacional tem nos pintado com as cores do inferno, talvez espelhando nossos próprios policiais que assim se apresentaram no aeroporto para receber os turistas. A voz da nossa depressão ecoa esse coral de Cassandras. O jornal “The New York Times” anunciou uma “catástrofe olímpica” e ilustrou a matéria com a foto de uma menina miserável que dorme na rua. Poderia ter sido fotografada em Nova York ou em qualquer outra grande cidade, o que em nada atenua o horror de sua miséria. A menina ilustra o desvalimento, nossa vergonhosa dívida social, não prenuncia uma catástrofe olímpica. Nos Estados Unidos, durante as Olimpíadas de Atlanta, os homeless também não encontraram um teto.

É preciso cuidado para que a voz da depressão não comece a nos autodescrever como um inferno que não somos. Tampouco somos um paraíso, já que o paraíso há muito desertou as grandes metrópoles do mundo. E não só elas.

Não se improvisa uma cidade e um país inexistentes. Assim como em crises individuais mobilizamos recursos que não pensávamos ter, no plano coletivo também dispomos de recursos insuspeitados que saberemos mobilizar. A voz da depressão joga contra, não colabora. Melhor que se cale.

Findos os Jogos, que chegam como uma festa surreal em que os convidados desembarcam em uma casa semidemolida por um imprevisto terremoto, mais do que antes seremos confrontados ao que é o nosso verdadeiro desafio: renascer de nossa própria crise, pôr de pé um país que faça sentido. Fazer sentido é de fato um fazer, o sentido não é dado. Esse fazer será a tocha que, depois dos Jogos, continuaremos a passar de mão em mão.
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Rosiska Darcy de Oliveira é escritora