UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA
A prova dos nove
Após relator e revisor, é hora de o resto da Corte se pronunciar sobre primeiros réus
Carolina Brígido
BRASÍLIA O julgamento do mensalão entra hoje em nova fase, mais veloz e reveladora. Depois dos longos votos do relator, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, pela primeira vez os outros nove ministros terão a chance de se pronunciar, trazendo à luz suas tendências para condenar ou absolver os réus. O primeiro deixou claro um viés condenatório. O segundo condenou alguns crimes e absolveu outros. A partir da sessão de hoje, será possível saber se a Corte se dividirá em dois times: o do relator e o do revisor.
Barbosa e Lewandowski levaram duas sessões cada um para falar apenas do primeiro dos sete capítulos, mas agora o tribunal deve apertar o passo para concluir ainda esta semana essa parte do julgamento.
O ministro Luiz Fux tem conversado com cada um dos colegas para convencê-los a votar em até duas horas. Se o plano der certo, até quinta-feira estará traçado o destino de seis dos 37 réus. Embora preze pela celeridade do julgamento, o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, deixou a cargo dos colegas decidir por quanto tempo falarão. Hoje, o relator ainda falará por 20 minutos, e o revisor terá o mesmo tempo.
Nessa primeira parte do julgamento, decide-se o futuro de seis réus: o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP); o ex-gerente de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato; o suposto operador do esquema, Marcos Valério; e dois dos sócios deste, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação Luiz Gushiken deverá ser absolvido, como recomendou o Ministério Público Federal.
Cezar Peluso na hora da despedida
O momento também é decisivo para o ministro Cezar Peluso, que se aposenta em 3 de setembro, quando completa 70 anos de idade. Assim, será a última semana dele no STF. A intenção de Peluso de antecipar a íntegra de seu voto, antes mesmo de o relator fazer isso, não é bem aceita por vários ministros, como Marco Aurélio Mello e Lewandowski. Outros colegas, como Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Ayres Britto, veem a ideia com bons olhos. A questão deverá ser debatida em plenário esta semana.
Após as falas de hoje do relator e do revisor, deve haver um breve debate entre os demais integrantes da Corte. Embora todos os ministros tenham votos escritos com cerca de 500 páginas, boa parte deles se comprometeu a resumir suas versões em plenário para acelerar o ritmo das decisões. Barbosa e Lewandowski também prometeram votos mais curtos a partir de agora. A vontade de dar mais agilidade à votação vem especialmente do presidente da Corte, Ayres Britto, auxiliado diretamente por Fux. A primeira a votar hoje é Rosa Weber. Como de hábito, será breve e atenderá ao apelo do colega. Fux é o seguinte e deve proceder da mesma forma.
Não se sabe se Dias Toffoli, o terceiro na ordem de votação, vai se manifestar por muitas horas. Ele pode usar mais tempo para justificar seu ponto de vista, já que, antes de começar o julgamento, pairavam dúvidas sobre seu eventual impedimento para participar da decisão. O ministro foi advogado do PT, é amigo de um dos réus, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, e a namorada dele foi advogada de outro réu, o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP). Como está em jogo a condenação ou absolvição do petista João Paulo, pode ser que Toffoli use mais tempo para explicar seu ponto de vista.
Cármen Lúcia, também conhecida por votos objetivos, deve ser ainda mais rápida que Rosa e Fux. Ela costuma dar breves argumentos para sustentar sua posição e dizer com qual colega concorda, encaminhando em seguida a íntegra de seu voto escrito. Se não pedir para antecipar o voto, a depender do tempo usado em plenário pelos colegas, a manifestação de Cezar Peluso deve ocorrer na quarta ou na quinta-feira. Na ocasião, o plenário poderá decidir se o autoriza a antecipar o voto integral.
A expectativa de alguns ministros é que Barbosa, na condição de relator, abra a discussão em plenário sobre a possibilidade de Peluso antecipar seu ponto de vista. O voto de Peluso tem 400 páginas, mas o ministro se limitaria a verbalizar apenas um resumo do texto, encaminhando a peça integral aos colegas.
Depois de Peluso, votam Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Ambos têm criticado os votos longos do relator e do revisor e, por isso, não devem alongar muito suas manifestações. Em seguida vem Celso de Mello, considerado pelos colegas uma ameaça à celeridade do julgamento. Tradicionalmente, o decano do STF apresenta os votos mais longos, levando em consideração aspectos históricos e jurisprudências de outros países. O último a votar é o presidente, que já se comprometeu com a brevidade.
Quando os ministros concluírem o julgamento sobre desvios de dinheiro público na Câmara dos Deputados e no Banco do Brasil, entrarão em novo capítulo: os crimes financeiros atribuídos aos dirigentes do Banco Rural. Menos intrincada com o setor político do esquema, essa parte deve levar menos tempo para ser concluída. Estarão em jogo os destinos de José Roberto Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabello, acusados de gestão fraudulenta.
Mensaleiros são informados do andamento do processo via torpedo
Os advogados dos réus do mensalão mantêm seus clientes informados em tempo real. Durante as sessões do STF, a ferramenta mais utilizada é o torpedo por celular. Nos intervalos das sessões, ou mesmo durante a discussão entre os ministros, mas fora do plenário, as conversas nos celulares são frequentes. Luiz Francisco Barbosa, defensor de Roberto Jefferson, exibe para jornalistas a troca de mensagens com o delator do mensalão. Os dois são amigos há anos.
- Nós nos falamos com frequência sobre o processo. Geralmente, conversamos antes e depois das sessões. Aguardo sempre uma mensagem. Quando ele some, vou ver o que ele escreve e está achando naquele diabo do blog dele - disse o defensor de Jefferson.
Essa relação de proximidade entre réus e advogados prevalece em muitos casos. João Gomes, advogado do ex-deputado federal Paulo Rocha (PT-PA), é outro exemplo.
- Estou com o Paulo desde 2007, e ele virou meu amigo. Quando fiz sua defesa, fomos jantar num restaurante aqui em Brasília. Ele gostou, ficou contente, me agradeceu. A relação é assim.
Amizade à parte, Gomes diz que não esconde de seu cliente a realidade do julgamento e a real perspectiva de ser absolvido ou condenado.
- Não vendo ilusões. Nenhum advogado faz isso num caso como este. Mas, honestamente, e disse isso a ele, tenho grande esperança de que seja absolvido - disse Gomes, que revelou ter admiração especial por alguns integrantes dos quadros do PT. - Admiro a história de alguns deles, como as de Zé Dirceu e Genoino. Gostaria de ter álbum de figurinha com as fotos deles.
Advogados mineiros chamam atenção. Da defesa técnica que Marcelo Leonardo fez de Marcos Valério ao estilo irreverente de Paulo Sérgio Abreu, que chamou sua cliente, Geiza Dias, ex-secretária da SMP&B, de "mequetrefe", os mineiros conquistaram aplausos dos colegas.
FONTE: O GLOBO