*Antonio Gramsci
(1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.1. p.283. 4ª edição, Civilização
Brasileira, 2006.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 17 de setembro de 2023
Opinião do dia – Antonio Gramsci*
Merval Pereira - Sem rumo
O Globo
O Brasil está confuso porque não há mais
pudor para se tomar certas atitudes em nenhum dos três Poderes
A recente pesquisa Datafolha que mostrou a
manutenção da polarização eleitoral entre petistas e bolsonaristas já no final
do primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula não surpreende porque,
mesmo diante de uma aparente tranquilidade na economia, não aconteceu nada de
novo no país além da disputa entre Lula e Bolsonaro.
O sentido de vingança contra os que
tramaram um golpe antidemocrático só fortalece o espírito dos golpistas, que
alimentam a esperança de que, em 2026, as urnas trarão de volta seu líder
através de uma persona a ser eleita em seu nome. Para quem é bolsonarista, nada
do que está sendo apontado contra Bolsonaro cola. Nada aconteceu, Bolsonaro
está sendo perseguido, acreditam, apesar das evidências.
É a mesma coisa com os lulistas: nada mexe com eles em relação aos erros do governo Lula e do PT. Essa situação só se alterará se as pessoas que se disseram de centro na pesquisa – 21% dos pesquisados, e é um bom começo - tiverem representatividade e lideranças que possam oferecer alternativas a essa polarização. Por enquanto, não aconteceu, assim como nas duas eleições anteriores, e Lula e Bolsonaro vão continuar disputando a hegemonia, mesmo Bolsonaro não estando elegível.
Míriam Leitão - Jogo para livrar Jair Bolsonaro
O Globo
Se prevalecesse a tese de Mendonça e Nunes Marques, o 8 de janeiro se transformaria em uma baderna sem propósito, isentando o ex-presidente
O começo do julgamento dos vândalos de 8 de janeiro separou o Supremo Tribunal Federal em duas linhas opostas. Se fosse majoritária a tese dos ministros Nunes Marques e André Mendonça, de que não foi uma tentativa de golpe de Estado, o processo jamais chegaria ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Se não há crime, não há criminoso. Se não foi tentativa de golpe, não existem golpistas, e muito menos o principal mentor do atentado à democracia. A tentativa de livrar Bolsonaro bem no início desse julgamento fracassou. A quinta-feira terminou com mais uma dor de cabeça para o ex-presidente: a informação publicada pela revista Veja de que o dinheiro da venda dos relógios foi entregue a ele “em mãos” pelo tenente-coronel Mauro Cid.
Bernardo Mello Franco - Os juízes de Jair
O Globo
Ministros fazem malabarismo jurídico e
levam teses conspiratórias ao tribunal
Jair Bolsonaro passou, mas seus ministros
de estimação continuam. O julgamento dos primeiros réus do 8 de janeiro expôs o
legado do capitão no Supremo Tribunal Federal. Ele teve a chance de indicar
dois juízes e escolheu Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Desde que vestiram a toga, ambos se esmeram
em defender os interesses do ex-presidente. Foi o que voltaram a fazer nos
processos contra bolsonaristas que invadiram e depredaram as sedes dos três
Poderes.
Na quarta-feira, Kassio propôs que o
primeiro réu fosse absolvido dos crimes contra a democracia. Justificou-se uma
tese esdrúxula: como o golpe fracassou, os golpistas só poderiam ser punidos
por delitos menores, como sujar tapetes e quebrar vidraças.
O ministro chegou a tratar os criminosos como inofensivos “manifestantes”. A conversa irritou Gilmar Mendes, que relembrou o ataque violento à sede do tribunal. “A cadeira em que o senhor está sentado estava lá na rua”, indignou-se o decano.
Luiz Carlos Azedo - A cortina que encobre a viagem de Lula a Cuba
Correio Braziliense
O embargo americano proíbe operações em
qualquer porto nos EUA, por seis meses, de navios que atracarem em Cuba e
promove retaliações financeiras às empresas que se instalam na ilha
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
ontem, na cúpula do G77 China, em Cuba, voltou a pedir que países em
desenvolvimento tenham financiamento para transição energética. O petista
defendeu que este grupo “não tem a mesma dívida histórica dos ricos”. Para
Lula, o financiamento climático deve ser assegurado aos países em
desenvolvimento “segundo suas necessidades”. Defendeu a “industrialização
sustentável” e lembrou que os países ricos têm uma “dívida histórica” pelo
aquecimento global.
Lula assumirá a presidência do G20 no ano que vem e pretende propor a criação de um Grupo de Trabalho em Ciência, Tecnologia e Inovação voltado para os países em desenvolvimento. A visita de Lula ocorre às vésperas de sua viagem aos Estados Unidos, para abertura da Assembleia Geral da ONU, na qual se encontrará com o presidente norte-americano, Joe Biden, e terá uma nova oportunidade de se reunir com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, mas isso não consta de sua agenda.
Dorrit Harazim - A hora de Biden
O Globo
As falhas cognitivas do presidente só
aumentam, e as perguntas a que deverá responder também
Sempre ele — o inconfundível e universal apego ao poder por quem dele se alimenta. Alguns se contentam com o pequeno poder de funcionário de repartição para agarrar-se ao cargo de chefete. Outros, uma vez conquistado o topo do poder político, elaboram mil e uma construções edificantes para largá-lo somente in extremis — quando derrotados pelas mesmas urnas que os elegeram. Raras são as exceções. Jacinda Ardern, eleita em 2017 para governar a Nova Zelândia, tinha apenas 43 anos quando comunicou à nação que esgotara o combustível necessário para manter-se no poder. Faltavam poucos meses para a conclusão do mandato de seis anos, mas ela constatou que não conseguiria mais atender às exigências do cargo.
Elio Gaspari - Musk e Tesla, duas genialidades
O Globo
Elon Musk não inventou nada, o sérvio
Nikola Tesla inventou de tudo; Musk é a pessoa mais rica do mundo. Tesla foi
despejado de hotéis
Estão nas livrarias duas publicações com as
biografias de duas pessoas notáveis. Dois gênios, cada um ao seu tempo. Um é
Elon Musk, contado por Walter Isaacson. O outro é Nikola Tesla, de Marko Perko
e Stephen Stahl.
Musk viu seu primeiro computador em 1982,
aos 11 anos, e é a pessoa mais rica do mundo, com uma fortuna avaliada em 65
bilhões de dólares.
Em 2002, ele se meteu com a ideia de carros elétricos. A Tesla, empresa que os fabrica, já bateu a marca do milhão de carros vendidos. Quando decidiu dar esse nome ao carro, Musk sabia quem ele havia sido, mas até hoje há quem pense que Tesla, como Sony, é um nome de fantasia.
Eliane Cantanhêde - Calote em Cuba, déficit no Brasil
O Estado de S. Paulo
Lula entre EUA e China, Chile e Cuba, Uruguai e Venezuela, mulheres e Centrão; o ‘déficit zero’ evapora
No sobe-e-desce do início do terceiro
governo, o presidente Lula está mais uma vez em baixa. Voltou a alimentar
polêmicas na política externa, demitiu a segunda ministra, deu posse
envergonhada aos novos ministros do Centrão e não foi uma boa ideia usar
relógios que seriam da União. E como andam as votações no Congresso? E o
“déficit zero” em 2024, foi um sonho de verão?
Em novo giro internacional, Lula tem quatro focos: a complexa relação com Cuba, equilibrarse para o Brasil não virar massa de manobra da China, exibir um contraste vigoroso entre ele e Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU e priorizar convergências e amenizar crescentes divergências com os EUA, como na guerra da Ucrânia. Sem improvisos, por favor!
Celso Lafer* - José Gregori (1930-2023)
O Estado de S. Paulo
O mais relevante sonho que alimentou sua vida foi o da afirmação e efetivação da constitutiva complementaridade da democracia e dos direitos humanos sob um Estado de Direito
José Gregori acaba de nos deixar, aos 92
anos, cercado do afeto de suas filhas e da solidariedade dos amigos. Expressou
com espírito público, nos caminhos de sua vida, a sensibilidade, compartilhada
de sua geração de brasileiros em relação aos problemas e desafios do nosso
país. Para José Gregori, na especificidade deste contexto, o melhor e mais
relevante sonho que alimentou a sua vida foi o da afirmação e da efetivação da
constitutiva complementaridade da democracia e dos direitos humanos sob a égide
e as normas de um Estado de Direito.
Foi à realização do potencial do dever ser deste sonho, e também ao enfrentamento dos seus obstáculos, que se dedicou no seu percurso. Esta é a marca de sua contínua e ativa presença no espaço público da palavra e da ação. Assumiu a força axiológica da democracia, que traduziu na sua prática e na civilidade pluralista de sua conduta, aberta ao diálogo criativo da diversidade.
Celso Rocha de Barros - A luta por uma ministra negra
Folha de S. Paulo
Se petistas consideram imperativo político
mais urgente no STF, devem argumentar sem subterfúgios
Nas últimas semanas, parte da militância
virtual petista passou a atacar duramente o humorista Gregorio
Duvivier por sua defesa da nomeação de uma mulher negra para o STF. Duvivier, na
verdade, só apoiou uma reivindicação do movimento negro, um dos movimentos
sociais que fundaram o PT.
Como o pessoal não teve coragem de criticar
o movimento negro, bateram no humorista, para dar a impressão de que, se
Lula não nomear uma ministra negra, estará contrariando a "esquerda do
Leblon", e não a massa de brasileiros e brasileiras negras que moram a
dezenas de pontos de ônibus de distância do bairro do Manoel Carlos.
Não é muito difícil entender por que Lula indicou Zanin e,
ao que parece, pode indicar outro
jurista que lhe seja próximo para o STF.
Desde o julgamento do mensalão, quando o STF começou a prender políticos, à exceção de Dilma Rousseff –que caiu– os presidentes nomearam ministros que lhes eram próximos. Tendo diante de si o Congresso mais conservador de todos os tempos, presidido por um político que foi próximo de Bolsonaro, Lula procura se blindar.
Vinicius Torres Freire - Congresso está com vontade de armar bombas para Lula
Folha de S. Paulo
Lista de projetos econômicos pode azedar
clima entre Executivo e Legislativo
O Congresso andava quieto depois de aprovar
uns projetos econômicos que até remendam o país e, mais impressionante, até uma
promessa de Reforma
Tributária. Então saiu para as férias. A seguir, entrou na muda, entretido
com a barganha de ministérios. Voltou à ativa para tratar de assuntos cooperativos
e corporativos. Ameaça agora aprovar uma rajada de medidas que podem estourar e
desmoralizar as contas públicas, um tabefe no governo de Luiz Inácio Lula da
Silva e no país.
Sim, "assuntos cooperativos e
corporativos". O Congresso mais e mais é uma cooperativa privada de
direito público, destinada a criar uma casta de negociadores de dinheiros
públicos (de emendas a fundões eleitorais) e de garantias de permanência no
poder (com, de novo, fundões partidários e regulações contra a concorrência
político-eleitoral).
Considere-se essa dita "minirreforma eleitoral" e a anistia que vão se dando para trambiques em contas partidárias.
Bruno Boghossian - Instabilidade entre militares tem a marca dos generais da reserva
Folha de S. Paulo
Conexões políticas e agitação golpista nos
clubes militares são fatores de contaminação cruzada
O principal fator
de instabilidade representado pelos militares nos últimos anos estava
dentro dos quartéis e nas reuniões de cúpula. Se existiu alguma dúvida sobre a
ameaça de adesão a uma aventura golpista, esse risco vinha de comandos e tropas
da ativa, que tinham armas nas mãos.
Gente interessada em passar a questão a limpo sabe que os laços desse problema são mais abrangentes. As conexões políticas da caserna, a doutrina que alimentava delírios de ruptura e o envolvimento direto em episódios de agitação golpista têm uma marca profunda de círculos influentes da reserva.
Hélio Schwartsman - Filósofo se tornou ateu aos 8 anos
Folha de S. Paulo
Biografia de Derek Parfit equilibra bem
esquisitices da vida do pensador com importância de sua obra
Se não existe Deus, tudo é permitido,
escreveu Dostoiévski. O filósofo moral Derek Parfit foi mais específico. Uma vez, durante uma
aula em Harvard, ele se voltou para os alunos e disse: "vocês não veem, se
a moral não for objetiva, nossas vidas perdem todo sentido".
A anedota consta de "Parfit", a biografia que David Edmonds escreveu
sobre o filósofo inglês, morto em 2017. Trata-se de um livro extraordinário,
que consegue não só transformar uma vida sem maiores acontecimentos em algo que
se lê como um romance mas também explicar muito da filosofia de Parfit e
mostrar por que ela é importante.
Muniz Sodré - Terrivelmente piores
Folha de S. Paulo
Certo mesmo é que, entronizado um juiz do
Supremo, nada mais o obriga ao genuflexório
"Eu não sou bonita, sou pior".
Sugestiva, a glosa atribuída a Mae West pode iluminar um tópico dúbio. É que
repercutiram como conservadores os primeiros votos do ministro indicado por Lula ao STF. Na realidade, todo juiz
do Supremo é conservador, na acepção de alguém pautado pela estabilidade das
instituições. Mas sem dogmatismo: no STF tem ressoado positivamente o reformismo
de costumes e direitos sociais.
Isso se sabe. A reação ao recém-chegado deve-se hipoteticamente à
subvocalização de algo como "não sou conservador, sou pior". Seria um
deslocamento da simples oposição ao reformismo para a zona obscura da nova
psicologia das massas e das adaptações políticas de um narcisismo cego em
ascensão.
Esse é apenas um dos aspectos ético-políticos da vida social, de que são protagonistas a cultura e o consenso popular, abalados pelo momento egoístico-passional da governança neoliberal. Até mesmo o conservadorismo ainda escorado em argumentos racionais é cada vez mais permeável ao tosco reacionarismo. Por isso, uma instituição já estruturalmente conservativa como o STF abriga o paradoxo de uma "ala conservadora". Ou seja, uma ala do pior.
Ruy Castro - Haja placas
Folha de S. Paulo
O trabalho da Prefeitura do Rio, marcando
os endereços famosos da cidade, pode não ter fim
Mesmo sem conhecer o Rio, quem não sabe que foi na rua Nascimento Silva, 107, em Ipanema, que, em 1958, Tom Jobim "ensinou pra Elizeth/ As canções de ‘Canção do Amor Demais’"? O endereço está em "Carta a Tom 74", em que Vinicius de Moraes relembra sua parceria com Tom no famoso disco de Elizeth Cardoso. Mas, e se algumas canções tiverem sido ensaiadas na casa de Vinicius? Onde ele morava? Não muito longe, na rua Henrique Dumont, 15, hoje um edifício. E onde moravam Tom e Vinicius quando fizeram "Garota de Ipanema", em 1962? Tom, na rua Barão da Torre, também 107, e Vinicius, na rua Paulo César de Andrade, 106, no Parque Guinle, em Laranjeiras. Assim como o da Nascimento Silva, esses endereços mereciam a plaquinha azul que a Prefeitura do Rio está aplicando às fachadas históricas da cidade.
Luiz Gonzaga Belluzzo - Trombadas geoeconômicas
O jogo de espelhos liberalismo versus protecionismo
Em artigo recente publicado no Project
Syndicate, o economista Dani Rodrik discorreu a respeito da oposição liberalismo versus
protecionismo.
“‘A era do livre-comércio parece ter
acabado. Como a economia mundial se sairá sob o protecionismo?’ Esta é uma das
perguntas mais comuns que ouço hoje em dia. Mas a distinção entre
livre-comércio e protecionismo (como a entre mercados e Estado, ou mercantilismo
e liberalismo) não é especialmente útil para entender a economia global. Não só
deturpa a história recente, como também interpreta mal as transições políticas
de hoje e as condições necessárias para uma economia global saudável.”
No livro Trade, Development and Foreign
Debt, o economista americano Michael Hudson faz uma avaliação histórica e
crítica das teorias do comércio e das finanças internacionais, desde os
mercantilistas até os dias de hoje.
Para Hudson, as palavras “protecionista” e “livre-cambista” são etiquetas ideológicas que ocultam as razões de fundo das divergências. O capitalismo realmente existente conta uma história mais ambígua do que aquela narrada pelos fundamentalistas – de um lado e de outro – a respeito do desenvolvimento das relações econômicas internacionais. Protecionismo e livre-cambismo convivem como cães e gatos. Brigam o tempo todo, mas são inseparáveis.
O que a mídia pensa: editoriais / opiniões
Conservadorismo terá de se livrar do extremismo
O Globo
Visão conservadora, predominante no Brasil,
foi contaminada por teses conspiratórias e ataques à democracia
Por muitas décadas, a divisão entre os
campos políticos identificados como direita e esquerda se baseava em questões
como papel do Estado na economia ou desigualdade social. Mais recentemente, a
pauta de costumes, influenciada pela agenda identitária originada nos Estados
Unidos, passou a ocupar espaço. Temas como aborto, sexualidade, armas ou drogas
se tornaram mais relevantes para explicar a sociedade. Dentro dessa temática, a
visão associada ao conservadorismo tem sido predominante no Brasil — e decisiva
na política. É o que constatou a mais recente pesquisa A Cara da
Democracia, feita com 2.558 entrevistados pelo Instituto da Democracia
(IDDC-INCT) no fim de agosto.
A maioria se diz contra a legalização do aborto (79%), contra a descriminalização do uso de drogas (70%) e a favor da redução da maioridade penal (65%). É certo que, entre os partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro, os percentuais são mais altos (respectivamente, 90%, 83% e 77%). Mesmo assim, uma maioria expressiva dos admiradores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende as mesmas posições (77%, 71% e 62%). O principal contraste entre os dois grupos se dá na opinião sobre questões de gênero e sexualidade (60% dos lulistas são favoráveis ao casamento gay, enquanto 69% dos bolsonaristas são contrários).