- O Estado de S.Paulo
Um nacionalismo anacrônico manchado de reacionarismo não nos serve
Se com Lula já era claro que a política interna vivia fortes condicionamentos externos, particularmente no que se refere a uma inserção do País na globalização, marcada por tensões ideológicas, sem considerar o nível de criminalização que em paralelo se praticou, com o governo Bolsonaro, excetuando aparentemente esta última ponderação, a dimensão internacional parece ser inescapável. O episódio da indicação do filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), é ilustrativo dessa evidência.
Com Bolsonaro acentua-se a percepção de que nos encontramos imersos naquilo que Giuseppe Vacca define como “conflito econômico mundial”, uma situação sistêmica que caracteriza o mundo desde a superação da guerra fria, posicionando-nos definitivamente no tempo da globalização. Trata-se de um conflito perene e global que envolve múltiplos atores em torno de decisões geopolíticas, econômico-financeiras, do mundo do trabalho e da cultura, questões tecnológicas, ambientais, etc.
Torna-se conveniente, assim, analisar o governo Bolsonaro a partir dessa perspectiva. Seu nacionalismo e seu notável reacionarismo são equivalentes ao que ocorre em diversos países e traduzem o lugar que Bolsonaro vê para o Brasil no contexto global. O que se apresenta nos EUA sob Trump ou na Hungria sob Orbán tem lógica similar aos posicionamentos de Bolsonaro, embora este possa talvez ser considerado o mais despreparado dentre tais líderes, tanto em termos pessoais como de assessoria imediata.
O momento que vivemos não recoloca na agenda mundial o retorno da guerra fria, mesmo porque não há duas potências orientando os vetores do “conflito econômico mundial”. A guerra fria foi um conflito forjado de dentro para fora das duas potências rivais, os Estados Unidos e a União Soviética, e representou um equívoco de ambas, já que nenhuma delas seria capaz de suplantar a outra e estabelecer um domínio efetivo a partir de uma suposta vitória militar sobre a adversária (G. Vacca, La Sfida de Gorbaciov – Guerra e Pace nell’Era Globale, no prelo).
Parece não haver espaço também para outros retornos cultivados no imaginário de muitos que ambicionam combater a extrema direita como um conflito do tipo “comunismo versus fascismo” – por evidente anacronismo, além do erro de avaliação que julgava ser tal disjuntiva a única alternativa que existia na década de 1930 –, ou uma confrontação do tipo “frente popular versus nazi-fascismo”, como sucedeu no século passado.