Entrevista com Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República
Ex-presidente diz que postura crítica do governador paulista ‘é melhor’ porque, se ele quiser disputar o Planalto em 2022, presidente ‘não é aliado’
Márcio Resende | O Estado de S.Paulo
BUENOS AIRES – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso endossou a tática do correligionário e governador de São Paulo, João Doria, de se distanciar criticamente do presidente Jair Bolsonaro. Para FHC, eventual fusão entre PSDB e DEM não significa, necessariamente, uma guinada à direita da sigla tucana. Sobre a decisão de rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves, afirmou que a direção seguiu o estatuto do partido. O ex-presidente concedeu entrevista ao Estado, nesta sexta-feira, 23, em Buenos Aires, onde participou de seminário. Os principais trechos:
• O PSDB decidiu rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves que era cobrada pelos diretórios paulistas. Como o senhor observou essa decisão?
Pelo que eu vi, seguiram o estatuto (do partido). O estatuto diz que a pessoa tem de ser condenada para ser expulsa. Então, o diretório não tinha muita alternativa. Seguiu o estatuto. Eu não falei com o governador Doria sobre a matéria. Eu acho que, a uma certa altura, o juiz de quem deve se afastar é o próprio Aécio Neves. É questão de ele ver o quanto isso pode ajudar ou atrapalhar o partido. É claro que ele tem de fazer um balanço entre os interesses dele e os do partido. Eu acho que o homem público sempre pensa na estrutura, na instituição. Mas, no caso, eu não estava lá e não sei qual argumento foi usado, mas tem muita gente do PSDB que está acusada. Por que vão tirar um só?
• O senhor acha que tenha sido uma derrota do governador Doria e do prefeito Bruno Covas?
Não, eu não acredito que tenha sido. Eu não sei o quanto ele se envolveu, mas não acredito que tenha sido.
• O senhor acha, então, que deveria ser uma iniciativa própria do deputado Aécio Neves. Baseada em ética e moral?
Baseada no sentimento dele: “se está prejudicando o partido, eu me afasto”. Agora, ele tem de balançar isso com os interesses jurídicos dele porque isso pode enfraquecer a postura dele. Pode ser uma espécie de antecipação de reconhecimento de culpa.
• O senhor acha que isso pesou?
Ah, sem dúvida.
• Como vê o atual posicionamento de Doria, que agora é crítico do governo Bolsonaro?
Eu acho que esta fase é melhor porque, objetivamente, se o governador Doria quiser ser candidato, o Bolsonaro é adversário, não é aliado.
• Ele pondera isso nessa decisão?
Sem dúvida.
• PSDB e DEM deveriam mesmo caminhar para uma fusão?
Acho que a estrutura partidária brasileira está tão esfarelada, tão fragmentada, que muitas fusões seriam bem-vindas. Sou presidente de honra do PSDB, mas eu não tenho contato com o dia a dia. Eu emito a minha opinião como observador. Acho que a fragmentação é de tal natureza que vamos precisar de uma reorganização da vida partidária. Na verdade, o que nós construímos na Constituição de 1988, bem ou mal, está terminando. É preciso renascer de outra maneira. Acho que, nesta fase de transição, na qual a internet joga um papel enorme, ou seja, a relação de pessoa a pessoa salta as instituições, é o momento que, na verdade, as pessoas se voltam para os líderes, para as pessoas. Então, eu não sei quais serão as pessoas que vão aparecer no Brasil com força suficiente para reorganizar. As pessoas que tinham ou estão já fora porque foram derrotadas ou porque estão velhas ou porque estão presas.