sábado, 24 de agosto de 2019

Opinião do dia || Fernando Henrique Cardoso*

"Um presidente simboliza, mais que um partido, uma nação. É preciso perceber que o exercício da Presidência requer pôr de lado a visão partidária. Não é fácil equilibrar, mas enquanto está no exercício da Presidência tem que escutar o outro.

A democracia envolve a aceitação da diversidade e de que alguns ganham e outros perdem. Quando um líder personalista ganha uma eleição e se acha o senhor de tudo, há um problema. Ninguém tem a garantia que a democracia vai prevalecer, por isso creio que temos de cuidá-la. Há um momento de nacionalismo autoritário em várias partes, será que isso vai predominar?

A geopolítica está mudando e nossos países têm que olhar a longo prazo, como fazem os chineses. O poder não deriva apenas do lado econômico, é mais complexo. Os chineses têm estratégia, visam o longo prazo, é um país antigo. Isso temos de aprender

A capacidade de ganhar dinheiro, hoje, não está vinculada em ter muitos empregados senão com a tecnologia moderna, que requer uma preparação específica. isso gera uma angustia grande nas pessoas. Há muito mais pessoas que se chama desamparadas e isso abre espaço ao populismo. O populismo de Perón e de Vargas incluía aos que estavam fora; agora é excludente: 'não quero o imigrante, o estrangeiro, o diferente'. É complicado... Qual vai ser a ideologia que vai reproduzir esse pensamento? O que tem de mudar são as instituições. É duro para um democrata, como eu, dizê-lo, porém, neste momento se necessitam lideranças."

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, em palestra no Seminário Democracia & Desenvolvimento, jornal Clarín, Argentina, 22/8/2019

Rubens Ricupero: ‘Só um milagre’ ajudaria a imagem do país

Gabriel Martins | O Globo

Na avaliação do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, a imagem do Brasil no exterior nunca esteve tão abalada. Ricupero, que também já foi ministro do Meio Ambiente e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), destaca que, dada a atual situação, há um perigo real de que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia não vá adiante e até que países europeus invoquem legislações
do bloco para tomar medidas contra a soja e a carne produzidas no Brasil.

Segundo ele, em 50 anos, é a primeira vez que um assunto brasileiro mobiliza tanto a comunidade internacional. Na sua opinião, “só um milagre” recuperaria a imagem do país.

Em meio a um cenário de escalada nas tensões entre China e Estados Unidos, ele pontua que pode ser difícil a economia brasileira se recuperar a curto prazo:

—O Brasil saiu de três anos de recessão para três anos de crescimento anêmico —destacou Ricupero.

• Existe o risco de o acordo entre Mercosul e União Europeia não ser assinado?

Na verdade, agora existe a probabilidade de não ter acordo. Uma vez que há declarações oficiais de países posicionando-se contra o texto, afirmando que o presidente brasileiro mentiu, a situação muda.

• A União Europeia pode retaliar o Brasil, mesmo com a possibilidade de o país recorrer na OMC?

No caso da Europa, os países-membros podem invocar a legislação do bloco para tomar medidas contra o Brasil. Por exemplo, os países podem alegar que a carne e a soja produzidos no Brasil são oriundas de áreas de desmatamento. Isso pode impactar o comércio externo brasileiro.

• No atual cenário, é possível dizer que o Brasil vive uma crise diplomática?

Mais do que isso, o Brasil vive a mais grave crise de imagem dos últimos 50 anos. Nem no governo militar assistimos a um movimento em que todos os noticiários internacionais focalizam a Amazônia como primeira notícia, com declarações de presidentes, jogadores de futebol, atores e chefes da ONU. Muito deste cenário tem a ver com o posicionamento do governo em relação às críticas internacionais.

• É possível reverter a imagem ruim do país no exterior?

Depois das diversas declarações do governo, em tom de ataque a países e líderes que pediram soluções para a questão ambiental brasileira, a situação ficou complicada. Como o mandato do atual governo ainda tem mais três anos, a não ser por um milagre, não vejo possibilidade de recuperação da imagem do Brasil no exterior.

• Além da questão ambiental, o Brasil pode ser afetado pela guerra comercial entre China e Estados Unidos?

Guerra comercial já afeta o mercado global como um todo, uma vez que cria um clima que impulsiona o movimento de desaceleração global. No comércio, caso a atividade econômica desacelere, os países vão comprar menos. Como o Brasil é um dos mais importantes exportadores de commodities, o país pode ser afetado pelos desdobramentos e intensificação dos atritos comerciais entre China e Estados Unidos.

• O agronegócio brasileiro pode ser impactado negativamente diante do atual cenário?

A tendência existe. O cenário atual tem potencial para afetar muito o agronegócio, que representa o mais importante do comércio externo brasileiro. O agronegócio é a única parte das exportações brasileiras que mantinha o dinamismo. Agora, é esse o setor que está ameaçado de encontrar barreiras no exterior.

Merval Pereira: Proteger a Amazônia

- O Globo

Defesa da Amazônia deveria ser a ocupação econômica, explorando sua imensa biodiversidade

A mobilização do mundo em relação às queimadas da Amazônia deve-se à inabilidade da retórica, muitas vezes seguida de atos concretos, do governo brasileiro em relação ao meio ambiente, desde o início do mandato de Bolsonaro.

O governo brasileiro, se tivesse o mínimo de inteligência política, e compreensão da inter-relação das economias num mundo globalizado, tinha feito algo desde o início da estação de seca na região, sem dar chance a que a França usasse as queimadas para tentar boicotar o acordo da União Europeia com o Mercosul.

A decisão que o presidente anunciou ontem, de mandar o Exército para a região das queimadas para ajudar a combatê-las e a reprimir as ações ilegais e criar uma espécie de gabinete de crise a fim de acompanhar os acontecimentos, deveria ter sido tomada logo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alertou para o aumento das queimadas.

Ao invés disso, o governo resolveu desmoralizar o instituto, um dos centros de excelência da ciência brasileira, reconhecido mundialmente. Brigou contra os fatos, como está se vendo agora.

Antes, já tinha brigado com os governos da Noruega e da Alemanha por divergências sobre a utilização do Fundo Amazônia, exemplo de cooperação internacional sadia para ajudar a luta pelo meio ambiente. Os doadores do Fundo estavam satisfeitos com sua atuação e, por questões políticas, o governo Bolsonaro resolveu intervir.

Não é possível no mundo atual ser contra a atuação das ONGs, organizações civis que representam o interesse da sociedade em escala internacional. O governo Bolsonaro, que é contrário ao que chama de mundialização, pretende limitar a ação das ONGs, considerando-as braços intervencionistas de potências estrangeiras.

Míriam Leitão: Fogo, floresta e crise mundial

- O Globo

Adianta pouco acusar o mundo como tem feito o governo Bolsonaro. Muito mais produtivo é se entender e negociar

A pressão sobre o Brasil aumentou ontem com outros governantes do G7 apoiando a ideia de que a Amazônia seja assunto da reunião de cúpula, e líderes europeus querendo que se rediscuta o acordo UE-Mercosul. Nas redes, a campanha é por boicote ao produto brasileiro. O dólar disparou batendo o maior valor em um ano, e a bolsa caiu abaixo de 98 mil pontos, porque houve uma grave escalada do conflito EUA-China. O mercado brasileiro também teme o atraso na reforma da Previdência, com o adiamento da leitura do relatório. Como já escrevi aqui, o risco é a tempestade perfeita que misture a crise externa com barreiras aos produtos brasileiros por razões ambientais.

Adianta pouco acusar o mundo como tem feito o governo. Muito mais produtivo é se entender e negociar. Foi por este caminho que o governo acabou anunciando ontem, no meio da crise, o acordo do Mercosul coma Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. O presidente quis mostra ração contra o desmatamento e no pronunciamento à noite em cadeia nacional disse que proteger a floresta é nosso dever. Se tivesse agido diante do primeiro alerta do Inpe, teria ganhado tempo.

Quando o quadro econômico internacional está pior há menos espaço para errar, e o Brasil tem errado muito. A China e os Estados Unidos tiver amontem mais um dia de ataques mútuos. Trump criticou o Fed, chamando ode “inimigo dos Estados Unidos”. Isso não tem precedentes. Mas tem motivo: Trump quer um bode expiatório para a desaceleração da economia americana.

Os erros da política ambiental permitiram que se formasse esse movimento contra os produtos brasileiros. O Brasil é grande exportador de proteína animal, para ficar só num exemplo. A Europa consome 10% de tudo o que o Brasil vende de carne bovina, mas é mercado de maior valor agregado e havia expectativa de aumento das compras após o acordo UE-Mercosul. É grande comprador também de outros alimentos. No caso da carne, a Irlanda também é exportadora. Fora da Europa outro produtor é o Canadá. E os Estados Unidos. A França é conhecida pelos eu protecionismo.

João Domingos: Os amadores do clima

- O Estado de S.Paulo

Por trás das questões ambientais está a guerra comercial

Uma das conclusões que se pode tirar do olhar do mundo sobre o nosso país por causa das queimadas na Amazônia é de que, nas questões ambientais, o governo de Jair Bolsonaro é despreparado e amador. Por trás das questões ligadas ao meio ambiente está, muitas vezes, muitas mesmo, a guerra comercial que hoje é o motor do mundo, que contrapõe os Estados Unidos e a China, a Coreia do Sul e o Japão, e tantas outras nações, o Brasil entre elas, e ameaça levar a economia do planeta a desembocar num crash profundo.

Será que ninguém no governo sabia disso quando Bolsonaro decidiu aproveitar uma reunião do G-20, no Japão, para, segundo o presidente brasileiro, falar umas verdades para seu colega da França, Emmanuel Macron, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, a respeito das questões ligadas ao meio ambiente? Ou que chamar Macron para visitar a Amazônia seria ganhá-lo para o lado brasileiro, fazendo-o esquecer o lobby do agronegócio francês contra o Brasil?

Quando Bolsonaro resolveu fazer uma desfeita para o ministro de Negócios Estrangeiros (o correspondente ao nosso ministro das Relações Exteriores) da França, Jean-Yves Le Drian, marcando uma audiência com ele, e desmarcando em seguida, para cortar o cabelo, o francês ficou surpreso. Mas não se viu, da parte dele, muitas queixas quanto ao gesto mal-educado. O episódio, no entanto, motivou comemorações. Da Irlanda. A mesma Irlanda que prega o boicote à compra de carne brasileira e tenta travar o acordo Mercosul/União Europeia.

Gilles Lapouge: Amazônia no G-7

- O Estado de S.Paulo

Poderemos ver debates sobre a soberania brasileira em relação ao seu tesouro fabuloso

Terá início hoje a reunião do G-7 em Biarritz. A bela e elegante cidade balneária do País Basco francês, fundada pela mulher de Napoleão III, já está cercada por 13 mil policiais, alguns aviões, drones e pequenos canhões nas colinas, e as estradas foram fechadas.

Biarritz é uma cidade expulsa de si mesma, prisioneira e refém. Tudo está pronto: os oradores brilhantes e bem educados dos sete países - os mais democráticos do mundo - constituem o primeiro bloco: eles poderão debater e, num piscar de olhos, resolver o tema que Macron delicadamente escolheu para este conclave: as desigualdades. Boa ideia!

Mas um grão de areia se infiltrou nessa máquina bem azeitada. E esse grão de areia na verdade é um céu, o céu de São Paulo, cinzento e sinistro, é o que dizem, além do odor. Os correspondentes internacionais, tão pouco prolixos sobre o que se passa entre Porto Alegre e Manaus, se descontrolam. E extraíram dos seus dicionários todas as palavras que podem nutrir a descrição de um apocalipse. E nos dizem que a própria garoa é negra. Decidir se essa literatura é justificada, eu não conseguiria. Posso só repercutir o que foi falado de Londres a Berlim, de Paris a Marselha.

Por todo lado, as pessoas se agrupam, com cartazes pouco amáveis sobre Bolsonaro, aflitas pelo Brasil, algumas clamando pelo futuro, a sobrevivência da humanidade.

Marcelo Leite: Desinformação alimenta o incêndio que Bolsonaro iniciou

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro repete atitude reacionária de José Sarney (MDB) quando da proliferação de queimadas na Amazônia em 1988, antes da morte de Chico Mendes.

Um dos obstáculos a impedir uma discussão racional sobre o aumento de queimadas e desmatamento no Brasil está na baixa qualidade da informação —de todos os lados.

A Amazônia não é o “pulmão verde” do mundo, por exemplo. Emmanuel Macron, António Guterres, Leonardo DiCaprio e até Cristiano Ronaldo tuitaram esses dias, provavelmente um reproduzindo o outro, ou terceiros, que a floresta amazônica produz 20% do oxigênio do mundo. É uma asneira de proporções bolsonarianas.

Sim, a fotossíntese produz oxigênio, mas a respiração das plantas, de noite, consome oxigênio e devolve gás carbônico (CO2) ao ar. Só há absorção líquida de carbono se a floresta estiver em crescimento. A Amazônia está absorvendo carbono? Aparentemente sim, mas só faz diferença para o balanço de carbono na atmosfera, e portanto para arrefecer o aquecimento global, por dois motivos:

1º. É uma área enorme, cerca de 4 milhões de km² só no Brasil, com muita biomassa para virar fumaça (carbono)

2º. A concentração de CO2 na atmosfera é muito baixa, mede-se em partes por milhão (ppm), repetindo, partes POR MILHÃO (no presente, 415 ppm, quase 50% acima do que havia antes da Revolução Industrial (280 ppm).

O pecadilho científico-metafórico de Macron e cia. ao pressionarem o governo de Jair Bolsonaro não quer dizer, porém, que estejam errados. Derrubar e queimar floresta sem necessidade beira a estupidez, e aí está o que criticam. Propagar informações equivocadas ou fotos antigas só deita matéria seca na fogueira do presidente.

Também em nada ajudam palpites como o artigo de Stephen Walt, professor de Harvard, que falava em invasão da Amazônia para proteger a floresta. Nem especulações europeias sobre sanções econômicas e comerciais ao Brasil por causa do desmatamento.

Essa retórica leviana, boa para tuítes, dá argumentos para Bolsonaro e sua corporação militar. Eles nunca abandonaram a doutrina ultrapassada de afronta à soberania nacional em qualquer injunção de outros países no que toca à Amazônia.

Hélio Schwartsman: Devemos apoiar o #BoycottBrazil?

- Folha de S. Paulo

Lado pró-boicote tem um objetivo preciso e realizável

Como você, leitor, pessoa racional, que acredita em fatos, razoavelmente empática e preocupada com o planeta que deixaremos para nossos filhos e netos, deve se posicionar em relação à campanha internacional de boicote a produtos brasileiros para salvar a Amazônia? A questão é complexa.

Se a iniciativa tomar corpo, nossa economia sofrerá. O agronegócio, alvo mais óbvio da campanha, responde por quase 25% do PIB brasileiro. E incentivadores do movimento não querem apenas boicotar a carne e a soja. Há quem fale até em deixar de assistir a vídeos de jogadores brasileiros. No momento delicado por que passa a economia, uma redução forçada das exportações pode ser muito ruim para o país. Ainda que em graus variados, a campanha afetaria negativamente todos os brasileiros.

No plano ético, não vejo motivos fortes para criticar o movimento. Embora a quantidade de erros documentais, factuais e conceituais reproduzidos pelas pessoas que protestaram contra as queimadas impressione —só rivaliza com as bobagens ditas pelo próprio Bolsonaro—, a ideia básica de que é importante para o planeta que a Amazônia seja preservada está correta. O valor de fazê-lo não é apenas instrumental mas também moral. Devemos isso a nossos descendentes.

FHC: ‘Se Doria quer ser candidato, Bolsonaro é adversário’

Entrevista com Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

Ex-presidente diz que postura crítica do governador paulista ‘é melhor’ porque, se ele quiser disputar o Planalto em 2022, presidente ‘não é aliado’

Márcio Resende | O Estado de S.Paulo

BUENOS AIRES – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso endossou a tática do correligionário e governador de São Paulo, João Doria, de se distanciar criticamente do presidente Jair Bolsonaro. Para FHC, eventual fusão entre PSDB e DEM não significa, necessariamente, uma guinada à direita da sigla tucana. Sobre a decisão de rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves, afirmou que a direção seguiu o estatuto do partido. O ex-presidente concedeu entrevista ao Estado, nesta sexta-feira, 23, em Buenos Aires, onde participou de seminário. Os principais trechos:

• O PSDB decidiu rejeitar a expulsão do deputado Aécio Neves que era cobrada pelos diretórios paulistas. Como o senhor observou essa decisão?

Pelo que eu vi, seguiram o estatuto (do partido). O estatuto diz que a pessoa tem de ser condenada para ser expulsa. Então, o diretório não tinha muita alternativa. Seguiu o estatuto. Eu não falei com o governador Doria sobre a matéria. Eu acho que, a uma certa altura, o juiz de quem deve se afastar é o próprio Aécio Neves. É questão de ele ver o quanto isso pode ajudar ou atrapalhar o partido. É claro que ele tem de fazer um balanço entre os interesses dele e os do partido. Eu acho que o homem público sempre pensa na estrutura, na instituição. Mas, no caso, eu não estava lá e não sei qual argumento foi usado, mas tem muita gente do PSDB que está acusada. Por que vão tirar um só?

• O senhor acha que tenha sido uma derrota do governador Doria e do prefeito Bruno Covas?

Não, eu não acredito que tenha sido. Eu não sei o quanto ele se envolveu, mas não acredito que tenha sido.

• O senhor acha, então, que deveria ser uma iniciativa própria do deputado Aécio Neves. Baseada em ética e moral?

Baseada no sentimento dele: “se está prejudicando o partido, eu me afasto”. Agora, ele tem de balançar isso com os interesses jurídicos dele porque isso pode enfraquecer a postura dele. Pode ser uma espécie de antecipação de reconhecimento de culpa.

• O senhor acha que isso pesou?

Ah, sem dúvida.

• Como vê o atual posicionamento de Doria, que agora é crítico do governo Bolsonaro?

Eu acho que esta fase é melhor porque, objetivamente, se o governador Doria quiser ser candidato, o Bolsonaro é adversário, não é aliado.

• Ele pondera isso nessa decisão?

Sem dúvida.

• PSDB e DEM deveriam mesmo caminhar para uma fusão?

Acho que a estrutura partidária brasileira está tão esfarelada, tão fragmentada, que muitas fusões seriam bem-vindas. Sou presidente de honra do PSDB, mas eu não tenho contato com o dia a dia. Eu emito a minha opinião como observador. Acho que a fragmentação é de tal natureza que vamos precisar de uma reorganização da vida partidária. Na verdade, o que nós construímos na Constituição de 1988, bem ou mal, está terminando. É preciso renascer de outra maneira. Acho que, nesta fase de transição, na qual a internet joga um papel enorme, ou seja, a relação de pessoa a pessoa salta as instituições, é o momento que, na verdade, as pessoas se voltam para os líderes, para as pessoas. Então, eu não sei quais serão as pessoas que vão aparecer no Brasil com força suficiente para reorganizar. As pessoas que tinham ou estão já fora porque foram derrotadas ou porque estão velhas ou porque estão presas.

Marco Aurélio Nogueira*: Defender a cultura, sempre

- O Estado de S.Paulo

O que seria do brasileiro sem a música, em suas múltiplas manifestações?

Quando brumas caem sobre a cena pública e a polarização político-ideológica persiste, animada por grosserias, agressões e arroubos retóricos vindos de cima, é hora de valorizar a cultura e resistir aos que tentam criminalizá-la.

Na cultura repousa o que identifica uma nação e faz uma população se reconhecer como parte de uma coletividade. De norte a sul, de leste a oeste, nas grandes cidades e nas mais recônditas localidades do Brasil profundo, é a posse de uma mesma língua, de hábitos enraizados, de símbolos, de maneiras de pensar, sentir e fazer que dá ao brasileiro a percepção de que, na vida, há algo além da sua pessoa e do lugar geográfico. Por brotar da experiência, a cultura não pode ser capturada pelo Estado, muito menos pelos governos de plantão. Continua a pulsar, sempre.

A língua é essencial, mas não opera sozinha. A cultura artística cumpre função semelhante e às vezes até mais importante. Ela ajuda a plasmar nossas marcas civilizatórias, com suas virtudes, seus sucessos e seus fracassos.

A literatura é uma preciosa forja de vida comum e identificação, desde suas expressões mais “simples” (como o cordel, por exemplo) até as produções mais “sofisticadas”. Machado, Lima Barreto, Graciliano e Jorge Amado, para citar alguns bem conhecidos, não somente deram representação estética às experiências existenciais dos brasileiros, como os ajudaram a adquirir consciência de si.

O que seria do brasileiro sem a música, em suas múltiplas manifestações singulares, regionais, étnicas, de época, de classe social? Como nos reconheceríamos sem o cinema, o teatro, a televisão, as artes plásticas, estas últimas estruturadas por escolas que vão do naïf e do primitivo aos topos do concretismo e da arte abstrata? Como estaríamos sem artistas ativos, envolvidos nos temas de sua época, nos embates públicos, que colam sua prática à dinâmica sociopolítica, contribuindo para que se formem redes de identidades?

Demétrio Magnoli*: Guerra entre os 'homens de bem'

- Folha de S. Paulo

Só há lugar para um único Putin; eis a causa da guerra em curso

Quem vai ser Putin?

Os “homens de bem”, implacáveis moralistas, heroicos cavaleiros andantes da luta contra a corrupção, salvadores de uma pátria afundada na lama, estão em guerra civil. O choque fratricida envolve duas facções principais, além de milícias periféricas, que se digladiam pelo controle dos órgãos de Estado capazes de incriminar inimigos, marcando em suas testas a palavra “corrupto”. Eles guerreiam pela conquista de quatro bastiões: Ministério Público, Polícia Federal, Receita e Coaf.

Há pouco, formavam um exército unificado. O cisma abriu-se com a eclosão do caso Queiroz/Flávio Bolsonaro, um divisor de águas. Jair Bolsonaro quer ser Putin: “Se é para ser um banana, tô fora! Fui eleito para interferir mesmo.” A declaração de guerra tem duplo alvo. De um lado, ameaça destruir a autonomia legal dos quatro órgãos. De outro, rompe a aliança entre o presidente e a Lava Jato, selada pela entrega do Ministério da Justiça a Sergio Moro. Sangue virtual já escorre nas redes sociais, que operam como tropas de infantaria. Há um caminho, ainda não trilhado, até o derramamento de sangue de verdade.

Não é um raio no céu límpido. A politização dos órgão de investigação judicial e supervisão financeira acelerou-se pela ação dos jacobinos da Lava Jato. A Vaza Jato ilumina a inversão promovida pelo Partido dos Procuradores: no Estado de Direito, evidências de crimes conduzem a indivíduos suspeitos; no Estado policial, suspeitos previamente selecionados conduzem à produção das evidências. Moro e seu fiel escudeiro, Deltan Dallagnol, sonharam ser Putin bem antes do triunfo de Bolsonaro. Só há lugar para um único Putin —eis a causa da guerra em curso.

Julianna Sofia: Por trás da nova CPMF

- Folha de S. Paulo

Após torcerem o nariz, Bolsonaro e Rodrigo Maia admitem discutir a proposta

Tratada como natimorta dada a contundência das críticas da cúpula do Congresso e do próprio presidente Jair Bolsonaro, a nova CPMF recuperou os sinais vitais.

O prognóstico da equipe de Paulo Guedes (Economia) era, até então, que a proposta fora demonizada por preconceito da opinião pública, depois de o debate ter sido atropelado pela incontinência verbal do secretário Marcos Cintra (Receita). Mas o jogo voltou a ser jogado.

Guedes reavivou a campanha pelo novo tributo, estrategicamente, numa palestra a executivos graúdos, entoando o infalível canto da sereia da redução de custos trabalhistas. "Querem 20% de encargos e 13 milhões de pessoas sem emprego? Deixa do jeito que está. Eu preferiria não ter de recorrer a isso, mas acho a oneração de folha de pagamento um crime contra brasileiros."

Adriana Fernades: Mudar ou não a meta fiscal

- O Estado de S.Paulo

Ajustar a meta fiscal para desbloquear despesas pode acabar sendo a única saída

O fim do tradicional cafezinho servido no Ministério da Economia é a prova de que algo está muito errado em Brasília. A redução de gasto serviu para mostrar a gravidade do quadro de falta de dinheiro da Esplanada dos Ministérios.

Não resolve, porém, a situação de aperto, que vai se agravar em setembro se o governo não começar a desbloquear logo as despesas ou apresentar uma alternativa convincente e rápida. Ao contrário, lembra o famigerado “pacote 51” adotado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, com medidas para cortar despesas.

Como mostrou minucioso levantamento do Estado, 13 ministérios e órgãos estão com a faca no pescoço e começam a “morrer” em setembro. Não tem explicação convincente, punição de regra fiscal ou aviso de que o dinheiro chega logo que segure a pressão.

Há uma preocupante inação, pois o governo está perdendo muito tempo insistindo em discutir o “Pacto Federativo” no Congresso.

Uma negociação que se perdeu no momento, com os sinais truncados da equipe econômica que foram interpretados pelos governadores, prefeitos e municípios como mais dinheiro. Eles não querem mais discutir as medidas de ajuste nas contas que poderiam dar um norte à crise das finanças públicas que maltrata o País há seis anos. O PEF, programa de socorro aos Estados, está parado no Congresso. Se era urgente, já não o é mais. Por quê?

Marcus Pestana || O necessário reposicionamento do SUS no Brasil do Século XXI

- O Tempo (MG)

Passados mais de 30 anos do lançamento dos pilares para construção do Sistema Único de Saúde (SUS),no processo Constituinte de 1988, que implicou na mudança de paradigma na organização do sistema público de saúde no Brasil, chegou o tempo da maturidade; e é hora de enfrentar os novos desafios colocados. 

Faz-se necessário abandonar a velha retórica que tece sempre loas ao SUS e mascara problemas efetivos a serem enfrentados. Os avanços são inegáveis, mas é preciso reconhecer a distância abissal que existe a separar o SUS constitucional daquele que ganha vida real e concreta no cotidiano da população.

Trinta anos depois, o SUS não é nem o ‘paraíso’ presente no discurso de alguns gestores e sanitaristas mais entusiasmados, nem o caos que ocupa, por vezes, as manchetes de parte da mídia e os discursos demagógicos de políticos populistas. O SUS é uma obra em permanente construção. Com tropeços e obstáculos, gargalos e vazios assistenciais sempre presenciamos avanços permanentes. Todavia, é inevitável perceber retrocessos nos últimos anos diante da brutal recessão e do agravamento da crise fiscal.

A grave restrição fiscal indica o pequeno espaço para incrementos reais significativos no orçamento do SUS nos planos nacional, estaduais e municipais nos próximos anos, o que dependerá fundamentalmente da capacidade negociadora dos gestores diante do sistema político decisório e da sociedade brasileira. A Emenda Constitucional que versa sobre o limite de gastos públicos, fixa um teto agregado e global por poder, mas não tetos setoriais.

Ricardo Noblat: O milagre de Bolsonaro

- Blog do Noblat / Veja

O preço do despreparo
E que não se diga que faltam ministros competentes, embora em número aquém do desejável. Mas este é um governo cujo presidente veio do baixo clero e a ele voltará quando for esquecido. Um presidente que se lançou candidato só para assegurar o futuro dos filhos. Um presidente eleito por acidente e que se beneficiou de um.

Um presidente que se orgulha de ter lido poucos livros e de guardar na cabeceira de sua cama o relato das memórias do único militar brasileiro condenado por tortura. Um presidente que por soberba e ignorância só pensa em destruir tudo o que julga errado para construir mais tarde o que nem ele mesmo sabe direito o quê.

Seria preciso dizer mais sobre o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro que enfrenta dificuldades até para expressar-se na língua em que foi alfabetizado? Pois bem: esse cidadão é autor do prodígio de com menos de oito meses na presidência ter sido alvo de panelaços por aqui como foi ontem, e de protestos em várias partes do mundo.

Humilhada na mais recente eleição que perdeu, sem dispor de ideias novas para oferecer ao país, carente de líderes expressivos e refém de um pecador condenado e encarcerado por corrupção, a oposição, ou o que restou dela, vaga sem destino com a esperança de que o tempo faça por si o que ela não sabe e parece incapaz de fazer.

O que pensa a mídia: Editoriais

Abaixar o fogo: Editorial | Folha de S. Paulo

Bravatas de Bolsonaro só agravam a crise gerada pela elevação do desmatamento

Com a crise do desmatamento na Amazônia a ultrapassar as fronteiras do país, a política externa do governo Jair Bolsonaro (PSL) passará por seu primeiro grande teste. Até aqui, o presidente apenas acrescentou dificuldades desnecessárias a um problema real.

A sucessão de atos e declarações irresponsáveis do mandatário proporcionou material farto para que o Brasil seja mais uma vez exposto como vilão do ambiente —antes mesmo de haver dados e diagnósticos mais precisos a respeito da ampliação de queimadas e outras modalidades de devastação.

Bolsonaro demitiu o diretor do órgão que apontou números desfavoráveis; sem nenhuma base, apontou ONGs como suspeitas de piromania florestal; por fim, distribuiu críticas a países europeus que cortaram verbas para o país e questionaram sua política ambiental.

Esta, de fato, dá motivos palpáveis para o alarme. O governo esvazia órgãos de controle e impreca contra práticas que reduziram o rombo amazônico de 25 mil km² desmatados em 2004 para 7,9 mil km² no ano passado.

O presidente vem de um meio, o militar, que preconiza a ocupação econômica da Amazônia como uma forma de evitar a ingerência estrangeira. Se pontualmente pode haver preocupações legítimas, o tom geral da teoria é paranoico.

Em tal cenário, o país se torna alvo não apenas de críticas bem fundamentadas —e elas são muitas— mas também de manobras oportunistas que se valem de um tanto de histeria e desinformação.

O presidente francês, Emmanuel Macron, por exemplo, não desperdiçou a chance de usar as queimadas amazônicas na tentativa de ocupar o vácuo de lideranças na Europa —com direito a seu quinhão de tolices, como chamar a floresta de pulmão do mundo.

O fez trazendo a discussão para o fórum do G7, que reúne neste sábado (24) os líderes das maiores economias globais. É incerto, porém, se sua intenção terá guarida dos EUA de Donald Trump, dadas as afinidades entre o republicano e o presidente brasileiro.

O estrago de imagem está feito, de todo modo, e pode ter repercussões comerciais importantes. Franceses e irlandeses já ameaçam o acordo Mercosul-União Europeia, que precisa ser aprovado por todos os países envolvidos.

Há um extenso rol de providências a serem tomadas para estancar a crise, e o ajuste de tom de Bolsonaro deveria ser a mais imediata delas. Ele adotou maior sobriedade, felizmente, em seu pronunciamento em cadeia de rádio e TV nesta sexta-feira (23), trocando o confronto pela defesa da preservação.

Restará, claro, adotar as medidas necessárias para ao menos indicar a intenção de reverter os números negativos. Bravatas nacionalistas não ganharão o jogo desta vez.

Bolsonaro é eficiente ao construir a crise: Editorial | O Globo

Poesia || João Cabral de Melo Neto - Fábula de um arquiteto

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.

Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.

Música || Mônica Salmaso - Olha Maria