Folha de S. Paulo
A concretização das aspirações de justiça é
que cimenta a vida em sociedade
A construção de "uma sociedade livre,
justa e solidária" constitui um dos objetivos fundamentais de nossa
República, ao lado da "erradicação da pobreza", da "redução
das desigualdades",
da "garantia do desenvolvimento" e da eliminação de "quaisquer
formas de descriminação".
São anseios legítimos e ambiciosos,
incrustados no artigo 3º da Constituição de 1988, que deveriam condicionar as
ações de todos os cidadãos, mas especialmente daqueles que se propõe a exercer
funções de governo.
Todas as leis, desde as mais antigas
—gravadas em placas de argila na Mesopotâmia, há 4.000 anos—, têm a pretensão
muito prática de contribuir para solucionar conflitos e ordenar a sociedade. As
grandes leis, por sua vez, também assumem uma segunda função, de natureza simbólica,
ao projetarem aspirações de justiça de uma determinada
comunidade, contribuindo, dessa maneira, para cimentar um destino comum dos
seus cidadãos.
Desde a Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, Constituições e leis modernas traçam objetivos morais e políticos muito ambiciosos, que devem condicionar o exercício do poder pelas autoridades. Essas elevadas aspirações, quando não são devidamente implementadas, podem gerar um forte desencantamento com a democracia. Parte da crise das democracias contemporâneas pode ser atribuída ao que Norberto Bobbio chamou de promessas não cumpridas.