sábado, 11 de março de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - Aspirações, frustrações e ressentimentos

Folha de S. Paulo

A concretização das aspirações de justiça é que cimenta a vida em sociedade

A construção de "uma sociedade livre, justa e solidária" constitui um dos objetivos fundamentais de nossa República, ao lado da "erradicação da pobreza", da "redução das desigualdades", da "garantia do desenvolvimento" e da eliminação de "quaisquer formas de descriminação".

São anseios legítimos e ambiciosos, incrustados no artigo 3º da Constituição de 1988, que deveriam condicionar as ações de todos os cidadãos, mas especialmente daqueles que se propõe a exercer funções de governo.

Todas as leis, desde as mais antigas —gravadas em placas de argila na Mesopotâmia, há 4.000 anos—, têm a pretensão muito prática de contribuir para solucionar conflitos e ordenar a sociedade. As grandes leis, por sua vez, também assumem uma segunda função, de natureza simbólica, ao projetarem aspirações de justiça de uma determinada comunidade, contribuindo, dessa maneira, para cimentar um destino comum dos seus cidadãos.

Desde a Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, Constituições e leis modernas traçam objetivos morais e políticos muito ambiciosos, que devem condicionar o exercício do poder pelas autoridades. Essas elevadas aspirações, quando não são devidamente implementadas, podem gerar um forte desencantamento com a democracia. Parte da crise das democracias contemporâneas pode ser atribuída ao que Norberto Bobbio chamou de promessas não cumpridas.

Marcos Mendes* - Democracia, governança, pesos e contrapesos

Folha de S. Paulo

Brasileiros votaram para preservar democracia, o governo eleito precisa respeitá-la

O presidente da República, referindo-se ao presidente do Banco Central, afirmou que "o país não pode ser refém de um único homem (...) esse cidadão, que não foi eleito para nada, acha que tem o poder de decidir as coisas".

É justamente para que o país não fique "refém de um único homem" que existem instituições como o Banco Central autônomo. Se for dada ampla liberdade ao presidente da República para tomar toda e qualquer decisão, ele transformará a sociedade em sua refém.

A estabilidade das democracias exige pesos e contrapesos de poder. Em questões sujeitas à chamada "inconsistência intertemporal", na qual benefícios presentes (juros baixos, por exemplo) podem gerar ganhos políticos ao governante ao custo de grandes perdas futuras para a sociedade (inflação alta, juros altos e baixo crescimento, por muitos anos), as democracias caminharam no sentido de entregar o poder discricionário para técnicos com menores incentivos políticos e mais focados no bem-estar e estabilidade de longo prazo.

Demétrio Magnoli - Não blasfemarás!

Folha de S. Paulo

Lula é fiel aos interesses de Havana, que protege tiranos aliados

"Metaforicamente falando, a Nicarágua parece uma igrejinha distante onde há um sacerdote que comete excessos e que todos reprovam. A Venezuela lembra uma arquidiocese de média importância cujo funcionamento é digno de certas críticas. Cuba... é o Vaticano, cuja santidade e dogma são inquestionáveis."

A descrição das atitudes da esquerda latino-americana, publicada no site 1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos, é do cientista político cubano Armando Chaguaceda. Ela ajuda a entender tanto o tardio distanciamento do governo Lula em relação à ditadura de Ortega quanto sua natureza incompleta.

Ortega, o sacerdote da paróquia, renunciou há tempos ao "socialismo". Seu regime manteve laços íntimos com o FMI, cerca-se de um cortejo de empresários espertos e o próprio ditador aliou-se à Capitol Ministries, organização político-evangélica americana que entrou no Brasil pela mão de Bolsonaro. O PSOL desistiu do regime nicaraguense –mas, claro, continua a rezar no altar do Vaticano tropical. Já o PT opera em outro compasso, recusando-se a romper com o tirano nicaraguense.

Alexa Salomão - PT encara o dilema do gasto

Folha de S. Paulo

Presidente Lula e PT terão de decidir no calor do debate interno como usar o dinheiro público nos próximos quatro anos

O debate sobre o novo arcabouço fiscal vai testar os limites do discurso e da prática em relação ao gasto público no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —e não há dúvida que será um desafio pessoal para o presidente, e coletivo para os integrantes e apoiadores do governo.

O presidente Lula foi claro durante a campanha, depois de eleito e também após a posse. Não quer uma regra como o teto para limitar gastos. Também não considera gastos recursos destinados para saúde, educação, áreas sociais e investimentos. No entanto, ele sempre reforça que esse ponto de vista não afeta o seu compromisso com a saúde financeira do Estado, pois em seus dois mandatos anteriores foi fiscalmente responsável e afirma que manterá a conduta na atual gestão.

Alvaro Costa e Silva - Muambeiro como em velhos tempos

Folha de S. Paulo

O capitão volta ao tempo da caserna, quando tinha fama de muambeiro

Para desviar a atenção do escândalo das joias, vale tudo. Até subir na tribuna da Câmara de peruca e completar o papel ridículo atacando mulheres trans no Dia Internacional da Mulher. O exibicionismo do deputado federal de extrema direita, o mais votado do país nas últimas eleições, visava testar os limites do novo Congresso e reverter a situação nas redes. Em seu campo preferido de atuação, o bolsonarismo se vê encurralado com postagens em tom de denúncia e com pedidos de explicações e cumprimento da lei.

Pablo Ortellado - Culpa não é só das terceirizadas

O Globo

Ainda não temos uma legislação que garanta a responsabilidade por toda a cadeia produtiva

As três empresas envolvidas no escândalo de trabalho escravo nas vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul — Salton, Garibaldi e Aurora —, responderam que não tinham ciência do que acontecia com seus trabalhadores, que eram gerenciados por uma empresa terceirizada, a Fênix Serviços. As três gigantes do vinho brasileiro alegaram que não tinham conhecimento dos choques, dos espancamentos, das ameaças de morte e da escravidão por dívidas a que eram submetidos os trabalhadores que faziam a carga e a descarga das uvas e afirmaram que a responsabilidade pelas violações de direitos humanos é da terceirizada.

Eduardo Affonso - A mulher invisível

O Globo

E se ela escolher continuar onde estiveram sua mãe, suas avós e bisavós? Esta não parece ser uma opção válida

Há até bem pouco tempo, dizia-se que, por trás de um grande homem, havia sempre uma grande mulher. A frase era simultaneamente um elogio — o reconhecimento de que um grande homem não se faz sozinho — e um reforço à ideia — preconceituosa, machista — de que à mulher, por maior que fosse, cabia o segundo plano.

Lugar de mulher, já se sabe, é onde ela quiser. Mas... e se ela escolher continuar onde estiveram sua mãe, suas avós e bisavós? Esta não parece ser uma opção válida. Mulheres conservadoras passaram a ser vistas como traidoras da causa da libertação feminina, não como suas beneficiárias. O fato de estarem onde estão por vontade própria, não mais por obrigação, soa irrelevante.

Em contrapartida, no campo progressista, há as que posam de libertárias — mesmo devendo sua projeção aos sagrados laços do matrimônio (com algum daqueles grandes homens do primeiro parágrafo). Não faltam as que se prestem ao papel de preposto nas suplências do Legislativo ou nos conselhos dos Tribunais de Conta. Será que percebem o paradoxo?

Carlos Alberto Sardenberg - No lugar da China

O Globo

Abre-se neste momento uma enorme oportunidade para que países ocidentais tomem o lugar dos chineses

No ambiente internacional, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, não é propriamente um aliado fiel dos Estados Unidos. Ao contrário. Ele se alinha mais à esquerda internacional e não perde oportunidade para manifestar sua oposição a posições americanas. O presidente do México defende Cuba, “país livre e soberano”, não condena a ditadura local e sempre se manifesta pelo fim do embargo dos EUA ao comércio com a ilha.

Mas Obrador não rasga dinheiro. Em 2022, o comércio do México com o Texas foi cinco vezes maior que as trocas comerciais com toda a América Latina. Um dos três integrantes do acordo de livre-comércio da América do Norte, junto a Canadá e EUA, o México despacha nada menos que 70% de suas exportações a consumidores e fábricas americanas.

Bolívar Lamounie* - A primeira classe também cai

O Estado de S. Paulo

A questão não é escolher entre a reforma econômica e a política. É ter coragem para fazer as duas ao mesmo tempo. Sem isso, cedo ou tarde vamos para o buraco

Nem uma criança de dez anos imagina que um avião, quando cai, se divide em duas partes, a dos pobres esborrachando-se no chão e a dos ricos seguindo normalmente o voo.

Nos céus, a hipótese é delirantemente fantasiosa. Na terra, nem tanto. Já aconteceu, e aqui mesmo, entre nós. A indústria brasileira chegou a representar 27% do Produto Interno Bruto (PIB). Caiu para 11%, metade da primeira classe. Hoje, o que a sustenta, e o resto da aeronave, é a outra metade da primeira classe, principalmente a exportação de commodities, e queira Deus que o crescimento da China se mantenha.

A queda da indústria no PIB deveu-se em sua maior parte ao chamado “custo Brasil”, que talvez devesse ser rebatizado “custo Brasília”, à força da competição internacional, mas talvez em sua maior parte ao próprio empresariado industrial, que desde os tempos getulistas pretendeu assistir ao filme pagando meia-entrada, como se fosse estudante. Quebraram todos. Quebrou a indústria. Quebrou o governo. E quebraram os cinemas – essa talvez a pior perda.

João Gabriel de Lima* - O presidente e o servidor

O Estado de S. Paulo

A noção de bem público do presidente era mais abrangente e imprecisa que a do servidor

O presidente se chamava Jair Messias Bolsonaro. O servidor, Marco Antônio Lopes Santanna. O servidor – importante frisar – era público. O presidente queria incorporar ao seu patrimônio – privado – joias no valor de R$ 16,5 milhões que, pelo regulamento, pertenciam ao Estado. Eram, assim, públicas – mas a noção de bem público do presidente era mais abrangente e imprecisa que a do servidor.

“É importante fazer uma diferenciação entre Estado e governo”, diz Gabriela Lotta, professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas. “Os servidores públicos são de Estado, representam instituições que permanecem para além dos governos de plantão.” Lotta é vice-presidente do conselho do Instituto República, organização voltada para a melhoria do serviço público – e é a entrevistada do minipodcast da semana.

Adriana Fernandes - Quem não deve não teme

O Estado de S. Paulo.

Caso das joias serve para mostrar que a burocracia, por si só, não é problema

Cerca de seis meses atrás, um passageiro desembarcou no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, num voo que chegava do exterior.

Passou pela alfândega brasileira e pegou a fila menos frequentada do aeroporto, aquela de quem traz bens a declarar com valores acima de US$ 1 mil.

O passageiro apresentou uma joia que seria para a sua esposa e a nota fiscal do item. Não era uma peça qualquer. Tratava-se de uma joia de aproximadamente R$ 20 milhões. Com o imposto de 50% que é cobrado, ele teria de pagar em torno de R$ 10 milhões. E assim o fez. No balcão, o servidor da Receita emitiu a guia de recolhimento do imposto a pagar.

Marcus Pestana - Socialdemocracia: reforma e democracia

A social-democracia nasce da cisão no interior do movimento socialista internacional, no início do século XX, notadamente na Alemanha. Como vimos antes, nesta série de artigos, o debate nos séculos XVII e XVIII, quando ocorreram as revoluções Gloriosa, Americana, Industrial e Francesa, marcando o nascimento do capitalismo industrial e da democracia moderna, foi dominado pelo confronto entre liberais individualistas, conservadores, contratualistas e republicanos, na Europa e nos EUA. No século XIX, surgem as reações dos trabalhadores às péssimas condições de vida e trabalho, encontrando eco inicialmente no movimento cartista inglês, na tradição jacobina na França, e depois, nos chamados “socialismo utópico” e “socialismo científico”, fundado por Marx, Engels e a Primeira Internacional, cujo o documento fundador foi o “Manifesto Comunista”, de 1884  

A social-democracia nasce no interior da Segunda Internacional Socialista, fundada em 1890. Alguns fatos marcantes foram determinantes para o racha no movimento socialista. A conquista do direito do voto universal e secreto e de leis de limitação da jornada de trabalho e de melhoria das condições de vida dos trabalhadores, em alguns países avançados. A eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial e a Revolução Russa, em 1917. A expectativa dos fundadores do marxismo é que a revolução aconteceria nas nações de capitalismo mais avançado e maduro, onde as condições objetivas e subjetivas seriam configuradas, possibilitando a ruptura com o capitalismo. No entanto, a revolução aconteceu em país atrasados de capitalismo incipiente ou inexpressivo, como a URSS, e mais tarde, a China, em 1949.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Iniciativas em favor das mulheres vão na direção certa

O Globo

Parlamentares têm de aprovar a MP contra o assédio sexual e o PL que pune a desigualdade salarial

Na semana em que foi celebrado o Dia Internacional da Mulher, Legislativo e Executivo tomaram medidas que buscam corrigir problemas recorrentes do mercado de trabalho: o assédio sexual e a disparidade salarial entre homens e mulheres com mesmo cargo, mesma formação e mesma experiência. Há dúvida se as ações propostas terão o efeito esperado, mas são, sem dúvida, válidas.

Na terça-feira, a Câmara aprovou a Medida Provisória (MP) 1.140/22. O texto prevê a criação de um programa de prevenção e enfrentamento do assédio sexual em toda a administração pública e também em instituições privadas que prestem serviços à União, estados e municípios.

Poesia | Embriaguem-se – Charles Baudelaire

 

Música | Sueli Costa: entre a Bossa Nova, o Tropicalismo e o Clube da Esquina