- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
“Ex-supervisor da Receita preso seria o responsável pela investigação ilegal de cerca de 134 autoridades, entre as quais os presidentes do Supremo, do Senado e da Câmara”
Às vezes, quem pensa que enxerga tudo descobre que está como os prisioneiros da caverna de Platão, a alegoria famosa sobre os sentidos e a razão. Discípulo de Sócrates, o filósofo grego separava o mundo sensível, onde residia a falsa percepção da realidade, do mundo inteligível, alcançado pela razão. A alegoria serve para aguçar nosso olhar sobre o vale-tudo no qual mergulhou a força-tarefa da Lava-Jato, que, agora, coloca em xeque o seu futuro, pela reação que enfrenta no Congresso, no Supremo Tribunal Federal (STF) e na própria Procuradoria-Geral da República.
Na alegoria de Platão, havia um grupo de pessoas que viviam numa grande caverna, com seus braços, pernas e pescoços presos por correntes, forçando-os a olharem unicamente para a parede do fundo da caverna. Atrás dessas pessoas existia uma fogueira e outros indivíduos, que transportavam ao redor da luz do fogo objetos e seres, cujas sombras eram projetadas na parede. Os prisioneiros viam apenas as sombras das imagens, confundindo-as com a realidade. Entretanto, uma das pessoas conseguiu se libertar das correntes e saiu para o mundo exterior.
A princípio, a luz do sol e as cores cegaram o ex-prisioneiro, que se assustou. Assim, quis voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações e as experiências que viveu, mas ninguém acreditava no que relatava, e o taxaram de louco. Para evitar que suas ideias atraíssem outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o fugitivo. A história tem a ver com o destino de Sócrates, que foi morto pelos atenienses porque suas ideias eram consideradas subversivas.
A realidade somente é compreendida a partir do pensamento crítico e racional. Essa é a moral da história. Ontem, o Banco Central informou ao juiz Marcelo Bretas que o auditor-fiscal Daniel Gentil e sua mãe, Sueli Gentil, presos na Operação Armadeira, têm R$ 13,9 milhões depositados em 11 contas bancárias, dos quais R$ 10,9 milhões foram encontrados na conta materna. A família Gentil é apontada pelo Ministério Público Federal como a responsável pelo esquema de lavagem de dinheiro de suspeitos, entre os quais Marco Aurélio Canal, supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava-Jato, o grupo responsável por aplicar multas aos acusados da operação por sonegação fiscal. Daniel Gentil era subordinado a esse setor.