Novo titular da cátedra José Bonifácio, da USP, Ricupero vê esgotamento da Nova República no bicentenário da independência
Maria Cristina Fernandes / Valor
Econômico
Rubens Ricupero tinha saído de uma cirurgia
cardíaca quando recebeu o convite do reitor da USP, Vahan Agopyan, para assumir
a Cátedra José Bonifácio. Aceitá-la parecia uma temeridade para o embaixador de
84 anos. Depois de quatro décadas dedicadas à diplomacia, em que alcançou o
posto de secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (Unctad), e da passagem pelos ministérios do Meio Ambiente
(1993) e da Fazenda (1994), parecia ter chegado a hora de se aposentar. Mas a
tentação foi maior.
É a segunda vez que a cátedra, que já foi
ocupada pelo ex-presidente do Chile Ricardo Lagos e pelo ex-primeiro-ministro
espanhol Felipe González, será entregue a um brasileiro. A primeira foi Nélida
Piñon. Como a cátedra seria dedicada ao bicentenário da independência, a
escolha levou em conta a lucidez com a qual Ricupero reflete sobre o Brasil
contemporâneo à luz de sua história.
Redigiu as notas preparatórias à cátedra na
crença de que o tempo raramente deixa intactas as atitudes em relação ao
passado. Inspirou-se em Mário de Andrade, que, em 1922, foi capaz de extrair de
uma realidade imperfeita os estímulos da transformação, e pôs-se a refletir
sobre as razões pelas quais seria possível acreditar num país melhor no
terceiro centenário.
E a primeira de suas reflexões é a de que,
na comparação com a efeméride de cem anos atrás, o Brasil virou a chave de um
país tão obcecado pela modernização que se achava capaz de remover mocambos com
jatos d’água. Hoje, diz, há um consenso nacional, que só não invadiu o Palácio
do Planalto, de que a verdadeira modernização do Brasil é o enfrentamento da
desigualdade.
A segunda reflexão é a de que a convergência do bicentenário com a eleição de 2022 é uma coincidência infeliz e feliz. Infeliz por cair num momento de baixíssima autoestima nacional com a morte de mais de 619 mil brasileiros na pandemia e com a depressão da economia. E feliz porque as pessoas terão uma oportunidade de começar a mudança com seu voto.