quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Opinião do dia: Henri-Benjamin Constant* - O legislador

De forma alguma a obra do legislador está completa quando ele apenas tornou o povo tranquilo. Mesmo quando esse povo está contente, ainda resta muito a ser feito. É preciso que as instituições completem a educação moral dos cidadãos. Respeitando seus direitos individuais, poupando sua independência, não perturbando suas ocupações, elas devem, entretanto, consagrar a influência deles sobre a coisa pública, chama-los a participar, por meio de suas determinações e seus votos, do exercício do poder, garantir-lhe um direito de controle e vigilância pela manifestação de suas opiniões e, preparando-os, dessa maneira, pela prática, para essas funções elevadas, dar-lhes ao mesmo tempo o desejo e a faculdade de cumpri-las.

*Henri-Benjamin Constant (1767-1830), é um dos mais importantes autores do que viria a ser reconhecido como o “liberalismo político”. “A liberdade dos antigos comparada à dos modernos”, Paris, 1819. edipro, 1ª edição, p.78. São Paulo, 2019.

Merval Pereira - Chances renovadas

- O Globo

As crises políticas que Bolsonaro alimenta podem representar obstáculos intransponíveis a qualquer momento

O novo ano começa como os últimos, com esperanças de que o país recupere sua capacidade de crescimento econômico. As perspectivas desta vez são melhores do que já foram, especialmente porque o governo, eleito pelo voto popular, mantém seu projeto reformista, avalizado pela aprovação da reforma da Previdência.

O governo Temer, um intervalo entre o petismo e o bolsonarismo, chegou a ter o controle político do Congresso, mas perdeu a chance de aprovar a reforma da Previdência devido à crise desencadeada pelo diálogo gravado com o empresário Joesley Batista.

Temer teve que trocar o apoio que tinha no Congresso pela manutenção de seu cargo, perdendo força para aprovar as reformas. Hoje, temos pela primeira vez um Congresso renovado que comprou a ideia de que é preciso reformar estruturalmente o país, e um governo que mantém o objetivo de aprovar as reformas tributária, administrativa, do pacto federativo.

O parlamentarismo branco faz com que o Congresso module as reformas propostas pelo Executivo, às vezes avançando, principalmente na economia, em outras as adequa a seu perfil, como no pacote anticorrupção. Sempre, porém, tem havido progressos.

Carlos Alberto Sardenberg - Privatizações: tudo veio do governo FHC

- O Globo

No início do governo FHC, havia um grupo mais moderno, a favor de reformas liberais e privatizações. E outro, claramente estatizante. FHC entendeu o momento e arbitrou

Na coluna da semana passada, comentei que pela primeira vez tínhamos uma verdadeira equipe liberal ortodoxa, tocando reformas e privatizações por ideologia e não por necessidade. Lá pelas tantas, escrevi: “Governos anteriores, por exemplo, faziam privatizações por necessidade, para arranjar uns trocados ou para se livrar de empresas inviáveis”.

Foi claramente injusto. A frase cabe para os governos do PT, mas nunca para o governo FHC, como me lembrou David Zylbersztajn. Para reparar, dou a palavra a ele:

“Participei de dois momentos importantes em processos de privatização. No governo Covas, em São Paulo, como secretário de Energia, liderei a venda das estatais do setor. Nossa meta era promover o saneamento das contas públicas, mas, principalmente, viabilizar a finalização de dezenas de obras paradas, estancar a sangria da roubalheira oriunda de uma sequência Maluf-Quércia-Fleury (e fechar as portas futuras), e, notadamente, a certeza de que a expansão do setor só se sustentaria com gestão e capitais privados.

E até hoje as regras que norteiam as privatizações federais estão no Programa Nacional de Desestatização, dos anos 90. E não por acaso, mas dentro de um processo pensado e politicamente criado no sentido de viabilizar o capital privado, foram criadas as agências reguladoras, sem as quais nenhuma privatização seria viável.

Da metade dos anos 90 para frente foram vendidas as empresas do setor siderúrgico (lembra o que significava vender a CSN em 1994?), petroquímico, a Vale, Light, Escelsa, Eletrosul, o sistema Telebras. E as concessões de estradas, que não existiam? Não foi para arrumar uns trocados. Foi caso pensado, como linha política de governo.

Míriam Leitão - Ano melhor do que aquele que passou

- O Globo

A crise foi tanta nos últimos anos que o Brasil reduziu as expectativas. Hoje já se contenta com alta do PIB na casa dos 2,5%

As análises dos bancos para 2020 trazem uma coleção de dados otimistas, ainda que a projeção para o crescimento seja de apenas 2,5%. Esse número é melhor do que o dos últimos três anos, mas o Brasil, se o atingir, estará ainda assim crescendo menos do que a média do mundo. Os bancos avaliam que o ano começa sem alguns dos riscos que assustaram a economia mundial em 2019, e com a previsão de crescimento maior no Brasil. Há mais otimismo em relação a determinados setores, como o da indústria do petróleo, que deve crescer acima de 6% com a entrada em operação de quatro novas plataformas.

O clima de “agora vai” é tão forte que na mensagem que encaminha seu relatório sobre 2020 a XP Investimentos diz que o “avião está na cabeceira pronto para decolar”. A crise foi tanta nos últimos anos que o Brasil reduziu as expectativas. Hoje já se contenta com alta do PIB na casa dos 2,5%. Nenhuma decolagem se dá com voo tão baixo. “À nossa frente o horizonte está limpo e aberto. Os preparos necessários já foram feitos.” Começa assim o texto da XP. O Brasil tem um volume considerável de preparos necessários e não feitos antes que se possa falar em decolagem. É mais torcida do que análise.

O Itaú ressalta no seu cenário que o ano começa sem duas ameaças, a da guerra comercial China-EUA e do Brexit desordenado. O Bradesco já não aposta que o risco da guerra comercial tenha ficado para trás. De fato, a ciclotimia da relação entre as duas potências torna difícil garantir que não haverá outros momentos de incerteza. E se agora há um mandato político claro para o primeiro-ministro Boris Johnson sair da União Europeia, os efeitos sobre a economia britânica e outros países ainda não estão controlados. E, como lembra o banco, a eleição americana vai acirrar a polarização. O mundo deve continuar sendo um ponto de dúvida no cenário.

Luiz Fernando Verissimo - Martha Rocha

- O Globo | O Estado de S. Paulo

O que explica o ressurgimento no noticiário nacional do movimento integralista senão uma autonostalgia?

O Brasil avança para trás. Tem saudade de si mesmo. O que explica o ressurgimento no noticiário nacional do movimento integralista senão uma autonostalgia? Uma organização que se denomina integralista anunciou não ter nada a ver com os coquetéis Molotov atirados contra o prédio da produtora do “Porta dos fundos”, programa humorístico da TV. O que espantou muita gente: por saber que o integralismo não apenas ainda existe como tem uma organização, e não só tem uma organização como uma dissidência que atira bombas.

O movimento integralista que deixou saudade foi o mais atuante dos movimentos filofascistas que cresceram nos anos 30, no Brasil. Ganhou alguma relevância política — e chegou a tentar um golpe — com a ascensão do Getúlio Vargas, que endossava algumas das suas pregações totalitárias, aceitou sua ajuda, mas não lhe deu nada em troca. Tinham um líder, Plínio Salgado, chamado de carismático, mas cujo carisma não sobrevivia nas fotos dos jornais mal impressos. Usavam todos camisas verdes e um signo inspirado na suástica nazista, e saudavam-se com o braço direito erguido, também como os fascistas. As manifestações dos camisas verdes atraíam multidões, na época. Era grande a simpatia pelos integralistas.

Luiz Carlos Azedo - O mundo é redondo

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“As exportações pelos estados setentrionais do Brasil tendem a crescer regularmente, com a ferrovia norte-sul e o chamado Arco Norte, incluindo portos da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão e do Amazonas”

Em 12 de abril de 1961, a bordo da Vostok 1, Yuri Gagarin se tornou o primeiro homem a ser lançado no espaço. A nave media apenas 4,4 metros de comprimento por 2,4m de diâmetro, e pesava 4.725 quilos, com dois módulos, um para acomodar os equipamentos e tanque de combustível, e o outro era a cápsula onde o cosmonauta realizou a proeza de ser o primeiro humano a ver que o nosso planeta é redondo: “A Terra é azul! Como é maravilhosa. Ela é incrível!”, exclamou Gagarin, durante a única volta que deu em órbita. Aos 27 anos, ele havia sido selecionado entre 19 pilotos submetidos a testes físicos e psicológicos rigorosíssimos. Tinha somente 1,57m de altura e pesava 69kg, ou seja, seu porte físico acabou sendo um diferencial para a seleção, como acontece com submarinistas e jóqueis.

Quando entrou na nave, fez um comentário como se fosse o último: “Em poucos minutos, possivelmente, uma nave espacial irá me levar para o espaço sideral. O que posso dizer sobre estes últimos minutos? Toda a minha vida parece se condensar neste momento único e belo. Tudo o que eu fiz e vivi foi para isso!” Naquele mesmo ano, ainda criança, levado por minha mãe ao Monumento dos Pracinhas, no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de ver o Gagarin. A imagem que trago na memória não é a do seu porte físico, é a da multidão, e não a do seu sorriso cativante, que aparece em todas as fotos, classificado pelo poeta russo Evguêni Evtuchenko (1932-2017) como o mais bonito do mundo.

Maria Hermínia Tavares* - O ovo da serpente

- Folha de S. Paulo

É hora de usar as leis da democracia para impedir que a serpente do terrorismo saia à luz

Na madrugada da véspera do Natal, coquetéis molotov atingiram o prédio onde funciona a produtora do grupo humorístico Porta dos Fundos, no Rio.

Logo depois, em um vídeo que circulou nas redes sociais, um grupo que se dizia pertencer à “família integralista” reivindicou a autoria do atentado. O vídeo era caseiro: a encenação —tendo como fundo o estandarte da organização, à frente a bandeira do Império do Brasil e um mascarado dando o recado— plagiava mensagens de grupos terroristas.

O texto pueril chamava os humoristas de militantes do “marxismo cultural” empenhados em “destruir o povo brasileiro, suas crenças e seu patrimônio imaterial”. Tudo tão malfeito e patético que o primeiro impulso seria minimizar o episódio, atribuindo-o a um bando de lunáticos, desejosos de exumar a Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado, dos anos 1930, importada da Itália fascista.

Fernando Schüler* - 2020: um país com menos raiva?

- Folha de S. Paulo

A ilusão é imaginar que a intolerância venha deste ou daquele lado do campo político

Elena Landau disse algo interessante, em uma entrevista recente. Não dá pra ser um liberal pela metade. Isto é, defender a liberdade econômica, mas ser avesso às liberdades no terreno da cultura e dos costumes.

Acho que a Elena quis dizer o seguinte: no plano pessoal, você pode professar a religião que quiser e escolher o tipo de vida que deseja levar, desde que isto não danifique a liberdade dos outros. O que você não pode é usar a força ou recorrer ao Estado para promover suas crenças, sejam elas ligadas ou não à religião.

Não é pouca coisa. Ronald Dworkin escreveu um belo texto, fruto de uma conferência dada no Metropolitan Museum, em Nova Iorque, em que se pergunta se um Estado liberal pode apoiar as artes. Sua resposta é sim, mas com uma condição: apoiar de um modo geral, sem tomar partido por esta ou aquela corrente estética ou visão de mundo.

A Lei Rouanet sempre pretendeu agir desse modo, e não sei se sempre conseguiu. De qualquer maneira recomendo a leitura do texto de Dworkin para o pessoal que lida com cultura, hoje no país.

Essas coisas vão longe. Um estado liberal deveria impedir a ideologização de livros didáticos, deveria proibir o governo de fazer propaganda de si mesmo ou de seus projetos com dinheiro público, deveria se abster de comandar emissoras de comunicação ou escolher a escola em que os pais devem matricular os filhos. E não deveríamos ser obrigados a votar. A lista é longa, e é certo que estamos muito longe disso, aqui pelos trópicos.

Ricardo Noblat - O jogo de xadrez entre Bolsonaro e Moro de olho na eleição de 2022

- Blog do Noblat | Veja

Um tem a caneta mais poderosa da República. O outro, maior popularidade

Em setembro último, a um grupo de servidores da Receita Federal, um ministro do Tribunal de Contas da União disse ter ouvido de Jair Bolsonaro que Sérgio Moro não terminaria o ano no cargo.

Não ficou claro para os servidores se Moro não ficaria porque seria demitido por Bolsonaro ou se não ficaria porque pediria demissão. Mas ele ficou. Frustrou-se, portanto, a previsão de Bolsonaro.

Quanto mais tempo ficar no cargo de ministro da Justiça, melhor para Moro – seja para aumentar suas chances de ser candidato a vice de Bolsonaro em 2022, seja para concorrer à sucessão dele.

Moro sabe disso. Bolsonaro, também. Os dois movimentam suas peças num tabuleiro invisível de xadrez. Bolsonaro comporta-se como candidato à reeleição. Moro, disfarça sua ambição.

Bolsonaro é dono da caneta BIC mais poderosa da República, capaz de fazer e desfazer ministros. Mas Moro é mais popular do que ele fora da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Roberto Dias – Luneta míope

- Folha de S. Paulo

Ainda mais divertido do que ler previsões é relê-las anos depois

Ainda mais divertido do que ler previsões é relê-las anos depois. Nossa capacidade média de prever o futuro, inclusive o imediato, é baixíssima.

Números redondos como os deste 2020, então, prestam-se a exercícios ainda mais estrambólicos.

Dez anos atrás, ninguém poderia imaginar que o país seria varrido pela Operação Lava Jato, que colocou na cadeia certa elite que passou décadas vivendo em um planeta que não o da lei brasileira. Ou que um apresentador de TV loiro viraria o homem mais poderoso do mundo —TRUMP PRESIDENTE!, foi o escrito na manchete da Folha que bem resumiu o espanto.

Voltando mais ainda, só piora. Em 2000, era cedo demais para arriscar previsões de que a esquerda chegaria ao poder no Brasil, menos ainda que lá ficaria por mais de 13 anos. Quem diria, então, que o país que colocava George W. Bush no poder elegeria, ainda naquela década, seu primeiro presidente negro.

Chegar a 1990 é até covardia. A internet, responsável pela maior revolução na vida humana desde então, é citada duas vezes em textos da Folha naquele ano —a rede, que tem seu embrião remontando a 1969, só chegaria comercialmente ao Brasil em 1995. Por aqui, aliás, quem sonhava com Collor e seu tiro único na inflação acordou no pesadelo traumático do impeachment e acabaria vendo o tigre dos preços morrer de maneira mais sofisticada a partir de 1994.

William Waack - Apertem os cintos

- O Estado de S.Paulo

Ninguém gosta de turbulência, mas não é uma grande causa de queda de avião

A maior lição de humildade para integrantes da minha profissão é o já clássico livro “Superprevisões – a arte e a ciência de antecipar o futuro”, publicado em 2016 por Philip Tetlock e Dan Gardner. Uma das célebres conclusões da obra, apoiada em mais de 20 anos de material empírico, é a de que jornalistas (especialmente os de televisão) acertam na média menos prognósticos do que um chimpanzé atirando dardos numa parede onde estão escritas respostas para perguntas como “qual será o preço do barril do petróleo no fim do ano?” (a taxa de acerto aleatória está em torno de 18%).

Claro que previsões só têm validade se respeitarem um limite de tempo – é fácil acertar a previsão “o mundo vai acabar”; a questão é acertar quando. Com toda humildade vamos, então, a alguns prognósticos para temas que devem ocupar espaço no noticiário.

Donald Trump deve perder o voto popular nas eleições de novembro (Hillary Clinton já o havia derrotado por 3 milhões de votos em 2016), mas conseguirá se reeleger. Os eleitores anti-Trump já vivem em colégios eleitorais democratas como Nova York ou Califórnia. Portanto, seu voto é “desperdiçado” e a verdadeira batalha é em colégios eleitorais menores, no Meio-Oeste, onde dificilmente Trump decepciona os mesmos eleitores que lhe garantiram a vitória quase quatro anos atrás.

Eugênio Bucci* - Acertos e erros na cobertura da Lava Jato

- O Estado de S.Paulo

A cobertura ampla das conversas impróprias foi um acerto de boa parte da imprensa, mas há também um saldo negativo a ser contabilizado

Depois de projetar para o primeiro escalão da República o ministro mais popular da Esplanada, Sergio Moro, da Justiça, a Lava Jato atravessou um ano amargo. As revelações do Intercept Brasil, publicadas em conjunto com outros órgãos de imprensa - Veja e Folha de S. Paulo entre eles -, fez os mais notórios expoentes da operação serem chamados explicar as evidências de jogo combinado entre integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário para prejudicar réus escolhidos a dedo. Foi um ano ruim para eles. Sua aura de liga de heróis investido de uma missão sacrossanta avinagrou.

A perda de prestígio não se deu sem, como anda na moda dizer, disputa de narrativas. Uma breve recapitulação nas páginas dos jornais mostra como foi. No começo, algumas das personagens flagradas nas conversas expostas pelo Intercept e pelos veículos a ele associados saíram dizendo que não reconheciam a autenticidade dos diálogos, mas, alegavam preventivamente, caso fossem verídicos não viam nada “de mais” no que estava ali. Essa primeira tática teve fôlego curto. A desconversa defensiva durou pouco, não só porque o material se mostrou autêntico (tal como foi atestado por diversas verificações feitas por diversos repórteres que apareciam nos registros vazados), mas principalmente porque as falas de uns e outros tinham, sim, muita coisa “de mais”.

Em seguida, vieram as acusações de que o Intercept se teria beneficiado de material roubado por um hacker, o que constituiria vício jornalístico equivalente ao crime de receptação, previsto no Código Penal. Outra vez o argumento logo caiu no vazio. As reportagens não surrupiaram nada de ninguém; ao contrário, entregaram ao público e à Justiça o conhecimento de condutas que jamais deveriam ter sido adotadas às escondidas. Em outras palavras, o trabalho jornalístico liderado pelo Intercept devolveu ao público o que era do público e retirou dos porões da clandestinidade o que nunca deveria ter estado lá. O público tinha o direito de saber; as autoridades é que não tinha o direito de esconder o que tentaram esconder.

Zeina Latif* - Dicotomia

- O Estado de S.Paulo

O aumento do consumo não é para todos. São 17 milhões de desocupados e desalentados

O mercado financeiro é só alegria. A bolsa bate recordes, impulsionada por juros baixos e a boa perspectiva de crescimento para 2020. O mercado de capitais registra expressivo aumento na emissão de dívida das empresas por conta do (necessário) encolhimento do BNDES – iniciado por Joaquim Levy quando ministro da Fazenda de Dilma – e das condições favoráveis para a captação de recursos internamente. Foi um ano muito positivo para indústria de fundos, que se beneficiou do corte dos juros pelo Banco Central. Os investidores celebram os ganhos obtidos no ano.

A euforia, no entanto, não é integralmente compartilhada pelo setor produtivo, até porque o mercado de capitais reflete as perspectivas do “grupo de elite”, e não da totalidade das empresas. Apesar da melhora nos indicadores, a confiança dos empresários continua abaixo da linha d’água de 100 pontos, indicando pessimismo de uns tantos. Muitas empresas enfrentam dificuldades financeiras e de acesso ao crédito.

No varejo, as vendas estão próximas dos patamares pré-crise, enquanto a produção da indústria está 15% abaixo. O primeiro se beneficia da volta do crédito ao consumidor, enquanto o segundo sofre com a baixa competitividade em relação aos importados.

O sensível aumento do consumo não é para todos. Os desocupados e desalentados, que totalizam mais de 17 milhões de pessoas, não foram chamados à festa e alimentam a desigualdade, que sobe desde 2015.

Cláudio Gonçalves Couto* - Que centro é este?

- Valor Econômico

Eleitorado se deslocou à direita, mas parte se assustou com o radicalismo bolsonarista: abre-se espaço para um centro

2019 foi marcado pela discussão sobre a polarização que marcaria nossa política. Frequentemente, o termo foi tomado como sinônimo de extremismo ou radicalização política. Polarização não tem a ver com isso, mas com a contraposição de alternativas políticas claras. É assim que historicamente Democratas e Republicanos polarizam a política nos EUA, Conservadores e Trabalhistas no Reino Unido, Socialistas e Republicanos na França.

No Brasil, entre os anos 90 e 2014, a polarização foi entre um partido social-liberal (o PSDB) e um social-democrata (o PT). Na medida em que o PT caminhou para o centro, deslocou o PSDB para a direita, configurando uma típica polarização centro-esquerda/centro-direita, cujo centrismo foi acentuado nos dois casos pela necessidade de coalizões. Assim, o vermelho oposicionista do socialismo petista se debotou, assumindo tons rosados no governo, enquanto o social-liberalismo tucano se tornou menos social e mais liberal, primeiro pela imposição das reformas econômicas, depois pela oposição ao adversário à sua esquerda, o PT.

As jornadas de junho de 2013, a Lava-Jato, o impeachment e o impopular governo de Michel Temer mudaram as coisas. Muito enfraquecido num primeiro momento (como se notou nas eleições municipais de 2016, quando perdeu 60% de seus prefeitos), o PT recuperou algo de sua força depois, chegando ao segundo turno das eleições presidenciais e fazendo a maior bancada na Câmara. Com isto, manteve-se como um polo da disputa, sendo o ator principal à esquerda do espectro nas eleições nacionais.

Contudo, à direita, o PSDB (associado ao governo Temer e ao establishment) minguou, culminando no vexaminoso desempenho de Geraldo Alckmin na disputa presidencial e na redução das bancadas congressuais do partido. O eleitorado à direita, que votava no PSDB (ou contra o PT) desde os anos 90, migrou para Jair Bolsonaro e deu ao PSL a maior votação para a Câmara de Deputados. Mesmo nas disputas estaduais, deram-se bem candidatos que se alinharam ao bolsonarismo durante a eleição, como Wilson Witzel no Rio de Janeiro e João (Bolso)Dória em São Paulo. Criou-se uma nova polarização, entre uma esquerda socialdemocrata momentaneamente mais estridente e uma extrema-direita oriunda da margem do sistema político.

José Roberto Campos * - A agonia dos sindicatos

- Valor Econômico

O sindicalismo está em sérios apuros diante da revolução tecnológica, desemprego e informalidade

Sindicalistas tiveram participação desprezível nas grandes manifestações de descontentamento da década, em junho de 2013. Os protestos foram um réquiem para o governo de Dilma Rousseff, antes dela começar seu segundo mandato, e também para longa agonia das entidades sindicais. Movimentos estruturais já vinham arrancando as raízes da organização tradicional dos trabalhadores, enquanto que a vanguarda das grandes greves operárias durante a ditadura militar passara a receber seus holerites do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A ascensão de Jair Bolsonaro passou como um carro fúnebre sobre o poderio político declinante dos sindicatos. As mudanças velozes da economia fizeram o resto. Uma tempestade perfeita desaba sobre aspirações e ações sindicais no mundo e, de forma peculiar, no Brasil. Coincidiu por aqui com uma recessão brutal, o encolhimento e prostração da indústria, o fim do imposto sindical obrigatório, desemprego enorme, aumento da informalidade e a destruição das formas tradicionais de emprego provocada pela tecnologia, sobre as quais os sindicatos costumavam basear suas lutas.

Os maiores e mais atuantes sindicatos, agrupados em torno da metalurgia paulista, se formaram e cresceram principalmente na luta por salários que recompusessem a inflação galopante que prevaleceu até meados da década de 1990. A Central Única dos Trabalhadores, liderada pelo PT - contrário ao Plano Real, que liquidou a inflação - tornou-se a maior do país. Em seguida vieram outras - hoje são mais de uma dezena de centrais a disputar os sindicatos locais. O imposto sindical, repudiado pelo sindicalismo combativo, foi mantido até ser abolido em 2018 pela reforma trabalhista do sucessor constitucional de Dilma, o presidente Michel Temer.

Ribamar Oliveira - O ano em que os juros foram jogados ao chão

- Valor Econômico

Queda do custo da dívida representa mais de dois Bolsas Família

Há boas razões para acreditar que 2020 será melhor para a economia do que o ano que passou. O ritmo da atividade econômica ganhou impulso nos últimos meses de 2019, por causa da liberação dos saques do FGTS e do aumento do crédito. A confiança dos empresários aumentou com a estratégia econômica adotada pelo governo, com a aprovação da reforma da Previdência Social e com a melhora do quadro fiscal do setor público.

A expectativa que predomina no mercado é a de que um cenário de maior crescimento deverá se consolidar ao longo dos próximos meses, embora algumas nuvens negras que vêm do exterior ainda provoquem incertezas. Existem dúvidas também sobre o encaminhamento de algumas reformas indispensáveis à continuidade do ajuste das contas públicas, em virtude do ano eleitoral.

É importante destacar nesta coluna, no entanto, o fato econômico mais marcante de 2019 - ano que ficará conhecido como aquele em que os juros no país foram jogados ao chão. Quem acompanhou a economia brasileira ao longo das últimas duas décadas sabe avaliar a dimensão do fenômeno que presenciamos no ano passado. Durante anos, o Brasil foi um dos campeões dos juros altos no mundo, com taxas reais que eram verdadeiras aberrações.

O enorme custo financeiro dessa anomalia, que perdurou por longo tempo, foi suportado pela população mais pobre, ajudando a agravar a brutal desigualdade de renda do país. Uma Selic (a taxa básica de juros da economia, fixada pelo Banco Central) de dois dígitos foi considerada como normal durante muito tempo. Em março de 1999, por exemplo, ela chegou a 45% ao ano.

Na década de 1990, o país conviveu com taxa de juro real acima de 10% ao ano, situação que se manteve no início deste século. Depois, ela foi caindo lentamente para algo em torno de 5%, ainda muito distante das taxas praticadas no mercado internacional. Numerosos artigos e teses, escritos nos últimos anos pelos mais renomados economistas do país, tentaram explicar a anomalia brasileira dos juros altos e encontrar uma saída.

Entrevista | Temer: ‘Bolsonaro está dando sequência ao que eu fiz’

Entrevista com Michel Temer, ex-presidente da República

O ex-presidente Michel Temer diz em entrevista ao ‘Estado’ que votou em Bolsonaro, mas discorda de bandeiras do sucessor

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

Oito meses depois de ser preso na rua por policiais, o ex-presidente Michel Temer mantém uma rotina discreta. Afastado das articulações políticas, hoje ele se dedica a fazer palestras e a escrever um romance de ficção inspirado em sua própria história. Em entrevista ao Estado, o emedebista diz que o governo Jair Bolsonaro “vai indo bem” porque dá sequência ao que ele fez, mas afirma ser contrário a bandeiras de seu sucessor, como o excludente de ilicitude.

Ao falar sobre política, Temer avalia que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria ter buscado a pacificação ao sair da cadeia e descarta a “rotulação” dos políticos entre direita, esquerda e centro. “Essa coisa de esquerda e direita ninguém dá mais importância. Mesmo o centro”, disse.

 A seguir os principais trechos da entrevista:

Entrevista: Se Trump for derrotado, democratas não poderão fazer só mais do mesmo, diz líder de organização de prevenção de conflitos

Ex-assessor de Obama, Robert Malley, do International Crisis Group, diz que soluções para estabilidade global exigem 'ir além do status quo'

André Duchiade | O Globo

Os protestos que sacudiram o mundo no ano passado, em lugares que vão do Chile a Hong Kong do Haiti ao Sudão, têm desfecho ainda bastante incerto, podendo tanto gerar mais democracia e direitos sociais como descambar para novas formas de violência e autoritarismo, avalia o cientista político Robert Malley, presidente da organização de prevenção de conflitos International Crisis Group.

Ex-assessor do Conselho de Segurança Nacional para o Oriente Médio durante o governo de Barack Obama, Malley entende que, caso Donald Trump seja derrotado nas eleições deste ano, boa parte das medidas que o atual presidente tomou poderão ser revertidas. Ainda assim, afirma, um eventual governo democrata precisará fazer mais do que já fez, para encontrar soluções sustentáveis em longo prazo.

• Esta década começou com a Primavera Árabe e termina com grandes protestos em lugares tão variados como Chile, Iraque, Haiti, Sudão e Hong Kong. Algo une tantas insurreições tão diferentes?

É muito difícil fazer generalizações, mas podemos dizer que esses protestos são por oportunidades iguais. Eles afetam países com governos de esquerda e de direita, autocráticos ou democráticos, relativamente pobres ou de classe média, e que ficam no Oriente Médio, na América Latina, na Ásia e na África. Seria um pouco ambicioso tentar buscar uma causa comum para todos. Mas parece ser claro que há frustração, alienação e raiva com governos corruptos e que não representam as pessoas, ou as representam de forma desigual, que não parecem ser capazes de oferecer oportunidades iguais para os cidadãos.

• O que esperar destes movimentos?

Seria prematuro tentar tirar conclusões sobre para onde vão. Podem seguir o caminho da Síria, o do Sudão ou algo no meio, considerando o primeiro caso como o pior cenário possível, onde o governo usa seu aparato para esmagar a oposição, e o Sudão um caso otimista, no qual as ações dos manifestantes, que estão disciplinados e unidos, e a intervenção de atores externos põem pressão e levam a uma transição mais consensual. Este seria um cenário mais otimista para outros lugares, como Iraque, Líbano, Hong Kong ou Chile.

• O senhor acha que Trump vai se reeleger neste ano?

(Risos) Eu não sei. Perdi muito dinheiro apostando em 2016 e obviamente eu estava errado, assim como a maioria das pessoas. Acho que eleições ainda estão bem abertas, e que o resultado deve ser apertado.

O que a mídia pensa – Editoriais

A ressaca latino-americana – Editorial | O Estado de S. Paulo

Um espírito reformista é o único meio para a América Latina emergir em paz da ressaca em que se afundou

A América Latina sofre uma inquietação social generalizada. Na raiz dos protestos violentos no Peru, Chile, Bolívia e Equador estão disfunções políticas e transtornos econômicos mais ou menos comuns aos seus vizinhos, que podem deflagrar novos conflitos civis. Dois estudos diagnosticam e prognosticam este mal-estar.

O relatório da divisão de análise e investigação do Grupo Economist (Intelligence Unit– EIU) traz um enredo conhecido. O superciclo das commodities, iniciado em 2004 e turbinado pela ascensão da China, trouxe uma era de abundância, marcada pelo declínio da pobreza, melhoras nos indicadores de saúde e expansão da classe média. O processo foi anabolizado pela distribuição de créditos e subsídios pelos governos de esquerda (a “onda rosa”), que, no entanto, investiram mal em instrumentos elementares para um crescimento sustentável de longo prazo, como educação, infraestrutura e diversificação econômica.

Música | Roberta Sá - Gostoso veneno

Poesia | Vinícius de Moraes - Amor nos três pavimentos

Eu não sei tocar, mas se você pedir
Eu toco violino fagote trombone saxofone.
Eu não sei cantar, mas se você pedir
Dou um beijo na lua, bebo mel himeto
Pra cantar melhor.
Se você pedir eu mato o papa, eu tomo cicuta
Eu faço tudo que você quiser.

Você querendo, você me pede, um brinco, um namorado
Que eu te arranjo logo.
Você quer fazer verso? É tão simples!... você assina
Ninguém vai saber.
Se você me pedir, eu trabalho dobrado
Só pra te agradar.

Se você quisesse!... até na morte eu ia
Descobrir poesia.
Te recitava as Pombas, tirava modinhas
Pra te adormecer.
Até um gurizinho, se você deixar
Eu dou pra você...