sábado, 28 de novembro de 2020

Merval Pereira - O controle da PF

- O Globo

A nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal deverá ser a consequência política mais séria do arquivamento, considerado certo diante da negativa de Bolsonaro de depor, do inquérito que apura uma suposta intervenção do presidente da República na Polícia Federal.

Era justamente essa nomeação, barrada pelo ministro Alexandre Moraes do Supremo Tribunal Federal em abril deste ano, que confirmaria a intenção de Bolsonaro de intervir na PF, segundo denúncia do ministro da Justiça e Segurança Pública demissionário na época, Sérgio Moro.

Com base nessa explicação para sua decisão de se demitir, o ministro do Supremo Celso de Mello autorizou a Procuradoria-Geral da República a abrir um inquérito para apurar os fatos. O ministro Alexandre de Moraes assumiu o inquérito com a aposentadoria de Celso de Mello, e ontem consultou formalmente a Procuradoria-Geral da República sobre a decisão do presidente Bolsonaro de não depor no inquérito que apura uma suposta intervenção dele na Polícia Federal.

Hélio Schwartsman - Jabuticaba eleitoral

- Folha de S. Paulo

Obrigatoriedade do voto inclui paternalismo arrogante

Sei que escrevo contra a obrigatoriedade do voto com uma frequência maior do que a recomendável, mas não tem jeito, essa é uma das jabuticabas brasileiras que mais me incomodam.

O incômodo é sobretudo filosófico, já que, na prática, eu dificilmente deixaria de votar caso a obrigatoriedade fosse eliminada. Aliás, resolver as pendências burocráticas por não ter visitado a urna, seja justificando-se, seja pagando a multa, que não excede R$ 4, é quase tão simples quanto votar, de onde concluo que, na vida real, não é o medo das sanções que faz as pessoas aparecerem para digitar os números de seus políticos favoritos.

Se a obrigatoriedade é quase inócua, por que então insurgir-se contra ela? Como antecipei, a questão é filosófica. Para os que, como eu, defendem que votar seja opcional, o instituto é um direito. Já para os apoiadores do voto compulsório, ele é um dever.

Cristina Serra - Precisamos falar sobre vices

- Folha de S. Paulo

A história recente do Brasil mostra a importância dessa figura

A história recente do Brasil tem mostrado a importância da figura do vice, sobretudo quando o país se deparou com encruzilhadas na política. Vices podem agregar ou afastar apoios, ajudar ou ser um estorvo, podem ser confiáveis ou conspirar contra o titular. Temos de tudo.

A notável habilidade política do oposicionista Tancredo Neves encontrou em José Sarney, dissidente da ditadura, o vice ideal para compor a aliança que conduziria o Brasil de volta à democracia. Como sabemos, o vice assumiu a Presidência em circunstâncias traumáticas após a morte de Tancredo. Sarney manteve o curso da redemocratização, mas levou o país ao descontrole inflacionário.

Ascânio Seleme - O bispo e o voto evangélico

- O Globo

Eleitor evangélico provou que não vota unitariamente nem cai mais em lorotas tão facilmente

Difícil dizer se foi o voto evangélico que abandonou Marcelo Crivella ou se foi o velho bispo da Igreja Universal que o fez correr. O fato é que o eleitor evangélico, que até outro dia parecia apenas parte de um rebanho ideologicamente garroteado, provou que não vota unitariamente nem cai mais em lorotas tão facilmente. O sonho de Edir Macedo, que imaginava fazer uma cabeça de ponte no Rio para daí conquistar o país, virou vexame e ainda pode se tornar pesadelo.

O Rio não votou outra vez no bispo. Crivella ficou curto, apequenou-se. O resultado do primeiro turno da eleição municipal, que deve se repetir amanhã, desvelou uma novidade: os votos dos fiéis foram diluídos entre diversos candidatos. A ordem do pastor não vigora quando o candidato indicado pela igreja é ruim. Ou péssimo, como no caso em questão. Como essa verdade é comum em outros cantos do país, temos uma boa nova: o voto de cabresto religioso perdeu força.

O crescimento da população evangélica, ou a conversão de católicos em protestantes e evangélicos ao longo dos anos, produziu a sensação de que as igrejas dominariam em pouco tempo o cenário político nacional. Da mesma forma que se avalia hoje que em mais 30 anos os eleitores da Bélgica, por exemplo, serão majoritariamente de origem muçulmana. No Brasil, em dez anos, o número de evangélicos cresceu em média 61%. No Rio, seu aumento foi ainda maior, chegando a 64%.

A trajetória de Crivella mostra como foi importante e preocupante o que parecia ser a conformação de um curral eleitoral imbatível por ser administrado pela fé, que se imaginava blindada. O prefeito entrou na vida pública em 2002 se elegendo senador. Foi reeleito em 2010. No intervalo, concorreu sem sucesso a prefeito do Rio e a governador do estado, mas seus resultados foram melhorando. Em 2016, ganhou a prefeitura com 59,6% dos votos. Imaginou-se que o caminho estava consolidado, mas aí apareceu a inacreditável incompetência de Crivella.

Alvaro Costa e Silva - Crivella, o último da fila

- Folha de S. Paulo

Nenhum governante na história do Rio construiu uma imagem tão negativa

Fundador da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e primeiro governador-geral, Estácio de Sá não devia ser muito estimado: foi ferido por uma flecha envenenada que lhe vazou o olho durante uma batalha na praia do Flamengo, morrendo um mês depois, em 1567.

Contra António Salema, que governou entre 1575 e 1578, pesa a acusação de ter espalhado pelas margens da lagoa Rodrigo de Freitas, então ocupadas por índios tamoios, roupas que haviam sido usadas por doentes de varíola. Para atravessar uma ponte sobre o rio Carioca, na altura de onde hoje fica a praça José de Alencar, Salema instituiu o primeiro pedágio.

Em 1711, Francisco de Castro Moraes, de apelido o Vaca, permitiu que o Rio fosse tomado pelo corsário francês Duguay-Trouin, entregando a cidade a Santo Antônio e fugindo. Os moradores pagaram o resgate em cruzados de ouro, caixas de açúcar e bois. A expressão "no tempo do Onça" diz respeito ao capitão-geral Luís Vahia Monteiro, que exerceu o poder entre 1725 e 1732, sempre a reclamar da vida. Chegou a dizer em carta ao rei de Portugal que "nesta terra todos roubam, menos eu". Pois sim.

João Gabriel de Lima - O telefonema de Kennedy e os tuítes do Carrefour

- O Estado de S. Paulo

O crime recente envolvendo racismo no Brasil poderá influenciar pleitos municipais?

Uma história envolvendo racismo mudou uma eleição e, no longo prazo, toda a política americana. No dia 19 de outubro de 1960, três semanas antes do pleito presidencial que opôs John Kennedy a Richard Nixon, um grupo de ativistas negros invadiu uma loja de departamentos no sul dos Estados Unidos. Era um protesto contra a segregação racial no restaurante da loja. Todos foram presos e soltos em seguida. Menos um: o reverendo Martin Luther King Jr., maior ativista de direitos civis da história americana. Dias mais tarde, ele seria transferido para uma prisão de segurança máxima. Coretta, mulher de Luther King, entrou em desespero. Temia que o marido fosse vítima de violência dentro da cadeia. Ela ligou para Harris Wofford, conselheiro da campanha de Kennedy. Wofford – que narra o fato num episódio da série Race for The White House, produzida pela CNN – disse que ia ver o que poderia fazer.

Em 1960, o partido mais próximo do movimento dos direitos civis era o Republicano. Os democratas eram identificados com movimentos racistas do sul, entre eles a Ku Klux Klan. Nixon conhecia Luther King pessoalmente, e ligou para a Casa Branca pedindo que intercedessem pelo ativista. Não foi atendido. Nixon ficou em silêncio – não quis fazer uma declaração pública sobre um assunto tão delicado. Bob Kennedy, irmão de John e coordenador de sua campanha, defendia que os democratas também deveriam guardar silêncio para não afastar os eleitores do sul. Wofford sabia disso. Fez com que a informação sobre Coretta chegasse a John por meio de um assessor, sem que Bob soubesse.

Demétrio Magnoli* - Luta de classes nos EUA

- Folha de S. Paulo

Progressistas decidiram falar exclusivamente à 'elite' das grandes cidades e às minorias negra e latina

Jeffrey Sachs, economista, foi o guru das reformas de mercado na Polônia dos anos 1990. Anthony Scaramucci, empresário das finanças oriundo de uma família de trabalhadores, é um republicano convicto que rompeu com Donald TrumpBarack Obama, presidente antes de Trump, é a principal voz do Partido Democrata. Os diagnósticos deles sobre a eleição americana formam um mosaico que ilumina a encruzilhada histórica que se apresenta diante dos progressistas.

Sachs: “A política nos EUA é basicamente uma luta entre os que têm ensino superior e os que têm ensino médio”. Os primeiros votaram nos democratas; os segundos, nos republicanos.

Trump perdeu, mas desmentiu a antiga lenda que associa a expansão da proporção de votantes a triunfos esmagadores do Partido Democrata. Na eleição com maior participação desde 1908, Trump obteve 10,5 milhões de votos a mais do que em 2016 e os republicanos ampliaram sua minoria na Câmara.

Míriam Leitão - Retrato amplo do desemprego

- O Globo

O desemprego cresceu, o mercado de trabalho ficou muito menor, a desigualdade se aprofundou. Tudo nessa soma de distopias que vivemos vem em camadas. É preciso levantá-las para entender as várias dimensões do nosso mal. Houve criação de vagas e o governo até comemorou, mas isso é uma parte pequena de uma história muito mais ampla. O IBGE divulgou ontem que a taxa de desocupação entre julho e setembro ficou em 14,6%, a maior da série. E que há menos 11,3 milhões de pessoas trabalhando do que há um ano.

Há muitas desigualdades, como sempre. Só que pioraram. Na Bahia, o desemprego é de 20%, em Santa Catarina é de 6,6%. Se você é homem, sua taxa é de 12,8%, se for mulher, é 16,8%. Se é branco, seu índice de desemprego é de 11,8%, pardo, 16,5%, e se for uma pessoa preta é de 19%. As nossas desigualdades são regionais, de gênero e raciais. Sempre existiram, mas quando a conta de alguma crise chega ela bate mais em quem tem menos e aumenta as distâncias sociais.

O problema adicional do desemprego nesta pandemia é que ele é mal medido. Não por erro do IBGE, mas por dificuldade mesmo de ver o que se passa. As lentes não captam a realidade. A estatística registra quem procurou emprego e quem não procurou. Se não procurou, você está desempregado, mas não aparece na foto. Muita gente tem adiado essa procura porque acha que o momento não é favorável, com o vírus solto por aí. Se melhorar, se a pandemia ceder, se houver segurança, a pessoa vai procurar. E aí entrará na estatística.

Brasil tem desemprego recorde de 14,6% no terceiro trimestre, aponta IBGE

Segundo a Pnad Contínua, 14,1 milhões de brasileiros estão sem trabalho; com flexibilização das medidas de isolamento, mais pessoas saíram em busca de emprego

Vinicius Neder, O Estado de S. Paulo

RIO - Apesar da recuperação da economia no terceiro trimestre, o mercado de trabalho fechou mais 883 mil vagas, ao mesmo tempo em que a flexibilização das medidas de isolamento social para conter a covid-19 incentivou mais pessoas a procurarem trabalho. Com isso, a taxa de desemprego subiu para 14,6%, o maior nível desde 2012, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), iniciada naquele ano. 

Segundo economistas ouvidos pelo Broadcast/Estadão, o quadro é ligeiramente melhor na passagem de agosto para setembro, mas o cenário do mercado de trabalho ainda é de “fragilidade”.

Os dados, divulgados nesta sexta-feira, 27, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmaram, como esperado, que a taxa de desemprego aumentou. No trimestre de junho a agosto, ficou em 14,4% - os dados da Pnad Contínua são divulgados mensalmente, mas sempre para um trimestre móvel. A alta no desemprego já era esperada porque grande parte dos trabalhadores que perderam seus trabalhos, fossem formais ou informais, desistiu de procurar uma ocupação. Ou, por causa das medidas de isolamento social, ficaram em casa e evitaram procurar novas vagas.

Adriana Fernandes - Qual o plano do Congresso e de Bolsonaro?

- O Estado de S. Paulo

A 'agenda prioritária' se desloca ao sabor dos interesses de quem almeja as presidências da Câmara e do Senado

O retrato mais fiel do frenético ritmo de negociação política dos últimos dias em Brasília é que a cada compromisso assumido por uma liderança interessada no comando da Câmara e do Senado a pauta da tal “agenda” prioritária da economia se desloca ao sabor dos interesses de quem busca voto para a sucessão dos presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Os dois, inclusive, no páreo para a reeleição. 

Uma hora, a agenda é votar autonomia do Banco Central (BC), marcos regulatórios (gás, cabotagem, mudanças nas regras de mercado de câmbio), projeto de renegociação dos Estados, PEC emergencialPEC do pacto federativoRenda Cidadã (o programa social) e desvinculação de fundos públicos. 

Outra hora, a reforma administrativa, enviada em setembro passa a ser a salvadora da pátria e a proposta mais importante. O novo capítulo da semana é a negociação de um acordo com os partidos de esquerda para a aprovação da reforma tributária em troca da inclusão de medidas de maior progressividade do sistema tributário. 

Paul Krugman – Em louvor a Janet Yellen, a economista

- The New York Times / O Estado de S. Paulo

Escolha de Joe Biden para o cargo anima economistas não só por ela ter uma carreira notável no serviço público e ter sido uma pesquisadora séria; existe algo de revanche contra Donald Trump

É difícil extrapolar o entusiasmo dos economistas com a escolha de Janet Yellen para próxima secretária do Tesouro. Parte dessa euforia reflete o caráter revolucionário da sua nomeação. Ela não só é a primeira mulher a comandar essa secretaria, mas será a primeira pessoa a assumir todas as três posições de comando da política econômica dos Estados Unidos - como presidente do Conselho de Assessores Econômicos, do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e do Tesouro.

E, sim, existe algo de revanche contra Donald Trump, que negou a ela um muito merecido segundo mandato como presidente do Fed, ao que consta porque achava que ela era muito baixinha.

Mas a boa notícia sobre Janet Yellen vai além da sua notável carreira no serviço público. Antes de assumir o cargo ela era uma pesquisadora séria. E, em particular, uma das figuras na vanguarda de um movimento intelectual que ajudou a salvar a macroeconomia como uma disciplina útil quando essa utilidade estava sob ataques internos e externos.

Por que Friedrich Engels, que faria 200 anos neste sábado, não era um mero coadjuvante de Karl Marx

Especialistas lembram como a modéstia do pensador alemão, responsável pela divulgação e formulação da teoria marxista, cristalizou essa impressão e ofuscou um teórico de primeira linha

Ruan de Sousa Gabriel | O Globo

SÃO PAULO -  Numa carta a um camarada do Partido Social-Democrata alemão, remetida em 1884, um ano após a morte de Karl Marx, Friedrich Engels comentou sua prolífica colaboração com o autor de "O capital" e referiu a si próprio como "o segundo violino". Em outra carta, escreveu: "Marx era um gênio; nós, no máximo, tínhamos talento". A modéstia de Engels contribuiu para cristalizar sua imagem como a de um mero ajudante que pagava as contas enquanto seu amigo se empanturrava de dialética. Tal imagem, contudo, cai por terra sob uma análise mais robusta. Engels, cujo bicentenário de nascimento é comemorado neste sábado (28) — a data está sendo lembrada com lançamentos de obras importantes dele e sobre ele —, era um revolucionário dedicado e um teórico de primeira linha, que ainda anima estudiosos do marxismo, do feminismo e da ecologia

Quando publicou o livro "Engels, o segundo violino", em 1995, o historiador Osvaldo Coggiola, professor da Universidade de São Paulo (USP), quase optou por outro título para afastar a ideia de que ele fosse só um coadjuvante: seria "Engels, o General". O interesse de Engels por estratégia militar lhe rendeu esse apelido na casa de Marx. Autor de uma elogiada biografia de Engels, publicada em dois tomos (1920 e 1934), e cuja edição condensada a Boitempo lança agora no Brasil, o alemão Gustav Mayer especulou que as metáforas militares às quais Marx recorria em seus textos eram influência do "General". No ano que vem, a editora publica os textos da dupla sobre a Guerra Civil Americana (1861-1865).

Daniel Aarão Reis* - O tesouro perdido

- Globo

Enquanto 1% da população chilena detém 26,5% da renda nacional, 50% sobrevivem com apenas 2,1%, segundo a Cepal

 ‘Só faltava uma faísca, qualquer faísca, para explodir tudo’, estimou o historiador Gabriel Salazar. A faísca veio na forma de um aumento das passagens do metrô, consideradas entre as mais caras do mundo. Os estudantes resolveram não aceitá-lo e pularam as catracas sem nada pagar. Aconteceu em 18 de outubro de 2019, estação Los Héroes, Santiago do Chile.

O presidente Sebastian Piñera alarmou-se: “Estamos em guerra contra um inimigo poderoso que não respeita nada e ninguém”. Desatou-se a repressão e... tudo explodiu. Grandes passeatas, panelaços, saques de lojas e supermercados, incêndios e depredação de estações de metrô e prédios públicos. A ira popular em ação.

Uma semana depois, realizou-se a maior manifestação pública da história do Chile: 1,25 milhão de pessoas nas ruas da capital. Ao mesmo tempo, outras grandes passeatas em Concepción, Valparaiso e até em pequenas e médias cidades como Rancagua, Coquimbo, La Serena. E mais greves nos portos e barricadas nas estradas. Algumas semanas depois, em 12 de novembro, 2 milhões de trabalhadores em greve.

Por que tanta insatisfação? Tania Vallejo, mulher comum numa das passeatas, deu uma pista: “Não estamos protestando apenas contra o aumento do metrô, essa foi a gota d’água. Estamos ofendidos há tempos. Pisaram-nos por muitos e muitos anos, e nunca se fez nada. Agora, a coisa entrou em colapso”.

Marco Aurélio Nogueira* - Uma sociedade à beira de alguma coisa

- O Estado de S. Paulo

Se há uma saída luminosa mais à frente, precisa ser apontada por democratas sinceros

Não é só pelos fatos que, dia sim, outro também, causam asco e indignação, como o brutal assassinato do negro João Alberto em Porto Alegre, em 19/11. Há também as grosserias e asneiras dos principais mandatários do País, que insuflam o ódio, o racismo e a bestialidade entre os brasileiros. As mortes da pandemia doem, assustam e devoram parte das esperanças, que já não são muitas. Incluam-se, ainda, as polarizações artificiais, as ofensas e o clima inflamado das disputas eleitorais que se encerram amanhã.

Isso precisa ser conectado ao estado de desgoverno, que prolonga os estragos da pandemia e da crise econômica, misturando-os com apagões irresponsáveis, queimadas, isolamento internacional, declarações impatrióticas, alucinadas, do presidente da República, de seus filhos, ministros e assessores.

Tudo somado, o conjunto é deprimente.

Não se está conseguindo nem sequer assimilar o repúdio popular aos candidatos apoiados por Bolsonaro no primeiro turno. Assimilar, aqui, significa criar condições para que se avance um pouco mais. Porque houve só uma batalha, a guerra ainda será travada, as forças autoritárias estão vivas, não se saíram mal nas eleições. Os partidos do Centrão, por exemplo, mostraram capilaridade. Foram os que mais avançaram, entre tantos fracassos. Eles formam um compósito heterogêneo, sibilino, em que cabe muita coisa e que deveria ser tratado com cuidado, separado em partes, sob pena de não ser compreendido e terminar empurrado apressadamente para o outro lado.

As eleições municipais revelaram dinâmicas e rostos novos, forças com vontade de mudar ou de impedir que as coisas piorem. Isso precisa ser articulado, para que amanhã não se assista a formas renovadas de fragmentação, excitadas pela dualidade esquerda versus direita, pelo protagonismo, hostis ao centro-esquerda, ao centro-direita, à ideia de tornar viável uma composição que dê um “basta!” aos horrores que se reproduzem dia após dia. Se o campo democrático não se integrar e não melhorar seu desempenho, o autoritarismo continuará a nos infernizar. Porque o autoritarismo não é sinônimo de Bolsonaro, vai além dele, nasce das condições concretas em que vivemos.

Cristovam Buarque* - Desculpas pelo atraso

- O Estado de S. Paulo

Não teremos futuro sem escola com máxima e igual qualidade para todos

No dia seguinte ao pleito de 15 de novembro, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, pediu desculpas pelo atraso de algumas horas na divulgação dos resultados eleitorais. Surpreende que ninguém antes tenha pedido desculpas pelo atraso educacional de cem anos. Nem temos a quem responsabilizar: não há TSE da educação nacional.

Presidentes e ministros cuidam de universidades e escolas técnicas, enquanto a educação de base é responsabilidade de quase 6 mil prefeitos e alguns governadores. A população com renda não culpa o governo, porque utiliza escolas particulares; os pobres acostumaram-se a ver a escola como restaurante para os filhos receberem merenda. O eleitor não dá à educação a mesma atenção que ao resultado rápido da eleição.

Todos os presidentes e políticos, desde 1889, especialmente depois de 1985, devem pedir desculpas pelo atraso e pela desigualdade educacional no Brasil.

Fui ministro por 12 meses e devo pedir desculpas por não ter construído força política para me manter no cargo pelo tempo necessário para implementar as ferramentas que defendo, e iniciei, como a Escola Ideal, embrião de um sistema nacional de educação de base. Como governador, implantei a Bolsa Escola e diversos programas na educação de base no Distrito Federal. Como senador, criei duas dezenas de leis, como a do Piso Salarial Nacional dos Professores, a obrigatoriedade de vaga desde os 4 até os 17 anos de idade. Mas nada disso mudou a realidade. Como candidato a presidente só consegui 2,5% dos votos.

Marcus Pestana* - Assim é, se lhe parece: a inconsistência dos partidos no Brasil

Amanhã teremos o 2º. turno das eleições municipais em 57 capitais e grandes cidades. Os resultados acentuarão as cores das interpretações e análises, mas diversas leituras já foram feitas a partir do que aconteceu no primeiro turno. Algumas delas tirando conclusões precipitadas sobre o “recado das urnas” e suas consequências em 2022.

Na última semana, procurei mostrar que é preciso ir “devagar com o andor” neste esforço de interpretação. Primeiro, porque as eleições municipais tem conteúdo eminentemente local e elementos ideológicos pesam marginalmente nas grandes cidades e principalmente na polarização de segundo turno, como é o caso dos confrontos entre Bruno Covas versus Boulos ou Eduardo Paes versus Crivela. A variação aritmética entre os resultados de 2016 e 2020 diz pouco ou quase nada sobre o futuro.

Por outra lado, chamei atenção para a diversidade presente entre regiões, municípios de diferentes portes e partidos razoavelmente programáticos e a maioria deles, pragmáticos.

Hoje temos 35 partidos registrados no TSE e 24 deles presentes no Congresso Nacional. Vejo análises que a partir da variação aritmética da votação e do número de prefeitos e vereadores eleitos por cada partido, começam a cravar: o “Centrão” saiu fortalecido, a esquerda caiu, Bolsonaro foi derrotado, MDB e PSDB perderam espaço. Nada mais enganoso.

Raul Jungmann* - 5G: politização e interesse nacional

- capitalpolítico

Esta semana, mais uma vez, tivemos um conflito diplomático entre o Brasil e China, motivado por um tuite desrespeitoso e irresponsável do Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara seguida de resposta do embaixador da China.

Os países mais avançados na introdução de tecnologia 5G são a Alemanha, China, Coreia do Sul, EUA e Japão. Existem atualmente 40 operações comerciais de 5G em 16 países, conduzidas por duas dezenas de operadoras.

O Brasil é um player de peso no comércio global das tecnologias de informação e comunicações e nas principais instâncias da governança cibernética. Somos, depois da China, Índia e EUA, o quarto maior usuário global da Internet. Entre 2000 e 2017, o percentual da população brasileira com acesso à Internet evoluiu de 3% para 67,5%.

A companhia chinesa Huawei é hoje a principal ofertante de serviços 5G, com preços de mercado mais vantajosos do que as outras duas concorrentes, Nokia e Ericsson. O governo dos EUA pressiona seus parceiros econômicos a não adquirir os produtos e serviços de 5G da Huawei, sob a argumentação de que eles trariam graves riscos securitários.

Alberto Aggio*- 2022 não é mais uma miragem

- Blog do Aggio

Antes ou depois das eleições e independente dos seus resultados, política se deve fazer com diálogo, se estamos pensando a política num contexto democrático. Porém, precisamente nesse contexto, a política é também competição e disputa, concertação e confronto, escolha e eleição. Uma vez rotinizada, essa dinâmica passa a legitimar os atores, as alianças e os campos de força que se estruturam num embate permanente.

Jair Bolsonaro foi eleito em contexto democrático – embora já tenha dado todas as mostras de que seja um personagem antidemocrático. Com ele emergiram na cena política seus apoiadores mais fieis que estruturam o que se vem chamando de ultra ou extrema-direita. Tão antidemocráticos quanto ele. Há correntes políticas, especialmente à esquerda, que atuam no contexto democrático, mas sonham em suprimi-lo uma vez alcançado o poder – embora isso jamais possa ser dito publicamente, tendo que permanecer à sombra.

As forças que querem manter ou dizem querer manter a democracia no País sugerem uma “frente” de atores diversos para enfrentar Bolsonaro em 2022. Há algum tempo se fala em “frente democrática” ou “frente ampla”; mas há aqueles que falam que somente lhes interessa uma “frente de esquerda” (que eles supõem ser “democrática”) para realizar tal objetivo.

As eleições municipais que o País vivenciou nos últimos dias acabaram por revelar um quadro de grande dispersão de forças, cobrindo todo o espectro político, conforme o filósofo Marcos Nobre apontou em entrevista recente[1]. Vale notar que algumas forças políticas diminuíram seu poderio, outras emergiram como forças “renovadoras” (embora em estado bastante rudimentar, eleitoral e politicamente) e outras ainda ressurgiram de um patamar que alguns consideravam pré-falimentar, o que é um dado pouco observado nas análises dos resultados.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Esfera pública colonizada

Escrevera antes um livro intitulado A Tolice da Inteligência Brasileira (2015), mostrando como a opinião pública é, há tempos, manipulada por aqui. Em 2017, surgiu com a A Elite do Atraso, assustando também muita gente.  Suas reflexões são implacáveis contra alguns autores nacionais mistificados como configuradores da cultura brasileira, ao terem suas ideias incorporadas nos discursos de historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos e até mesmo educadores para explicar o Brasil para brasileiros e estrangeiros. Trata-se do sociólogo Jessé Souza, professor da Universidade UFABC, de São Paulo.

A atual geração não pode reclamar. Sempre teve opções diferentes com Manoel Bonfim (1868-1932), Caio Prado Junior (1907-1990), Otto Maria Carpeaux  (1900-1978), Darcy Ribeiro, (1922-1977) et alli. Com este último, já exilado, tive contatos pessoais, no Uruguai, quando escrevia o Processo Civilizatório (1968). Não faltaram  algumas dezenas de autores nacionais e estrangeiros no campo da Antropologia, da Sociologia, da Política, da Literatura e da Educação. Minha dissertação de mestrado – Jornalismo Econômico no Brasil como Aparelho ideológico do Estado (1987) – foi baseada no francês Louis Althusser (1918-1990).

O que assustou mesmo em Souza foi a desqualificação de três leituras básicas da formação dos brasileiros e que marcam ainda hoje o entendimento e o  comportamentodos cidadãos, tanto de direita quanto de esquerda: Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala (1933); Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil (1936) e  Raymundo Faoro, Os Donos do Poder (1958).  São autores com diversas edições até em outros idiomas, adotados por praticamente todas as universidades do Brasil e algumas no exterior que aprendemos a respeitar e a admirar. Servem ainda à interpretação dominante da realidade no Brasil. Refletem, contudo, claramente,  a vitória do liberalismo conservador, e que leva à colonização, inclusive do pensamento crítico no Brasil.

O sociólogo teve a oportunidade de desfrutar de um olhar distanciado, a partir da Alemanha e dos Estados Unidos, onde foi aluno e professor, e pôde observar de longe o País. Jessé ameniza as críticas a Gilberto Freyre, a quem atribui a criação da matriz identitária brasileira, mas não perdoa Sérgio Buarque. Considera-o responsável  por ter criado, a partir da herança das humilhantes relações sociais no escravagismo,  a ideia do tal “homem cordial”, semente cultural   da sociedade desigual e perversa que se entranhou na alma do brasileiro, como uma continuidade da sociabilidade que sucedeu à abolição.

Roberto Freire divulga nota de pesar pelo falecimento de Jorge Espeschit

- Portal do Cidadania

Recebemos consternados a notícia do falecimento do companheiro de longa data Jorge Espeschit. Esse mineiro de Belo Horizonte sempre partilhou dos valores mais caros ao antigo PCB – o humanismo, a igualdade, a liberdade, o respeito ao próximo – , ajudando a transformar o partido no PPS, a partir das mudanças históricas vividas pela esquerda, e depois no Cidadania. Antes, já havia fundado o Partido Humanista e militado pela redemocratização. Foi um ambientalista antes que muitos de nós despertássemos para a importância dessa pauta como valor humano fundamental. Tem inúmeros serviços prestados à população belo-horizontina, aos mineiros e aos brasileiros, sempre na vanguarda. Era um amigo correto, gentil, de raras tolerância e generosidade, desses que, como Adélia Prado, nos lembram que a coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aos familiares desse grande ser humano, os nossos mais sinceros sentimentos. Que a vida dedicada às luzes lhes sirva de conforto nesse momento de partida. Salve, Jorge!

Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A reeleição dos prefeitos – Opinião | O Estado de S. Paulo

Os números dos últimos seis pleitos municipais mostram que a reeleição está longe de ser um fenômeno automático.

O País tem 5.570 municípios e, neste ano, 3.510 prefeitos tentaram a reeleição. Segundo dados da Justiça Eleitoral compilados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), dos prefeitos que tentaram a reeleição, 2.237 foram reeleitos no primeiro turno. Assim, a taxa de sucesso de reeleição foi de 63,73%.

Com exceção das eleições de 2016, quando menos da metade dos prefeitos que concorreram a um segundo mandato obteve êxito (49,48%), o porcentual de sucesso de quem tentou a reeleição vem se mostrando incrivelmente estável ao longo dos anos. Em 2012, essa taxa foi de 62,53%; em 2008, 62,51%; em 2004, 60,77%; e em 2000, 61,92%. 

Esses números ajudam a desmitificar a ideia, muitas vezes repetida, de que o instituto da reeleição produziria uma incorrigível situação de desequilíbrio na disputa eleitoral e, portanto, deveria ser extinto. As taxas de sucesso de reeleição nos últimos seis pleitos municipais mostram que a reeleição está longe de ser um fenômeno automático. Muitos prefeitos tentam se reeleger e não conseguem. Neste ano, por exemplo, 1.255 prefeitos tentaram mais quatro anos de mandato e foram derrotados no primeiro turno. Dezoito ainda concorrem no segundo turno a mais um mandato.

Música | Fernanda Takai, Roberto Menescal e Marcos Valle | Aula de Matemática / Discussão

 

Poesia | Adélia Prado - Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.