A possibilidade de surgir um cenário de crise internacional na América do Sul, com Estados Unidos e Rússia envolvidos em uma disputa de poder do tipo da Guerra Fria - com os dois países instalando bases militares na região -, é vista por especialistas como bastante remota, embora seja verdade que os russos estão interessados em vender equipamentos militares na região, e contam com um certo apoio de Venezuela e Equador, dentro de uma política antiamericana dos governos bolivarianos da área.
As fronteiras brasileiras se estendem por mais de 16 mil quilômetros, são motivo de orgulho de nossa diplomacia por não termos problemas graves com nada menos que dez vizinhos. Mas há também questões políticas que reaparecem numa região em que governos de esquerda, como os de Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, têm que conviver com governos conservadores, como os da Colômbia e do Peru.
Mas o fato de o Brasil estar anunciando um extenso programa para a vigilância de nossas fronteiras nada tem a ver com essa suposta tensão, e sim com a tentativa de evitar a entrada de armas e drogas, e de o país servir como refúgio para grupos guerrilheiros tipo Farc e Sendero Luminoso.
O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), orçado em US$6 bilhões, deve ser implantado até 2019 com recursos de financiamento externo.
O projeto inclui radar de imagem, radares de comunicação de diferentes graus de sofisticação, Vants (veículos aéreos não tripulados) e blindados para abranger a fronteira terrestre, com o foco na Amazônia.
Os Pelotões Especiais de Fronteira passarão de 21 para 49. Com o monitoramento do espaço aéreo na região pelo sistema de satélites, e com a Lei do Abate, o contrabando e o tráfico de armas passaram a ser feitos principalmente por estradas e rios, o que explicitou nossas deficiências no controle dos mais de 16 mil quilômetros.
Do ponto de vista brasileiro, diz o professor Francisco Carlos Teixeira, da História Contemporânea da UFRJ, "é absolutamente insuportável uma base russa na América do Sul, como o seria da China ou de Luxemburgo, países "não hemisféricos".
Por isso o Brasil condenou a presença americana na Colômbia e exigiu compromissos e transparência da parte de Bogotá, diz ele.
Para Teixeira, a tentativa de internacionalizar as rivalidades mundiais no nosso continente "é um erro e um risco", daí a importância do projeto do Ministério da Defesa de criação do Conselho Regional de Segurança.
"Creio que a Guerra Fria - um complexo sistema de rivalidades militares, políticas, econômicas e intelectuais em torno de uma utopia de futuro - é um fato do passado e com tal complexidade jamais se repetirá", diz Teixeira, para quem teremos, sim, "rivalidades", como já tivemos a rivalidade anglo-francesa entre 1680-1815, ou a nipo-americana, entre 1922-1945.
"Mas rivalidades não formam Guerra Fria, onde a disputa de supremacia de sistemas sociais e ideológicos era a tônica maior. Hoje, até a China emula o capitalismo".
De qualquer forma, ele considera estranha a notícia de que a Rússia estaria construindo uma base aérea na região amazônica boliviana, inclusive porque o presidente americano Barack Obama "acaba de fazer uma superoferta, aceita, de colaboração com Moscou no âmbito da Otan".
Já o professor Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador dos estudos de defesa da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que, em relação à construção de bases na América do Sul em diversos países, "há muita especulação e não se tem nada de concreto".
As bases americanas na Colômbia nada mais são, segundo Expedito Bastos, do que bases colombianas, administradas por eles e que servem de apoio para operações americanas no combate ao narcotráfico, com presença de um determinado grupo de americanos. Mas elas são comandadas pelos colombianos.
As bases funcionam da mesma maneira que a existente no Equador (Manta), que não teve seu contrato renovado. "Justamente por isso os americanos ampliaram os acordos com os colombianos, muito embora esses acordos estejam sofrendo pressões internas com o novo governo eleito, o que vai limitar muito os americanos", explica Bastos.
Ele também não vê essas movimentações como uma disputa tipo Guerra Fria, "até porque a região não é tão importante que justificasse uma presença física de americanos e russos, sendo que estes últimos teriam grande dificuldade em manter uma base na região, em razão de custos e de seus problemas fronteiriços, sem que haja um interesse tão profundo que justifique".
Bastos não vê ligação entre os fatos, e considera a região amazônica "muito extensa e complexa" para que se possa tê-la como um fator que se aproximasse com o que representou a Guerra Fria.
"É muito mais fácil termos problemas com questões indígenas na região, e com os velhos problemas fronteiriços não resolvidos entre Colômbia e Venezuela, Venezuela e Guiana, Bolívia e Paraguai, Peru com Equador e Colômbia.
O professor Expedito Bastos também acredita que "estejam criando uma grande especulação sobre este tema" com fins ainda não conhecidos.