sábado, 29 de outubro de 2022

José de Souza Martins* - Na antemanhã do que seremos

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O que está em jogo neste domingo é o marco civilizatório que regulará nosso destino como nação

Qualquer que seja o resultado da eleição de 30 de outubro, o Brasil da manhã de segunda-feira já não será o mesmo da véspera. Se vencer Bolsonaro, o país amanhecerá com um desafio de, nas sombras de seu obscurantismo, se reconstruir, no marco das tradições inconformistas e poéticas do povo brasileiro. O de reencontrar-se como nação da esperança a partir dos valores e possibilidades da Constituição de 1988.

Se vencer Lula, ele, o PT e os grupos também democráticos não petistas terão que compreender os complexos desafios de superar o autoritarismo residual da ditadura de 1964. E viabilizar o diálogo entre a sociedade civil e as Forças Armadas, para que se convençam de que sua missão histórica não é a de tutelar a sociedade nem tratá-la como inimiga do Estado.

O Brasil não é um quartel, não é uma confraria religiosa, não é um curral político, não é um cercadinho de bajuladores de porta de palácio. A imensa maioria do povo brasileiro é constituída de gente que trabalha e pensa, para a qual o verde e amarelo não é o da cueca e da veste carnavalesca, mas o do coração.

Para que nos reencontremos na consciência de que a sociedade é a unidade do diverso e da retidão e não a desunião do único e da linha reta.

Ascânio Seleme - O que você vai escolher amanhã?

O Globo

Amanhã é um dia de escolhas. Inúmeras escolhas. Não pense que votando no 13 ou no 22 você estará apenas elegendo Bolsonaro ou Lula. Não mesmo. O número que você digitar amanhã na urna eletrônica vai representar mais do que seria possível resumir em uma lista que coubesse nos quatro mil toques do abre desta coluna. Mas, talvez respondendo a algumas questões, se possa entender tudo o que está em disputa nesta eleição. E qual o melhor caminho a seguir.

O que você vai eleger amanhã, o respeito às leis e à Constituição ou o desrespeito total e a permanente ameaça de interferir e destruir as instituições?

Na transparência ou nos cem anos de sigilo, sobretudo para malfeitos políticos ou familiares, em qual você votará?

Como terá de optar, você vai escolher a educação com recursos e dignidade ou escolas malcuidadas e meninos sem merenda?

Ao votar, você dirá quer um país culturalmente pujante e múltiplo, com incentivos fiscais a quem produz, ou uma nação de sertanejos que se recusa a fomentar uma indústria que gera 6,6 milhões de empregos e representa quase 3% do PIB?

Sua escolha de amanhã será em favor dos pregadores da paz e da esperança ou dos defensores do armamento generalizado da população? Você é Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) ou um cidadão que prefere ficar longe de armas?

Você que é cristão e acredita na redenção final, vai votar em quem defende pastores que trocam o amor de Deus por sacolas de dinheiro e barras de ouro ou em quem apoia religiosos que distribuem o pouco que têm com os que mais precisam?

Pablo Ortellado - O paradoxo da frente ampla

O Globo

Deputado federal por 28 anos, o presidente conseguiu se apresentar aos eleitores como 'outsider'

A campanha de Lula para a Presidência foi cautelosa. Seguiu as recomendações mais prudentes dos especialistas que indicavam constituir uma frente ampla em defesa da democracia para enfrentar Jair Bolsonaro. E, embora as pesquisas sugiram que a estratégia deverá ser bem-sucedida, ela também terminou por confirmar os fantasmas do discurso populista do atual presidente.

Cientistas políticos e a experiência de outros países recomendavam formar uma frente ampla, da esquerda até a centro-direita, para derrotar Bolsonaro. No meio acadêmico, o cientista político Steven Levitsky, de Harvard, foi o mais preeminente defensor da frente ampla. No influente livro “Como as democracias morrem”, mostrou como frentes amplas podem salvar a democracia de ameaças autoritárias, a exemplo do que aconteceu quando a oposição a Pinochet se uniu para derrotá-lo no plebiscito de 1988. Foi com uma estratégia assim, de união nacional, que Macron derrotou duas vezes a candidata da extrema direita Marine Le Pen, em 2017 e 2022.

Carlos Alberto Sardenberg - Entre pelegos e não pelegos

O Globo

A polarização é primitiva. Divide o mundo entre o bem e o mal, as situações pessoais entre ‘gosto’ e ‘odeio’

Foi positivo que tenha havido um segundo turno. Mesmo sem grandes novas alianças partidárias, Lula e Bolsonaro tiveram de ampliar repertório, elencos de apoio e foram mais expostos.

Se o objetivo de um e outro era sair da respectiva bolha, Lula saiu-se melhor. Obteve apoios importantes, que vieram sem cobrança e com uma posição que ajuda na busca de eleitores indecisos. Ajuda a escapar da polarização.

Sim, porque, se o embate se dá entre o bem e o mal absolutos, isso mantém no jogo apenas os fiéis de cada lado. Mas o Brasil seria isso? Metade lulista e metade bolsonarista?

Simone Tebet, cujo crescimento como figura nacional até se reforçou após o primeiro turno, respondeu. Não é lulista, não apoia o programa histórico do PT, mas vota no ex-presidente por entender que esse voto preserva a democracia. Não é apenas um voto anti-Bolsonaro, mas a favor de algo mais.

Ricardo Henriques - Amanhã são décadas

O Globo

Recolocar o país nos antigos trilhos já seria muito atualmente, mas seguramente insuficiente diante dos desafios do porvir

Vivemos uma encruzilhada sobre o projeto de futuro que queremos para o país. Como disse Nelson Rodrigues: “Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos”. Pois desenvolvimento também não se improvisa, mas tampouco pode ser obra de séculos. Desenvolvimento requer ciência, conhecimento de práticas, governança política e institucional, e intencionalidade no desenho do projeto de futuro.

Deve ser uma tarefa desta geração para podermos sonhar e projetar o Brasil do futuro, ousado, ambicioso, realista e democrático.

No entanto, as políticas públicas nas áreas de Meio Ambiente, Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Ciência e Tecnologia se encontram, nos últimos quatro anos, em um interregno. Assoladas pela pandemia e pela inoperância do governo federal, regrediram em compasso com o aumento da pobreza, da fome e do desemprego.

Hélio Schwartsman - Por que políticos mentem?

Folha de S. Paulo

Algumas mentiras, porém, são tão escancaradas que assustam até aliados

Às vezes, o logro está no cerne de sua estratégia. É o caso de líderes da extrema direita, mas não só dela, cujo sucesso depende de criar uma realidade paralela e nela manter a base mais fiel de seguidores. Só que essa não é a única situação em que políticos mentem. Eles o fazem também em circunstâncias em que só podem sair perdendo.

É o que ocorre quando exageram suas realizações e desfilam dados absurdos, que são incontinenti contestados pelas agências de checagem. Se sabem que serão desmentidos, por que insistem no logro? Parte da resposta é a cara de pau mesmo. Você sempre pode dizer que é o checador que está errado. Uma parte dos seus eleitores acredita mais em você do que nas agências e outra não liga para as mentiras. Os que ficam irritados são aqueles que já não votariam mesmo em você.

Cristina Serra - Navegar, com Lula, é preciso

Folha de S. Paulo

Votar no ex-presidente é a chance de reencontrarmos o território dos nossos sonhos

Neste domingo, vote como quem mergulha no fundo do oceano para nos resgatar de um naufrágio. Muitos navegantes, antes de nós, foram abatidos pelas tempestades, mas deixaram traçadas as rotas de navegação e o mapa-múndi dos nossos desejos de nação.

Vote por eles, construtores de Brasil, que tiveram a ousadia de projetar a pátria soberana. O país da educação e da ciência, de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e Paulo Freire. De Oswaldo Cruz e de todos os sanitaristas, de Nise da Silveira, de Milton Santos e de Josué de Castro, que apontou a chaga mais dolorosa, a fome, ainda a nos atormentar.

Alvaro Costa e Silva - Eleitores à beira de um ataque de nervos

Folha de S. Paulo

Chegam a Copa, o Natal, o Ano Novo, mas não chega o dia da votação

Chegam o Mundial do Qatar, o Natal, o Ano Novo, as modas do verão, o Carnaval, o Brasil do futuro de Stefan Zweig. Mas não chega o dia da eleição.

A importância do pleito de 2022 — que se transformou num plebiscito sobre a Constituição e a democracia — mexeu com a já combalida saúde mental dos brasileiros, que vão às urnas neste domingo (30) como uma personagem de Almodóvar: à beira de um ataque de nervos. Medo, raiva, desespero, ansiedade e angústia na escala máxima, tornando a convivência entre os adversários uma impossibilidade.

Muitas relações familiares já tinham ido para a cucuia desde 2018. As amorosas, idem. Mais importante que a atração física, hoje, é uma pergunta-chave: você é Lula ou Bolsonaro? Dependendo da resposta, não dá match. Freguês há mais de 20 anos da cerveja gelada, do caldinho de feijão e do papo no bar que fica na rua onde ele mora, um amigo meu cancelou o lazer dos sábados porque uma camisa da seleção, com o 22 às costas, surgiu tremulando na porta do boteco.

Bruno Boghossian - Candidatos buscam afastar indecisos do rival em debate de rejeição e confusão

Folha de S. Paulo

Candidatos reforçam discurso, mas encontro dificilmente produzirá avalanche a favor de um deles

Na última oportunidade de assegurar o voto dos eleitores que ainda não decidiram o voto no segundo turno, Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) levaram ao debate da TV Globo uma rajada de ataques que tinham o objetivo de ampliar a rejeição do adversário.

O petista fez um investimento para dar à reta final da disputa a cara de um plebiscito sobre a continuidade do governo. Em praticamente todos os blocos, Lula perguntou repetidamente a Bolsonaro sobre as realizações de sua gestão –aproveitando a hesitação do rival para acusá-lo de fazer poucas entregas e não apresentar propostas.

Foi uma tentativa de levar a discussão para um terreno que o PT acreditava ser mais fértil antes do segundo turno. O comitê de Lula achava que o eleitor julgaria o governo Bolsonaro e encerraria rapidamente sua gestão, mas a dinâmica da corrida elevou o antipetismo a fator de definição de voto de uma parcela razoável do eleitorado.

Igor Gielow - Lula leva a melhor em debate de monólogos

Folha de S. Paulo

Evento na Globo coroa eleição de rejeições que marca a disputa que chega a seu fim

Coroando uma corrida presidencial marcada por uma disputa entre rejeições, o embate final do segundo turno desenhou-se como um debate entre monólogos.

O objetivo primário de qualquer encontro do tipo é evitar um escorregão fatal, e nisso tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o atual, Jair Bolsonaro (PL), foram bem-sucedidos.

Já o alvo secundário, a conquista de indecisos (2% segundo a pesquisa mais recente do Datafolha, número que pode mudar a equação final), parece ter ficado bastante longe. Os candidatos falaram para si mesmos e com uma estridência colegial, trocando de temas incômodos para outros assuntos

Bolsonaro passou a campanha na casa dos 50% de rejeição, onde está segundo o Datafolha, e Lula subiu para os 45% atuais. Ao longo dos três primeiros blocos, o que se viu foram acusações alternadas, orientadas pelo que dizem pesquisas qualitativas a suas coordenações de campanha.

João Gabriel de Lima* - A véspera e o dia seguinte

O Estado de S. Paulo

Temos a obrigação de retomar o debate adulto e civilizado sobre as questões que importam

Que tal ler um livro na véspera da eleição? Aí vai uma sugestão: Nós do Brasil, da economista Zeina Latif. Trata-se de uma reflexão de rara clareza sobre a questão fundamental para nós, eleitores: de onde vem e para onde vai nosso país? Ou, nos termos do livro: estamos condenados ao baixo crescimento e ao desenvolvimento medíocre, ou há alguma perspectiva de mudar esse destino?

Para responder à pergunta, Latif mergulha na história brasileira e na melhor literatura acadêmica. As respostas são múltiplas – não existe solução simples para problema complexo –, mas a autora elege uma razão central para nosso atraso: a demora em criar um sistema nacional de educação pública. O livro mostra, com dados e gráficos, que ficamos na rabeira no Ocidente, em geral, e na América do Sul, em particular, atrás de países como Argentina, Chile e Peru.

Rafael Cortez* - Debate mostra campanha do passado e não deve ter peso eleitoral

O Estado de S. Paulo

Sensação de mais do mesmo logo apareceu por meio de acusações de quem seria mais mentiroso em meio às comparações com os governos anteriores

O cardápio de acontecimentos na última semana da corrida presidencial foi bastante farto, o que à primeira vista causaria impacto importante na cena eleitoral. A oferta de temas agradava diferentes freguesias; dos temas associados ao debate econômico, passando por discussões relativas à segurança pública e ao Estado democrático de direito. A particularidade da corrida presidencial de 2022 era justamente de combinar o protagonismo do voto econômico com peso crescente do debate moral/costumes.

As pesquisas mais recentes, contudo, apontam oscilações na margem de erro. Dito de outro modo: as mudanças no debate público parecem não afetar as preferências do eleitorado. Notem, leitoras e leitores estamos tratando de discussões relevantes como a política de ajuste do salário mínimo e de um ex-parlamentar que respondeu a autoridade policial com artefatos bélicos.

Maria Cristina Fernandes - Lula melhora desempenho

Valor Econômico

Lula não se deixou acuar pelo adversário e Bolsonaro mostrou-se nervoso desde o início

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisava de um empate para administrar sua vantagem frente ao presidente da República, mas ganhou o debate. Não se deixou acuar pelo adversário, que subiu o tom das acusações, administrou melhor o tempo e evitou ficar perto de Bolsonaro para não ser intimidado como o foi no encontro da TV Bandeirantes. Jair Bolsonaro mostrou-se nervoso desde o início ao começar o debate sem dar boa-noite aos telespectadores, sem cumprimentar o apresentador William Bonner ou ao seu adversário. Colecionou xingamentos (“Lula, tenha vergonha na cara”, “O crime compensa, Lula?”, “Você é um bandido, Lula”, “Ele só transpôs dinheiro pro bolso dele”, “Você é chefe de organização criminosa”, “Tu és um grande farsante, a começar pela escolha do vice”), levando Lula a pedir desculpas aos telespectadores pelo nível do debate.

A acusação de Lula de que Bolsonaro estava desequilibrado encontrou sua imagem literal nos escorregões de Bolsonaro no palco. Ele se manteve sempre à frente no palco mas não conseguiu mais trazer Lula para seu lado, condição que evidencia a diferença da estatura entre ambos.

Bruno Carazza* - Desempenho dos candidatos

Valor Econômico

Sem bala de prata, nem arma secreta. O último confronto frente a frente entre Lula e Bolsonaro não teve declarações ou revelações bombásticas, mas deixou claro que a eleição de domingo não está definida.

Não se sabe se por excesso de confiança em função dos resultados das pesquisas ou pelo cansaço de quem chega ao fim de uma dura campanha aos 77 anos de idade, Lula não esteve bem neste que pode ser o último debate presidencial de sua vida – independentemente de vencer ou não a eleição no próximo domingo.

Para piorar sua situação, Jair Bolsonaro se mostrou muito mais bem preparado do que nos debates anteriores.

O formato mais livre dos debates do segundo turno – inaugurado na Band e repetido na Globo – favoreceu Bolsonaro. Sem a rigidez de perguntas pré-estabelecidas, Bolsonaro foi bem mais eficaz em controlar a temática e em fugir das armadilhas armadas pelo adversário.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Transporte gratuito no dia da eleição favorece democracia

O Globo

Todas as 27 capitais decidiram liberar as roletas para tentar reduzir a abstenção nas urnas

É uma excelente notícia que as 27 capitais brasileiras tenham decidido oferecer transporte público gratuito para que os eleitores possam votar amanhã. A medida, que visa a combater a abstenção, deverá beneficiar quase 36 milhões de cidadãos, o dobro do contingente contemplado no primeiro turno. As capitais concentram um quarto dos brasileiros aptos a votar.

No primeiro turno, apenas 15 delas ofereceram gratuidade no transporte. Outras duas, Cuiabá e Natal, implantaram tarifas mais baratas para facilitar o deslocamento às seções eleitorais. A diferença é que agora os prefeitos ganharam o aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros entenderam que os gestores não podem ser punidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal por empregar recursos públicos para custear as passagens.

Ainda que a gratuidade não se estenda a todos os tipos de transporte (em geral o passe livre é para os ônibus), a iniciativa é uma medida importante para tentar reduzir a abstenção. No primeiro turno, 32,7 milhões de eleitores deixaram de comparecer às seções, ou 20,9% do eleitorado, índice pouco acima de 2018 (20,3%). Pelos dados do TSE, os moradores de cidades pequenas e médias (10 mil a 200 mil habitantes), especialmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, são os mais propensos a não comparecer. Entre as capitais, a maior abstenção no primeiro turno foi registrada no Rio (24,19%) e a menor no Recife (14,17%).

Poesia | Ferreira Gullar - Meu povo meu poema

 

Música - Chico Buarque - Mulheres de Atenas