sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

A experiência da modernização autoritária do capitalismo brasileiro vai ser interrompida, quer pela exaustão das forças que o animavam, quer pela resistência em escala crescente dos movimentos sociais e das forças políticas de inclinação liberal que em aliança a ele se opunham. Derrotado politicamente o regime militar, mas não derrubado, abriu-se um difícil processo de negociação entre ele e a oposição, que conduziu a convocação de uma assembleia nacional constituinte, consagrando a Carta de 88 uma modelagem de país que o comprometia com ideais de solidariedade social e da representação política democrática. A rigor, o constituinte procedeu a partir de uma interpretação do nosso processo de modernização, expurgando-o dos elementos autoritários que nele se fizeram presentes. Fixou também procedimentos que viessem a garantir sua eficácia, criando para tanto novos institutos, entre os quais um Ministério Público com o papel de defender as suas disposições. Com essas inovações, a Carta confirmava e protegia o DNA que se plasmou no curso da nossa história de modernização, afirmando a dimensão do público como relevante no capitalismo brasileiro.

Nesse sentido, a Constituição fixou princípios e valores constantes da tradição da nossa formação não homólogos aos desejados pelas forças do mercado, infensas à política e ao social como presenças estranhas à lógica que lhe é própria. Tais forças, dominantes no governo atual, embora camufladas pelo alarido que ele produz em torno de questões comportamentais, atuam no sentido de uma drástica remoção dos obstáculos institucionais que imponham limites à sua ação, o principal deles a Constituição. Esse objetivo não é de fácil realização, como o próprio governo admite, daí sua estratégia de sitiá-la, minando aos poucos sua autoridade como em sua política de agir por decretos claramente inconstitucionais, como na questão indígena, entre outras, movimento que procura se reforçar pelos ataques pessoais a integrantes do STF. Delenda Constituição, essa a palavra chave que preside o governo Bolsonaro.

*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio. ‘O método desta loucura’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/8/2019.

Roberto Freire defende Frente Democrática ampla para combater tentativas antidemocráticas de Bolsonaro

- Portal do Cidadania

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, defendeu nesta quinta-feira (8) uma grande mobilização política da sociedade civil em defesa da democracia e da liberdade no País. O dirigente mostrou preocupação com o viés autoritário e ditatorial do presidente da República, Jair Bolsonaro, por suas posições e ações à frente do governo federal.
“Há algum tempo que o Brasil vem sendo diuturnamente agredido na sua concepção democrática, seja nas suas expressões culturais, no respeito à liberdade e, especialmente, ao Estado Democrático de Direito e a nossa Constituição. O presidente Bolsonaro é costumas nesses ataques, um órfão da ditadura de 1964. O risco maior é que isso possa ser um método claramente antidemocrático e que isso expressa uma visão anacrônica e reacionária ao imaginar, por exemplo, que pode haver uma recidiva ditatorial no País”, alertou.

Frente Democrática
Freire defendeu que as forças democráticas do País se unam, independentemente da bandeira ou ideologia, para lutar contra as posturas do governo Bolsonaro.

“Lembro que para fazer uma oposição firme, como nós do Cidadania fazemos, tem que levar em consideração a necessidade de se criar uma ampla Frente Democrática. Deixar de veleidades, isolacionismos e de imaginar que o confronto político com esse governo se dará sem ter como ponto central a questão democrática e a defesa da Constituição de 1988. É com isso que temos que começar a nos preocupar”, afirmou.

Ditadura Militar
Roberto Freire lembrou que a mobilização que ocorreu durante a ditadura militar foi fundamental para derrubar o regime e restabelecer a democracia no País.

“A derrota da ditadura se deu por conta de uma ampla Frente Democrática que se construiu no País. Foi um trabalho constante e permanente da sociedade civil, de seus movimentos e dos seus sindicatos. Isso teve algo emblemático em torno do então MDB [Movimento Democrático Brasileiro]. 

Não imaginar uma repetição porque a realidade hoje é outra, mas a lucidez daquela movimentação, do que aquilo que representou e do que foi efetivo tem que nos levar para saber que agora, com nova realidade, a questão democrática deve ser central na nossa luta política. O que está em jogo é questão da democracia e da liberdade”, afirmou.

‘Bolsonaro é produto dos nossos erros’, diz Maia

Para presidente da Câmara, ‘radicalismo do discurso’ assusta parlamentares, e apresentação de temas de ‘forma dura’ atrapalha tramitação de projetos

- O Globo

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez ontem uma série de críticas ao presidente Jair Bolsonaro, a quem se referiu como “produto dos nossos erros”. O deputado também afirmou, em outro discurso, que o radicalismo das falas do presidente atrapalha a tramitação de projetos no Congresso:

—Bolsonaro é produto dos nossos erros. Onde nós erramos? Deputado sem partido, escanteado por todos, resultado do ciclo dos últimos anos — declarou o parlamentar, em um evento organizado pela Fundação Lemann, em São Paulo, do qual também participaram o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Mais cedo, Maia já havia dito que a forma radical do presidente de abordar temas polêmicos acaba por atrapalhar a tramitação dos projetos que ele próprio defende, uma vez que afasta o apoio de parlamentares indecisos.

Maia: ‘Bolsonaro é o que temos até 2022’

Durante debate, presidente da Câmara afirma que, mesmo com ‘discurso autoritário’, então candidato do PSL foi eleito pelo voto popular

André Ítalo Rocha / O Estado de S. Paulo

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem que, “mesmo com discurso autoritário”, o presidente Jair Bolsonaro foi eleito de forma democrática e “é o que temos até 2022”. “Como defendemos a democracia, Bolsonaro é o que temos até 2022. Mesmo com discurso autoritário, ele sempre foi eleito pelas urnas, desde os tempos de parlamentar até a presidente”, disse Maia, em debate promovido em São Paulo pela Fundação Lemann, financiada pela família do empresário Jorge Paulo Lemann.

Segundo o presidente da Câmara, “cabe ao Legislativo e ao Judiciário, naquilo que entender que ele passou do limite, gerar o limite”.

Maia – que tem feito críticas recorrentes ao projeto político defendido por Bolsonaro – acrescentou que, na agenda de costumes, não há por parte do Parlamento o apoio que o presidente tem na agenda econômica. “Nosso papel é construir o caminho do fortalecimento, de reafirmação da democracia. Do meu ponto de vista, muitas coisas que ele fala no seu discurso, eu discordo, mas não falo porque pessoalmente para mim é muito forte, como a questão do Felipe Santa Cruz”, disse ele, em referência ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.

Em entrevista, Bolsonaro contrariou dados oficiais e colocou em dúvida a versão para o morte do pai de Felipe, o militante de esquerda Fernando Santa Cruz. Para o presidente, ele teria sido assassinado por integrantes do próprio grupo político que integrava. Relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, porém, atesta que Fernando foi morto por militares durante o regime militar.

Bolsonaro é produto de nossos erros', diz Rodrigo Maia

Deputado disse que presidente é um produto sem partido que se aproveitou de disputas de valores

Beatriz Montesanti / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou na noite desta quinta (8) o presidente Jair Bolsonaro (PSL), a quem chamou de "produto de nossos erros".

"A pergunta é onde nós erramos", disse Maia durante um evento da Fundação Lemann, em São Paulo.

Segundo o deputado, Bolsonaro é um produto sem partido, que se aproveitou dos movimentos de rua de 2013 e da disputa de valores que se seguiu.

Na mesma mesa de Maia estava presente um secretário do governo Bolsonaro, Salim Mattar, da Secretaria Especial de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia.

Também ouviram a fala Alessandro Molon (PSB-RJ) e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B).

Em sete meses de governo, Maia e Bolsonaro acumulam um histórico de trocas de críticas públicas seguidas por compromissos de reconciliação.

O encontro reuniu pessoas que passaram por um dos programas da Fundação Lemann, no geral, voltados para gestão pública e impacto social. Alguns de seus membros entraram recentemente para a política, como os deputados Tabata Amaral (PDT-SP), Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tiago Mitraud (Novo-MG).

"Bolsonaro é produto dos nossos erros", diz Maia

Por Malu Delgado, Cristiane Agostine e Hugo Passarelli | De Embu das Artes (SP) e São Paulo / Valor Econômico

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem que a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República é produto de erros acumulados desde 1988, quando foi feita a Constituição.

 "A pergunta é onde erramos. Bolsonaro é produto dos nossos erros. Era um deputado sem partido, escanteado pelas elites, pelos meios de comunicação, pelas elites militares, por todos, e aí em 2013 ele vai e pega um movimento de rua, pega valores muito conservadores, e é o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro", disse Maia, em evento promovido pela Fundação Lemann para debater o desenvolvimento do Brasil.

"Todo esse ciclo, que veio da Constituição, gerou o presidente Bolsonaro", enfatizou Maia. Ao longo de 30 anos, segundo o deputado, os políticos erraram ao permitir que "99% do orçamento público fosse capturado por corporações públicas e privadas".

"Nós falimos o Estado brasileiro e temos que reconstruí-lo", disse Maia, enfatizando que benesses foram distribuídas a segmentos públicos e privados nesta construção de país.

O presidente da Câmara disse que é claro seu apoio à agenda de Paulo Guedes, ministro da economia, mas afirmou que não concorda com a agenda de valores de Bolsonaro. Ele mencionou, pela primeira vez, o episódio de Bolsonaro que colocou em dúvida a ação da ditadura no assassinato de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB. "Eu sei o que a minha avó passou para não deixar meu pai morrer". O deputado, nasceu no Chile, em 1970, em função do exílio do pai, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia.

Maia criticou radicalismos da direita e da esquerda e pregou a importância do papel das instituições para conter excessos entre os poderes. Descartou a possibilidade de impeachment de Bolsonaro. "É isso que temos até 2022. É ele o presidente eleito. Cabe ao Judiciário e ao Legislativo, naquilo que entender que ele passe do limite, gerar o limite."

Em outro evento ainda ontem, promovido pelo banco BTG, Maia disse que o governo não tem base de apoio no Congresso. Ele afirmou que tem sido o responsável pela articulação de votações importantes, como a da Previdência, e ponderou que não pode atuar como líder do governo no Legislativo. O presidente da Câmara disse ainda que o radicalismo do discurso de Bolsonaro assusta parlamentares.

"Eu não consigo ser líder do governo todo dia. Tenho que focar em alguma coisa. Não consigo jogar em todas as posições", afirmou. "Eu preciso de ajuda. Eu fico de cima do plenário, na tribuna, organizando votação, organizando deputado que não votou, chamando, ligando", disse. "Se eu tiver uma base, facilita minha vida. O governo não tem base. Quem construiu as bases fomos nós e, hoje, temos uma boa relação com o governo. Mas não é a base do governo. O governo tem 50, 80 deputados. E tem boa influência na bancada evangélica, na bancada da bala. É isso o que o governo tem hoje", afirmou Maia a uma plateia de investidores.

O "radicalismo" de Bolsonaro, disse o presidente da Câmara, atrapalha a votação de temas importantes para o governo. "O radicalismo do discurso dele, na vocalização mais dura, assusta parte dos parlamentares que, olhando com cuidado os temas, poderia até colaborar. Esse é um problema que se tem", afirmou. "Ele vocaliza de um jeito que assusta".

PSDB não pode ser oposição, mas Bolsonaro precisa retomar diálogo, diz Doria

Em entrevista na China, governador paulista diz que 'melhor opção para o Brasil não é a dos extremos'

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

XANGAI (CHINA) - Mesmo com a radicalização recente de Jair Bolsonaro (PSL), o PSDB não deve ser oposição ao Planalto. O presidente, contudo, precisa entender que é preciso retomar o diálogo.

Essa é a opinião do governador João Doria (PSDB-SP), principal nome a emergir como adversário de Bolsonaro em 2022. Ele recebeu a Folhaem um hotel de Xangai, onde nesta sexta-feira (9) abrirá o primeiro escritório comercial paulista no exterior.

“Melhor opção para o Brasil não é a dos extremos. Exercer o poder executivo, mas fazer isso retomando o diálogo. Espero que isso possa ser retomado pelo presidente, compreendendo que ele ainda tem três anos e meio de governo pela frente”, disse o tucano.

Doria mediu muito as palavras. Preferiu “não fazer essa análise” ao ser questionado se Bolsonaro teria esticado a corda nas últimas semanas, quando acumulou episódios de confrontação pública.

Mas não fez reparos à lista apresentada pela reportagem, que incluía o embate que derrubou o diretor do Inpe, a escolha do filho Eduardo para ser embaixador em Washington, a falsa acusação de que o pai do presidente da OAB foi morto por companheiros de luta armada na ditadura e críticas aos governador do Nordeste, entre outros.

O tucano crê que a aprovação da reforma da Previdência abre um novo capítulo na narrativa política do país. “O Brasil precisa de união porque é preciso finalizar a reforma. Ela precisa ir ao Senado, reincluir estados e municípios e voltar para a Câmara.”

Ele também acha que é possível, embora difícil, aprovar a reforma tributária neste semestre. “Seria uma grande conquista para o país ter duas reformas tão importantes votadas no primeiro ano do governo Bolsonaro”, disse.

Fernando Abrucio*: Discurso patriótico de Bolsonaro segue caminho do sectarismo

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

A defesa do patriotismo é uma das marcas do presidente Jair Bolsonaro em seu início de governo. Essa ideia pode parecer "démodé" num momento histórico marcado pela globalização. Mas o senso patriótico continua sendo essencial em dois sentidos: como elemento de agregação dos cidadãos em torno de valores e crenças comuns que dão sentido a uma nação, além de ser peça-chave na defesa dos interesses legítimos de cada país na ordem internacional.

A relevância desse sentimento, contudo, não significa que qualquer forma de atuação em seu nome seja correta e democrática. Se usado de forma errada, o patriotismo deixa de ser remédio e vira veneno. Fica, então, a questão: de que modo o comportamento patriota pode produzir efeitos positivos a um país? A resposta a essa pergunta pode ajudar a avaliar melhor o modo como Bolsonaro tem defendido sua atuação patriótica.

Em sua forma benigna, o patriotismo tem de responder a quatro objetivos. O primeiro diz respeito à defesa dos interesses nacionais frente aos demais países. O sucesso nesse quesito vincula-se à capacidade de obter o máximo de benefícios numa determinada ordem internacional, o que exige entender a dinâmica de poder em cada contexto.

No caso brasileiro, o entendimento de seu lugar político, econômico e cultural é fundamental, pois nossa história diplomática sempre foi bem-sucedida quando conseguimos atuar mais cooperando do que entrando em conflito. Patriotismo, aqui, é defender o Brasil sem aumentar nossos inimigos e ampliando os canais de interlocução.

Um segundo objetivo que deveria comandar uma liderança patriótica é saber separar o espaço público do espaço privado. A Pátria não é a extensão de uma família; ela é a representação impessoal da nação. Por isso, idealmente, deve ser comandada pelo princípio do mérito, com os governantes patriotas escolhendo pessoas que possam ser as melhores dentro de um campo político. Um estadista tem de ter uma equipe que vá além de seus próximos, amigos e correligionários.

Elenca-se como terceiro aspecto positivo do patriotismo a capacidade de unir uma nação. Valores patrióticos são bons quando unem as pessoas em torno de aspectos que congregam a coletividade. Isso vale para eventos esportivos, para festas populares e para a defesa de princípios cívicos. Mas o ponto principal aqui é evitar mobilizações e manifestações direcionadas ao isolamento de grupos relevantes de uma determinada sociedade.

Nesse sentido específico, cabe às lideranças políticas atuar contra o acirramento do conflito entre os compatriotas. Governar a pátria é procurar, na medida do possível, encontrar caminhos de juntar os diferentes.

O patriotismo contemporâneo, por fim, supõe sua convivência com os valores e instituições democráticas. Defender a pátria democraticamente envolve respeitar a separação dos Poderes e saber que a soberania popular está contida num conjunto de estruturas políticas, e não só no presidente.

José de Souza Martins*: Nossa noite fria

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

A alma desalmada do Brasil concentra todas as noites os filhos da sua hipocrisia social, política e religiosa sob marquises de prédios, pontes e viadutos. São os sem-tudo, os sem Brasil, os sem-pátria

Em dias recentes, indo ao velório de um amigo na catedral de São Paulo, vi mais uma vez as numerosas pessoas que, na noite excepcionalmente fria deste inverno, deitavam-se no chão da praça e na escadaria da igreja, agasalhando-se com trapos e jornais velhos, para mais uma noite de pesadelo. Uma senhora, com duas meninas pequenas, de uns 6 ou 7 anos, que levava um cobertor, tentava acomodá-las num dos degraus. No rosto de uma delas, lágrimas corriam, reluzentes à luz amarelada da lâmpada de um poste próximo. O silêncio de sua tristeza era ruidoso. O número de desabrigados era grande.

Na mesma hora, em outras praças, a alma desalmada do Brasil concentra todas as noites os filhos de sua hipocrisia social, política e religiosa sob marquises de prédios, pontes e viadutos. Ao pé da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, o da igreja do santo que fizera a opção preferencial pelos pobres, inúmeras pessoas tentam esconder-se da noite e da vida.

Sob o antigo minhocão Costa e Silva, hoje minhocão João Goulart, numerosos brasileiros da rua escondem a cabeça sob o cobertor maltratado, para apagar a luz do quarto sem paredes e abrigar-se ao som da sinfonia dodecafônica do ruído dos muitos veículos que trafegam pela avenida General Olímpio da Silveira, dia e noite.

Na praça Antônio Prado, antigo largo da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e do seu cemitério dos escravos, desfalecem nestas noites de hoje brancos e negros, jovens e velhos, cujo destino não influencia os índices da Bolsa. E não mobilizam os sábios e especialistas em altos e baixos das estatísticas econômicas. Nem os gestores da economia da iniquidade.

Reinaldo Azevedo: Método da loucura derrotará Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente nunca pretendeu, vê-se agora, governar efetivamente o país

O jogo de Jair Bolsonaro tem zero de improviso e cem por cento de método. Isso não quer dizer que seja eficiente ou bom. Ser metódico não é sinônimo de estar correto. Especialmente quando se toma a decisão de dar uma banana ao resto do mundo.

O presidente já passou a operar no modo eleitoral. Deflagrou a campanha pela reeleição tão logo a Câmara aprovou em primeira votação a reforma da Previdência. O placar alargado, reafirmado com poucas defecções na quarta (7), lhe deu a certeza de que o jogo da economia está ganho. Aí já há um erro essencial de diagnóstico, note-se.

Com pouco mais de seis meses no cargo, vimos o antigo deputado do baixo clero reencarnar no presidente. E ainda com mais virulência. Havia algo de meio apalhaçado no parlamentar que, de vez em quando, atraía a atenção da imprensa em razão do exotismo frequentemente estúpido do que dizia.

A personagem exibia um quê de "clown" meio abobalhado. Suas micagens ideológicas não rendiam nem debate nem divergência substantiva porque primitivas, desinformadas e simplórias na sua truculência. É impossível responder a quem nem errado consegue estar.

Se, antes, manejava só a própria opinião desengonçada, detém agora instrumentos de Estado. E tudo o que fala tem consequência. Aqui e no mundo.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro e a mídia

- Folha de S. Paulo

Presidente erra o alvo ao assinar MP em retribuição à imprensa

Ainda que pelas piores razões, o presidente Jair Bolsonaro acerta ao editar norma que desobriga empresas de capital aberto de publicar suas demonstrações financeiras em jornais de grande circulação.

Não dá para abraçar o liberalismo só enquanto ele nos convém e descartá-lo assim que nos causa algum embaraço. Pelo menos desde que a internet se popularizou, não faz mais sentido exigir que firmas publiquem seus balanços na imprensa. O acionista disposto a ler esse tipo de documento não terá nenhuma dificuldade em encontrá-lo no site da CVM. A regra é eficaz para transferir recursos de empresas para a mídia, mas não resulta em nenhum benefício direto para a sociedade, o que justifica sua revisão.

Bem menos justificável é o motivo que levou Bolsonaro a baixar a MP 892/2019. O próprio presidente não se deu ao trabalho de escondê-lo. Anunciou em alto e bom som, durante cerimônia oficial em Paulínia (SP), que adotava a medida como retribuição à mídia que, segundo ele, o ataca desde a campanha eleitoral.

Bruno Boghossian: Uma cidade, dois xerifes

- Folha de S. Paulo

Presidente e ministro descobrem que a cidade é pequena demais para dois xerifes

Raros ministros conseguem voar mais alto que um presidente. Sergio Moro talvez nunca tenha se iludido com essa possibilidade, mas a agitação de suas asas incomodou aliados de Jair Bolsonaro. Por garantia, o presidente mantém os pés de seu subordinado bem firmes no chão.

Quando o Congresso começou a criar dificuldades para o pacote de combate ao crime de Moro, Bolsonaro deu razão aos parlamentares. Disse que é melhor esquecer o assunto por um tempo, já que a discussão pode atrapalhar a pauta econômica.

“Lamento, mas tem que dar uma segurada. Não quero pressionar isso aí e tumultuar lá”, disse Bolsonaro, nesta quinta (8). Em poucas palavras, o chefe deixou claro que não gastaria capital político para bancar a principal bandeira do auxiliar.

Ruy Castro*: Avaliando o avaliador

- Folha de S. Paulo

As pessoas estão sendo obrigadas a achar soluções para problemas que não criaram

Até outro dia, sapateiros eram sapateiros, mecânicos eram mecânicos, cientistas eram cientistas. Um mecânico não ia além da sola, um cientista não trocava rebimbocas e um sapateiro não dividia o átomo. Um advogado não se passava por médico, um químico não dava uma de padre e um jogador de futebol não escrevia "Hamlet". E nenhum deles precisava aprender o ofício de um engenheiro eletrônico. Hoje, todo mundo precisa ser engenheiro eletrônico.

Dei-me conta disso quando ouvi falar que o Telegram de Sergio Moro e Deltan Dallagnol tinha sido invadido e pessoas estavam lendo suas mensagens. Logo imaginei um espião embuçado abrindo os telegramas entre os dois, talvez aproximando-os do vapor para derreter a cola, copiando seus conteúdos e os lambendo para colar de novo. E até me espantei de alguém ainda se comunicar por telegramas. Para minha surpresa, fui informado de que o Telegram era um "serviço de mensagens instantâneas criptografadas fim a fim no modo client-to-client ou client-to-server, baseadas na nuvem".

Luiz Carlos Azedo: Entre tucanos

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Jereissati terá pelo menos três semanas para apresentar o relatório sobre a reforma da Previdência, porém, dificilmente, o projeto será aprovado pelo Senado no prazo de 45 dias”

A reforma da Previdência no Senado será relatada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), um cardeal da Casa, o que reforça a tendência de manter o texto original aprovado pela Câmara, com cosméticas modificações. Mudanças de conteúdo serão apresentadas por meio de outra proposta de emenda constitucional, a chamada PEC paralela, para incluir estados e municípios. Tasso é tão tucano quanto o relator da reforma na Câmara, deputado Samuel Moreira (STF), e também tem boas relações com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, pois o atual secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, foi seu assessor no Senado.

A reforma foi aprovada pela Câmara em segundo turno, na quarta-feira, e ontem mesmo foi entregue pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). “O meu convencimento pessoal como relator é que, se tiver que mudar alguma coisa, tem que ser o mínimo possível. A reforma que veio da Câmara, na minha opinião, é boa. Ela é um trabalho ótimo feito pela Câmara”, disse Jereissati, depois de ser confirmado como relator da reforma por Alcolumbre. Se o Senado mantiver o texto, a reforma será promulgada sem ter que voltar à Câmara. Por essa razão, na opinião do senador tucano, a inclusão de estados e de municípios na reforma e outras modificações devem ser feitas em outro projeto. A posição da maioria dos senadores, ao contrário dos deputados, é a favor da inclusão de estados e municípios. Mesmo senadores de oposição têm simpatias pela proposta, que poderia trazer alívio para os cofres estaduais.

O cronograma de aprovação da reforma começou a ser estabelecido pela presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ela, Tasso Jereissati terá pelo menos três semanas para apresentar o relatório, mas avalia que, dificilmente, o projeto será votado e aprovado no prazo de 45 dias, como é a expectativa do governo. A discussão na CCJ deve ser feita em uma semana, a contar da leitura do relatório. Audiências públicas serão marcadas para discutir o projeto.

Já a PEC paralela depende de uma mudança de ambiente na Câmara, para onde deverá seguir depois de aprovada pelo Senado. Ao contrário da narrativa dos deputados federais, o problema não é com os governadores de oposição; isso não seria suficiente para impedir a aprovação. A principal dificuldade é com os deputados federais que apoiaram a reforma da Previdência, mas não querem assumir o ônus de contrariar interesses de servidores estaduais e municipais. Com exceção de Brasília e Rio de Janeiro, já o peso eleitoral das corporações federais nos estados é muito pequeno, o que facilitou a aprovação.

Fernando Gabeira*: Jogos da nova temporada

- O Estado de S.Paulo

Um governo que era contra a corrupção na hora H ajuda Toffoli a neutralizar o Coaf

Com a volta do Congresso e do STF, o delicado equilíbrio de forças entre os três Poderes precisa ser decifrado.

Comecei a ler o livro Os Onze, de Felipe Recondo e Luiz Weber, na busca de mais informações sobre os bastidores e a história recente do STF. A ideia era entender melhor como esse Poder se desdobra no futuro próximo. Constatei no livro que um marco profundo na dinâmica do STF foi a morte de Teori Zavascki. Não só foi alterada a correlação de forças entre eles, mas perdeu-se uma figura agregadora. Isso impulsionou a criação de ilhas independentes, com grande desenvoltura para decisões monocráticas.

Mas a grande linha divisória desde o princípio foi a Lava Jato. Poucos sabem, mas a operação chegou de certa forma ao próprio STF. Foi um episódio ligado à Construcap, que doara R$ 50 mil a um membro do PT com nome Toffoli. Parecia ser o do ministro. No mesmo ano, o irmão de Toffoli disputou as eleições como deputado estadual. O mal-entendido deixou cicatrizes.

Nas suas mais recentes decisões, Toffoli comportou-se como diante de cerco se fechando contra ele. E se antecipa de uma forma que faz do STF não um contrapeso democrático, mas um novo peso pesado em nossos temores.

Toffoli começou criando um inquérito guarda-chuva para combater acusações ao STF. Agregou Alexandre de Moraes como seu delegado. O que surgiu disso? Buscas na casa de pessoas que apenas criticavam o Supremo. E logo em seguida a censura à revista Crusoé, precisamente a que tinha revelado relações financeiras atípicas entre ele e sua mulher.

Num novo passo, Toffoli proibiu as investigações a partir de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), quebrando o ritmo dos trabalhos, rompendo acordos internacionais, dificultando até a entrada do Brasil na OCDE.

Agregou o presidente Bolsonaro, uma vez que atendeu a um pedido da defesa de Flávio.

Vera Magalhães: Presidente age para desgastar ministro, e depois assopra

- O Estado de S.Paulo

Por ora, o presidente mantém o auxiliar na base do esquenta-esfria da frigideira

De ministro “indemissível” e candidato – com direito a anúncio público – à “primeira vaga” que houvesse no Supremo Tribunal Federal, Sérgio Moro passou a ser alvo das famosas “caneladas” de Jair Bolsonaro, seja em declarações públicas, em críticas reservadas ou mesmo em ações para enfraquecê-lo.

Agora que admite abertamente sua candidatura à reeleição em 2022, Bolsonaro age deliberadamente para, vendo o sangue do auxiliar e potencial rival na água graças ao vazamento de mensagens com procuradores da Lava Jato, aumentar seu desgaste.

O presidente já advertiu que Moro não poderia destruir provas da Operação Spoofing, age nos bastidores para que Roberto Leonel, nomeado por ele para o Coaf, seja afastado – depois que o diretor criticou decisão de Dias Toffoli que paralisou investigação sobre Flávio Bolsonaro que teve como base um relatório de atividades financeiras do ex-assessor Fabrício Queiroz feito pelo órgão – e, agora, coloca o pacote anticrimes na geladeira.

Eliane Cantanhêde: E a impessoalidade?

- O Estado de S.Paulo

Decisões de presidentes devem obedecer ao interesse público, não o pessoal, familiar ou de grupos

Alguém precisa avisar ao presidente Jair Bolsonaro que ele foi eleito para presidir o País, não para se tornar dono da República e fazer o que bem entende. Pelo princípio da impessoalidade, definido no artigo 37 da Constituição, o mandatário tem de tomar decisões de acordo com o interesse público, não ao sabor dos seus interesses, vontades e crenças pessoais, nem para favorecer a si, à família, aos amigos ou a grupos específicos. Há controvérsias se é exatamente assim que Bolsonaro governa, fala e age.

O exemplo mais chocante foi a indicação do filho para a mais importante embaixada do planeta, a dos EUA. Trata-se de um jovem de 35 anos que nunca pisou no Instituto Rio Branco, não é especialista na área nem um personagem de destaque na vida nacional. É filho do presidente, ponto.

E os dois exemplos mais recentes são retaliações do cidadão Bolsonaro, que aproveita o principal gabinete do Planalto e uma caneta Bic para se vingar de desafetos. Um é o cancelamento do contrato da Petrobrás com o escritório de advocacia do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Outro é a dispensa de publicação de balanços de companhias abertas em jornais. “Não precisa dar dinheiro para um cara da OAB”, aplaudiu Bolsonaro, que falou de forma cruel sobre o desaparecimento do pai de Felipe na ditadura militar, remexendo uma ferida que não é só da família Santa Cruz, mas de toda a Nação.

Merval Pereira: Agente provocador

- O Globo

O presidente Bolsonaro desejaria criar um clima de instabilidade ou será apenas um irresponsável?

Que Bolsonaro é um provocador, não há dúvida. Ele mesmo já admitiu em entrevista a Jô Soares que, se não dissesse barbaridades como que o então presidente Fernando Henrique deveria ser fuzilado, ou que o golpe de 64 deveria ter matado mais gente, ele não estaria sendo entrevistado.

Foi como agente provocador que foi preso quando ainda estava no Exército, por ter planejado ataques com bombas em locais estratégicos, para protestar contra o soldo militar. Foi absolvido por falta de provas, mas teve que sair do Exército como capitão, e começar uma carreira política exitosa, que o levou à Presidência da República, sempre na base da provocação política.

Agiu como provocador quando, ao votar a favor do impeachment da então presidente Dilma, exaltou o torturador Brilhante Ustra, a quem chamou de “herói”. A questão agora é saber aonde o presidente quer chegar com as provocações quase diárias.

O “agente provocador” é um player político tradicional, que radicaliza posições para levar um grupo, ou uma pessoa, a atitudes extremas que lhe serão prejudiciais, ou provocarão reações desestabilizadoras.

Os black blocks são exemplo de grupo de ação política radical que, pelas manifestações de vandalismo, são, ou favorecem, a atuação dos “agentes provocadores”. Em nossa história política recente, temos o exemplo do Cabo Anselmo, que atuou a favor da Revolta dos Marinheiros, um dos estopins do golpe de 1964. Anselmo era um “agente provocador” a serviço dos golpistas.

Quererá o presidente Bolsonaro criar um clima de instabilidade, ou será apenas um irresponsável que usa uma metralhadora giratória (loose cannon, na expressão militar)?

Quando se referiu ao pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, como um terrorista que foi justiçado pelos companheiros guerrilheiros, estava provocando um debate que já estava enterrado, sobre a ação da esquerda armada contra a ditadura militar.

Míriam Leitão: Novos projetos da área econômica

- O Globo

Depois da Previdência, governo prepara envio da reforma tributária e lista medidas para serem enviadas ao Congresso

O ministro Paulo Guedes vai apresentar na semana que vem o projeto do governo para a reforma tributária com o IVA apenas federal, mudanças no Imposto de Renda Pessoa Física e no de Jurídica, desoneração da folha e criação de um imposto sobre pagamentos. Quem contou isso para uma plateia do mercado financeiro em São Paulo foi o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. Guedes apresentará outras propostas também da agenda pós-aprovação da Reforma da Previdência.

Ontem, 10 integrantes do governo, entre eles três ministros, foram a um evento do banco BTG Pactual. A plateia aplaudiu com entusiasmo os detalhes do que eles pretendem fazer neste tempo pós-Previdência. Alguns falaram de fatos concretos e outros de planos para o futuro. O ministro Tarcísio foi mais longe e afirmou: “Quando vamos ter uma infraestrutura europeia? Eu respondo, em três anos e meio”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também apresentou sua lista de projetos em andamento. Ele disse que a MP da Liberdade Econômica tem erros, apontados pelos assessores da Câmara e por juristas. Ele chamou o governo para avaliar as críticas. O temor é que as medidas previstas possam acabar gerando mais judicialização. Maia disse que iniciará o esforço pela reforma administrativa, com um projeto sobre os servidores do legislativo.

Rogério Furquim Werneck: E depois da Previdência?

- O Globo | O Estado de S. Paulo

A agenda pendente de reformas terá de ser conciliada com o enfrentamento de desafios mais imediatos

O governo terá de fazer bom uso da preciosa ampliação de espaço de manobra para condução da política econômica propiciada pela aprovação da reforma da Previdência. É mais do que natural que a equipe econômica esteja tentada a aproveitar o embalo para fazer avançar, tão rapidamente quanto possível, a pauta de reformas pendentes. Sobram, contudo, boas razões para desaconselhar a aposta de todas as fichas nessa possibilidade.

Em primeiro lugar, a agenda pendente de reformas terá de ser conciliada com o enfrentamento de desafios mais imediatos, advindos da recuperação decepcionante da economia. Com a persistência de um crescimento medíocre, da ordem de 0,8% em 2019, e de 12,8 milhões de pessoas desempregadas, a equipe econômica enfrentará, nos próximos meses, pressões cada vez maiores, de dentro e de fora do governo, para mostrar resultados.

Em segundo lugar, as duas reformas que o governo agora contempla são extremamente complexas e encerram enorme potencial de conflito com Congresso. Seria um erro insistir em tratar a reforma tributária e o que vem sendo chamado de Novo Pacto Federativo como precondições para a retomada do crescimento. O mais prudente, a esta altura, é passar a defender as duas reformas como esforços de ampliação das possibilidades de crescimento econômico do país. E evitar transformá-las num desastroso campo de batalha com o Congresso.

Não cabe dúvida de que o país terá de continuar a encarar a pesada agenda de reconstrução fiscal que tem pela frente. Mas a aprovação da reforma da Previdência dará credibilidade à ideia de que há um esforço sério de ajuste fiscal em andamento. E o aumento de receitas extraordinárias provenientes do pré-sal, do BNDES e da aceleração do programa de privatização poderá dar mais tempo ao governo para articular novas medidas de ajuste fiscal.

Bernardo Mello Franco: Eike ainda é o mesmo, os deputados também

- O Globo

Dois dias antes da nova prisão, Eike foi ao Congresso e se disse perseguido. Os deputados elogiaram seu patriotismo e voltaram a pedir doações

Na terça-feira, Eike Batista reapareceu no Congresso. Sua voz continua a mesma, e o estilo também. Convocado a depor na CPI do BNDES, ele se descreveu como um visionário, exaltou os próprios negócios e fez juras de amor à pátria. “Eu, para mim, sou construtor do Brasil”, disse, logo no início da sessão.

Apesar da derrocada financeira, o ex-bilionário mantém a autoestima em dia.

“Eu já era globalizado antes da globalização”, gabou-se. “Orgulho-me também de ter sido uma pessoa que sempre tomou conta do meio ambiente”, prosseguiu.
Eike disse que não iludiu ninguém ao fazer previsões mirabolantes que nunca se confirmaram. Uma de suas empresas, a OGX, chegou a valer US$ 30 bilhões sem extrair um agota de petróleo .“Agente acreditava porque os geólogos diziam que tudo era fantástico”, enrolou.

Ele também negou as acusações de corrupção. Disse ter financiado políticos de diversos partidos por “acreditar na democracia”. Depois pediu licença para exibir um depoimento “do nosso Sérgio Cabral”. O ex-governador nega ter pedido propina do empresário, embora os dois tenham sido condenados no mesmo processo.

Dora Kramer: Poderes em atropelo

- Revista Veja

Só o Legislativo tem atuado dentro dos próprios limites

A discussão sobre quando um poder invade as competências do outro, dos três que compõem a República, chegou ao auge com uma troca de acusações entre o presidente da República e o decano do Supremo Tribunal Federal em que nenhum dos dois é senhor absoluto da razão. Ao menos sob o aspecto moral.

Celso de Mello apontou ato de “degradação da autoridade do Congresso” na reedição de medida provisória flagrantemente inconstitucional sobre transferência da Funai. Jair Bolsonaro rebateu dizendo que a Justiça “se mete em tudo”, dando como exemplo o enquadramento da homofobia como crime inafiançável, ato que segundo ele “feriu a autonomia” do Parlamento.

Ambas as instâncias altas do Executivo e do Judiciário têm pisado em falso ao extrapolar suas prerrogativas e provocar-se mutuamente como se o descompromisso de um justificasse o desrespeito do outro. O presidente atua com mais constância e estridência nas agressões à legalidade, à civilidade, à diversidade e ao contraditório, que trata como se fosse direito exclusivo dele.

O Supremo Tribunal Federal age na figura de alguns de seus integrantes com investigações claramente arbitrárias, decisões em causa própria e declarações agressivas como as do ministro Gilmar Mendes em relação a procuradores da Lava-Jato a quem chama de delinquentes.

Ricardo Noblat: Um fanfarrão!

- Blog do Noblat / Veja

Elogio à tortura
Artigo 5º da Declaração dos Direitos Humanos assinada pelo Brasil: Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo 6º: Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

Artigo 11: Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Na véspera de um Natal nos anos 70, o coronel Brilhante Ulstra suspendeu as torturas a presos políticos nos porões do 2º Exército, em São Paulo. Mandou que os carcereiros permitissem que os presos tomassem banho, fossem alimentados e vestissem roupa limpa.

Ninguém, ali, imaginou o que estava por vir. Perto da meia-noite, os presos foram levados para o refeitório dos oficias e distribuídos ao longo de uma mesa. Entraram garçons com pratos de comida. Havia até peru. Finalmente entrou o coronel com sua mulher.

Ulstra fez questão de desejar feliz Natal a cada um dos presos, todos eles perplexos. A silenciosa ceia durou cerca de uma hora. O coronel levantou-se e foi embora. Os presos foram devolvidos às suas celas. No dia seguinte, as torturas recomeçaram.

Jair Bolsonaro voltou a repetir que considera Ulstra um “herói nacional”. Como pode impunemente defender a tortura o presidente de um país signatário da Declaração dos Direitos Humanos? Nem os presidentes da ditadura ousaram fazer isso.

Ustra chefiou o principal órgão de repressão da ditadura entre 1970 e 1974. Participou do sequestro e assassinato de pelo menos 47 pessoas, segundo a Comissão Nacional da Verdade. Foi o primeiro agente da ditadura condenado pelo crime de tortura.

Artigo algum da Declaração dos Direitos Humanos pode ser interpretado como permissão a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de praticar atos destinados à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades nela [a Declaração] estabelecidos.

Muitos que ainda não perderam a esperança de “normalizar” um presidente eleito por acidente começam a descobrir aos poucos que ele não passa de um estridente agente provocador empenhado mais e mais em enfraquecer a democracia. Um fanfarrão!

Fosse tão corajoso como tenta parecer, Bolsonaro assinaria um decreto incluindo o nome de Ulstra no “Livro dos Heróis da Pátria” guardado no Panteão da Liberdade, em Brasília. E inauguraria um busto do coronel no QG do Exército. Por que não faz?

Bolsonaro faz Moro de bobo

O que pensa a mídia: Editoriais

Com o fígado: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro se dedica a revanches pessoais, ao arrepio da impessoalidade exigida

Antes mesmo de assumir o mandato de presidente da República, mas já eleito, Jair Bolsonaro (PSL) ameaçava retaliar com corte de publicidade federal veículos de imprensa que se comportassem “dessa maneira indigna”. Esta Folha, então, era o alvo apenas circunstancial.

Bolsonaro assestava contra a imprensa livre, compromissada com a busca da verdade e desatrelada de governos, partidos e dogmas.

Havia ainda, vale notar, uma outra ofensa implícita na conduta do candidato que acabava de sair vitorioso das urnas —ao princípio constitucional da impessoalidade na administração pública.

Não cabe ao governante discriminar, com a investidura concedida pela população, quem lhe cause transtorno. Está obrigado a comportar-se com a equidistância do magistrado, nos limites fixados pela lei e pela jurisprudência.

Frustrou-se até agora quem apostou na capacidade de civilizar-se do político periférico e rude alçado de repente a chefe de Estado. Jair Bolsonaro, há mais de sete meses no Planalto, continua a reagir mais com o fígado do que com a cabeça.

A medida provisória que suspende a necessidade de publicação de balanços em jornais foi, nas palavras presidenciais, uma retribuição ao tratamento crítico que recebe de veículos de comunicação.

A motivação persecutória e casuística se ressalta pelo fato de a liberalização já estar encaminhada, com prazo para vigorar em 2022, em lei sancionada pelo próprio presidente.

O governo Bolsonaro, que em março puniu o fiscal responsável por aplicar multa ambiental ao então deputado pelo Rio, reincidiu nesta semana na retaliação pessoal ao cortar contrato de serviços jurídicos da Petrobras com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz.

O advogado havia sido covardemente insultado pelo presidente da República, que insinuou conhecer fatos desabonadores sobre o pai de Santa Cruz, militante de esquerda assassinado pelo aparelho repressivo da ditadura militar —cujo legado de violações dos direitos humanos Bolsonaro voltou a exaltar nesta quinta (8) ao homenagear a memória de um torturador.

Poesia / João Cabral de Melo Neto: Graciliano Ramos

Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca:
de toda uma crosta viscosa,
resto de janta abaianada,
que fica na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara.
Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:
que reduz tudo ao espinhaço,
cresta o simplesmente folhagem,
folha prolixa, folharada,
onde possa esconder-se na fraude.
Falo somente por quem falo:
por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:
e onde estão os solos inertes
de tantas condições caatinga
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua.
Falo somente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:
que é quando o sol é estridente,
a contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos.

Música / Edu Lobo: O Trenzinho do Caipira