sexta-feira, 21 de junho de 2019

Eliane Cantanhêde: Não ao crime e ao abuso

- O Estado de S. Paulo

Após diálogos de Moro com procuradores, a lei de abuso de autoridade volta à pauta

Efeito colateral dos diálogos do então juiz Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato: o Legislativo se une a parte do Judiciário para recolocar na agenda nacional a nova lei contra o abuso de autoridade, ou seja, contra excessos de agentes públicos. A proposta, que andava adormecida, ressurgiu do nada na pauta do Senado na semana passada.

Se o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e o “grupo ideológico” do governo se jogam numa cruzada “antissistema”, o que era mais do que natural aconteceu: o “sistema” se articulou e está pronto não apenas para a autodefesa como também para o ataque. Como “sistema”, leia-se as instituições, à frente o Judiciário e o Legislativo.

Em intensas conversas e negociações políticas, naturais e legítimas em democracias, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo, Dias Toffoli, estão em ação. Pode não ser coincidência a derrota pessoal de Bolsonaro na votação do decreto das armas, nem a reapresentação do projeto de abuso de autoridade.

Cada um tem um papel: Maia é o centro das articulações e atua como porta-voz nos embates públicos com Bolsonaro e o governo. Toffoli, o mais político, ops!, o mais habilidoso dos três, mantém as pontes com o Planalto. Alcolumbre aderiu firmemente e, não por acaso, as novas surpresas para Bolsonaro partem do Senado.

Elena Landau*: Estrada acidentada

- O Estado de S.Paulo

O programa de privatizações está sem comando, sem foco e sem cronograma

O Supremo Tribunal Federal ratificou o procedimento de privatização que é utilizado desde 1990, com a base na lei que criou o Programa Nacional de Desestatização (PND). Ao suspender as liminares dos ministros Lewandowski e Fachin, que paralisaram a venda de estatais e subsidiárias, a maioria dos ministros reafirmou que a participação do Estado na atividade econômica é exceção, e não regra, como determina o art.173 da Constituição. Sua presença só se justificaria em casos de interesse público, definidos em lei, e quando imperativo à segurança nacional.

O STF não inovou em nada. A regra sempre foi clara. A Lei do PND funciona como uma autorização genérica dada pelo Legislativo ao Executivo, que por decreto define quais empresas estatais serão incluídas no processo, seja para vender seu controle seja para encerrar suas atividades. Para Petrobrás, Eletrobrás, Caixa e Banco do Brasil há necessidade de autorização específica porque há leis que vedam sua privatização. Já é hora de rever esses impedimentos, pois o País mudou e as justificativas para mantê-las sob controle estatal não existem mais.

Derrubada a liminar de Lewandowski, não há mais desculpa para não avançar com as privatizações. Agora só precisa de vontade política. Mas nesta mesma semana, o governo, que já havia desistido de vender a EBC e Ceitec, anunciou que vai manter mais 12 estatais ligadas à área militar. E para as grandes empresas, o foco continua sendo apenas a venda de subsidiárias.

Guedes prometeu arrecadar R$1 trilhão em leilões de desestatização. Mais importante que a delirante projeção era a determinação em privatizar tudo. Esqueceu de combinar com os russos; o presidente sempre mostrou restrições à venda de empresas consideradas por ele estratégicas. A expressão “estratégica”, que não é jurídica, é utilizada de forma corriqueira pelos governantes para defender seus interesses políticos e reforçar o imaginário popular contra a venda de patrimônio público.

*José de Souza Martins: Nossa economia dual

Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Quando a estrutura econômica se divorcia da estrutura social, que passam a se mover em ritmos entre si diferentes, como no Brasil destes tempos, o drama está criado
 
O desenvolvimento econômico brasileiro foi, por largo tempo, uma combinação equilibrada de economia moderna com economia atrasada, economia altamente lucrativa com economia de excedentes e trabalho barato, pobreza com fartura. Foi essa a tecnologia social espontânea de uma acumulação subsidiária da modernização econômica e industrial acelerada. A economia dual que nos trouxe, em menos de meio século, da escravidão à industrialização.

A economia dual garantiu, com os produtos da agricultura economicamente atrasada, baseada na produção direta dos meios de vida pelos trabalhadores rurais, sem o primado do cálculo de custo, a alimentação das populações urbanas e dos trabalhadores industriais. Uma alimentação subsidiada pelo trabalho rural sub-remunerado, a dos párias dos direitos sociais e da injustiça previdenciária. A iniquidade lucrativa de um capitalismo singular.

O declínio da economia dual a partir dos anos 1960 desencadeou um ciclo de rupturas em nosso processo histórico com a progressão acumulativa de problemas econômicos e sociais e seus desdobramentos políticos. O atraso, mesmo com a pobreza correlata, havia contido o ritmo de formação do estoque de mão de obra sobrante, o desemprego, por largo tempo.

A crise progressiva da economia dual abriu a brecha das migrações internas e dos problemas sociais decorrentes, como o da urbanização patológica. Excedentes populacionais relativos acumularam-se nas grandes cidades sem o benefício do desenvolvimento urbano e da civilização. As privações estruturais da economia dual transferiram-se para as cidades.

Maria Cristina Fernandes: A democracia se mata aos poucos

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Candidato bilionário fala em reduzir programas sociais tem apoio de trabalhadores de baixa renda, outro, casado três vezes, empunha uma agenda retrógrada de costumes e tem o apoio de grupos religiosos em nome de"valores familiares", governante perde a eleição quando a economia do país está em seu melhor momento, campanha "antissistema" gera uma composição parlamentar ainda mais elitista e, finalmente, a pressão antiglobalização vem de partidos da extrema-direita.

A lista, que deixa de fora a eleição de um presidente adepto da liberação do porte de armas num dos países mais violentos do mundo, ora desestimula quaisquer esforços de compreensão da conjuntura ora produz obras apocalípticas que decretam o fim da história ou da civilização ocidental. Adam Przeworski não segue nem um caminho nem outro. O cientista político polonês, que se notabilizou por explicar como a democracia se compatibiliza com o capitalismo, não se compromete a oferecer 'a' resposta, mas despista as explicações que sugerem a globalização como causa de todos os males.

Przeworski não se incomodou com as estatísticas que mostram 23,6 mil livros publicados no século XX em inglês e registrados na Widener, a maior das bibliotecas de Harvard, contendo a palavra 'crise'. Tascou um "Crises of Democracy" (ainda sem tradução em português), como título do livro que lançará no segundo semestre pela editora da Universidade de Cambridge.

O autor recorda o historiador conservador inglês Thomas Macaulay que, em 1842, nove anos antes de Karl Marx, disse que o sufrágio universal era incompatível com a democracia. Recupera, então, sua formulação de que a democracia foi a resultante do compromisso de partidos da classe trabalhadora e sindicatos em aceitar uma economia de mercado desde que partidos burgueses e organizações empresariais convergissem com alguma redistribuição de renda. É a partir do rompimento desse compromisso, que busca suas respostas.

Carlos Rydlewski: O avanço da direita radical


- Valor Econômico

Apoiadores de políticos nacionalistas e populistas se organizam para fortalecer agenda conservadora global

SÃO PAULO - As birutas estão em polvorosa. Afinal, não tem sido tarefa simples indicar para que lado sopram os ventos da política global. Prova disso, foram as recentes eleições para o Parlamento Europeu, realizadas no fim de maio. Se a votação para a escolha dos 751 eurodeputados confirmou algumas tendências, ela também esboçou um rearranjo de forças na região. Os partidos de centro seguiram perdendo espaço. A direita radical encorpou. Até aqui, nada de novo - seguiu-se o figurino esperado. A grande novidade foi um crescimento surpreendente de liberais pró-União Europeia e "verdes".

Para a quase totalidade dos analistas, o avanço desses dois grupos atuou como uma barreira para conter a evolução dos "eurocéticos", populistas e nacionalistas, que prometia ser acachapante. Essa turma (com ideias anti-imigrantes, antiestablishment, antiglobalismo, anti-LGBTQ, anti-China, anti-Francisco, o papa...) ocupava perto de 20% dos assentos da câmara europeia em 2014. Agora, detém 25%. Havia a sólida expectativa, contudo, de que poderia alcançar 30%. Previsões fantasiosas chegaram a especular 50%. A questão que fica é óbvia: será que o ímpeto dos extremistas arrefeceu? Mais uma: será que essa eventual perda de tração pode atingir outras regiões?

É cedo, e nem sequer existem elementos, para responder a essas questões. O primeiro indício de mudança, contudo, está na mesa. E essa virada dos ventos, ainda que incipiente, tem sido atribuída a uma participação excepcional dos eleitores no pleito. Compareceram às urnas 51% dos 512 milhões de europeus com direito a voto, a maior cota registrada em 20 anos. A lógica por trás dessa tese indica que, quanto maior o envolvimento da população, menor o radicalismo. Pode ser. De qualquer forma, como anotou o cientista político búlgaro Ivan Krastev, em artigo publicado no "New York Times", as mesmas eleições também demonstram que a onda nacional-populista não passará tão cedo. Ao contrário. Hoje, boa parte dos líderes e ideólogos desses grupos tenta se reorganizar em um bloco. Na prática, eles querem formar uma espécie de "Internacional Populista". O sucesso dessa estratégia só será conhecido a partir de julho, quando o novo Parlamento iniciará seus trabalhos.

Soa um tanto dissonante atribuir à direita o termo "internacional", profundamente enraizado no marxismo clássico e nas ambições socialistas do início do século passado, ainda que remonte à Revolução Francesa. Mas as bases desse movimento, mesmo que às avessas, foram lançadas. Entre seus protagonistas, estão políticos que se fortaleceram nas eleições na Europa. Matteo Salvini, o ministro do Interior e vice-premiê da Itália, ocupa o topo dessa lista - lugar, aliás, no qual faz questão de se colocar.

Seu partido, a Liga Norte, dominou amplamente as urnas entre os italianos, com um discurso contra os imigrantes e a União Europeia. Ele passou de 6% dos votos obtidos em 2014, para nada menos do que 34% neste ano. Outro destaque foi Marine Le Pen, do Agrupamento Nacional (RN, na sigla em francês) - a nova marca da Frente Nacional. Com base na mesma retórica, ela conquistou 24% dos votos franceses e derrotou o presidente Emmanuel Macron, cujos candidatos atingiram 22%.

Essa frente nacional-populista europeia tem outros adeptos em potencial, ainda que não sejam aliados naturais de Salvini e Marine Le Pen. Nesse time joga, por exemplo, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, tido como o mais "distópico" dos representantes da direita radical. Seu partido, o Fidesz, arrasou. Ficou com 52% da preferência do eleitorado e terá 13 das 21 cadeiras húngaras na Eurocâmara. Não menos demolidora foi a atuação do inglês Nigel Farage. Ele criou o Partido do Brexit (o nome diz tudo) seis semanas antes das eleições europeias. Ainda assim, abocanhou 31% dos votos britânicos. Para dar uma ideia do que isso significa basta indicar que o Partido Trabalhista ficou com 14% e o Conservador, com 9%. Hoje, no Reino Unido, já não se discute como os conservadores sairão da atual crise em que se enfiaram, mas, sim, se vão sobreviver a ela.

*André Lara Resende: Brasil de hoje e o conservadorismo vitoriano

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

"But, soon or late, it is ideas, not vested interests, which are dangerous for good or evil"
J.M. Keynes

1. Sugestão controversa
A economia não dá sinais de que sairá tão cedo do atoleiro em que se encontra. Há consenso de que as finanças públicas estão em frangalhos. Embora o diagnóstico seja praticamente consensual, há discordância quanto à melhor forma de enfrentar o problema e repor a economia nos trilhos. Em uma série de artigos recentes, sustento que a opção por equilibrar o orçamento a curto prazo é um equívoco. Em conjunto com uma reforma que garantisse o reequilíbrio a longo prazo da Previdência, deveria-se organizar um ambicioso programa de investimentos públicos de infraestrutura e uma revisão simplificadora da estrutura fiscal para estimular o investimento privado. Para isso, seria preciso abandonar o objetivo de equilibrar imediatamente as contas e aceitar o aumento da dívida por mais alguns anos enquanto a economia se recupera.

Ao sugerir que tentar o equilíbrio orçamentário no curto prazo é contraproducente, pois agravará a recessão e poderá levar ao aumento da relação entre a dívida e o produto interno, provoquei indignação. A visão dominante entre os analistas financeiros é que o governo não tem como manter as suas despesas, pois as fontes de financiamento, seja através dos impostos, seja do endividamento, se esgotaram. Seria imperioso equilibrar o quanto antes o orçamento e reduzir o endividamento, sob risco de asfixiar os investimentos privados e levar a economia ao colapso. O argumento é duplamente falacioso. Primeiro, porque desconsidera o fato de que a União, como todo governo que tem uma moeda fiduciária, não tem restrição financeira. Segundo, porque pressupõe que a economia esteja próxima do pleno emprego.

2. Velhas falácias
O primeiro ponto, de que o governo não tem restrição financeira, é o mais controverso. Embora não seja novo - muito pelo contrário, tem uma longa tradição na história da teoria monetária, desde Henry Thornton e Thomas Tooke nas controvérsias monetárias do século XIX na Inglaterra, passando por Knut Wicksell e Georg Knapp no início do século XX -, foi ofuscado pela adoção na prática da visão metalista de que a moeda deveria ser sempre lastreada num ativo real. O padrão-ouro, segundo o qual a moeda deve ser conversível em ouro, predominou até o fim do século XIX. Depois de provocar graves desajustes na primeira metade do século passado, foi finalmente abolido na conferência de Bretton Woods, em 1944. A teoria monetária predominante, no entanto, não se reformulou, não se adaptou para refletir o fato de que a moeda tinha passado a ser exclusivamente fiduciária.

A Teoria Quantitativa da Moeda, predominante até o final do século XX, substituiu o lastro metálico da moeda pela base monetária, que deveria ser controlada pelos bancos centrais, mas manteve inalterada a estrutura lógica do padrão-ouro. Nos anos 90, quando ficou evidente que os bancos centrais não controlavam a base monetária, mas sim a taxa básica de juros, a Teoria Quantitativa foi finalmente aposentada. Substituída por metas para a inflação e uma regra heurística para a taxa básica de juros, a chamada Regra de Taylor, a teoria monetária quantitativista saiu de cena, mas deixou intacta a noção de que o governo não tem como se financiar sem desrespeitar os limites ditados pelas reservas em ouro ou pela base monetária.

A compreensão de que, se a moeda é fiduciária, o governo não tem restrição financeira, ressurgiu recentemente, com o destaque adquirido pela chamada Moderna Teoria Monetária. Embora seja uma mera consequência lógica do sistema monetário fiduciário, há uma enorme resistência a aceitar que o governo não tenha restrição financeira. Como já tratei do assunto em artigos anteriores, não pretendo voltar aqui ao tema.

Passemos então ao segundo ponto falacioso: o de que os investimentos públicos concorrem e inviabilizam os investimentos privados. As palavras de John Cochrane, hoje no Hoover Institution, em Stanford, e no Cato Institute, dois dos mais influentes centros conservadores dos Estados Unidos, que recentemente têm defendido teses monetárias menos ortodoxas, são exemplares: "Cada dólar de aumento no gasto do governo deve corresponder a um dólar a menos no gasto do setor privado. Os empregos criados pelo estímulo dos gastos públicos são compensados pelos empregos perdidos devido à redução dos gastos privados. Pode-se construir estradas no lugar de fábricas, mas o estímulo fiscal não nos pode ajudar a construir mais das duas. Esta forma de 'crowding-out' é pura contabilidade e não depende de nenhuma hipótese a respeito de percepção ou de comportamento".

Cristian Klein: Uma operação sensacional

- Valor Econòmico

Para o antipetismo, as ações de Moro foram sensacionais

No depoimento de quase nove horas no Senado, o ministro da Justiça, Sergio Moro, usou a palavra "sensacionalismo" 45 vezes para se referir à série de reportagens do site "The Intercept" que revelam suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato. Foi a maneira de desqualificar as suspeições de parcialidade como então juiz federal responsável pela força-tarefa. Moro defendeu que tantos diálogos entre magistrado e acusação é algo absolutamente normal. Mas, enquanto titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, Moro formou com Dallagnol um casal sensacional.

Com a ajuda do procurador, tornou-se herói nacional do combate à corrupção para uma parte da população politicamente mobilizada. Para outra parte da opinião pública, Moro foi juiz punitivista, inquisitório e parcial. Até o momento, as mensagens hackeadas de celular, individualmente, não causaram estrago capaz de derrubar a imagem do ministro. Mas, em conjunto, formam o quadro do ator político em busca de espaço. Tem minado.

Se Moro não quisesse causar sensação, não teria feito de uma condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início de março de 2016, um espetáculo midiático. Não teria retirado, menos de duas semanas depois, o sigilo do grampo telefônico entre Lula e Dilma, decisão inconstitucional segundo o então relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki - o vazamento do áudio acabou com as chances do governo petista de reagir às pressões pelo impeachment. Não teria divulgado a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, às vésperas do primeiro turno, no ano passado.

Para o antipetismo, as ações de Moro foram sensacionais. Se parciais, pouco importa. A Justiça serviu à política. Os fins justificaram os meios. O juiz abandonou a toga e aderiu ao presidente favorecido pela condenação que tirou da disputa o principal adversário eleitoral. Ao aceitar o convite para ocupar o ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro passou a servir a um grupo político - não a um qualquer, mas o que conduz o governo de perfil ideológico mais radical desde a redemocratização. A história do juiz que prendeu Lula e virou ministro de Bolsonaro não precisaria de hacker para ser contada. Moro deixa suas intenções transparentes.

Claudia Safatle: Há luz no fim do túnel

- Valor Econômico

Governo precisa parar de atrapalhar e de perder tempo

Há boas e más notícias sobre a possibilidade de expansão dos investimentos do setor privado no país, que será a base da retomada do crescimento econômico em algum momento no futuro. Esmiuçando os dados dos balanços de 319 grandes companhias de capital aberto não financeiras, identifica-se acentuada queda do nível de endividamento, aumento da rentabilidade e redução do custo de capital.

Ao mesmo tempo há uma "revolução" em curso no financiamento das empresas. De 2005 para cá 1.369 novas companhias, na maioria (62,8%) fechadas, entraram no mercado de dívidas corporativas.

A situação das pequenas e médias empresas, porém, contrasta frontalmente com a das grandes, o que é um fator negativo. Em dezembro de 2017 havia 4,937 milhões de pequenas e médias empresas inadimplentes. No ano passado esse número já era de 5,305 milhões.

Duas importantes variáveis na decisão de investir são: 1) se a taxa de retorno do capital investido é maior do que o custo do capital; e 2) qual é a expectativa de crescimento do PIB. A resposta à primeira questão é positiva. Quanto ao aumento da demanda por causa de uma melhor expectativa de crescimento, a resposta já não é tão óbvia. Tem sido sistemática a queda nos prognósticos de expansão do PIB por queda de confiança, alto grau de incerteza e elevada capacidade ociosa. Esse quadro pode estar deteriorando as finanças das empresas nos últimos seis meses.

Ao contrário do setor público, não é por excesso de dívidas que as empresas privadas de grande porte não estão aumentando os seus investimentos.

Segundo estudo apresentados pelo economista Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Ibmec (Cemec), em recente debate na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a dívida bruta sobre patrimônio líquido (alavancagem) das companhias abertas (inclusive Petrobras, Eletrobras e Vale) caiu de 1,43 para 0,92 entre 2015 e 2018. Desconsiderando as três empresas gigantes, a queda foi de 1,35 para 0,95 em igual período.

Juan Arias: O grande desafio

- El País

É possível que dois “mitos” como Bolsonaro e Moro convivam sem se devorar?

Pode parecer paradoxal que um Governo como o atual do Brasil, de extrema direita, um dos mais confusos e sem rumo desde a redemocratização, tenha conseguido juntar dois dos grandes mitos nacionais, o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Justiça, o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro. Até quando poderão conviver sem se devorar?
E
A história dos mitos, que tem sua maior expressão na Grécia Antiga, mas remonta ao alvorecer da Humanidade, tem sobrevivido através dos séculos adaptando-se a cada época histórica. No entanto, algo como a busca desesperada para entender a existência sempre existiu, desde que os mitos se confundiam com as religiões que tentavam dar uma explicação para o cosmos e a morte. E os mitos eram criados pela tribo, pelo povo. Este criava seus deuses, seus heróis, seus seres superiores capazes de dar respostas às angústias do desconhecido que o atemorizava.

Aqueles mitos de heróis e deuses capazes de resolver angústias e decifrar mistérios chegaram até hoje. Persistem na esfera religiosa e até penetraram na política. Afinal, todos os famosos líderes populistas são alimentados pela base, principalmente pelos mais necessitados de que lhes resolvam suas ansiedades e angústias. E, assim como todos os mitos antigos, ainda hoje os novos mitos da política e da justiça têm um fundo religioso, que os conecta com as velhas divindades. Não é por acaso que todos os mitos políticos costumam apresentar um forte componente religioso, sejam de esquerda ou de direita.

Hoje o Brasil vive a novidade de ver governar juntos os dois maiores mitos do país depois do carismático Luiz Inácio Lula da Silva, que, mesmo condenado e na prisão, continua sendo o maior mito político da história moderna do país. Fora Lula, cuja trajetória política ainda não parece esgotada e poderia ressuscitar de suas cinzas como no velho mito da Fênix, os dois grandes mitos da política do Brasil atualmente são o presidente e capitão da reserva Bolsonaro e o ex-juiz Moro, que se retirou da magistratura para ensaiar sua nova aventura como político.

Ambos foram consagrados como mitos pelo povo. Bolsonaro foi apelidado assim por seus milhões de fiéis que o viram como um novo Messias capaz de libertar o país das garras da corrupção, da violência e da “praga da esquerda”, que segundo ele e suas hostes arruinaram o país e o despojaram de sua essência moral e religiosa. Para acrescentar um elemento essencial ao mito, o da proteção dos deuses, juntou-se a Bolsonaro a coincidência do atentado contra ele, visto, de baixo, como o sinal divino que o confirmava como o mito consagrado.

Hélio Schwartsman: Um presidente bicameral

- Folha de S. Paulo

Nada indica que Bolsonaro vá alterar seu estilo de gestão

Julian Jaynes é o autor de uma das mais esquisitas teorias da psicologia. Ele propôs que a mente de homens antigos (de até uns 3.000 anos atrás) não operava de modo metaconsciente, isto é, era incapaz de elaborar pensamentos sobre pensamentos, crenças sobre crenças etc.

Para Jaynes, a mente primitiva era bicameral, funcionando através de respostas automáticas não-conscientes calcadas principalmente no hábito. Volições assumiam a forma de comandos neurológicos que se apresentavam como vozes, uma espécie de alucinação auditiva.

Não sei bem quanto ao homem antigo, mas Jaynes talvez tenha descrito Jair Bolsonaro, que parece mesmo estar seguindo seus comandos internos sem jamais refletir se eles ajudam ou atrapalham o governo, se são bons ou não para a sociedade.

Com efeito, o presidente parece agir desvinculado de qualquer plano estratégico. Algumas de suas propostas configuram regressões civilizatórias, como é o caso do decreto que generaliza a posse e o porte de armas e das mexidas na legislação de trânsito que reforçam os piores hábitos dos maus motoristas.

Bruno Boghossian: A chave do Supremo

- Folha de S. Paulo

Pesquisa mostra que 38% dos brasileiros acham que presidente pode fechar a corte

A última edição da pesquisa Barômetro das Américas mostrou que 38% dos brasileiros acham que o presidente pode fechar o STF caso o país enfrente dificuldades. O sentimento não é majoritário, mas sua escalada chama a atenção. Nos últimos dez anos, esse percentual nunca ultrapassou a casa dos 15%.

Não é de hoje que a popularidade do Supremo está no fundo do poço. Ainda assim, é espantoso que tanta gente apoie a solução radical de passar a chave na porta do tribunal e mandar os ministros para casa.

Exposta a desgastes, a corte conquistou o desapreço de eleitores de esquerda (35%), de centro (25%) e, principalmente, de direita (52%). O ambiente pode se tornar ainda mais desfavorável, já que o STF permanece rachado em discussões criminais, assumiu protagonismo em pautas políticas e enfrenta o antagonismo do presidente da República e aliados.

Reinaldo Azevedo: Havendo lei, condenação de Lula é nula

- Folha de S. Paulo

Se o devido processo legal não existe, então tudo é permitido

Não reconheço a legitimidade do “DPPL”: o “Direito Penal Para Lula”. Reconheço a ordem democrática, de que faz parte o devido processo legal. A lei evidencia a nulidade do processo que resultou na condenação do ex-presidente. E caberá ao STF dizer se a Lava Jato está subordinada a essa ordem democrática e legal ou se também o tribunal se subordina à Lava Jato. Vamos ver.

O ministro Sérgio Moro, da Justiça, inventou uma nova categoria discursiva para tentar justificar as agressões à ordem legal que cometeu quando juiz da Lava Jato: trata-se da “fala quântica”, aquela que é e que não é, que existe e não existe, que é verdadeira e falsa. Tudo ao mesmo tempo. A trapaça retórica só engana os convertidos.

Por óbvio, a física não explica o drible na verdade que o ministro tenta dar porque falas quânticas não existem. Trata-se apenas da busca de uma zona intermediária entre a mentira e a verdade.

E qual é a verdade? Quando juiz, o doutor incidiu no inciso IV do artigo 254 do Código de Processo Penal, a saber: “O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes [...] se tiver aconselhado qualquer das partes”.

No que diz respeito ao ex-presidente Lula ao menos, as conversas entre Moro e Deltan Dallagnol, reveladas pelo site The Intercept Brasil, vão muito além do aconselhamento: trata-se de múltiplas ações concertadas entre o juiz e os procuradores.

Merval Pereira: Decisão histórica

- O Globo

Bloqueio de bens de donos da Odebrecht é um avanço na relação entre Justiça e empresas envolvidas em corrupção

A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de bloquear R$ 1,1 bilhão das contas pessoais dos controladores da Odebrecht, Emílio e Marcelo Odebrecht, abre um novo capítulo na relação institucional entre a Justiça brasileira e empresas envolvidas em corrupção contra o Estado.

O ministro Bruno Dantas, autor do voto divergente que acabou majoritário no TCU, colocou em seu Twitter a seguinte mensagem, logo após a decisão: “Desde o início da Lava-Jato vozes respeitáveis da imprensa e do mercado defendem que é preciso preservar a atividade empresarial e os empregos e punir os ‘donos’. Decisão histórica do @TCUoficial.”

André Luis de Carvalho (ministro substituto) era o relator, mas ficou vencido na decisão de mandar liberar os bens da Odebrecht bloqueados. O ministro Bruno Dantas abriu a divergência, mandando respeitar a recuperação judicial, mas desconsiderar a personalidade jurídica, atingindo os bens dos acionistas controladores, começando por Emílio e Marcelo.

Foi, de fato, uma decisão histórica, que pode dar novos rumos aos acordos de leniência de empresas, e não apenas daquelas envolvidas na Operação Lava-Jato. Os advogados da empreiteira recorrerão, alegando que o TCU não tem competência para bloquear bens pessoais. O Tribunal considera que sim, no caso de empresas que causaram danos à União.

Míriam Leitão: Quedas mostram falhas do governo

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro mostra seu estilo ao demitir: de forma intempestiva e, às vezes, com humilhação pública

Todo presidente tem o direito de nomear e demitir pessoas que estão em cargo de confiança, mas os governos se revelam na maneira como executam esses atos de desligamento.

A queda de Joaquim Levy em si poderia ter sido simples se fosse feita da forma protocolar, com bons modos e com um nome já escolhido para substituir. Mas vários fatos fazem dela um exemplo do mau comportamento do atual governo: foi por impulso, de forma grosseira e improvisada. O primeiro sinal desse estilo havia sido a demissão de Gustavo Bebianno, que, apesar de ter sido a sombra de Bolsonaro na campanha, foi despachado para atender a um capricho do filho Carlos.

Foram três demissões de general durante a semana passada, e essa decapitação na área econômica durante o fim de semana. A saída de Santos Cruz deixou uma sombra ainda não dissipada sobre o motivo que o levou a demitir o ministro que chegara com planos de quebrar barreiras entre a sociedade e o governo. A demissão de Santos Cruz mostrou que o presidente pode atingir com o seu impulso de cortar cabeças até seus amigos mais próximos.

No caso de Levy, Bolsonaro inventou um motivo. Ele fez várias acusações vagas. Levy teria levado pessoa “suspeita” para a diretoria, não abrira a caixa preta e, por fim, disse que estava “por aqui” com ele. Não havia qualquer emergência que provocasse tal reação do presidente. Ninguém sabia explicar o que levou o presidente a fazer o que fez naquele momento. Chama-se “quebra-queixo” as abordagens em bloco de jornalistas com seus microfones em cima das autoridades. Nessas ocasiões alguns falam coisas impensadas, e depois culpam a pressão inesperada. No caso, o presidente buscou o quebra-queixo para avisar que poderia demitir Levy até sem passar pelo ministro da Economia.

Flávia Oliveira: Reação ao pacote de Moro

- O Globo

Sociedade se mobiliza para alertar políticos dos riscos da mudança apressada da legislação

O escândalo da troca de mensagens entre o então juiz Sergio Moro e o ainda chefe da força-tarefa da Operação Lava-Jato, Deltan Dellagnol, deu ao país a oportunidade de refletir um pouco mais sobre o chamado Projeto de Lei Anticrime, que o governo tenta aprovar no Congresso Nacional paralelamente à reforma da Previdência. Enquanto o hoje ministro da Justiça e Segurança Pública gasta horas se explicando a parlamentares sobre as denúncias do site Intercept, como anteontem, a sociedade civil se mobiliza para alertar o mundo político dos riscos da mudança apressada da legislação.

Na terça, 11 de junho, quando o Brasil ainda digeria o primeiro lote de mensagens instantâneas entre o ex-titular da 13ª Vara Federal e o procurador, organizações do movimento negro apresentaram em Brasília uma carta com críticas aos decretos presidenciais que flexibilizam o acesso a armas de fogo, que esta semana receberam um freio do Senado, e aos projetos de lei 1.864/2019, 1.865/2019 e 89/2019, em tramitação no Legislativo.

O documento foi entregue ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e ao número um da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Silas Câmara (PRB-AM). Alcolumbre garantiu amplo debate da futura legislação com Judiciário, especialistas em segurança pública e sociedade civil. Parte do grupo já tinha denunciado o pacote à Comissão de Direitos Humanos da OEA, reunida na Jamaica, mês passado.

No texto, os 60 signatários, entre ONGs, representações acadêmicas, culturais e coletivos estudantis, afirmam que o pacote “exacerbará o encarceramento em massa, bem como o extermínio da juventude negra”. Juntaram-se a três entidades do mundo jurídico, que também já criticaram publicamente o conjunto de medidas: Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Desde abril, um grupo de trabalho instituído pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do qual faz parte o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), tem promovido audiências públicas semanais para escrutinar a Lei Anticrime, apelidada pelos críticos de “Pacote Morocida”. No arcabouço em tramitação, as principais preocupações são:

Ricardo Noblat: Aberta a sucessão presidencial de 2022

- Blog do Noblat / Veja

Capitão empoderado
Que mais poderia querer o presidente Jair Bolsonaro com menos de seis meses de governo? Por unanimidade, coisa rara, o Congresso autorizou-o a gastar mais R$ 250 bilhões sem os quais não fecharia as contas do governo deste ano. Foi o tal crédito suplementar aprovado na semana passada.

Até o final de julho, ou na volta do recesso de meio de ano, o Congresso aprovará a reforma da Previdência, apesar de Bolsonaro e do seu pouco empenho para tal. A reforma produzirá efeitos a médio e a longo prazo. Mas no curto influenciará a tomada de decisões para investimentos futuros.

Isso significa que Bolsonaro tem garantido pela frente um período de relativa tranquilidade de pelo menos 9 a 12 meses. Para um governo sem norte seria um ganho e tanto. Quando nada, não precisaria ter pressa em criar novos problemas. Mas quem disse que o capitão sabe ser paciente?

Para espanto de aliados e adversários, ele aproveitou, ontem, uma viagem a São Paulo para lançar-se candidato à reeleição. Sim, nem bem completou seis meses no cargo, e sem que ninguém o provocasse, Bolsonaro disse e repetiu que se o povo quiser ele topa governar por 8 anos.

Daqui por diante, o Congresso e demais instituições da República levarão em conta o que aditiu Bolsonaro quando tiverem que deliberar sobre qualquer coisa. Foi aberta a sucessão presidencial de 2022. E o principal candidato já está em campanha como se viu ontem na Marcha com Jesus.

De colete à prova de bala sob uma camiseta da marcha que reuniu mais de 3 milhões de pessoas na capital paulista, Bolsonaro comportou-se como candidato. No alto de um palanque, em meio a líderes evangélicos, repetiu o gesto de quem atira com uma arma. A plateia delirou. Só faltou pedir votos.

O capitão sente-se cada vez mais forte. Em duas semanas, demitiu quatro generais do seu governo, dois deles ministros. Demitiu o presidente do maior banco de investimento público. Esvaziou os poderes do Chefe da Casa Civil. E viu quem poderia lhe fazer sombra diminuir de estatura.

O ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, foi atingido por denúncias que mancham sua trajetória como juiz. O ministro Paulo Guedes, da Economia, ex-Posto Ipiranga, indicou um nome para substituir Joaquim Levy na presidência do BNDES. Bolsonaro preferiu outro ligado aos seus filhos.

Está em curso uma reforma ministerial que só Bolsonaro conhece a extensão – ele e os garotos, naturalmente, além do guru da família. Desidrata-se a chamada ala militar do governo. Sobrou até para o general Augusto Heleno: o chefe da Agência Brasileira de Informações é agora um homem do presidente.

Ninguém tem mais emprego garantido. E aí de quem contrariar as vontades de Bolsonaro. O aviso vale também para o Congresso. Bolsonaro orientou seus eleitores a pressionarem os deputados para que revoguem a decisão do Senado contrária ao decreto da farra das armas. Os deputados ficaram furiosos.

Tiro de raspão

Falta a bala de prata
Se a ideia por enquanto é apenas aumentar o nervosismo do ex-juiz Sérgio Moro, a divulgação de mais uma conversa, desta vez entre procuradores da Lava Jato à época, certamente produzirá efeito

Dora Kramer: Rumo à estação 22

- Revista Veja

Virou lugar-comum dizer que Bolsonaro não termina o mandato

Entre os vários assuntos a respeito dos quais é mais fácil falar do que fazer, a interrupção de mandatos presidenciais ocupa o topo da lista. Certamente porque passamos por dois processos de impedimento em menos de trinta anos e o mundo não se acabou. Donde a banalização do tema. A ponto de hoje ter virado lugar-comum em qualquer conversa pessoal ou digital dizer de maneira peremptória que Jair Bolsonaro não termina o mandato.

Pode terminar ou não, e, nessa hipótese, esses autores terão acertado à maneira dos relógios parados que duas vezes ao dia marcam a hora certa. Não há, por enquanto, evidências nesse sentido. O desempenho insatisfatório, a ocorrência de exorbitâncias oratórias, o exercício da boçalidade explícita e a inadequação dos atributos da pessoa às exigências do cargo não estão entre os fatores em que a Constituição prevê o afastamento definitivo de presidentes da República.

Isso sob o aspecto frio da lei. No ambiente quente da política, para a interrupção de mandato também são exigidas determinadas condições que por ora não estão postas. A principal delas, a existência de pessoas ou de grupos preparados e/ou interessados em ocupar a vacância decorrente do impeachment. Tal situação não se configura no momento. Isso não quer dizer, contudo, que os pretendentes à ocupação do poder ainda que no tempo regulamentar não estejam se mexendo desde já.

Para fazer uso de uma metáfora-chavão, digamos que 2022 seja um ano que já começou. Nada de anormal, pois os arranjos eleitorais funcionam à semelhança das escolas de samba, cujos preparativos para o Carnaval seguinte se iniciam assim que as alas se dispersam na Praça da Apoteose.

Monica De Bolle: “Respeito você, mas...”

-Revista Época

Mulheres muitas vezes enxergam prioridades diferentes das dos homens no desenho dessas políticas e de programas sociais.

Falar sobre machismo é sempre difícil. É importante, mas difícil e muitas vezes cansativo. É objeto de controvérsia por várias razões, inclusive porque homens geralmente não veem que houve machismo em certa situação. Como eles não veem, não houve. Contudo, não é bem assim que a coisa rola.

Publiquei recentemente no Twitter um gráfico para falar sobre a inexistência de caixa-preta no BNDES. Nesse gráfico, havia dois eixos. Em um deles, estavam os desembolsos anuais do BNDES como proporção do PIB. No outro, o investimento brasileiro também como proporção do PIB. O ponto era bem simples: houve um salto considerável nos desembolsos do BNDES ao final do segundo mandato de Lula e do primeiro de Dilma. 

O aumento dos desembolsos do BNDES não veio acompanhado de qualquer aumento da produtividade brasileira, e, embora tenha havido uma elevação da taxa de investimento no período, essa subida poderia ser explicada por fatores cíclicos, como a alta das commodities e os impulsos externos que sobrevieram da crise de 2008. Ao terminar a farra do crédito público subsidiado, em 2014, sobraram os escombros. 

Lava Jato discutiu troca de procuradora após crítica de Moro, indicam diálogos

Deltan e colega discutiram orientação de ex-juiz antes de audiência com Lula

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A força-tarefa do Ministério Público Federal discutiu a alteração da escala de procuradores em audiências da Lava Jato após crítica do então juiz Sergio Moro a uma das procuradoras do grupo, sugerem novos diálogos de autoridades da operação relevados nesta quinta-feira (20).

A troca de mensagens, obtida pelo site The Intercept Brasil, foi revelada no programa "O É da Coisa", de Reinaldo Azevedo, na rádio BandNews.

Em diálogo divulgado no último dia 9, o site havia mostrado que Moro enviou mensagem a Deltan Dallagnol, em 2017, orientando que aconselhasse a procuradora Laura Tessler a melhorar seu desempenho em interrogatórios da operação.

O novo trecho revelado nesta quinta indica que Deltan discutiu o assunto de maneira particular com Carlos Fernando dos Santos Lima, à época um dos integrantes mais experientes da força-tarefa, e hoje aposentado. O coordenador do grupo chegou a encaminhar ao colega a mensagem em que Moro critica a procuradora.

"Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela", disse Deltan, de acordo com a rádio BandNews.

Santos Lima responde: "Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. No [depoimento] do Lula não podemos deixar acontecer".

A discussão ocorreu dois meses antes do primeiro depoimento de Lula como réu em Curitiba. Na audiência, ocorrida em maio, compareceram três procuradores: Santos Lima, Júlio Noronha e Roberson Pozzobon. Laura Tessler, criticada por Moro, não participou.

Antes dessa discussão, segundo informou a rádio, Deltan pediu precauções quanto à conversa ao colega. "Não comenta com ninguém e me assegura que teu telegram não tá aberto aí no computador e que outras pessoas não estão vendo..." O coordenador da força-tarefa combinou com Santos Lima de apagar o conteúdo da mensagem.

Em audiência no Senado nesta quarta-feira (19), Moro foi questionado sobre a orientação relacionada a Laura Tessler. Disse que era um factoide e que não se lembrava da mensagem específica.

"Em nenhum momento no texto, há alguma orientação de substituição daquela pessoa [Tessler]. Tanto que essa pessoa continua e continuou realizando audiências e atos processuais até hoje dentro da Operação Lava Jato. Um juiz eventualmente recomendar para um advogado na audiência ou para um procurador: Olha, profissionalmente, vou te dar um conselho, faça assim, não faça assado... Como isso pode ser considerado alguma coisa ilícita?"

O governo paralelo liderado por Rodrigo Maia

No vácuo da desarticulação política do Executivo, o Congresso prepara uma agenda que será implementada após a aprovação da reforma da Previdência

Por Daniel Pereira, Marcella Mattos e Nonato Viegas / Revista Veja

A imagem ao lado retrata o aperto de mãos entre dois dos mais poderosos homens da República. À direita, está Paulo Guedes, o superministro da Economia, o “Posto Ipiranga” do presidente Jair Bolsonaro. À esquerda, Rodrigo Maia, comandante da Câmara e senhor do destino de todas as votações importantes no plenário da Casa. Na foto, o clima é de cordialidade, mas longe dos holofotes a relação entre ambos, que ainda pode ser classificada de parceria, está se esgarçando. Os sinais são evidentes. Guedes reclamou publicamente do fato de os deputados terem mudado a proposta da reforma da Previdência do governo, retirando do texto o regime de capitalização, a menina dos olhos do ministro. Maia respondeu defendendo a autonomia do Legislativo e tachando o governo de uma “usina de crises”. Os dois também se estranharam sobre a demissão de Joaquim Levy do cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A reação de Maia foi acima de seu tom habitual. Ele considerou a exoneração de Levy “uma covardia sem precedentes” por parte de Guedes.

Os dois episódios não são casos isolados. Pelo contrário, refletem uma disputa de poder entre o Executivo e o Legislativo para ver qual deles receberá os créditos pela aprovação de projetos capazes de reaquecer a economia brasileira, que registrou retração no primeiro trimestre deste ano. No modelo político brasileiro, o protagonismo cabe, em tese, ao presidente da República. O problema é que Jair Bolsonaro propôs a reforma da Previdência e, até aqui, nada mais falou sobre como destravar investimentos, gerar empregos, aumentar a produtividade. Sua agenda se restringe a temas caros a nichos bolsonaristas, como porte de armas, multas e cadeirinhas de trânsito. Empresários, banqueiros e trabalhadores, então, passaram a levar suas demandas e esperanças a outro guichê, o gabinete de Rodrigo Maia, que está preparando um pacote de medidas econômicas para ser votado tão logo a reforma da Previdência seja aprovada. As propostas estão sendo elaboradas por um grupo de especialistas que forma uma espécie de equipe econômica paralela do presidente da Câmara.

No horizonte, juros menores: Editorial / O Estado de S. Paulo

Já se pode apostar com alguma segurança num corte dos juros básicos antes do fim do ano, a julgar pela avaliação do quadro econômico apresentada pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), depois de sua última reunião. Nessa reunião o comitê manteve em 6,50% a taxa básica, a Selic. A decisão de manter os juros nesse nível foi tomada pela décima vez, mas agora com uma abertura maior para um afrouxamento adicional nos próximos meses. A senha básica para essa mudança continua sendo, como há muito tempo, o avanço na execução da pauta de ajustes e reformas, a começar pela aprovação do novo esquema de aposentadorias e pensões. Outros sinais podem ser necessários, como a continuidade de condições externas benignas e de expectativas quanto à evolução moderada dos preços.

A nova disposição dos membros do Copom, formado por diretores do BC, é indicada principalmente por dois importantes detalhes de seu comunicado. O primeiro é um reconhecimento mais explícito das condições muito ruins da economia brasileira, muito próxima, hoje, de uma nova recessão. Depois de cada reunião, nos últimos meses, a linguagem da nota informativa tornou-se mais dramática na descrição da cena econômica.

Expectativas de queda nos juros tendem a crescer: Editorial / O Globo

Confirmada a tendência à estagnação, pressão por cortes na Selic aumentará

Indicador das expectativas dos analistas do mercado financeiro, o último Relatório Focus, do Banco Central, recalculou para menos de 1%, 0,93%, a estimativa da evolução do PIB para este ano. Confirmada a projeção, pouco abaixo do pífio crescimento dos últimos dois anos, estará demonstrado que o país está mesmo num ciclo de estagnação. Por inevitável, a revisão para baixo dos índices se propaga para 2020: neste último relatório, a estimativa caiu de 2,23% para 2,20%. Um mês antes, estava em 2,50%.

Continua de pé o entendimento de que, aprovada uma reforma da Previdência com alguma musculatura, as expectativas são de uma retomada dos investimentos, e a consequente volta do crescimento. E, portanto, o início da reabsorção dos muitos desempregados (13 milhões).

Era esperada a decisão do Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, na sua reunião de terça e quarta, de manter os juros em 6,5%, nível em que se encontra desde março de 2018. Sempre há, principalmente em federações de empresários e sindicatos de trabalhadores, quem defenda cortes da taxa básica de juros, a Selic, mesmo que não haja condições técnicas para tal.

Agora, tende a aumentar a defesa da redução da taxa, devido à baixa atividade da produção. Algum sangue frio nesta hora é preciso. Até mesmo pela persistência das incertezas, o tradicional lado conservador dos bancos centrais responsáveis fique exacerbado.

Início de maratona: Editorial / Folha de S. Paulo

Manutenção da força política de Moro depende das novas revelações de diálogos e das habilidades do ex-juiz

No caso das conversas vazadas com a equipe do procurador Deltan Dallagnol, o ministro da Justiça, Sergio Moro, enfrenta duas ondas relativamente distintas de contestação. Uma é política e diz respeito a seu futuro como homem público. A outra, jurídica, põe à prova o legado da Operação Lava Jato.

O depoimento de quase nove horas de quarta-feira (19), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, marcou a largada do embate político. O saldo, para quem foi flagrado em conversas que sugerem proximidade proibida com a Procuradoria, não foi dos piores.

A conduta dos inquisidores, à exceção da de alguns de esquerda, passou longe do modo belicoso. Parece custoso, para muitos senadores, passar a impressão de estar questionando a onda de operações anticorrupção que, na esteira da Lava Jato, atingiu políticos de vários partidos nos últimos anos.

Fed e BCE preparam nova rodada de corte de juros: Editorial / Valor Econômico

A trajetória dos juros globais voltou a apontar para baixo. O Federal Reserve americano, em sua reunião de quarta-feira, deixou claro que as incertezas sobre o cenário para sua política monetária aumentaram, e houve deterioração das perspectivas econômicas do país. Na terça, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, disse que novo afrouxamento monetário está a caminho, seja de maneira direta, pela redução da taxa de juros, seja indiretamente, via reabertura do programa de compra de bônus, como foi feito para impedir o derretimento da economia da zona do euro a partir da crise da Grécia em 2012, que resultou em um aumento do balanço do banco para € 2,6 trilhões.

Jerome Powell, presidente do Fed, prefere manter ainda uma atitude cautelosa, indicando desconfiança em relação às projeções do mercado que apontam probabilidade crescente de uma recessão nos EUA nos próximos 12 meses. O Fed reconhece que os riscos cresceram e que, com exceção de um membro, James Bullard, decidiu manter os juros entre 2,25% e 2,5%. Powell acredita que o cenário básico sobre o qual o banco toma suas decisões continua bom, mas está sendo erodido, não se sabe até que ponto.

O construtor de consensos: Editorial / Revista Veja

Em um país polarizado, é fundamental que o Parlamento, na figura do presidente da Câmara, assuma essa função

Quando conceberam Brasília, Lucio Costa e Oscar Niemeyer sonhavam com a proeminência do Congresso perante os outros poderes. Daí o desenho da Esplanada dos Ministérios desembocar nos imponentes prédios da Câmara e do Senado, e não no Palácio do Planalto. Na visão do urbanista e do arquiteto, o Poder Legislativo, “o poder do povo”, deveria ser o mais relevante, o de maior destaque. Contudo, pela falta de qualidade dos eleitos, com interesses obtusos, e também pelas características do nosso presidencialismo, poucas vezes saíram daquelas casas políticas públicas que pudessem, de fato, mudar o destino da nação. A exceção foi talvez a Constituição de 1988. Pode-se discordar de diversas tomadas de decisão da Carta promulgada pelo então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, mas não é possível ignorar seus efeitos na vida brasileira (alguns, inclusive, precisam ser urgentemente mudados para que o país volte a se desenvolver).

Bangue-bangue, tuítes e mágoas: Editorial / Revista Época

O premiê britânico Winston Churchill (1874-1965) é um dos líderes conservadores mais célebres do século XX e sempre foi visto como um inigualável defensor da democracia. Ninguém discute seriamente o heroísmo de Churchill ou o valor de sua liderança em face da “hora mais sombria” — quando a força militar de Hitler parecia prestes a dominar o mundo e havia eclodido a Segunda Guerra Mundial.

Em anos recentes, entretanto, acumulam-se ensaios sobre ações e declarações racistas, colonialistas e, principalmente, sobre erros políticos e militares que cometeu. A imagem de líder infalível não resiste à apreciação da história, porque afinal ninguém o é.

A inspiração em Churchill não serve para tudo. Não são poucos os exemplos que podem ser listados. Sua dieta diária de charutos, álcool e sono mínimo, para citar itens comezinhos, é uma receita rápida de desastre pessoal. Várias diretivas como primeiro-ministro foram questionadas por serem equivocadas, controversas ou até mesmo cruéis.

Fernando Pessoa: Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!

Ah, já está tudo lido,
Mesmo o que falta ler!
Sonho, e ao meu ouvido
Que música vem ter?

Se escuto, nenhuma.
Se não ouço ao luar
Uma voz que é bruma
Entra em meu sonhar

E esta é a voz que canta
Se não sei ouvir...
Tudo em mim se encanta
E esquece sentir.

O que a voz canta
Para sempre agora
Na alma me fica
Se a alma me ignora.

Sinto, quero, sei que
Só há ter perdido -
E o eco de onde sonhei-me
Esquece do meu ouvido.

Mônica Salmaso: Basta um dia