segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Opinião do dia: Almir Pazzianotto

A fundação do Partido dos Trabalhadores, em fevereiro de 1980, dias antes da malograda greve de abril no ABC, prometia algo inédito na esfera político-partidária, diferente da radicalização das esquerdas, do peleguismo petebista, do insaciável apetite peemedebista, do reacionarismo arenista. Anunciava-se proposta nova para o País, cansado do autoritarismo, à espera da democracia.

Afirmava-se que com o PT no poder a desigualdade de renda seria reduzida; o mercado de trabalho, robustecido; a inflação, contida; os salários reais, elevados. Lula assumia o compromisso de ser ético na vida pública, de renovar a legislação trabalhista, sanear a estrutura sindical corrompida pelo peleguismo, de promover a reforma do Estado. A realidade mostrou-se outra. A moralidade transformou-se em virtude escassa nas esferas públicas e as promessas de mudanças foram esquecidas. O que hoje se vê são ex-ministros, deputados, senadores, sindicalistas, empresários condenados ou réus de ações criminais

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Almir Pazzianotto, advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST, ‘Brasil 2016’, O Estado de S. Paulo, 21 de novembro, 2015.

Marina Silva diz que governo blinda Cunha para impedir impeachment de Dilma

• A Rede, partido de Marina, é coautora de uma representação no Conselho de Ética da Câmara que pede a cassação de Cunha

Bernardo Caram - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A ex-senadora Marina Silva afirmou neste domingo, 22, que o governo está blindando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como forma de impedir o andamento de um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ela disse acreditar que já há provas que trazem convicção sobre a culpa do deputado, mas ressaltou que ainda não vê fatos contra a presidente.

A Rede Sustentabilidade, partido de Marina, é coautora, junto com o PSOL, de uma representação no Conselho de Ética da Câmara que pede a cassação de Cunha. No pedido feito no mês passado, os partidos argumentam que houve quebra de decoro, já que o deputado teria mentido em depoimento à CPI da Petrobras, em março, quando disse que não tinha contas no exterior.

"Uma parte da oposição blindava (Cunha) em nome do impeachment e o governo continua blindando em nome do não impeachment", disse Marina, que foi candidata ao Palácio do Planalto, no ano passado. "Neste momento, as provas que foram juntadas contra o presidente da Câmara dos Deputados não são fabricadas. Acontecem dentro de um processo que leva os parlamentares a uma convicção, com base naquilo que foi trazido pelas apurações. É isso que deve ser feito com relação à presidente."

Sobre a possibilidade de impeachment de Dilma, Marina afirmou que é preciso haver provas contra a presidente, assim como no caso de Cunha. "Não se muda presidente só porque a gente está discordando", resumiu ela.

Crise e Abismo. Em convenção da Rede Sustentabilidade, realizada em Brasília, a ex-senadora criticou a dificuldade do governo de responder à crise econômica e reafirmou avaliações que vem fazendo recentemente. Para Marina, o País vive uma divisão de propostas para solução da crise - aquelas feitas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, as do PT, as do PMDB e as do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). "Tem quatro planos para a crise e nenhum deles com capacidade de responder à crise", insistiu.

No seu diagnóstico, o debate sobre a solução do momento econômico difícil está atualmente reduzida ao ajuste fiscal. "Antes do ajuste fiscal, é preciso que se tenha o ajuste Brasil", afirmou a fundadora da Rede, antes de dar um recado a Levy, que frequentemente fala em "travessia" para o crescimento. "A gente pode pensar que se faça uma travessia difícil para chegar à outra margem, mas que do outo lado não se tenha um abismo", argumentou.

Aplaudida pela plateia, a ex-senadora também criticou a política de empréstimos subsidiados a empresas selecionadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Sacrifício não é para que se continue captando recursos a 14,25% da taxa Selic e emprestando a 4% para aqueles que foram escolhidos para serem os campeões nacionais. Escolhidos sem critério de transparência", ressaltou.

Marina enalteceu, ainda, o juiz Sérgio Moro, responsável pela condução da Operação Lava Jato. "O trabalho que a Polícia Federal está fazendo, que a Justiça está fazendo, que o juiz Moro está fazendo deve ter todo o apoio da sociedade brasileira", disse.

Tragédia em Mariana. No discurso, que terminou sob gritos da plateia de "Brasil/pra frente/ Marina presidente", a ex-senadora classificou o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco -- joint venture entre Vale e BHP Billiton --, em Mariana (MG), como "um dos maiores crimes ambientais da história desse País". "Esse crime está sendo tratado como se fosse um desastre natural. Vemos que há um retrocesso enorme", afirmou. Na sua opinião, todos os empreendimentos considerados de risco no País devem passar por reavaliação.

Planalto insiste que petistas apoiem Cunha

A insatisfação na bancada do PT com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é nova preocupação no Planalto. Após rompimento da oposição e mal-estar com o PMDB, Cunha vem causando desconforto entre petistas, orientados pelo governo a apoiá-lo. O ministro Jaques Wagner (Casa Civil) chamou descontentes para uma reunião hoje.

Planalto enquadra petista

• Descontentes do PT se reúnem com Jaques Wagner para tratar de apoio a Cunha

Fernanda Krakovics, Júnia Gama Maria Lima – O Globo

-RIO E BRASÍLIA -Depois do desembarque da oposição, da perda de apoio entre aliados e do desconforto no PMDB, cresce a insatisfação na bancada do PT com a política de boa vizinhança mantida pelo Palácio do Planalto e pela direção petista com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ministro Jaques Wagner (Casa Civil) convocou uma reunião com deputados do PT descontentes para a noite de hoje. Já o peemedebista, fiel ao seu estilo de se defender atacando, afirmou ontem que é “furado” acharem que ele vai cair antes de decidir sobre o pedido de abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o que promete fazer antes do recesso parlamentar, que começa em 22 de dezembro. Cunha disse ainda que “não existe qualquer hipótese” de se afastar do cargo.

— Furado é achar que vou cair. Mais furado ainda é achar que não vou decidir (sobre o impeachment) — afirmou Eduardo Cunha ao GLOBO, por meio de mensagem de texto.

Ele disse que na semana passada arquivou sete outros pedidos e que faltam outros sete para avaliar, o que pode fazer a qualquer momento:

— Não sei (se será na próxima semana). Vai ser na medida do meu convencimento.
O peemedebista ironizou as avaliações segundo as quais ele, isolado, pode cair antes e dar um refresco para a presidente Dilma.

— Todos os dias, faz quatro meses, esses mesmos articulistas falam que vou cair e estou aqui — respondeu.

A avaliação de governistas é que o clima para o impeachment esfriou e que a presidente ganha fôlego com o recesso parlamentar. A aposta é que, até fevereiro, quando o Congresso voltar a funcionar, Cunha já terá sido afastado do comando da Câmara e substituído por um aliado que enterre de vez a possibilidade de impeachment. Mas Cunha disse ontem que vai se decidir sobre os sete pedidos de impeachment ainda pendentes, inclusive o dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, antes do início do recesso.

Divergindo da orientação do Planalto e da direção partidária, mais da metade da bancada do PT quer partir para o enfrentamento com o presidente da Câmara. Dos 60 deputados petistas, 34 assinaram a representação contra Cunha protocolada pelo PSOL e pela Rede no Conselho de Ética da Casa.

— Quero que alguém me explique qual é o ganho de manter essa situação — disse um dos convidados para a conversa com Wagner.

O Planalto e a direção do PT continuam tentando ganhar tempo, temendo que um confronto com Cunha prejudique o governo. A preocupação é que o presidente da Câmara revide com a abertura de um processo de impeachment e que a crise política prejudique a votação de medidas do ajuste fiscal.

Ao discursar na abertura da reunião do Diretório Nacional do PT, no último dia 29, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que é mais importante aprovar as matérias de interesse do governo do que “derrubar” o presidente da Câmara.

— O Eduardo Cunha de fato não deve ser nossa prioridade, assim como também não é da oposição. A prioridade da oposição é o impeachment. O problema é que a situação evoluiu para uma conduta tão intolerável que teve até levante no plenário — disse um deputado do PT, referindo-se à reação, na última quinta-feira, à manobra de Cunha para obstruir os trabalhos do Conselho de Ética.

Deputados do PT reclamam por não terem sido consultados sobre a decisão de ajudar a não dar quórum para a sessão do Conselho de Ética, na última quinta-feira, embora sofram o desgaste gerado por essa medida. Segundo petistas, a articulação ficou restrita à direção do partido; ao líder da bancada, deputado Sibá Machado (PT); e aos integrantes do colegiado.

Em diversos setores do PT, há insatisfeitos com a exposição negativa, como o senador Jorge Viana (PT-AC). E ao menos um dos três deputados petistas no Conselho de Ética, Léo de Brito (PTAC), não pretende mais faltar às sessões e garante que votará com “ética” no caso. Ele disse ao GLOBO que ainda não decidiu como votará no processo, negou ter havido pedido por parte do governo para que o PT ajude Cunha e afirmou acreditar que o presidente da Câmara não fará “retaliação política” com o impeachment, se não for salvo pelo PT no Conselho de Ética.

— Minha posição é pelo pleno funcionamento da Comissão de Ética — disse outro petista, o deputado Paulo Teixeira, de São Paulo.

A situação do peemedebista se agravou consideravelmente na última quinta-feira, quando manobrou durante horas para impedir que a sessão do Conselho de Ética analisasse a admissibilidade do processo por quebra de decoro do qual é alvo.

A reação da oposição foi imediata, com duros discursos e o esvaziamento do plenário, e será intensificada esta semana, quando partidos oposicionistas ingressarão no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República pedindo o afastamento de Cunha da presidência da Casa. Está prevista ainda a obstrução das votações na Câmara enquanto Cunha continuar na presidência.

Congresso da Juventude do PT termina em racha e dissidentes protestam

• Manifestantes subiram na cúpula da Câmara e gritaram 'Fora Cunha'; depois, foram até a Fazenda e pediram saída de Levy

Julia Lindner- O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Com gritos "Nem Meirelles, nem Levy, eu quero a Dilma que elegi" e "Cunha, você vai ver, a juventude está chegando ao poder", um grupo de aproximadamente 150 pessoas fez um protesto neste domingo, em Brasília. Todos participaram do 3.º Congresso da Juventude do PT e, após o encontro - que terminou em racha -, os dissidentes da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), majoritária no PT, caminharam até a Esplanada. Subiram na cúpula da Câmara e, depois, foram até o Ministério da Fazenda.

Um dia depois de a Polícia ter retirado do gramado do Congresso dezenas de manifestantes ali acampados, que pediam o impeachment da presidente Dilma Rousseff, os petistas mais à "esquerda" do partido decidiram ir mais longe e, do alto da Câmara, gritaram "Fora Cunha".

O ato contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - que enfrenta processo no Conselho de Ética, sob acusação de manter contas secretas na Suíça com dinheiro desviado da Petrobrás -, ocorreu no mesmo dia da eleição para a Secretaria Nacional da Juventude do PT, na esteira de conflitos internos.

Cinco tendências do PT se uniram contra a CNB, corrente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é majoritária no partido e tem 54% dos assentos no Diretório Nacional. Sob a justificativa de irregularidades no processo eleitoral, porém, os representantes das alas que divergem da CNB resolveram não votar e caminharam até a Esplanada para fazer um protesto.
Mesmo assim, Jefferson Lima, o atual secretário da Juventude do PT e integrante da tendência majoritária, foi reeleito por aclamação.

Entre as principais reivindicações do grupo dissidente - batizado de "Mudar o PT" no 5º Congresso Nacional do partido, em junho - estão a cobrança pela saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a defesa da cassação de Cunha.

Durante três dias, o encontro da Juventude do PT também revelou o desencanto com os rumos do governo e da própria legenda. "Estamos fazendo história ao dizer que o caminho do PT está equivocado", observou Tássia Rabelo, 26, uma das participantes do congresso, em Brasília. "O programa eleito em 2014 precisa ser cumprido."

Para Yuri Brito, 23, o governo tem de governar para quem o elegeu e desistir da política de conciliação com a elite do País ."Temos receio de perder as conquistas sociais, principalmente por causa da maioria conservadora no Congresso", disse ele. Elen Coutinho, 25, por sua vez, faz parte do que os petistas chamam de "herdeiros de Lula". Depois de entrar por cotas em uma universidade pública, ela começou a participar do movimento estudantil e se filiou ao PT. Elen acredita que há uma "ruptura geracional" em curso dentro do partido.

"Não dá para a gente achar que a solução dos impasses que a gente vive é o Lula", concordou Estevão Cruz, 28, outro participante do congresso petista. "Lula é uma liderança indiscutível, a mais expressiva do povo. Agora, ele também é responsável por um programa ou por essa estratégia que nós estamos criticando. O segundo mandato da Dilma, na nossa avaliação, tem muito a ver com o governo Lula, não é uma coisa diferente. Se ele for reeleito como presidente, que seja com outro programa."

Alice Suzart, 21, disse que a juventude não está se sentindo representada pela direção partidária e pelo governo do PT. "Queremos nos mobilizar para criar uma base à esquerda", insistiu ela. "Chegou a hora da terceira geração de petistas assumirem", afirmou o secretário da Juventude do PT, Jefferson Lima. Ele procurou amenizar as manifestações contrárias à sua candidatura, sob o argumento de que a exposição de ideias divergentes faz parte da cultura do PT. "Foi um ato saudável para a democracia", comentou Lima.

Cunha já prepara recurso para tentar barrar a própria cassação

Débora Álvares, Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA -Para tentar evitar a perda de seu mandato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e seus aliados preparam um recurso à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa contra o que chamam de "falhas" na condução do caso no Conselho de Ética.

O recurso vai apontar supostos "atos falhos" do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), e só será protocolado depois de todo o processo ter tramitado neste colegiado.

A CCJ é presidida pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), próximo a Cunha. Por isso, o recurso é visto como uma espécie de "última instância" caso o Conselho decida recomendar a cassação de Cunha pelas suspeitas que pairam contra ele de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras.

Uma das falhas, segundo aliados de Cunha, ocorreu no início da tumultuada sessão do Conselho na quinta (19), quando o colegiado se reuniu para a apresentação do parecer preliminar do relator do caso, Fausto Pinato (PRB-SP).

Araújo, alega o grupo de Cunha, não apresentou, como manda o regimento, a ata da reunião da semana anterior. O presidente do Conselho afirmou que o documento não estava pronto porque a comissão dispõe de poucos funcionários.

Manoel Júnior (PMDB-PB), um dos braços fortes de Cunha, apresentou uma questão de ordem e foi enfático no pedido de encerramento da sessão. A apresentação da ata está prevista no artigo 50 do regimento e está entre as primeiras coisas que os presidentes de comissões devem fazer ao iniciar as sessões.

Araújo disse à Folha que adotará, de agora em diante, a prática de disponibilizar aos membros do Conselho, com pelo menos um dia de antecedência, a ata das reuniões anteriores para evitar problemas. Segundo ele, nesta terça (24), quando a comissão volta a se reunir para a apresentação do parecer preliminar do relator, os integrantes do Conselho já terão em mãos as atas.

Aliados de Cunha também apontam outra suposta falha do presidente do colegiado. Segundo eles, Araújo deveria ter esperado os 30 minutos previstos no regimento para conseguir o quorum de 11 deputados e, assim, abrir a sessão. Diante da dificuldade de conseguir esse número, Araújo esperou 52 minutos.

Segundo a Folha apurou, integrantes do Conselho afirmam que essas falhas podem de fato dar munição para Cunha questionar os procedimentos da comissão e suspeitam que Araújo possa estar fazendo uma espécie de jogo duplo e ajudando o presidente da Câmara a ganhar tempo, o que ele nega.

Os deputados que fazem oposição ao peemedebista estranharam o fato de Araújo não ter permitido que o relator Fausto Pinato lesse o parecer preliminar ainda na quinta. Apesar do tumulto ocorrido naquele dia, integrantes da comissão acreditam que ele poderia ter continuado a reunião.

O próprio Araújo contou à Folha ter conversado com Paulinho da Força (SD-SP), um dos deputados mais próximos do peemedebista, para fazer um acordo e não ler o relatório de Pinato na quinta. Ele se justificou dizendo que não haveria votos suficientes contra Cunha se o texto fosse submetido ao voto.

As manobras adotadas por Cunha e seus aliados na última quinta para tentar retardar o processo de cassação foram alvo de forte reação de deputados de vários partidos, que pedem a saída imediata do peemedebista do comando da Casa.

Paes defende secretário após relato

• 'Pedro Paulo continua sendo meu candidato', diz Paes

- Folha de S. Paulo

RIO - O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), declarou neste domingo (22) que ainda pretende que o atual secretário de Governo, Pedro Paulo, seja seu sucessor.

A declaração de apoio vem apesar da divulgação dos casos de agressão e ameaça de Pedro Paulo contra sua ex-mulher, a turismóloga Alexandra Mendes Marcondes.

"Pedro Paulo é meu candidato. Não vou mais comentar esse assunto", disse Paes após a cerimônia de inauguração do campo de golfe olímpico, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Pedro Paulo participou do evento ao lado do prefeito.

De acordo com o terceiro e mais recente boletim de ocorrência a emergir contra Pedro Paulo, ele ameaçou há cinco anos "sumir" com a filha do casal.

O caso, revelado na última quinta-feira (19) pela revista "Época", ocorreu seis meses após a agressão em que, segundo laudo da Polícia Civil, Pedro Paulo quebrou um dente da ex-mulher, em fevereiro de 2010. Eles haviam acabado de separar e discutiam a guarda da filha.

Antes disso, em 2008, a turismóloga prestou depoimento relatando xingamentos e socos quando estava no carro, na presença da filha, à época com dois anos.

PMDB do Rio se reúne nesta segunda para eleger membros do diretório e da executiva

• Uma das polêmicas envolvendo a legenda, a candidatura do secretário-executivo da Prefeitura do Rio, Pedro Paulo à prefeitura da capital, está fora fora da pauta oficial do encontro; Segundo Picciani, sigla já o definiu como candidato e 'não há discussão sobre o tema'

Idiana tomazelli - O Estado de S. Paulo

RIO - O PMDB realiza nesta segunda, 23, sua convenção estadual no Rio de Janeiro para eleger novos membros do diretório e da executiva nacional do partido. Mas uma das polêmicas envolvendo a legenda - a candidatura do secretário-executivo da Prefeitura do Rio, Pedro Paulo Carvalho, à sucessão do atual prefeito Eduardo Paes – está fora fora da pauta oficial do encontro. O que não impede que o assunto venha a ser discutido no evento.

"O partido já definiu o Pedro como nosso candidato, não há discussão sobre o tema", disse ao Estado o deputado estadual Jorge Picciani, presidente do PMDB no Estado e também presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Picciani acrescentou que a candidatura de Pedro Paulo é "unanimidade" e refutou boatos de que alguns quadros do PMDB fluminense já questionam o nome do secretário, envolvido em acusações de violência doméstica. Por três vezes, entre 2008 e 2010, foram abertos registros em delegacias de Polícia Civil no Rio e em São Paulo acusando-o de agressões cometidas contra a então mulher Alexandra Marcondes.

O primeiro caso a vir a público ocorreu em 2010, no apartamento em que Pedro Paulo vivia com Alexandra no Rio. À época, ambos fizeram exame de corpo-delito no Instituto Médico Legal (IML). Ela chegou a ter um dente quebrado por causa das agressões a socos e pontapés.
Após declarar que aquele havia sido o único episódio de agressão a Alexandra, Pedro Paulo se viu envolvido em novas acusações. Em dezembro de 2008, os casal circulava de carro em São Paulo quando o secretário espancou a ex-mulher com socos no rosto e no corpo. Na última quinta-feira, 19, a revista Época revelou que o peemedebista também foi acusado de ameaçá-la em 2010. Ele invadiu o prédio em que ela estava, tentou derrubar a porta do apartamento e gritou que sumiria com a filha do casal, então com três anos.

Embora a candidatura de Pedro Paulo não esteja na pauta de debates, Picciani afirmou que, na plenária de amanhã, "os microfones estarão abertos" para eventuais manifestações sobre o caso, e que o PMDB não tem como tradição "limitar nenhum tipo de discussão".

A convenção terá início às 10h, quando devem chegar ao diretório estadual do PMDB, no centro do Rio, as principais lideranças do partido na política fluminense. Além de Picciani, a comitiva incluirá o governador Luiz Fernando Pezão, o ex-governador Sérgio Cabral, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, padrinho político do pré-candidato e, possivelmente, Pedro Paulo. Convidado, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não confirmou presença.

Atual presidente do PMDB no Estado do Rio, Picciani afirmou que há um “consenso” dentro da legenda de que ele deve continuar à frente do diretório estadual.

Picciani: nenhum nome é definitivo

• Reação de eleitores a caso de agressão vai pesar na manutenção de Pedro Paulo

Marcelo Remigio - O Globo

O presidente estadual do PMDB no Rio, deputado Jorge Picciani, lançou ontem um alerta em relação à candidatura à prefeitura do Rio do secretário municipal de Governo, Pedro Paulo Carvalho (PMDB). De acordo com Picciani, neste momento, Pedro Paulo permanece na disputa, e o partido não teria uma segunda opção de nome ou um plano B. No entanto, a legenda vai acompanhar, com pesquisas, a reação dos episódios de agressão à ex-mulher protagonizados pelo peemedebista. Para Picciani, nenhuma candidatura é definitiva até que seja oficializada.

— O partido hoje tem um candidato a prefeito, que é o secretário municipal do Governo, Pedro Paulo. Não estamos estudando outro nome e não temos um plano B. Mas o PMDB respeita a população. Até o lançamento da candidatura, vamos avaliar a reação dela — afirmou Picciani. — A partir desse acompanhamento, o secretário Pedro Paulo vai ter de avaliar sua candidatura e o partido, também. Nenhuma candidatura é definitiva no processo eleitoral. O PMDB precisa de um nome que una o partido. Atualmente, Pedro Paulo é quem une.

A ex-mulher de Pedro Paulo, Alexandra Marcondes, procurou por três vezes a delegacia para acusar o ex-marido de agressão e ameaças diárias. O caso acabou respingando na candidatura do secretário à sucessão do prefeito Eduardo Paes. O nome de Pedro Paulo, que já encontrava resistência em algumas correntes do PMDB-RJ, passou a ser reprovado também por alguns caciques nacionais da legenda. Para integrantes da Executiva Nacional, a candidatura é insustentável, e os episódios de agressão serviriam de munição para os adversários.

PMDB promove convenção
Ontem, durante a entrega do campo de golfe olímpico, na Barra da Tijuca, Paes defendeu novamente o nome de Pedro Paulo para sua sucessão.

— Não tenho mais nada a falar sobre esse assunto. O meu candidato a prefeito é o secretário Pedro Paulo. A prefeitura já tem vários problemas na Secretaria da Mulher. E eu não comento mais nada sobre isso —, disse Paes, que participou da solenidade ao lado de Pedro Paulo.

O PMDB estadual se reúne hoje durante a convenção que vai eleger o novo diretório fluminense, os 48 delegados para a convenção nacional e a Comissão de Ética do estado. Jorge Picciani deverá ser reconduzido ao cargo de presidente.

— O caso Pedro Paulo vai ser tratado hoje pela cúpula do partido a portas fechadas. Será assunto para Picciani e o exgovernador Sérgio Cabral discutirem. As opiniões deles são as que mais pesam. O caso de agressão à ex-mulher é um complicador para Pedro Paulo — afirmou um peemedebista do diretório estadual. (Colaborou Leandro Saudino)

Sem plano B, Paes é alvo de Aécio

Por Cristian Klein – Valor Econômico

RIO - A eleição à Prefeitura do Rio em 2016 se desenha uma das mais fragmentadas da história, mas os atores políticos - sob a influência da disputa à Presidência da República em 2018 - começam a tratar de afunilar a competição. Em encontro marcado para o dia 30, o presidente nacional do PSDB, senador mineiro Aécio Neves, reunirá um grupo de partidos para a formação de uma frente contra a hegemonia do PMDB - que deve ser apoiado pelo PT na corrida municipal.

O plano de Aécio precede, mas se beneficia do escândalo que atinge o pré-candidato do prefeito Eduardo Paes (PMDB), o secretário de Governo e deputado federal licenciado Pedro Paulo Carvalho, filiado ao mesmo partido. Pedro Paulo tem sido instado a dar explicações sobre agressões à sua ex-mulher, em 2010, em denúncias cujo vazamento é atribuído a fogo-amigo no PMDB.

O encontro com Aécio reunirá nomes que estão entre os possíveis desafiantes da máquina pemedebista, entre eles o do senador Romário (PSB) e dos deputados federais Indio da Costa (PSD), Hugo Leal (Pros) e Cristiane Brasil (PTB). Para a reunião estão convidados ainda representantes do DEM, PPS, Solidariedade e dos dirigentes estadual e da capital do PSDB.

O objetivo de Aécio, segundo um dos participantes do movimento, é "derrubar Eduardo Paes", que ocupava o alto cargo de secretário-geral do PSDB nacional, quando migrou em 2007, para disputar e vencer a prefeitura pelo PMDB. Com isso, o tucano - derrotado na corrida presidencial do ano passado - pretende quebrar uma das pernas do PMDB no Rio, onde o partido também comanda o governo do Estado, desde 2003. O efeito indireto é enfraquecer o projeto presidencial do PT em 2018, quando o PMDB fluminense tende a reconstruir a aliança com os petistas.

No ano passado, o PT rompeu com o governador Luiz Fernando Pezão, que buscava a reeleição, para lançar o senador Lindbergh Farias. Preocupado com a possibilidade de derrota, o presidente estadual do PMDB, Jorge Picciani, firmou uma coligação estratégica com o PSDB. Com isso aumentou o tempo de propaganda na TV e liderou o chamado Aezão, que pedia votos para Aécio à Presidência e para o governador - embora Pezão e Paes se mantivessem aliados a Dilma. Agora, no entanto, os três estão próximos do PT, depois que Picciani passou a apoiar o governo federal por meio do filho, Leonardo, líder da bancada do PMDB na Câmara. A adesão a Dilma, em tão pouco tempo, soou como traição, especialmente porque freou o avanço do movimento pró-impeachment que Aécio tanto buscava.

Entre os cenários aventados pelos tucanos está o de Paes ser o vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso o prefeito saia fortalecido da Olimpíada e eleja o sucessor.

A prioridade de Paes, porém, é concorrer à sucessão de Pezão. Há, no entanto, um congestionamento de caciques no PMDB fluminense querendo a mesma vaga: o ex-governador Sérgio Cabral - que submergiu e espera recuperar sua imagem até 2018 - e Picciani, que pretende ampliar seus domínios.

O plano do presidente da Assembleia Legislativa era pavimentar a ascensão de Leonardo em Brasília, ao reelegê-lo líder da bancada do PMDB e/ou emplacá-lo na presidência da Câmara, na expectativa da queda de Eduardo Cunha, que é alvo de processo de cassação no Conselho de Ética da Casa. Cunha, porém, resiste mais do que o esperado e a previsão é de que, sentindo-se traído por Picciani -- agora governista - fará de tudo para que Leonardo não assuma seu lugar.

Por isso, o clã Picciani teria passado a priorizar novamente a Prefeitura do Rio como espaço a ser conquistado. O filho mais novo de Picciani, Rafael, já está acertado para ser o vice na chapa de Pedro Paulo. Mas as recentes denúncias contra o secretário de Paes, vazadas à imprensa, são vistas como parte de uma estratégia para derrubar de vez Pedro Paulo da cabeça de chapa e colocar Leonardo ou Rafael em seu lugar.

Antes considerado o nome a ser batido, Pedro Paulo corre o risco de ter uma candidatura natimorta. Paes ainda o defende - como fez ontem, ao inaugurar campo de golfe olímpico. Mas a situação é cada vez menos sustentável, de acordo com correligionários.

Neste cenário, a articulação de Aécio Neves encontra terreno fértil. Hegemônico, mas com uma candidatura à prefeitura enfraquecida, o PMDB tem mais dificuldade de atrair Romário e demovê-lo de concorrer. O PSB ocupa a secretaria municipal de Esportes, mas o quinhão é considerado mais uma retribuição ao apoio do senador ao PMDB nas últimas eleições do que um compromisso com o que virá. Romário estaria preocupado em associar o seu nome a um candidato envolvido com episódios de violência doméstica.

Pelo cálculo dos tucanos, a candidatura da frente de partidos de oposição ao PMDB - encabeçada por Romário ou outro nome, como o de Indio da Costa, que preside o PSD, segundo maior partido no Estado, ao lado do PR - pode se favorecer pela divisão de votos da esquerda, caso o deputado federal Alessandro Molon (Rede, ex-PT) tire votos do estadual Marcelo Freixo (PSOL), que já obteve resultados expressivos em eleições majoritárias. Por outro lado, no segmento religioso, o senador Marcelo Crivella (PRB) - que disputou o segundo turno com Pezão no ano passado - também poderia se enfraquecer se Clarissa Garotinho (PR) concorrer, o que, no entanto, é considerado menos provável já que a deputada federal está grávida.

A principal esperança, no entanto, é na divisão do PMDB, que levaria à falta de quadros. Leonardo ou Rafael Picciani são considerados jovens demais. O secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osório, não encontraria simpatia de Paes nem Picciani. Cabral poderia ser o tertius, mas enfrenta altíssima rejeição no eleitorado. E, para Paes, que não construiu um plano B, não há interesse em eleger um sucessor próximo a Picciani ou a Cabral, e enfraquecer seu projeto a governador. No limite, cogita até mudar de partido.

Eleição terá recorde de prefeitos candidatos a novo mandato

• Somente nas capitais serão 22; para partidos, crise não atrapalha

Silvia Amorim - O Globo

-SÃO PAULO- Em meio a um dos cenários eleitorais mais adversos dos últimos anos, o país deverá ter em 2016 um número recorde de prefeitos candidatos à reeleição. Ao menos nas capitais, estarão aptos a disputar um segundo mandato 22 dos 26 chefes de Executivo municipal. Nem mesmo com a derrocada dos índices de popularidade, que atormenta metade dos prefeitos avaliados até agora, há sinais de desistência. Na avaliação dos partidos, a situação ruim é generalizada e, assim, não há razão para planos alternativos.

Prefeitos só não poderão se lançar à reeleição no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Goiânia e em Belo Horizonte. Nos demais estados, as negociações estão a pleno vapor. Desde a criação da reeleição, a disputa municipal com maior número de prefeitos concorrendo ao segundo mandato foi em 2008, quando 20 se candidataram. Em 2012, foram apenas oito.

Para boa parte dos candidatos ao segundo mandato nas capitais em 2016, o cenário eleitoral se mostra pouco favorável. Nas capitais que tiveram pesquisas divulgadas nos últimos meses, metade dos prefeitos está com baixo índice de aprovação ou fraco desempenho nas sondagens. São Paulo é o exemplo mais visível dessa baixa aceitação dos atuais governantes, mas ele se repete também em Florianópolis, Fortaleza, Curitiba, São Luís, Belém, Teresina e Porto Velho. A situação atinge indiscriminadamente políticos de todos os grandes partidos (PT, PSDB, PMDB e PSB).

Estão em condições um pouco melhor os prefeitos de Salvador, Recife, Vitória, Manaus, Maceió, Cuiabá, João Pessoa, Natal e Aracaju. O GLOBO não encontrou levantamentos eleitorais, ou de avaliação de gestão, em Campo Grande, Boa Vista, Palmas, Rio Branco e Macapá.

No grupo dos que não podem mais se reeleger, o cenário também não está fácil. Nenhum prefeito tem seu candidato à sucessão como favorito nas sondagens até agora. No Rio, um ingrediente a mais está aumentando as incertezas sobre o quadro eleitoral de 2016. O secretário de Governo, Pedro Paulo Carvalho (PMDB), está envolvido em casos de agressão à ex-mulher.

Os partidos estão convencidos de que a eleição de 2016 será diferente de tudo o que foi experimentado até agora nessa matéria. Da crise econômica, que, segundo projeções, levará a mais um ano de dificuldades, às novidades do sistema eleitoral, passando pela crise de credibilidade das instituições, muitos fatores externos à disputa entre candidatos propriamente dita tendem a contaminar o debate eleitoral.

— O problema que existe para nós existe para os outros também. Isso é igual a jogo de futebol. Quando o campo é ruim, ele é ruim para todo mundo. Não existe no PT esse debate de não ir para a reeleição — afirma o secretário de Organização Nacional petista, Florisvaldo Souza.

— Hoje não tem prefeito nenhum no Brasil que esteja bem. A situação está crítica e continuará. O cenário de dificuldades é generalizado, mas as pesquisas têm indicado que o PT vai perder muito mais. Então, de certa forma, isso nos ameaça menos — disse o secretário-geral nacional do PSDB, Silvio Torres.

‘Cenário pouco favorável a reeleições’
Para o cientista político da PUC-Rio Eduardo Raposo, a onda de insatisfação popular marcará o comportamento do eleitorado em 2016, e isso se traduzirá num clima desfavorável a reeleições.

— Esse cenário que temos colocado para 2016 é muito pouco favorável a reeleições. Essa dificuldade generalizada mostra que a insatisfação é geral e que eles (os prefeitos), por estarem no poder, vão carregar o ônus de serem situação. Uma das maiores reclamações da população, que ficaram evidentes nos protestos de 2013, é a insatisfação com os serviços públicos. Os prefeitos são os titulares do poder mais próximos do povo. Existe um acúmulo extraordinário de insatisfação, e isso vai desembocar em 2016 — avaliou Raposo.

Fora a crise politica e econômica, 2016 terá ainda o desafio de testar regras novas para o processo eleitoral, como campanhas mais curtas e restritivas e o fim das doações por empresas. As mudanças têm gerado preocupação nos partidos. O PSDB marcou para o início de dezembro a análise de um relatório que está sendo elaborado por deputados sobre a situação das candidaturas do partido nas cidades com mais de cem mil habitantes em todo o país. A ideia é, a partir do levantamento, definir estratégias e resolver eventuais impasses.

Estados aprovam pacote de impostos para driblar crise

Felipe Bächtold – Folha de S. Paulo

PORTO ALEGRE - Cosméticos, carros de luxo, bebidas alcoólicas e herança. Pressionados pela crise econômica, a maioria dos governadores do país vem promovendo pacotes de aumentos de impostos sobre itens como os descritos acima para 2016.

Projeções dos governos apontam que os contribuintes devem pagar no próximo ano nos Estados ao menos R$ 8,58 bilhões a mais devido a aumentos dispersos.

A quantia, para se ter um exemplo, equivale a um terço do que o governo Dilma Rousseff espera arrecadar com a recriação da CPMF, proposta que vem provocando contrariedade no Congresso e no meio empresarial.

O aumento de impostos, aliado ao corte nos gastos públicos, é um dos principais pilares do ajuste fiscal que o governo federal vem tentando promover para pôr fim à crise.

A arrecadação de tributos dos Estados e do Distrito Federal neste ano deve superar os R$ 400 bilhões. Mas os governadores se queixam de dificuldade para manter em dia o pagamento do funcionalismo e de fornecedores.

Para aliviar as contas projetadas para 2016, eles se voltaram a itens classificados de "supérfluos", e que acabaram sendo alvo de aumento de alíquotas. Celulares, joias, energéticos e produtos de lazer entraram no pacote. Em Sergipe, os aumentos incidiram até sobre artigos de sex shop e pranchas de surfe.

Em São Paulo, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) elevou as alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) da cerveja e do fumo. A arrecadação extra é estimada em R$ 1,38 bilhão –parte deste valor vai para os municípios. O governo sustenta que a alteração compensa a redução de imposto de itens da cesta básica.

As bebidas alcoólicas viraram alvo de outros nove governadores. Eles argumentam que onerar este tipo de mercadoria gera menos impacto na cadeia produtiva e não penaliza os mais pobres.

Uma outra frente de alterações foi o imposto sobre heranças e doações que é cobrado pelos governos estaduais. Em ao menos oito Estados e no Distrito Federal, o modelo de cobrança foi revisto, o que incluiu a criação de alíquotas mais altas para patrimônios mais elevados.

O IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), outra fonte de receitas expressiva dos governadores, também foi incluído no pacote de aumentos progressivos em algumas partes do Brasil. Em Pernambuco, por exemplo, veículos com maior potência pagarão 4% de IPVA. Antes, a cobrança se resumia a 2,5%.

A mudança de maior volume em relação ao IPVA será a do Rio, onde o governo estima arrecadar R$ 550 milhões extras em 2016 com reajustes das alíquotas de carros flex e movidos a gás natural.

Outros nove Estados reajustaram ainda a alíquota básica do ICMS.

Resistência
O tarifaço não foi aprovado sem enfrentar antes alguma resistência. No Rio Grande do Sul, Estado mais endividado do país, entidades empresariais fizeram campanha contra o reajuste do ICMS proposto pelo governador José Ivo Sartori (PMDB), que acabou sendo aprovado por apenas um voto.

Em São Paulo, Alckmin teve que diminuir o alcance de seu projeto sobre o ICMS para conseguir aprová-lo.

A CervBrasil, entidade da indústria da cerveja, diz que, sob o argumento de cobrar mais impostos por mercadorias não essenciais, os governos estão tomando medidas recessivas que podem contribuir para o desemprego.

O presidente da Associação Brasileira da Televisão por Assinatura, Oscar Simões, também critica os aumentos. Em outubro, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) autorizou 15 Estados e o DF a alterar a alíquota do ICMS sobre o serviço de TV paga de 10% para 15%. "Cria um ambiente de negócios onde a regra do jogo vai sendo mudada, o que é ruim", diz.

O economista Mansueto Almeida, que foi coordenador de política monetária do Ministério da Fazenda no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), critica a mudança constante de regras e a desconexão entre as medidas defendidas pelos governadores e as políticas que vem sendo adotadas pelo governo federal.

"Os governadores estão sobrevivendo. Os ajustes fiscais feitos são ruins, não resolvem o problema e empurram a situação com a barriga", afirma.

Entre os governos que dizem que não irão subir impostos em 2016 está o do Paraná. O governador Beto Richa (PSDB) aprovou um pacote de aumentos ainda em 2014.

Aumento combinado
Os governos discutiram em grupo alternativas para enfrentar a crise fiscal e chegaram a conclusões sobre a necessidade de ampliar a taxação de mercadorias consideradas supérfluas e sobre doações e heranças, segundo secretários estaduais da Fazenda ouvidos pela Folha.

O secretário do Distrito Federal, Pedro Meneguetti, diz que o assunto vem sendo tratado de maneira espontânea também em reuniões do Confaz, conselho subordinado ao Ministério da Fazenda que reúne os secretários estaduais dessas pastas.

"Os Estados estudaram outros Estados e tentaram fazer um nivelamento [de alíquotas]", disse.

O governo do Distrito Federal discutiu o assunto principalmente com Estados vizinhos. No Nordeste, a situação se repetiu.

O secretário de Alagoas, George Santoro, diz que a maioria "seguiu a mesma lógica". A ideia, diz, era fazer mudanças que afetassem pouca gente, principalmente a classe mais alta.

"Ninguém aumenta tributo porque quer. A gente está aumentando porque seria muito pior para a economia não pagar funcionários [públicos] ou fornecedores. O impacto na economia seria avassalador", afirma.

Em outras partes do Brasil, governos adotaram discurso parecido. Antes de aprovar o pacote, o governador gaúcho José Ivo Sartori (PMDB) argumentou à Assembleia que o Estado estava na "UTI" e que havia esgotado todas as outras fontes de recursos, como o uso de depósitos judiciais e de novos empréstimos.

Calendário do TCU ajuda governo a adiar decisão sobre pedalada para 2016

• Além de julgar autoridades por atraso em repasses a bancos em 2014, tribunal precisa definir como governo pagará compensações

João Villaverde - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O julgamento final das pedaladas fiscais do governo Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União (TCU), ocorridas em 2014, pode ficar para 2016. A corte tem um recurso do governo para analisar, além da atribuição de responsabilidade a 17 autoridades envolvidas no caso, e o calendário do órgão dificulta a conclusão dos trabalhos antes do recesso de fim de ano, para alívio do Planalto.

Condenado por unanimidade pelos ministros do TCU em outubro pela prática de atrasar propositalmente o repasse de recursos a bancos públicos no ano passado, o governo entrou com um recurso para suspender os efeitos administrativos do julgamento e negociar uma forma de pagamento dessas dívidas atrasadas com os bancos públicos. A reprovação das contas de 2014 também depende de análise do Congresso, que dá a palavra final sobre o caso e também deixará qualquer definição para 2016 em diante.

Em outubro, todos os ministros do TCU votaram pela reprovação das contas de Dilma relativas a 2014

No TCU, os trabalhos serão feitos em duas partes, e a análise do recurso do governo deve ocorrer antes do julgamento das autoridades. O relator do processo em que o Planalto contesta a reprovação das contas, ministro Vital do Rêgo, está desde terça-feira em viagem oficial à Austrália, e somente retornará à corte de contas para as duas últimas sessões do ano, previstas para os dias 2 e 9 de dezembro.

Mais importante que essa definição será a segunda parte do julgamento: a atribuição de responsabilidade das 17 autoridades do governo envolvidas no processo, entre elas o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa; e os presidentes do Banco Central, Alexandre Tombini; do BNDES, Luciano Coutinho; e da Petrobrás, Aldemir Bendine, que no ano passado era presidente do Banco do Brasil.

Todos podem ser inabilitados para atuar na administração federal, caso o TCU siga a pena máxima, o que exigiria a demissão de todos. Essa questão mais dramática, no entanto, só poderá ocorrer após a análise do mérito das pedaladas, que faz parte do recurso do governo a ser analisado por Vital do Rêgo.

À vista ou parcelado. A análise do recurso determinará a forma como o governo vai pagar as pedaladas de 2014. Como relator, Vital indicará a forma de pagamento das pedaladas – à vista ou de forma parcelada. Em mensagem ao Congresso, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, informou que a conta total devida aos bancos públicos e ao FGTS ao final de 2015 será de R$ 57 bilhões. A Secretaria de Recursos (Serur) do TCU entende que o Tesouro Nacional deve encaminhar uma proposta de pagamento dessas pedaladas, um posicionamento que agrada o governo.

Ainda falta a manifestação do Ministério Público de Contas, que está pendente, para que Vital apresente seu voto. Vital pode ou não seguir os auditores da Serur ou o Ministério Público em voto que também será apreciado pelos demais ministros.

Vital aguarda a manifestação do procurador responsável pelo caso, Julio Marcelo de Oliveira. Mesmo que Oliveira conclua seu parecer, o julgamento só ocorrerá após o retorno do ministro da viagem à Austrália.

Respiro. O fato de haver apenas duas sessões do tribunal após a volta de Vital ao Brasil anima o governo, que aposta num esfriamento da turbulência política e da pressão pelo impeachment de Dilma. O principal pedido de afastamento da presidente no Congresso, feito pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr., está sustentado justamente nas pedaladas, sob alegação de se tratarem de crime de responsabilidade. O recesso do TCU tomará a metade final de dezembro e todo o mês de janeiro.

Após o julgamento do recurso, o tribunal poderá colocar em pauta o julgamento das autoridades, cujo relator é o ministro José Múcio. Neste caso, Múcio vai deliberar sobre a posição do Ministério Público de Contas, que pode pedir diferentes condenações para as 17 autoridades. Além dos atuais ministros e presidentes de instituições públicas, estão envolvidos no caso o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin.

Para entender: Reprovação foi a 2ª na história
Em parecer aprovado por unanimidade em outubro, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou ao Congresso a reprovação das contas da presidente Dilma Rousseff em função das chamadas "pedaladas fiscais", nome dado à prática do Tesouro Nacional de postergar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos públicos e autarquias. Para manter o Orçamento equilibrado, o Planalto atrasou a liberação das verbas usadas para pagamentos de programas sociais, como o Bolsa Família e o seguro-desemprego, entre outros.

Esta foi a segunda vez na história que o TCU recomendou a rejeição das contas de um presidente. A primeira ocorreu em 1937, com Getúlio Vargas.

O parecer pela reprovação das contas de 2014, que foi protocolado em outubro na Câmara, está sendo analisado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso. O governo entregou defesa semelhante à apresentada antes no tribunal. Passada a análise do colegiado, o documento será submetido aos plenários da Câmara e do Senado - os deputados e senadores não são obrigados a acompanhar o TCU.

Lula se expõe mais para ‘salvar o PT’

• Ex-presidente aumenta número de viagens e de entrevistas em que admite erros, ao mesmo tempo em que tenta ampliar influência no governo

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A crise do governo Dilma Rousseff e o desgaste do PT obrigaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a antecipar os movimentos em favor de sua candidatura para 2018. Ele ampliou a influência no Palácio do Planalto e a agenda de viagens pelo País – em especial na capital federal – e se expôs mais em entrevistas até sobre temas como as investigações envolvendo amigos e um de seus filhos.

Lula pretende ir a Brasília uma vez por semana, a fim de influenciar nas decisões do governo e preservar o bom relacionamento com lideranças de outros partidos. O ex-presidente não acredita que Dilma possa recuperar sua popularidade sozinha e, por isso, resolveu adotar uma estratégia de “redução de danos” para si e para o PT. Mas a tática oferece riscos: na sexta-feira, Lula foi vaiado em evento do movimento negro em Salvador e discursou por menos de 10 minutos.

“Deixa a gente cuidar da política e da economia e bota ela (Dilma) para viajar”, disse Lula a um congressista que goza da confiança do ex-presidente e da sucessora dele. Ainda segundo esse interlocutor, Lula teria deixado transparecer que vai querer tomar conta do governo, sobretudo por considerar que suas últimas ações deram certo.

Desde setembro, o ex-presidente participa das principais decisões do Planalto. A reforma ministerial foi a mais evidente: conseguiu emplacar Jaques Wagner na Casa Civil no lugar de Aloizio Mercadante e, ainda que negue publicamente, tem atuado pela substituição de Joaquim Levy na Fazenda. O ex-presidente também foi determinante para reconstruir a aliança com o PMDB.

Além de defender o aumento do espaço dos peemedebistas de cinco para sete ministérios, Lula costurou um pacto de não agressão com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que enterrou a possibilidade de abrir um processo de impeachment contra Dilma neste ano. Em troca, Cunha obteve a garantia de que o PT não vai atuar para tirá-lo do comando da Casa.

Comunicação. Desde que deixou o Planalto, em 2010, Lula buscou ambientes seguros para aparecer. Passou a discursar só para plateias amistosas em eventos partidários ou palestras contratadas. Deu pouquíssimas entrevistas, a maioria para blogueiros simpáticos ao PT e ao governo.

Nas duas últimas semanas, Lula mudou de estratégia e concedeu duas entrevistas na TV, para SBT e Globo News. Em ambas, tratou de temas espinhosos e abusou de metáforas. Reconheceu erros e admitiu que o PT disse na campanha que não mudaria a economia, mas o governo adotou um ajuste fiscal.

Ao falar das investigações envolvendo o filho caçula, Luís Cláudio, Lula disse que “ele tem de provar que fez a coisa certa.” Em outubro, o Estado revelou que a Polícia Federal suspeita de compra de medidas provisórias em favor do setor automotivo editadas a partir de 2009. O advogado que teria intermediado a operação, Mauro Marcondes, conhece Lula desde os tempos de sindicalismo e, em 2014, contratou Luís Cláudio por R$ 2,4 milhões – segundo o caçula, para serviços de marketing esportivo.

Macri vence, mas não terá maioria no Congresso

• Prefeito de Buenos Aires é o novo presidente da Argentina

Janaína Figueiredo - O Globo

O candidato da aliança opositora Mudemos, Mauricio Macri, 56 anos, foi eleito ontem presidente da Argentina, encerrando uma era de 12 anos de domínio da família Kirchner na Casa Rosada, conta Janaína Figueiredo. Apurados 93,8% dos votos, ele havia conquistado 51,9%, contra 48,1% obtidos pelo candidato do governo, Daniel Scioli, que reconheceu a derrota e parabenizou o adversário. 

Analistas responsabilizam a própria presidente Cristina Kirchner pela derrota. Assim que começaram a sair os primeiros resultados, os partidários do opositor foram às ruas celebrar. Sem maioria no Congresso, Macri governará um país em crise econômica. -BUENOS AIRES- Depois de ter ficado em segundo lugar no primeiro turno da eleição presidencial argentina, em 25 de outubro passado, o candidato da aliança opositora Mudemos, o prefeito portenho Mauricio Macri, protagonizou uma reviravolta na política argentina e se elegeu como sucessor da presidente Cristina Kirchner. Com 93,8% das mesas de votação apuradas, Macri tinha 51,9% dos votos, superando seu adversário, o candidato do kirchnerismo, Daniel Scioli, que alcançou 48,1%.

Por volta das 21h30m (hora local), o candidato do kirchnerismo, de 58 anos, atual governador da província de Buenos Aires, cumprimentou o oponente:

— Foi eleito um novo presidente, o engenheiro Mauricio Macri, com quem acabo de falar por telefone e parabenizar. Sou democrata e respeito a vontade popular. Pedimos que Deus o ilumine para melhorar o que o país avançou.

O clima em Buenos Aires e outras cidades era de euforia e seguidores de Macri celebravam nas ruas.
— Obrigado por terem acreditado que, juntos, podemos construir a Argentina que sonhamos. Estou aqui porque vocês decidiram — discursou o presidente eleito. — É uma mudança maravilhosa, que deve nos levar ao futuro e às oportunidades que precisamos para crescer.

Macri vai encarar problemas delicados, como irregularidades e escassez de reservas no Banco Central; recessão; aumento da pobreza e desemprego; necessidade de normalizar o mercado cambial (sob intervenção do governo desde 2011); isolamento dos mercados internacionais e falta de um acordo com os chamados fundos abutres, que estão litigando contra a Argentina em tribunais americanos e, assim, impedindo que o país possa sair da situação de calote de sua dívida pública.

— Vocês hoje fizeram possível o impossível, o que ninguém acreditava, com seu voto — agradeceu Macri à multidão que o prestigiava, e aproveitando para mandar um recado aos perdedores. — Esta vitória não pode se deter em revanches e ajustes de contas.

O presidente eleito iniciou sua carreira política na virada do século, após presidir o Boca Juniors, time mais popular do país, e ter comandado empresas do império fundado pelo pai, o magnata Franco Macri.

A grande expectativa da oposição era superar os votos conquistados por Cristina, quando foi reeleita em 2011. Na época, a presidente alcançou 54,11%, superando amplamente os 22% obtidos pelo segundo colocado, o socialista Hermes Binner, e se tornando a terceira chefe de Estado mais votada da História argentina. O primeiro lugar é ocupado pelo general Juan Domingo Perón, que nas presidenciais de 1951 obteve 63,4%. Hipólito Yrigoyen, líder histórico da União Cívica Radical (UCR), eleito em 1928, com 61,66%, ocupa o segundo lugar.

Para analistas, Cristina tirou fôlego de Scioli
No primeiro turno, em outubro, Macri ficou apenas três pontos percentuais abaixo de Scioli, desempenho que surpreendeu analistas e empresas de consultoria, que previram uma vantagem de até dez pontos percentuais para o kirchnerista. A aliança opositora se tornou um rival competitivo — até então se dizia que Macri não tinha chances de derrotar Scioli num segundo turno. E venceu disputaschave, como o governo da província de Buenos Aires e mais de 70 prefeituras.

Após ser eleito prefeito portenho em 2007, e reeleito em 2011, com mais de 60% dos votos, Macri se tornou o grande rival do kirchnerismo nas urnas graças à aliança de seu partido, o PRO, com a tradicional UCR. O entendimento, que nasceu no começo deste ano e provocou muito debate interno na UCR, deu a Macri a estrutura nacional que o PRO não tinha e que sempre representou o principal obstáculo para sua candidatura presidencial.

Para Macri, de perfil empresarial, a vitória representa o desafio de governar um país com parte do peronismo na oposição, um fantasma que, segundo seus colaboradores, não o assusta. Outros expresidentes que não eram peronistas não conseguiram completar os mandatos, como Raúl Alfonsín (1983-1989) e Fernando de la Rúa (1999-2001).

— Para quem esteve 14 dias sequestrado e superou essa situação, não existe o impossível — comentou um assessor.

Em 1991, a família Macri pagou US$ 6 milhões pelo resgate do então empresário, que demorou algum tempo em se recuperar. O candidato não fala muito sobre o episódio, mas quem o conhece bem garante que foi traumático.

Scioli, que decidiu fazer política na década de 90 com o respaldo do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), também teve de superar circunstâncias difíceis, como a perda de um braço na década de 80, quando era campeão de motonáutica. Após ter perdido fôlego na segunda etapa da campanha, segundo analistas, pela alta rejeição ao governo kirchnerista, o candidato apostou numa campanha do medo para tentar reverter a vantagem de Macri, sem sucesso.

Raimundo Santos: Marco Antônio Coelho e a política das soluções positivas

No sábado passado faleceu o comunista Marco Antônio Coelho. Ao lado de Caio Prado Jr., Armando Lopes da Cunha e Armênio Guedes, Marco Antônio Coelho foi um dos principais formuladores da política contemporânea do PCB. Dois textos de Caio Prado são bem expressivos. O primeiro é “Os fundamentos econômicos da revolução brasileira”, publicado em fevereiro de 1947 na Tribuna de Debates da Voz Operária preparatória do IV Congresso do PCB, quando da sua primeira convocatória (o congresso só veio a realizar-se em 1954). Nesse artigoo historiador valoriza a construção do capitalismo no Brasil daqueles anos, desde a perspectiva das duas reestruturações da nossa formação social (a da “vida econômica” e a da “vida política”) com as quais ele definia a "revolução brasileira” (expressão sempre usada por ele). 

O segundo é Diretrizes para uma política econômica brasileira, publicado em 1954. Neste livro, o militante discute as teses desenvolvimentistas da CEPAL e interpela Keynes, desde o ponto de vista dos interesses do conjunto da população, a que deve servir a economia nacional, defendendo uma industrialização menos “eventual”,menos “artificial”, como aque teve lugar por meio do processo de substituição de importações, e que fosse mais estruturada, capaz de incorporar a força de trabalho nacional de modo realmente produtivo.

Os textos formulativos de Armando Lopes da Cunha e Armênio Guedes foram publicados por ocasião dos debates no PCB sobre a denúncia do estalinismo feita por Kruchev no XX Congresso do PC soviético em 1956; e o de Marco Antônio Coelho foi escrito depois da Declaração de março de 1958 que anunciou a nova politica do PCB. Armando Lopes da Cunhapublicou na Voz Operária de 27/10/56 o artigo “O Programa e os caminhos do desenvolvimento do Brasil”, no qual rompeu direta eabertamente com visão estagnacionista da tese do “Brasil-colônia dos Estados Unidos”. Era esta visão terceiro-mundista trazida da III Internacional que sustentava o sectarismo do Manifesto de Agosto de 1950 e que ainda continuava presente no Programa do PCB aprovado no IV Congresso de 1954, com a tese: “O desenvolvimento do país e a conquista da plena independência do país só serão possíveis após a derrubada do ‘atual governo’” (Dutra e Getúlio), governo visto como expressão pura e simples dos latifundiários e dos grandes capitalistas serviçais dos imperialistas norte-americanos. Lopes da Cunha chamava a atenção para o fato de que, naqueles anos 1950, era inegável que o país se desenvolviae podia avançar na sua independência nacional bem como na própria modificação do governo, “nos quadros da atual Constituição”. Esse reconhecimento impunha tanto mudanças programáticas como o abandono completo da “tática estreita, sectária e exclusivista”; e exigia uma ampla frente única que unisse todos os setores interessadas no desenvolvimento nacional.

Armênio Guedes publicou em setembro de 1957 na revista Novos Tempos, editada por um grupo de renovadores após serem derrotados na discussão sobre o XX Congresso, um artigo chamado “Algumas ideias da frente única no Brasil”, no qualdesconstrói a mentalidade dogmática que impedia divisar a realidade brasileira, e delineia os contornos da estratégia de convergência de forças progressistas e democráticas. Esse traços da estratégia de frente única vão se notar na redação da Declaração do Comitê Estadual do PCB da Guanabara, de março de 1970, texto emblemático da política de resistência democrática ao regime de 1964, a partir da atuação na conjuntura, atentando para os seus problemas e os processos e tendências em curso. Guedes também publicou logo após a Declaração de março de 1958, na Voz Operária de 28/06/58,o texto “Uma positiva das forças nacionalistas”, seguindo com o tema da frente única ao analisar um momento bem específico do governo JK. Essa reorientação teve mais uma contribuição com o artigo de Marco Antônio Coelhopublicado na Tribuna de debates preparatória do V Congresso de 1960, chamado justamente de “A tática das soluções positivas”. Neste texto, Marco Antônio Coelho refere os contornos da nova estratégia à postura agregativa do PCB na sua perspectiva das “reformas estruturais” do capitalismo, neste ponto dialogando com as teses (que ele cita)de Palmiro Togliatti apresentadas ao IX Congresso do Partido Comunista Italiano, em 1958.

Com os traços expressos nos textos dos quatro formuladores, podemos dizer, com a distância do tempo, que, antes de ter obsessão pelo poder, o PCB transformou-seem um partido de mentalidade reformista, comprometido com a política de frente única, por meio dela foi consolidando sua definição democrática. Ao longo de anos, afastando-se da disputa doutrinal como forma de afirmar identidade, o PCB se concentrouem buscar uma orientação de natureza política, lúcida e eficaz nas questões postas pela conjuntura, visando balizaro seu agir, paciente e determinado, sempre trabalhando com perspectiva e com o hábito da avaliação das suas táticas, autocrítica e retificações.

Esse pecebismo contemporâneo já foi reverenciado por Hélio Jaguaribe que certa vez afirmou (esta é uma observação de Gildo Marçal Brandão) que os comunistas tinham uma prática responsável (e uma “péssima teoria”, disse também o isebiano histórico, referindo-se ao marxismo-leninismo dos comunistas). O próprio Armênio Guedes reconheceu que o seu partido comunista entre 1950 e 1970 formou boa parte quadros políticos que (em 2000, ano deste seu comentário) exerciam funções dirigentes no país.
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[Texto de Raimundo Santos, domingo, 22 de novembro de 2015. Especial para o blog Democracia política e novo reformismo].

Aécio Neves: Mulher preta

- Folha de S. Paulo

Em razão do Dia da Consciência Negra, abro hoje a coluna para a desembargadora baiana Luislinda Valois, uma aguerrida brasileira na luta pela igualdade racial:

"A mulher preta brasileira é uma criatura eminentemente resiliente. Eu sou.

É uma mulher apequenada pelo desemprego, pela falta de moradia, pela fome que assola o seu habitat. Que mesmo tendo frequentado escola e universidade, e de lá saído graduada para uma profissão, não é outra mulher. É a mulher preta que sofre o assedio moral, a violência e a discriminação na sala de aula, no médico, no metrô, no escritório.

É também a pessoa mais traficada para lugares distantes do Brasil. É a mulher preta brasileira que lota as cadeias femininas e é a que mais morre assassinada. Os homicídios de mulheres brancas caíram 9,8% – de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013. Os homicídios de mulheres negras aumentaram 54,2% nesse período, de 1.864 para 2.875.

Socorro! É o grito da mulher preta desassistida e é também o grito da mulher preta que lutou, concluiu seus estudos, formou seus filhos, mas ainda não os vê nas esferas das decisões, nos cargos da diretoria, nas rodas empresariais ou nas salas com ar condicionado dos Três Poderes da República. Eles não chegam lá. E por quê?

De acordo com o IBGE, um negro no Brasil ganha 57,4% do que ganha um branco na mesma função. O único setor em que o negro ultrapassa o não-negro na renda é o trabalho doméstico, em 1,5%.

Em 1978, vi-me aprovada em primeiro lugar no concurso para cargo de procuradora autárquica federal. Depois fui aprovada no concurso para juíza. Tornei-me a primeira juíza preta brasileira. Um luxo? Um sucesso? Não, uma exceção.

Sou mulher, preta, candomblecista, ousada, independente e competente em meu ofício. Rasguei a tradição e fui em busca do meu desiderato e do meu direito de cidadã preta livre brasileira. Cheguei onde queria sendo filha de uma lavadeira e de um motorneiro de bonde. Desobedeci às premonições do meu professor.

Empreitei medidas judicias junto ao CNJ e fui unanimemente agraciada com reconhecimento do meu direito de assumir como desembargadora no Estado da Bahia. Foi uma luta desigual, mas trouxe o meu direito constitucional para o meu viver. Recebi comendas importantes nacionais e internacionais, viajo o mundo para palestras, sou embaixadora da paz pela ONU.

Mas as chibatadas e a senzala sempre me rondam e sondam porque sou também a mulher preta que chora o filho que não voltou. Que perdeu outro filho para o tráfico, para a polícia. Uma mulher que conhece a grande dor da impunidade, a que ninguém escuta.

Venceremos tudo isso um dia. É preciso esperança, não para aguardar. Esperança no agir."
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Aécio Neves, senador e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat:A nau dos insensatos

- O Globo

“O ideal de um partido é eleger o presidente, 27 governadores, 81 senadores e 513 deputados sem se aliar a ninguém” LULA, EX-PRESIDENTE

Há insensatos em toda parte. Entregues às maiores tolices, não aceitam ser chamados de insensatos. É o caso, por exemplo, da presidente Dilma; e também do seu mestre, o ex-presidente Lula. Os dois escolheram ser reféns de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, senhor da abertura do processo de impeachment que eles tanto receiam. E por isso o apoiam, na contramão do bom senso.

NA SEMANA PASSADA, como principal orador do 3º Congresso da Juventude do PT, em Brasília, Lula pediu a uma plateia barulhenta, e movida pelos arroubos próprios da idade, que não permitisse que ninguém chamasse petista de ladrão. Ora, por que ele não aproveitou o momento para refletir sobre os motivos que empurram o PT para o seu crepúsculo?

COMO OMITIR que orientou o governo e o partido a ajudarem Eduardo a escapar da cassação que ameaça seu mandato? Como fingir que não viu a faixa estendida no local do congresso saudando os “guerreiros do povo brasileiro”, petistas de raiz condenados pelo mensalão e sujeitos a condenação pela Lava-Jato? Mas não: em sua lição aos moços, Lula preferiu distorcer a realidade.

“QUERO SABER SE O dinheiro do PSDB foi buscado numa sacristia”, disse a propósito da roubalheira na Petrobras. “Então nosso companheiro Vaccari, que é um companheiro inteligente, pegava dinheiro de propina, e o PSDB ia lá ao cofre e pegava dinheiro limpo?”. Subentenda-se: todos se valem de dinheiro sujo. E, como é assim, mais tolerância com o PT, por favor!

A PERMANÊNCIA DE Eduardo na Câmara contribui para acelerar a degeneração da política. A falta de coragem do governo para enfrentar o impeachment agrava o impasse que paralisa o país. Fora, pois, com Eduardo, enterrado em um mar de lama até o pescoço! Se, para retaliar, ele acolher o impeachment, que o governo o enfrente no voto, para ficar ou sair.

O QUE NÃO DÁ MAIS é contabilizar como perdidos este e o próximo ano, e conceder que 2017 também possa se perder. Naturalmente, a insensatez não pauta apenas o comportamento do primeiro escalão da República. Quer insensatez maior do que um governador anunciar um ambicioso plano de reorganização do ensino no seu estado sem discuti-lo antes, à exaustão, com os interessados?

FOI O QUE FEZ Geraldo Alckmin. Quis mexer com um milhão de alunos, com suas famílias e com milhares de professores da maneira mais autoritária possível. A resposta foi rápida: em sinal de protesto, estudantes e movimentos sociais ocuparam 93 escolas em 25 cidades. E prometem ocupar outras no início desta semana. A essa altura, o plano foi pelo ralo. Perdeu, Alckmin!

NÃO FOI O ÚNICO a perder. O prefeito Eduardo Paes, do Rio, perdeu ao insistir na candidatura de Pedro Paulo Teixeira, amigo e parceiro há 18 anos, à sua sucessão. Insensato é o homem que bate em mulher. Ou que se refere ao ato de bater em mulher como “briga de casal”. Néscio é quem vota em homem que bate em mulher. Ou em padrinho de homem que bate em mulher.

PEDRO PAULO espancou sua ex-mulher duas vezes. Numa delas, arrancou-lhe um dente com um murro. E ameaçou tirar-lhe a filha de 10 anos, que já o vira bater na mãe em uma noite de Natal. Objeto do desejo obsessivo de Paes, a candidatura de Pedro Paulo está morta e cheira mal. Só resta ser enterrada, quer Paes concorde com isso ou não. A insensatez costuma cobrar um preço alto.

José Roberto de Toledo: Armas por perto

Metade dos brasileiros conhece pessoalmente alguém que foi morto por arma de fogo. Se você é exceção, tem sorte de ter sido poupado pela epidemia de violência. Para medir o quão afortunado é, pergunte no trabalho ou na rua. Logo encontrará uma pessoa que conhecia outra cuja vida foi interrompida a bala. Seja cuidadoso ao indagar, porém: uma em cada dez dirá que teve um parente assassinado ou que se matou usando arma de fogo.

O Ideia Inteligência chegou a tais 50% em pesquisa nacional inédita feita em outubro, a pedido desta coluna: 42% responderam “sim, um conhecido”, e outros 8%, “sim, um parente” à questão “Você conhece(u) pessoalmente alguém que foi morto com um revólver/pistola/arma de fogo?”. A tragédia se estende.

A essa metade de brasileiros se superpõe 11% da população adulta que disse “sim” a outra pergunta. “Você conhece(u) pessoalmente alguém que usou um revólver/pistola/arma de fogo para se matar?”: 5% responderam que “sim, um parente”; e outros 6% tiveram um conhecido que cometeu suicídio dessa maneira.

Extrapolando os resultados da pesquisa, significa que para cerca de 100 milhões de brasileiros, a mortalidade armada não é mera estatística ou uma notícia distante. Penetrou o seu círculo de convivência. Provocou algum trauma. É próxima e pessoal.

À primeira vista, 50% da população com conhecimento de uma vítima de assassinato ou suicídio por arma de fogo parece muito. Mas como confirmar que se trata mesmo de algo extraordinário?
Comparando. A pesquisa da Ideia no Brasil foi inspirada por sondagem idêntica, feita semanas antes pelo YouGov e publicada no Huffington Post. Nos EUA, onde episódios de violência costumam repercutir internacionalmente, os que conhecem vítimas fatais de armas de fogo somam 22% da população: 16% tiveram um conhecido morto dessa maneira, e outros 6%, um parente.

Para os gringos, essa taxa já pareceu uma enormidade. Mas, em comparação ao que se descobriu aqui, o alcance da violência entre as redes pessoais dos norte-americanos é menos da metade do que entre os brasileiros. Faz sentido quando se comparam os assassinatos por arma de fogo nos dois países. Em 2013, foram 11.208 homicídios desse tipo nos EUA contra pelo menos 40.369 no Brasil (sem contar mortos pela polícia e casos duvidosos).

Significa que as armas provocaram quatro vezes mais vítimas no Brasil, apesar de a população nos EUA ser 58% maior. Não é só a taxa de assassinados a bala por habitante que é quase seis vezes maior aqui. As pesquisas investigaram se o entrevistado possui arma de fogo ou se alguém que mora na mesma casa que ele tem arma. Nos EUA, 37% vivem em domicílios armados. No Brasil, 22%.
Resumindo: o acesso a armas de fogo é 68% maior entre os gringos, mas a letalidade provocada por essas armas, mesmo sendo alta para países desenvolvidos, é 82% menor do que no Brasil.

Parece música para quem tenta desacreditar a correlação entre posse de armas e as mortes provocadas por elas - especialmente quando a bancada da bala no Congresso trabalha para flexibilizar o estatuto do desarmamento e atender seus financiadores. Mas se os dados valem para um lado, devem valer também para o outro.

Nos EUA, os suicídios por arma de fogo são 19 vezes mais comuns do que no Brasil. Em 2013, foram 21.175 lá, ante 1.040 aqui. Mesmo ajustando-se a taxa pelo tamanho da população, a incidência é 92% menor entre os brasileiros. Vale enfatizar, a propriedade pessoal de armas de fogo é 65% menor no Brasil: 23% a 8% da população, segundo as pesquisas do YouGov e do Ideia.

Acesso a armas facilita a violência - tanto pelo criminoso profissional quanto por policiais fora de serviço e até pelo cidadão comum. Mas os números mostram que isolar uma causa é insuficiente para explicar tantas mortes a bala no Brasil.

Marcos Nobre: A culatra do impeachment

• No momento, a culpa é toda de Eduardo Cunha

- Valor Econômico

Alguém precisa levar a culpa por toda a desgraça de 2015. Dilma Rousseff era a candidata natural. Mas as forças anti-Dilma demoraram demais para perceber que, quando se trata de impeachment, corrupção tem precedência sobre qualquer outro tipo de calamidade. Acreditaram que a mera rejeição generalizada seria suficiente para derrubar a presidente, como se as razões e motivações importassem pouco diante do sofrimento presente e futuro. Só que, desde o afastamento de Fernando Collor, parece ter decantado a convicção de que apenas indício de prática manifesta de corrupção justifica o impeachment.

No caso de Dilma, mesmo com a agonia diária, o tempo passava e nenhum indício surgia de que a presidente tivesse envolvida em prática de corrupção. Foi quando os movimentos pró-impeachment deslocaram suas energias para atacar Lula. Convenceram-se de que o ex-presidente seria pego na Operação Lava-Jato, o que equivale hoje a um atestado de culpa no cartório. Essa mudança de alvo principal ganhou ímpeto e força ao reverberar fundo em uma parte do eleitorado que quer ver Lula bem longe do jogo político. Foi quando surgiram os bonecos gigantes. Primeiro, o de Lula. Só depois, o de Dilma, como uma espécie de coadjuvante.

O cálculo das forças pró-impeachment se mostrou duplamente equivocado. Colocar a presidente em segundo plano apenas tirou o governo do foco exclusivo da pancadaria, dando-lhe certo alívio. E a Lava-Jato não atingiu Lula, o que enfraqueceu a nova linha de atuação. Isso deu chance de o governo se reorganizar, agora sob a direção do próprio Lula. Não bastasse esse duplo equívoco, as forças pró-impeachment foram estabelecer uma aliança tática justamente com o único personagem que preenchia os requisitos da opinião pública para sofrer um impeachment, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Talvez seja o incômodo por essa aliança pregressa o que pode explicar que não tenha ainda aparecido nenhum boneco gigante de Eduardo Cunha. Seja como for, as forças anti-Dilma acabaram por se convencer de que teriam de mudar o foco de seus ataques se quisessem manter alguma liderança no processo. Entretanto, ao eleger Eduardo Cunha como alvo principal, toda a energia antes mobilizada para o impeachment se voltou para o afastamento do presidente da Câmara. Mais que isso, as ações contra Cunha não reúnem apenas forças anti-Dilma, mas toda a sorte de movimentos, aqueles de apoio ao governo, inclusive.

No momento, a culpa é toda de Eduardo Cunha. A queda inevitável do presidente da Câmara dos Deputados tem sua colaboração a dar na "ponte para o futuro" construída por Lula. A continuidade de Cunha no cargo por mais alguns meses terá o efeito de ganhar tempo para a nova velha orientação de política econômica que prevalecerá. E isso tem ainda outro efeito colateral importante. Ao se tornar o representante de todas as mazelas de 2015, ao assumir no lugar de Dilma o papel de Geni nacional, Eduardo Cunha também tirou a pressão insuportável que tinha se abatido sobre Joaquim Levy. Porque o intervalo da troca de Lula por Eduardo Cunha como foco principal da insatisfação correspondeu a um período de quase duas semanas em que não estava claro quem iria ser o culpado da vez. Foi nesse momento que surgiu o nome de Levy como candidato a carregar nas costas a desgraça de todo um ano de misérias.

Não seria a mera substituição de Joaquim Levy que faria o vento voltar a enfunar as velas da economia. Mas a ideia é se preparar para esse momento, para além do limite do suportável, que deve ser atingido nos próximos meses. Da mesma maneira como se generalizou a consciência do desastre e o grande temor pelo futuro, também se firma pouco a pouco no quadro de expectativas dos grandes agentes econômicos a ideia de que a situação irá melhorar a partir do fim de 2016. Depois do gigantesco tombo no biênio que iria do final de 2014 ao final de 2016, finalmente chegaria o momento da retomada. Mesmo que tímida, mesmo que lentamente percebida, qualquer melhora terá seu efeito multiplicado pelo contraste com o trauma anterior de falência e catástrofe.

O horizonte está tão rebaixado que o programa imaginado inicialmente por Levy poderá ser finalmente posto em prática. Quer dizer, um plano Levy com desconto. O mesmo desconto que o próprio Levy já concedeu ao longo de 2015, ao perceber (tardiamente) que estava colocando em risco sua sobrevivência no cargo. O plano inicial, anunciado em fins de 2014, prescrevia um forte ajuste seguido de uma recuperação no médio prazo, em algo como seis ou oito meses. Não importa muito se o plano Levy é ou não tecnicamente correto ou socialmente suportável. O fato é que se mostrou politicamente inviável. Ao mesmo tempo, é a implementação parcial desse plano ao longo de 2015 o que pode permitir sua efetiva implementação em 2016. Os ajustes fiscal, político e de expectativas precisaram de quase dez meses para produzir a recessão econômica, política e mental que viabilizou o plano.

Levy demorou, mas percebeu que não era intocável por ser supostamente o "representante do mercado" no governo. Sem conseguir estabelecer alianças duradouras e sustentáveis dentro do sistema político, não há mercado que segure alguém no ministério da Fazenda. Levy percebeu que levar bola nas costas e ser desautorizado e atropelado em suas decisões fundamentais é parte do dia a dia do cargo. Assumiu um protagonismo que qualquer ministro da Fazenda que preza a posição evita, aceitou com gosto o epíteto de "mãos de tesoura", por exemplo. Agora mostra ter entendido as regras.

Embora dependa dos votos para sobreviver, o sistema político parece não ver hoje outra alternativa do que apostar que a nova velha política econômica será socialmente suportável, pelo menos o tempo suficiente para ver uma melhora da situação. Só a política é capaz de tamanha ironia: foi o tiro saído pela culatra do impeachment o que permitiu a reviravolta que colocou o governo de volta no jogo.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.