O Estado de S. Paulo
A adesão consciente ao método da democracia
política pelas forças fundamentais é o real caminho para reduzir o tamanho e a
expressão da direita radical
Em tempo de sobressaltos, o mais recente
acaba de vir da vizinha República Argentina, cujas primárias eleitorais nos
obrigaram a debruçar sobre um termo – anarcocapitalismo – até então marginal ou
só conhecido por alto. Intuitivamente, sabemos que pertence à constelação da
extrema direita, à qual acrescenta toques de crueldade, como a ideia de que a
liberdade absoluta do indivíduo, posto no centro de tudo, supõe ou legitima o
comércio dos seus órgãos. Uma “modesta proposta” que lembra não só um
capitalismo pré-keynesiano, mas, ainda antes, o mundo setecentista satirizado
por Swift, em que crianças pobres serviriam de repasto aos ricos e, assim,
deixariam de pesar sobre suas famílias.
A teratologia, que não convém subestimar, é evidente. Faz-se acompanhar de um conjunto extremo de medidas, como a extinção do banco central ou a apologia de um Estado radicalmente mínimo, no qual se proscrevem expressões que recordem ou mencionem “justiça social”. Temos aí sintomas de transições perturbadoras, que marcam o interregno entre o mundo de ontem, que conhecíamos em grandes linhas, e um outro que mal podemos entrever. A reprodução tranquila das democracias liberais, proclamada há apenas algumas décadas, não mais está garantida. Defendê-las, fazer valer suas normas e instituições, tem sido o drama que se repete um pouco por toda parte em cada rodada eleitoral e em cada situação crítica.