A presidente Dilma já apontou, com clareza, aliás, os três principais obstáculos que, a seu ver, amarram a economia brasileira, o crescimento e um desenvolvimento mais harmonioso: câmbio, juros e impostos.
Não há muitos economistas que discordem desse diagnóstico, embora se possa falar de outras fontes de atraso, como, por exemplo, da infraestrutura precária de portos e meios de transportes, da energia caríssima e, é claro, do eterno problema dos baixos níveis de ensino, treinamento e pesquisa.
Mas digamos que no plano mais imediato, a curto prazo, para obtermos maiores taxas de crescimento do PIB - como ela, o governo e todos nós desejamos -, os três obstáculos exijam superação com certa urgência. Dos outros, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vai cuidando pachorrentamente.
O obstáculo cambial parece estar encontrando um rumo de superação, com o Banco Central dosando suas intervenções, suas compras de moeda estrangeira, de modo a evitar, primeiro, quedas de cotação e consequente valorização indireta do real; e, segundo, mantendo principalmente o dólar num patamar que possa ajudar a indústria brasileira a exportar e desestimular o consumidor brasileiro a comprar produtos importados. Isso ainda não foi alcançado, é evidente, mas se pode dizer que a política cambial agora está ganhando experiência nessa busca - sem aquela obsessão de acumular reservas, como em passado recente, reservas que, aliás, nas atuais circunstâncias, são até desaconselháveis, pois têm um custo elevado.
Para que se entenda qual era - em boa parte ainda é - o problema causado pelo câmbio à economia brasileira, é bom recorrer também a uma fala da presidente na qual ela se referia ao "tsunami monetário" que vinha invadindo os países chamados emergentes, entre os quais o Brasil. Ela mencionava especificamente a derrama de dinheiro que os bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos desataram com o fito, de um lado, de promover a retomada de suas economias, e, de outro, ajudar governos e bancos privados em dificuldades (isso principalmente na Europa).
Esse aumento proposital da liquidez internacional acabou derramado, em parte, no Brasil e em outros países emergentes, uma vez que a remuneração das aplicações financeiras nos países de origem caía a praticamente zero, enquanto aqui, por exemplo, essa remuneração se mantinha como das melhores do mundo. Compreensivelmente, os detentores da grana derramada pelos governos ricos escolhiam o país que melhor pagasse por ela.
Além disso, já vinha de antes uma persistente tendência de desvalorização da moeda americana, em relação a outras moedas fortes, e também ao real.
As duas coisas se juntaram e um dos resultados a gente vê nas reportagens das TVs que mostram levas de turistas brasileiros apinhando as lojas de Miami e enchendo malas de bugigangas. Ficou barato comprar lá fora, até porque o consumidor brasileiro comum esteve - e talvez esteja ainda - ganhando melhor numa moeda que se valoriza. Ficou barato comprar lá fora, indo lá fora, fisicamente, como turista ou comprando aqui os produtos de fora, até pela internet.
Bom, e que importância tem isso? Se o nosso balanço de pagamentos continua positivo?
A importância é que muitas indústrias brasileiras deixaram de fabricar aqui grande número de produtos e artigos e começaram, elas mesmas, a importar esses produtos ou, então, a importar insumos e componentes dos produtos, em vez de fabricá-los aqui. Na prática, algumas se tornaram apenas montadoras. É a isso que se dá o nome de processo de desindustrialização, que, numa economia com bom nível industrial, como a brasileira, representa perda de empregos, menor criação de empregos e, sobretudo, perda, aos poucos, de expertise industrial - do que, aliás, não somos campeões mundiais e o que precisamos ganhar muito mais, ao invés de perder.
Portanto, o problema cambial vinha não só amarrando a economia brasileira, como causando déficits estratégicos a prazo mais longo.
Não há garantia de que o problema esteja superado, mas, pelo menos, o governo o está administrando com algum sucesso.
A segunda amarra apontada por Dilma é a dos juros - os mais altos do mundo, como ela disse, e que de fato não se justificam num país que tem um sistema bancário tão sólido quanto se comprovou na crise financeira mundial de 2008. A ordem para que os bancos públicos reduzissem suas taxas de juros e, agora, a decisão sobre a remuneração das cadernetas mostram, pelo menos, uma luz no fim do túnel e "limpam a área", como se diz, para maiores quedas dos juros. O que também interessa ao governo, pois, quanto menor a taxa básica (Selic), menor é o custo da dívida do governo e maior a sobra de dinheiro para investimentos.
Se o governo derruba os dois obstáculos, câmbio e juros, o que não é certo, fica no ar a grande charada: os impostos.
Alguém aí aposta numa reforma fiscal séria?
Tema para profunda meditação e, talvez, outro artigo.
Fonte: O Estado de S. Paulo