*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. “Abrir
a arca do tesouro”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8 de fevereiro,
2023.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 12 de fevereiro de 2023
Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna
Dorrit Harazim - O pálido ponto azul
O Globo
Como descrever o sentimento de júbilo
atávico diante do resgate com vida de um recém-nascido ainda atrelado ao cordão
umbilical?
Carl Sagan tinha 5 anos de idade em 1939
quando visitou a Feira Mundial de Nova York. Ficou maravilhado com uma Cápsula
do Tempo. Lacrada hermeticamente, a câmara continha jornais, livros e artefatos
do cotidiano da época, como um guarda-chuva e um chapéu de dama. Viu-a ser
enterrada no solo da área da exposição, no bairro do Queens, para, quem sabe,
ser reaberta no inimaginável ano de 6.939 por alguma civilização superior.
— Havia generosidade e humanidade naquela
ideia, como mãos estendidas ao longo de séculos ou um abraço em nossa
posteridade — escreveria mais tarde o autor de “Cosmos”.
Melhor nem lembrar que, naquele mesmo ano de 1939, um pessoal aqui da Terra produziria uma das grandes insânias destrutivas da espécie chamada Segunda Guerra Mundial.
Elio Gaspari - Lula quer o quarto polo naval
O Globo
Outro dia Lula anunciou: “Vamos voltar a
construir navios nos estaleiros do Rio de Janeiro.”
Boa ideia. O Brasil tem litoral, comércio,
gasta uma fortuna em fretes marítimos e precisa de plataformas para exploração
de petróleo. Como Asmodeu esconde-se nos detalhes, antes de colocar um só
centavo na ressurreição de um polo naval onde quer que seja, conviria um
exercício de humildade, explicando por que a geração de Lula financiou três
polos navais, com três fracassos, um pior que o outro.
O primeiro polo naval nasceu no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Atolou, e os grandes prejudicados foram os estaleiros que receberam incentivos e financiamentos públicos. O segundo polo nasceu durante o Milagre Brasileiro, na ditadura. Também atolou, com uma peculiaridade: o desastre materializou-se numa emissão de papéis da dívida da Superintendência de Marinha Mercante, a Sunamam. Em 1979 ela tinha um orçamento maior que o de muitos ministérios e funcionava como um verdadeiro banco. E como banco quebrou, com um buraco que pode ter chegado a US$ 1 bilhão em dinheiro de hoje. À época esse ervanário era chamado de “moeda podre”. Se fosse moeda de banco, valeria zero, como era da Viúva, rendeu cerca de 70% do seu valor de face, servindo para comprar ativos da mesma Boa Senhora. Assim, banqueiros e empresários compraram empresas estatais.
Bernardo Mello Franco – Tributo à integridade
O Globo
Filme lembra saga do embaixador José
Maurício Bustani, derrubado da Opaq por não endossar mentiras contra o Iraque
Numa das melhores cenas de “Sinfonia de um
homem comum”, o embaixador José Maurício Bustani se emociona ao reler o
discurso que fez minutos antes de ser destituído do comando da Organização para
a Proibição de Armas Químicas (Opaq), em abril de 2002. O diplomata sabia que
seria afastado, mas se recusava a entregar a própria cabeça numa bandeja.
“Não preciso de uma saída de herói”, disse
Bustani. “Se eu sair, terei sido fiel aos princípios de integridade que guiaram
minha vida profissional e pessoal”, acrescentou. Ao repetir as palavras depois
de quase duas décadas, o embaixador embarga a voz e chora. O tempo passou, mas
o sentimento de injustiça continua.
A saga de Bustani é lembrada no novo documentário de José Joffilly, que chegou aos cinemas na quinta-feira. O filme ouve dois presidentes, dois chanceleres e uma série de ex-funcionários da Opaq. A partir dos depoimentos, reconstitui a crise que mobilizou a opinião pública internacional e culminou na queda do brasileiro.
Luiz Carlos Azedo - Políticas externa e interna não são assimétricas
Correio Braziliense
Com menos de 50 dias de governo, é muito cedo
para um diagnóstico sobre o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Entretanto, uma “jaula de cristal” está em construção
Adeus, senhor presidente, do ex-ministro de Planejamento chileno Carlos Matus, é um romance-ensaio inspirado no governo de Salvador Allende, que assumiu o poder com grandes expectativas de mudança e foi destituído no sangrento golpe de Estado do general Augusto Pinochet. Na ficção, o protagonista é um ex-presidente que fracassou, e seu consolo é que o sucessor também está fracassando em meio a reuniões ministeriais surreais e até a uma tentativa frustrada de golpe militar. Sindicalistas, políticos de esquerda e de direita, empresários, tecnocratas, acadêmicos, idealistas, jornalistas e amigos corruptos tecem a trama, em meio a polêmica sobre como equilibrar as finanças e estimular o crescimento.
Eliane Cantanhêde - Audácia e pretensão na política externa
O Estado de S. Paulo
Lula usou encontro com Biden para se jogar na agenda global e disputar protagonismo
Se há duas palavras para definir a política
externa que o presidente Lula executou no primeiro e no segundo mandatos e tenta
reproduzir agora, elas são audácia e pretensão. Exatamente por isso, Lula usou
o primeiro encontro com o presidente Joe Biden, em Washington, como trampolim
para mergulhar nos grandes temas globais e tentar resgatar o protagonismo
internacional não apenas do Brasil, mas dele próprio.
Muito além da agenda bilateral, Lula
reavivou a ideia de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU para
o Brasil e se colocou como articulador e líder em várias frentes: defesa da
democracia; fundos internacionais não só para a nossa Amazônia, mas para países
de grande biodiversidade e sem recursos; reocupação de espaço na África em
contraposição ao avanço da China; criação de um grupo de países “não
envolvidos” para um cessar-fogo e a construção da paz entre Rússia e Ucrânia.
Não são pautas bilaterais, são pautas globais.
Quem estava ali, com o presidente da maior potência mundial, não era só o presidente do Brasil em defesa de investimentos e de interesses estritamente brasileiros. Assim como ele foi à Argentina e ao Uruguai para recuperar a liderança do País e dele na região, seu objetivo nos EUA foi lutar por um lugar ao sol entre os grandes do mundo.
Pedro S. Malan* -Reconstrução do País e política monetária
O Estado de S. Paulo
Não deveria haver ideologia nessa
discussão, assim como não deveria haver ideologia no debate sobre o nível das
taxas de juros corrente
Vale relembrar o que disse Lula no primeiro
discurso após sua vitória, na noite de 30 de outubro de 2022: “Esta não é uma
vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a
vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos
políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia
saísse vencedora. (...) A partir de 1.º de janeiro de 2023 vou governar para
215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não
existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação.
(...) A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de
guerra. (...) Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser
temido ou destruído”.
Lula enfatiza a necessidade de reconstruir o País e sua alma. Recorro, a respeito desse propósito tão louvável, a Fernando Pessoa: “O primeiro passo para uma regeneração, econômica ou outra (do País), é criarmos uma atitude mental, um estado de espírito de confiança nessa regeneração”. Porém o que importa, de fato, no mundo real tem que ver com resultados efetivos. Estes, segundo o mesmo Pessoa, dependem de três coisas: “saber trabalhar”, “descobrir oportunidades” e “criar relações tanto na vida material quanto na vida mental”. O resto é sorte, diz Pessoa (“como herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada”).
Rolf Kuntz - Lula e as promessas sem plano
O Estado de S. Paulo
Comprometido com a reindustrialização,
Alckmin foi o único membro do Executivo a apresentar, até agora, algo parecido
com planejamento
Passado um mês e meio da posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua devendo um plano de governo – um roteiro para gerar crescimento econômico, ampliar o emprego e propiciar melhores perspectivas a milhões de famílias. Suas manifestações mais notáveis, até agora, foram o falatório contra os juros altos, o ataque à autonomia do Banco Central (BC) e a contraposição da responsabilidade social à responsabilidade fiscal. Além disso, houve a promessa de generosos financiamentos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como se crédito oficial barato bastasse para gerar prosperidade e modernização. O espetáculo pode ter entusiasmado o cercadinho petista, mas o público mais crítico tem reagido com poucos aplausos e algumas vaias. Os únicos sinais de planejamento partiram, por enquanto, do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Celso Ming - E o crédito começa a secar...
O Estado de S. Paulo
Depois do caso Americanas, as torneiras do
crédito começam a se fechar. Enquanto o governo ficou discutindo os juros
altos, a meta de inflação e a autonomia do Banco Central (BC), os bancos
saltaram para a defensiva e passaram a restringir o crédito, principalmente
para o varejo.
Quando se trata de produto essencial, como
combustíveis, alimentos – e crédito –, pior do que o preço alto é a escassez.
Ainda não há informações sobre o impacto do fator Americanas sobre as operações ativas dos bancos, mas o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Júnior, admitiu nessa sexta-feira que o crédito ficou bem mais seletivo e vai ficar assim por tempo indeterminado. O economista-chefe do Grupo Itaú, Mário Mesquita, espera para este ano um avanço do crédito no País de apenas 8% ante o de 14% em 2022. As lojas Marisa e a companhia de aviação Azul começam a sentir o estrangulamento. E há as ameaças da Oi e da Light.
Hélio Schwartsman - A vida é dura
Folha de S. Paulo
Um clichê popular é o de que a nossa
existência deve ser concebida e avaliada como uma narrativa
Doença, solidão, luto, fracasso, injustiça
e absurdidade. Definitivamente, a vida é dura. As seis primeiras palavras são
os títulos dos seis primeiros capítulos de "A Vida É Dura", do filósofo Kieran Setiya (MIT). O sétimo capítulo se chama
"esperança", mas, paradoxalmente, não destoa tanto dos anteriores.
Cada um deles é um microcosmo no qual o autor vai lançando ideias filosóficas que nos fazem pensar sobre os temas. Há um toque de autoajuda, já que Setiya se esforça para não nos empurrar nem para o desespero nem para o ilusionismo. O foco principal é a reflexão. É Sócrates quem disse que uma vida não examinada não merece ser vivida.
Bruno Boghossian - Lula 3 não será Lula 1
Folha de S. Paulo
Briga com BC é apenas reflexo de escolhas
do petista para imprimir marca do terceiro mandato
Lula 1 não voltará ao Palácio do Planalto.
Quem avisa é Lula 3. Em entrevista no início de fevereiro, o jornalista Kennedy
Alencar destacou que o presidente tem hoje um discurso mais incisivo sobre
temas econômicos do que em seu primeiro mandato. Em resposta, o petista
reforçou que não vai repetir a plataforma que ele adotou há 20 anos para se
mostrar amigável aos investidores.
"Entre o mercado e as pessoas que estão com fome, não me perguntem, porque obviamente vou fazer opção por tirar o pessoal da fome", afirmou.
Celso Rocha de Barros - A reforma tributária de Lula
Folha de S. Paulo
A PEC 45 é uma proposta que contempla as
exigências da eficiência e da igualdade
Lula teve um primeiro mês de governo de
muito trabalho, que incluiu
derrotar um golpe e interromper um
genocídio. Mas a pauta econômica só deve começar a ser tocada agora, pois
as duas grandes prioridades do governo para o primeiro semestre —a
aprovação da reforma tributária e criação da nova regra fiscal—
dependiam da posse do novo Congresso.
Há uma chance razoável de Lula 3 tornar os impostos brasileiros mais eficientes e justos. Para isso, são necessárias duas reformas, e as duas estão nos planos do governo: a primeira simplifica e torna eficiente o furdunço de Satã que é nosso atual sistema tributário. A segunda reforma deve tratar sobretudo do Imposto de Renda e terá como objetivo colocar o fisco para trabalhar pela igualdade, o que, no Brasil, ele nunca fez.
Vinicius Torres Freire - Lula e a maldição de Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Governo precisa denunciar crime em vacinas,
educação, estatais, estradas e muito mais
O massacre
dos yanomami é o exemplo mais horroroso da herança maldita de Jair
Bolsonaro. Foi exposto por jornalistas da plataforma Sumaúma, baseada em
Altamira, Pará, zona de guerra social e ambiental, de pistolagem contra líderes
de movimentos populares e de destruição da vida em geral. O governo de Luiz
Inácio Lula da Silva pegou o bastão da denúncia e toma providências para conter
o genocídio e a razia de matas, terras e águas.
Governo não é polícia nem promotoria, mas
tem a obrigação legal de documentar e denunciar os responsáveis pelos crimes
ao sistema de
Justiça. Se fizer uma varredura elementar, vai encontrar facilmente outros
ataques contra indígenas.
No entanto, os ataques contra a vida, a negligência criminosa e a violência ignara contra a competência e a decência humana básicas foram muito além nos anos de trevas. Daqui a algum tempo, há o risco de que o governo Lula, como qualquer outro, entre na rotina e seja absorvido por dificuldades e crises ou conveniências políticas. Assim, a denúncia bem documentada dos anos de trevas pode se tornar apenas um slogan esquecido, "sem anistia".
Muniz Sodré* - Inferno a céu aberto
Folha de S. Paulo
Nos regimes de ultradireita, isso é aberto
e não raro com consequências devastadoras para minorias
Populismo não é fenômeno homogêneo. Mas um
paradoxo interno a quase todos é o desprezo latente pelo povo.
Nos regimes de ultradireita, isso é aberto e não raro com consequências devastadoras para minorias. A tragédia dos yanomamis, revelada em toda a sua brutalidade, é o flagrante da desumanidade dos quatro anos de bolsopopulismo. Nesse período, centenas de crianças morreram de malária e desnutrição por criminosa falta de assistência, com cumplicidade de grupos financeiros (compradores de ouro ilegais, bancada legislativa garimpeira etc.). Agora fica patente que a ameaça pesava sobre milhares de indígenas.
Cristovam Buarque* - Juros invisíveis
Blog do Noblat / Metrópoles
Se o Brasil tivesse investido na educação de sua população, nossa produtividade, em 53º lugar, estaria entre as maiores do mundo
É natural que o pagador de empréstimo se sinta revoltado ao ver seu dinheiro abocanhado pelo emprestador, sobretudo quando obrigado a pagar juros considerados crime de agiotagem. Estranho é achar natural, às vezes nem perceber, os outros juros que paga todos os dias por empréstimos que tomou no passado, sem perceber. A população não percebe, por exemplo, o juro paga por ter maltratado a natureza antes. As inundações nas cidades é o juro pago hoje por ter ocupado com asfalto as áreas que antes permitiam drenagem das águas. As catástrofes das mudanças climáticas são o juros que a Terra cobra pelo uso dos recursos naturais no processo produtivo industrial, sobretudo a partir do século XX. Reclamamos dos juros por empréstimos, mas aceitamos outros muito maiores, cobrados por equívocos e omissões: deslizamentos de encostas é o juro pelo descuido com a ocupação do solo; a maior parte das doenças urbanas decorrem da omissão sanitária; parte das mortes pelo covid foi o juro pago pela recusa de vacina.
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
Prioridade na economia é a reforma tributária
O Globo
Governo deve evitar as armadilhas dos que
querem que tudo fique como está para não perder privilégios
O atual governo não é o primeiro a tentar
promover uma reforma tributária. A criação de uma secretaria especial para
cuidar dela, ocupada pelo economista Bernard Appy, é sinal evidente de que o
tema entrou na agenda. Será preciso, contudo, enorme capacidade política para
evitar que mais uma vez o Brasil desperdice a oportunidade.
Este governo leva vantagem ao tentar aproveitar as propostas já em tramitação no Congresso, em vez de querer reinventar a reforma como o anterior. Há duas iniciativas em andamento: a PEC 45 na Câmara, com base técnica do próprio Appy, e a PEC 110 do Senado. Ambas preveem a fusão de impostos estaduais, federais e municipais, substituídos por um imposto sobre valor agregado (IVA) nos moldes do existente em economias avançadas. A PEC 110 propõe um IVA dual, com uma fatia destinada à União, a outra a estados e municípios. Por isso provoca menos resistência nos entes federativos, temerosos de perda de arrecadação.