domingo, 8 de julho de 2018

Eliane Cantanhêde: Guerra de foice

- O Estado de S.Paulo

Eleição vai ter de afunilar, apesar dos temores e inseguranças de candidatos

Acaba a Copa para nós e começa de fato a eleição, ainda cercada de interrogações, mas com o tempo correndo cada vez mais rápido. Até 15 de agosto, prazo final para o registro de candidaturas, as respostas mais importantes terão que ser dadas, queiram ou não os partidos. É quando ficará claro quem entra, quem sai, quem está com quem.

Cresce a pressão para que o ex-presidente Lula faça uma “Carta à Nação” a ser lida na convenção do PT, no dia 28, para sair de campo espetacularmente, lançar Fernando Haddad e articular a candidatura dele a partir da cela em Curitiba – enquanto ainda estiver na cela em Curitiba.

Essa carta, com a renúncia à candidatura, serviria, ou servirá, como sinal verde para o Supremo dar o passo seguinte: livrar Lula da prisão. Em resumo, Lula abdica de ser candidato em troca de conquistar a liberdade. Uma complexa negociação, com Dias Toffoli afirmando-se não só como o próximo presidente de fato do STF, mas como o mais audacioso entre os onze ministros.

Fora da prisão e da chapa, Lula apresenta um candidato que mantém o PT e as esquerdas unidas, oferece enfim um nome ao Nordeste, que vota em quem seu mestre Lula mandar – e atrai dois tipos essenciais de eleitores: petistas decepcionados com o partido, mas sem alternativa, e também eleitores de outras siglas, igualmente desanimados com os nomes já colocados.

Vera Magalhães: Bolsonaro e Ciro

- O Estado de S.Paulo

Retórica e ênfase na autoridade aproximam candidatos mais do que eles gostariam de admitir

Ciro Gomes adora apontar autoritarismo e vazio de ideias em Jair Bolsonaro – que, por sua vez, execra o pedetista por ser de esquerda e próximo ao PT. Mas a noção que ambos têm de autoridade e os caminhos de governabilidade que apontam caso sejam eleitos não são diferentes. Isso sem falar no pavio curto.

Ambos acreditam, e dizem, que são os únicos capazes de tirar o País da gravíssima crise em que se encontra. Ainda que identifiquem culpados e remédios diferentes, o instrumento que apontam para resolver o nó é o mesmo: restauração da autoridade. Negociação com o Congresso? Vai se dar nos termos que Ciro e Bolsonaro quiserem. Afinal, serão eleitos para colocar ordem na casa. Quem ousaria se opor? Partidos? Nenhum dos dois vai negociar nos termos do presidencialismo de coalizão de hoje.

Então como se dará isso? A resposta em entrevistas e sabatinas é sempre vaga, amparada em bravatas e lastreada por essa ideia torta de “quem manda” que Dilma Rousseff também tinha, até ser debulhada por Eduardo Cunha e seu Centrão. Ciro fala em fazer reformas constitucionais por meio de plebiscito ou referendo. Questionado sobre a proposta de revogar a reforma trabalhista, e vaiado por uma parcela da plateia na sabatina da CNI por conta disso, tasca: “É assim que vai ser. Ponto final”.

Samuel Pessôa: Reforma política, falsa questão

- Folha de S. Paulo

Deixemos a política trabalhar; as reformas mais importantes já foram feitas

Em período eleitoral, é inevitável que diversos candidatos e seus assessores econômicos se pronunciem sobre a necessidade de reforma política —para muitos, "a mãe de todas as reformas"— e ataquem o presidencialismo de coalizão, ou de cooptação, ou ainda o toma-lá-dá-cá.

Infelizmente, o diagnóstico não está claro e muito menos o que exatamente fazer. Corre-se o risco de mudar tudo para ficar tudo como está.

O sistema político brasileiro tem essencialmente três problemas: excessiva fragmentação partidária, grande distância entre o representante e o representado e elevado custo de campanha.

O Congresso Nacional aprovou emenda constitucional, publicada no Diário Oficial em 4 de outubro de 2017, que produzirá nos próximos 12 anos forte queda da fragmentação partidária.

Os interessados podem ler o texto da emenda constitucional 97 no endereço aqui.

A emenda estabelece que a partir da eleição deste ano "terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que, na legislatura seguinte às eleições de 2018, obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos nove deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação".

Marcos Lisboa: Esquerda à brasileira

- Folha de S. Paulo

Cortina de fumaça disfarça discurso que defende velhos setores

A polarização usual contrapõe PSDB e PT como direita e esquerda. Não deveria. Na definição clássica de Norberto Bobbio, a direita aceita maior desigualdade para estimular o crescimento, enquanto a esquerda opta por maior equidade mesmo ao custo de menor renda.

Essa taxonomia permite diferenciar, por exemplo, os Estados Unidos, com menor gasto social e tributação, de países europeus, que, por outro lado, têm menor crescimento.

Nesses termos, tanto o PSDB quanto o PT são de esquerda. Ambos elevaram a carga tributária e os gastos sociais. O salário mínimo, por exemplo, cresceu cerca de 20% acima da inflação em cada mandato de FHC e pouco mais nos dois de Lula.

Mesmo na economia, a diferença foi menor do que a retórica sugere. Em ambos, havia o resquício da tese cepalina de que o Estado deve proteger e conceder benefícios a empresas que produzam localmente para estimular o crescimento.

Esse argumento, porém, nada tem de esquerda, afinal significa transferir recursos para as empresas, além de tornar mais caros os bens domésticos. Não deveria surpreender que a desigualdade fosse maior no período mais fechado da economia, entre 1970 e 1990.

A divergência entre os economistas decorre sobre a extensão e a forma da intervenção estatal para promover o crescimento.

Bolívar Lamounier: Os três hemisférios do cérebro brasileiro

- O Estado de S.Paulo

Inegavelmente, um deles tem um modelo de crescimento e diretrizes de política econômica

A elite pensante brasileira mantém-se firme na convicção de que consegue compreender os problemas do País com base na dicotomia esquerda-direita. Qualquer que seja o assunto em pauta, lá vai ela de volta ao século 19 e de lá retorna com os chavões habituais. Não percebe que comete pelo menos dois graves equívocos.

Primeiro, não percebe que fala apenas de si e para si. Tudo se passa como se fosse formada por duas tribos se insultando mutuamente. A esquerda xinga a direita de direita e a direita xinga a esquerda de esquerda. Sabem por que afirmo isso? Muito simples. Não passa de 20% a parcela da sociedade que tem pelo menos um vago entendimento desses termos. Um pouco mais, um pouco menos. E não em razão do precário nível de instrução em nosso país, assim é por toda parte.

O segundo equívoco é a crença de que todos os desacordos existentes na sociedade podem ser encaixados numa única dimensão. Ora, a dicotomia esquerda-direita sintetiza, mal e parcamente, o conjunto de questões referente à política econômica e às desigualdades de renda e riqueza. Para representá-la graficamente basta-nos traçar uma linha (horizontal, suponhamos), numa ponta teremos a esquerda e na outra, a direita. Ao longo de tal linha temos graus de esquerdismo e direitismo na dimensão econômico-social. Mas onde entram, por exemplo, as dezenas de agudas desavenças que se manifestam no plano dos valores: questões de religião, combate à corrupção, concordâncias e discordâncias referentes à legalização do aborto, política de gênero, etc.? Ora, não entram em nenhum ponto da linha horizontal, uma vez que pertencem a outra dimensão.

Sérgio Besserman Vianna: Vida e futebol

- O Globo

Jogamos o melhor que podemos e, às vezes, somos os melhores ou nosso time é

Passo pela vida tendo como um dos marcadores do tempo as Copas do Mundo. Passo o tempo da vida começando o dia pelas páginas de futebol no jornal. É bom começar o dia pelas batidas do coração. Passo a régua das memórias mais queridas pelo firme chão dos campos de pelada ou das polêmicas futebolísticas do dia a dia.

Por que o futebol é o esporte mais querido e amado do planeta, de longe? Vamos descartar as hipóteses mais simples? Por conta da beleza de seus melhores momentos? Não! Outros esportes são igualmente espetaculares, e a frequência de seus momentos mais emocionantes, muito maior.

Por conta de seu caráter tribal, substituto civilizado das guerras? Outros esportes fazem isso com mais simbolismo guerreiro. Por conta do acaso? Pode ser, mas, hummm, não deve ser. Décadas atrás o Saldanha dizia que era pelos poucos requisitos materiais: uma bola, um campinho qualquer e duas sandálias como traves. Parecia um bom argumento, mas a história mostrou que não é isso. Um campinho hoje, com aglomerados urbanos de milhões de pessoas, ficou difícil.

Bem, é uma paixão, e paixão não tem explicação. Bobagem, toda paixão tem razões que a própria paixão desconhece (se conhecer deixa de ser paixão). Vou oferecer uma explicação, que não mata a paixão, porque não explica nada. Amamos o futebol porque ele é o esporte mais parecido com a vida. Não jogamos com o que temos de melhor, as mãos, mas com o que as regras e o contexto permitem, os pés. Jogamos (e vivemos ) sozinhos, mas junto aos outros, sem os quais não haveria jogo, nem vida, e nem mesmo conseguiríamos sonhar com quem somos.

Merval Pereira: Acabou a brincadeira

- O Globo

No bom sentido, é claro, pois todo mundo sabe que futebol é coisa séria. E nada mais exemplar do que o jogo de ontem. Todos os ingredientes de uma decisão dramática estavam lá, desde o herói improvável que se transformou em vilão — o brasileiro Mário Fernandes, que abriu mão de jogar na seleção de seu país para se naturalizar russo, em agradecimento à recuperação do alcoolismo, logo na terra em que o índice de alcoolismo é um grave problema social.

Mário fez o gol de empate da Rússia na prorrogação, e perdeu um dos pênaltis. Pois essa Copa, mais que as anteriores, está revelando a fragilidade e a grandeza dos ídolos do futebol. Neymar, por exemplo, é vítima do que se poderia chamar de “síndrome de Pedro e o Lobo”.

Composta por Serguey Prokofiev em 1936, a música, transformada em peça de teatro, conta a história de um pastor que, entediado com o passar do tempo a cuidar de ovelhas, resolveu se divertir e gritou por socorro. Foi ajudado uma, duas vezes, por outros pastores, mas não havia lobo algum. Na vez em que um lobo verdadeiro apareceu, ninguém foi ajudá-lo.

Mesmo quando Neymar é agredido brutalmente, quase sempre o juiz acha que foi encenação, dado o histórico de quedas sensacionais que já viraram memes na internet. Mas Neymar, se não é o único extraclasse em atuação no mundo hoje — pelo menos Messi e Cristiano Ronaldo estão na frente dele, embora em fim de carreira —, com certeza é o mais criativo, mais original. Mas vai ter que se reinventar.

Bruno Boghossian: Nos acréscimos

- Folha de S. Paulo

Em 2014, mais de 20 milhões definiram voto na véspera ou no dia da eleição

A eliminação precoce do Brasil na Copa pode até redirecionar alguns holofotes para a eleição presidencial, mas a disputa deste ano só será resolvida nos acréscimos. Fora dos campos, o quadro político continua indefinido, os partidos prolongam suas articulações e os eleitores permanecem indecisos.

Em 2014, cerca de 15% dos brasileiros chegaram à véspera da abertura das urnas sem um candidato escolhido. Isso significa que 21 milhões de votos foram definidos nas 48 horas que antecederam o primeiro turno. Outros 19% se decidiram apenas duas semanas antes de votar.

Tradicionalmente, metade dos eleitores não consegue escolher um candidato de maneira espontânea antes do início da propaganda eleitoral na TV. Este ano, a indefinição deve se prolongar: a legislação mudou e os programas dos presidenciáveis só estrearão em setembro.

Luiz Carlos Azedo: A criminalização da política

- Correio Braziliense

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua inelegibilidade exacerbam as tensões entre os políticos e promotores, delegados federais e magistrados que os investigam

A criminalização da política é a outra face da moeda de sua judicialização. São fenômenos que refletem a velha tensão entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções, conceitos que ajudam a entender as vicissitudes da Operação Lava-Jato e seus atores, o inferno astral dos políticos às vésperas das eleições e o racha entre “garantistas” e “punitivistas” no Supremo Tribunal federal (STF). Essa bola rola quadrada no debate eleitoral, mais ou menos como aconteceu com a nossa seleção no jogo contra a Bélgica, na sexta-feira, um adversário sem tradição nas finais da Copa do Mundo. Entretanto, quem sentiu o peso da camisa foi a equipe do Brasil, pentacampeã mundial.

Aproveitando o parêntese, não é só na política e na economia que não entendemos a globalização. O Brasil exporta aviões, carne, soja, café, minérios e jogadores de futebol. Com exceção dos aviões, são matérias-primas que serão processadas e beneficiadas, recebendo valor agregado lá fora, o que inclui os jogadores de futebol. O mundo no qual os nossos jogadores surpreendiam os adversários e seus esquemas táticos com a habilidade do drible e a criatividade das jogadas deixou de existir. Na conquista do Penta, no Japão, a maioria dos nossos craques já era globalizada. No futebol, como acontece com a nossa economia, exportamos craques, mas não importamos a expertise organizacional e comercial dos grandes clubes europeus para acompanhar as mudanças em curso no mundo.

Rolf Kuntz: Haverá novo presidente, mas de que República?

- O Estado de S.Paulo

Bagunça institucional é a nova forma da velha e bem conhecida insegurança jurídica

O naufrágio do Titanic, dizem os otimistas, seria hoje evitável com um bom radar. Para aceitar essa afirmação é necessário pressupor um comandante, um piloto e vários especialistas ocupados, de forma organizada e eficiente, com suas funções. Como esse pressuposto nem sempre é realista, a insegurança envolve mais que a possível presença de um iceberg à frente e, nos piores casos, de nevoeiro. É esse o caso do Brasil, neste momento. Fala-se muito do cenário enevoado e da incerteza quanto à orientação do próximo presidente. O jogo eleitoral continua indefinido, as propostas são obscuras e as poucas indicações conhecidas são, em boa parte, assustadoras. Incerteza política é uma referência quase inevitável quando se discute como ficarão a partir de 2019 as finanças públicas, a pauta de reformas, a inflação, as políticas de câmbio e de juros e as condições de crescimento econômico.

Também as perspectivas de prazo mais curto são obscuras. A agenda de reformas está empacada e o Congresso pouco deverá produzir neste semestre, mas nem a execução orçamentária deste ano é previsível. Quem pode hoje apostar, por exemplo, em qualquer receita derivada de concessões e privatizações? Mas o detalhe mais perigosamente obscuro é outro. Antes do fim do ano os brasileiros elegerão um novo presidente da República - mas de que República? Quais são de fato e como operam as suas instituições e como se exercem os poderes do Estado?

A tão citada insegurança jurídica, apontada como um dos entraves ao investimento produtivo, à eficiência e ao crescimento econômico do Brasil, está vinculada a essa questão. Já não se trata só da incerteza quanto à aplicação das normas ou da mudança frequente de regras. O quadro piorou e hoje é difícil saber quem decide sobre isto ou aquilo.

Míriam Leitão: Aumento de impostos

- O Globo

O próximo governo vai aumentar impostos. A questão é saber quais e de que forma. Alguns candidatos dizem que não vão aumentar, outros fazem ameaças vagas aos mais ricos. Outros dizem que reduzirão benefícios, o que é, na prática, elevar tributos. O tema é tabu no Brasil. O esforço deveria ser, qualquer que fosse a pessoa eleita, tornar o sistema tributário mais justo, menos confuso.

Alguns candidatos estão falando em taxar dividendos. O Brasil em 1995 optou por taxar mais na pessoa jurídica, deixando os dividendos sem tributação. Existem dois impostos sobre o mesmo fato gerador, o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Depois o que sobra é transferido para os acionistas em forma de dividendos, e não há imposto. É justo ou não?

Fontes da Receita explicam que é uma forma de tributar e consideram que se tiver imposto sobre dividendos será preciso talvez reduzir a alíquota das empresas. Nos Estados Unidos, Argentina, entre outros países, houve redução do imposto sobre a empresa em si, mas a pessoa física de alto rendimento é mais taxada. Antes, o IRPJ nos EUA era como no Brasil, em torno de 35%.

— Lá atrás ficou entendido se concentrar o imposto na Pessoa Jurídica e deixar o dividendo isento. O problema é que veio a pejotização com lucro presumido, a ampliação do Simples e isso gerou muita confusão — explica-se na Receita.

Alguns candidatos estão falando em combater a “pejotização”. Ou seja, um profissional liberal que, em vez de ser contratado pela empresa, cria uma firma, paga os tributos da Pessoa Jurídica, distribui para si mesmo os dividendos e sobre eles não recaem impostos.

— A questão é que imposto é a alíquota e a base de cálculo, e o lucro presumido ficou até R$ 78 milhões o que é muito alto — explica um técnico.

Vinicius Torres Freire: A maior derrota do Brasil

- Folha de S. Paulo

Não há mais dúvida de que estamos em crise de raridade secular e num pacto pelo desastre

"Não exagere. Já saímos de crises iguais a esta ou piores."

Em conversas com pessoas bem-postas na vida, da esquerda à direita, não raro é possível ouvir variantes desta frase depois de se expor com desânimo ou franca exasperação uma análise do que se passa com este país.

É uma atitude que revela conservadorismo, menosprezo pelos pobres, indiferença obstinada e obtusa por fatos elementares.

É conservadora porque tolera a reincidência de crises tremendas, que seriam inexoráveis como as estações do ano, e o crescimento pífio nas últimas quatro décadas.

É menosprezo pela miséria pelo motivo óbvio, porque os pobres se estrepam mais nos apagões nacionais.

É crença entre mágica e equivocada na ideia de que podemos sair, sem mais, desta outra temporada no inferno e de que o Brasil não tenha um problema de fundo, antigo e grave. Mas essa doença crônica pode ser uma outra aberração deste país tão aberrante (entre os líderes mundiais de desigualdade, taxas de juros, taxa de homicídio e de mortes no trânsito etc.).

Desde 1980, a renda (PIB) per capita brasileira cresce 0,8% ao ano (o que equivale a um crescimento atual da economia de 1,6% ao ano). Desde 1990, o Brasil foi o país que menos cresceu entre as 11 economias relevantes da América Latina, afora a Venezuela, extinta por um meteorito.

Desde 1980, tivemos três recessões cataclísmicas. Vamos completar neste 2018 o segundo pior quinquênio de crescimento desde que se tem notícia (1901).

José Roberto Mendonça de Barros: A reforma trabalhista vai pegar

- O Estado de S. Paulo

O fim da contribuição sindical obrigatória é uma importante inovação da reforma

No Brasil, todas as leis mais transformadoras são aprovadas duas vezes: depois de passar no Legislativo e sancionada pelo Executivo, as partes que se sentem prejudicadas tentam virar o jogo no Judiciário. Só então a nova lei entra efetivamente em vigor (“pega”).

Fora o Plano Real, um dos exemplos mais marcantes para mim foi o processo de concessão de rodovias em São Paulo, objeto de inúmeras contestações até sua pacificação na Justiça, quando os riscos legais dos contratos se reduziram drasticamente, ao contrário do ocorrido em lugares como o Rio Grande do Sul.

Como resultado, a malha de rodovias duplicadas cresceu em nosso Estado, beneficiando todos os usuários e elevando a produtividade. Hoje, das 20 melhores rodovias do Brasil, 18 são concessões paulistas. Só aqui temos uma rede rodoviária de padrão internacional.

Não há nada de errado nessas contestações, exceto pelo fato de que, em muitas ocasiões, a tradicional lentidão da Justiça brasileira transforma a ação em tática de procrastinação.

O resgate da coesão nacional: Editorial | O Estado de S. Paulo

Na cerimônia em homenagem ao soldado Mário Kozel Filho, morto há 50 anos pela explosão de um carro-bomba, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, fez um diagnóstico realista do que vem ocorrendo no País há algum tempo. A “sociedade brasileira está se esgarçando”, disse o general. “Hoje, o momento é de linhas de fratura, o que exige a recuperação de uma coesão nacional.”

Tem razão o general Villas Bôas quando aponta a necessidade de resgatar a unidade nacional. O ambiente de polarização e radicalismo é perigoso e contraproducente, tanto para o bom funcionamento das instituições democráticas como para o próprio convívio social, que exige um mínimo de harmonia e respeito pelo outro, mesmo quando não há o compartilhamento das mesmas ideias e causas políticas. A República deve sempre primar pelo pluralismo e pela tolerância, como caminho para que todos os cidadãos, sejam quais forem suas posições políticas e ideológicas, possam viver em paz e em liberdade.

Para a tarefa de resgate da unidade nacional, é preciso atacar as causas que conduziram o País à atual situação, que é muito diferente do ambiente de harmonia social que sempre caracterizou o Brasil. Por exemplo, um fator importante que contribuiu para a atual polarização foi a prática lulopetista de contrapor o “nós” contra “eles”.

Além de apresentar quem pensa de forma diferente como inimigo – o que é profundamente antidemocrático e antissocial –, o PT no governo federal conduziu a própria administração pública a atuar nessa ótica excludente, com a apropriação do Estado em favor de seu projeto de poder. Naturalmente, tal tática gerou profundos descontentamentos em quem se viu obrigado a financiar um modo de vida com o qual não concordava e a sustentar um poder público que trabalhava em benefício de um único grupo político-partidário.

O caminho da unidade nacional passa pelo reordenar da máquina pública ao interesse público, que é sempre mais abrangente que uma única bandeira partidária. Um governo radicalmente faccioso produz atritos e tensões, quando seu papel deveria ser promover a união e a concórdia. Tal advertência serve para os Três Poderes. Se o Judiciário esquece o Direito e toma decisões alheias à sua missão constitucional, ele também contribui para esgarçar o tecido social.

Eleições com um outro padrão: Editorial | O Globo

A baixa popularidade dos políticos em geral, refletida em taxas de rejeição mesmo de candidatos que aparecem à frente nas pesquisas, reflete elevada dose de mau humor do eleitorado

Os diversos partidos se preparam para definir chapas às eleições majoritárias — para presidente, governador e senador —, sem esquecer, por óbvio, a formação de bancadas nas assembleias estaduais e no Congresso. Nada, na essência, diferente de pleitos anteriores. Mas há aspectos novos.

Um dos principais, o fim do financiamento de campanha por empresas, o que aumentou o poder de barganha dos partidos maiores, donos de grandes fatias dos fundos partidário e eleitoral, pelos quais o contribuinte financia mais este gasto, sem ter sido consultado.

Uma reforma política tênue, mesmo que tenha sido na direção correta, adiou para 2022 a entrada em vigor da necessária eliminação da coligação em eleições proporcionais — que engana o eleitor, ao eleger com seu voto quem ele não conhece —, mas estabeleceu, para este pleito, enfim, uma cláusula de barreira, mesmo baixa. Começa fixando que os partidos precisam obter pelo menos 1,5% dos votos nacionais destinados aos candidatos a deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço dos estados. Em 2030, será o mínimo de 3% dos votos e pelo menos 2% em cada um de um terço dos estados. Só assim o partido terá acesso aos fundos e ao horário de campanha dita gratuita.

A serviço do público: Editorial | Folha de S. Paulo

Portaria que autoriza transferência compulsória de funcionário federal abre caminho para racionalizar alocação de pessoal

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão deu um passo até certo ponto óbvio, mas com algum potencial contencioso, na administração de pessoal: diminuiu as barreiras para remanejar servidores públicos federais entre órgãos, prescindindo da autorização destes para as transferências, que passam a ser obrigatórias.

A medida estava prevista em lei desde 1990, sem chegar a ser posta em prática por falta de regulamentação. Esta veio na quarta-feira (4), com a publicação de uma portaria no Diário Oficial da União.

Ninguém desconhece que as regras a disciplinar o funcionalismo compõem hoje um emaranhado que, em nome de proteger os empregados, levantam obstáculos consideráveis para os gestores. Premido por restrição orçamentária, o Planalto enfim buscou a flexibilidade necessária para racionalizar recursos disponíveis.

Cacá Diegues: Na porta do gol

- O Globo

O principal eleitor de Obrador foi Trump e sua fúria antimexicana, sua insanidade que fez o cidadão do país ao sul do Rio Grande escolher alguém disposto a enfrentá-lo

Perdemos. Mas nem por isso temos do que nos envergonhar. Há muito tempo não víamos uma seleção brasileira tão cheia de qualidades. E tão parecida com o Brasil. Temos dificuldade em combater o infortúnio, sempre deixamos a bola escapar na porta do gol. Há de haver outros Neymares, tomara que a gente não desista. Nunca. 
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A eleição no México do novo presidente Andrés Manuel López Obrador, que seus eleitores chamam, com carinho e muitos significados, de AMLOve, é mais significativa do que muita gente pensa. Não se trata apenas de uma virada do país para a esquerda democrática, como também a potencial consagração de uma nova ordem política no futuro da América Latina.

Pela primeira vez, desde o ocaso da Revolução Mexicana do início do século XX, um político e seu partido, o Morena, retomam as teses sociais daquela esquerda, sem autoritarismo, apelos populistas e apoios suspeitos. Não se trata de construir um capitalismo de compadrio, como já aconteceu e acontece em alguns países de nosso continente; nem de inventar uma democracia cabocla demagógica e de fachada, como algumas do passado e do presente latino-americano. Mas de experimentar o nosso próprio jeito de ser, de ser o que somos, para o bem de todos.

O principal colaborador de Obrador na economia é Carlos Urzúa, um professor que já foi seu secretário no governo da Cidade do México. Urzúa avisou que não pretende fazer nada de diferente do que ele e AMLO faziam na administração municipal. Uma declaração de confiança nas forças econômicas que, desde alguns anos, estão tirando o México da miséria social.

O principal eleitor de Obrador foi Donald Trump e sua fúria antimexicana, sua insanidade colonialista que fez o cidadão do país ao sul do Rio Grande escolher alguém disposto a enfrentá-lo. Num de seus discursos de campanha, o novo presidente fez ironia certeira com a insensatez de Trump, ao lembrar que, se ele quer construir um muro para evitar os mexicanos, esse muro pode servir também para evitar os americanos invasores que, no passado, tiraram na porrada a Califórnia, o Novo México, a Flórida e o Texas do México, senhor original dessas terras. Uma observação parecida com a do grande ator seu patrício, Gael García Bernal, a uma revista dos Estados Unidos.

Resta torcer para que essa virada política no México dê certo. No Brasil, em situação parecida, quando deixamos a ditadura sonhando com um futuro democrático, acabamos criando leis e regras que, graças aos compromissos de nossos libertadores com militares moderados, políticos espertos e democratas conservadores, impediram uma reforma mais radical do regime, em direção a uma justa democracia política, econômica e social.

A Lei de Anistia de agosto de 1979, por exemplo, criada por aqueles militares moderados, promulgada pelo último general-presidente e garantida por todos os governos posteriores, de Collor e Itamar, de FHC e Lula, de Dilma e Temer, nos impede de conhecer o que se passou de fato durante a ditadura, para que se faça justiça e nada daquilo volte a acontecer. Ela livrou a cara daqueles que prenderam, torturaram e mataram nosso jornalista, escritor e cineasta Vladimir Herzog, em 1975, encenando ridiculamente um suicídio na prisão, não apenas improvável como também impossível.

Agora, a Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de condenar, pela primeira vez, o Estado brasileiro pelo assassinato de Herzog, finalmente tratado como o que ele foi, um crime contra a humanidade. Para que dure e seja bem-sucedido, tomara que AMLOve, o amor atual dos mexicanos, não sofra esse tipo de constrangimento. 
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Clara Nunes - O Mar Serenou

Carlos Drummond de Andrade: Foi-se a Copa

Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.

(1978)