quarta-feira, 24 de julho de 2019

Vera Magalhães: Dois fronts no Senado

- O Estado de S.Paulo

A decisão, além de tudo extemporânea, de Jair Bolsonaro de indicar o filho Eduardo para a embaixada do Brasil em Washington encarece a tramitação da reforma da Previdência no Senado e faz com que o governo tenha de se desdobrar em dois fronts – quando não tem demonstrado capacidade de organização nem para um.

Os prognósticos quanto à facilidade ou dificuldade de aprovação de Eduardo na Comissão de Relações Exteriores (que não é condição para que seu nome vá a plenário) e no conjunto da Casa variam entre governistas e oposicionistas. Mas a avaliação de que essa discussão atrapalha o debate da reforma é consensual.

“Bolsonaro mostrou qual é sua prioridade ao aventar essa possibilidade justamente no momento em que a reforma está a caminho do Senado”, constatou um senador simpático ao governo, mas crítico da indicação do filho.

As contas sobre a acolhida na CRE ao nome do filho “03” do presidente para Washington variam. O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), me disse que Eduardo terá ao menos três votos de vantagem. Já senadores do bloco de oposição e do DEM fazem uma avaliação coincidente: haveria hoje um empate, e o presidente do colegiado, Nelsinho Trad (MS), pode dar o voto de Minerva em favor de Eduardo.

Em pleno recesso, partidos discutem a troca de integrantes da comissão como forma de facilitar a chancela ao nome do terceiro filho para o posto diplomático mais importante do País no exterior.

A indicação ainda não foi oficializada. Aliados acham que Bolsonaro vai “sentir o pulso” do Senado antes de enviá-la. E nessa medição a figura fundamental é Davi Alcolumbre (DEM-AP). O presidente da Casa já foi consultado pessoalmente por Bolsonaro, e foi cauteloso.

Bruno Boghossian: Bolsonaro vê inimigos fictícios dentro do próprio governo

- Folha de S. Paulo

Presidente adapta teoria do 'Estado profundo', mas não é vítima de conspiração

O governo Bolsonaro vê inimigos dentro do armário, atrás das cortinas e debaixo da cama. Desde o início do mandato, o presidente e seus auxiliares dizem que agências estatais estão cheias de defensores da maconha, que órgãos de pesquisa são financiados pela esquerda e que até satélites de monitoramento ambiental são manipulados por ONGs.

Os tiros dentro de casa se intensificaram nos últimos dias. Defensor do endurecimento da política de drogas, Osmar Terra (Cidadania) disse ao site Jota que o governo pode fechar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária caso seus dirigentes insistam em regulamentar o plantio de Cannabis para fins medicinais.

O ministro não tem poder sobre a Anvisa, mas se irritou ao reclamar da presença de uma "turma pró-droga" na agência. Terra acusou o presidente do órgão, William Dib, de liderar o movimento pela liberação.

Ruy Castro*: Coice na liturgia

- Folha de S. Paulo

O cargo de presidente implica e exige respeito. Mas não é o caso de Bolsonaro

A chapa está esquentando. Jair Bolsonaro, o presidente mais boquirroto da história da República, tem se superado ultimamente em sua especialidade de atacar adversários, ofender aliados, ignorar protocolos, diminuir instituições, promover crises, agredir minorias, comprar brigas gratuitas, humilhar seus próprios amigos, mentir com grande convicção, desdizer-se na maior cara dura e, de modo geral, escoicear a liturgia do cargo.

Formalmente, é um presidente. Tem ao seu redor pessoas para protegê-lo, transportá-lo, abrir-lhe portas, fazer seus ternos, cortar-lhe o cabelo, corrigir sua postura, preparar sua agenda, escrever seus discursos e, principalmente, orientá-lo sobre as grandes questões, a atitude a tomar sobre este ou aquele problema, a oportunidade de manifestar-se ou manter-se neutro diante de certos assuntos. Bolsonaro deve ter todos esses profissionais para servi-lo. Mas, ou são uns incompetentes ou é ele quem os desqualifica, passando por cima de seus conselhos e metendo os pés pelas mãos por conta própria.

Hélio Schwartsman: O mundo é complicado

- Folha de S. Paulo

Série sobre desigualdade apresenta dados para satisfazer otimistas e pessimistas

A bela reportagem especial publicada nesta terça, que dá início a umasérie sobre a desigualdade, traz dados que satisfazem tanto os otimistas como os pessimistas.

Para os que gostam de ver o mundo sob lentes leibnizianas, nunca tantas pessoas saíram da miséria quanto nos últimos 40 anos. Especialmente na China e na Índia, mas também em outros países emergentes, contingentes expressivos da população ganharam inaudito acesso a alimentos e bens. O abismo entre as nações ricas e as pobres se reduziu.

Elio Gaspari*: Bolsonaro errou o tiro no 'melancia'

- Folha de S. Paulo / O Globo

O capitão precisa ouvir o conselho do general Médici e, todo dia, botar água na cabeça para esfriá-la

Com 13 milhões de desempregados, a economia andando de lado e a projeção de mais um ano de pibinho, o Brasil já tem problemas suficientes, não precisa trazer de volta o fantasma da anarquia militar. Com idas e vindas ele assombrou a vida do país dos últimos anos do século 19 até o final do 20.

Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República pela vontade de 57,8 milhões de brasileiros. Teve o apoio público de dezenas de oficiais das Forças Armadas e formou um ministério com oito militares. Fez um agradecimento ao ex-comandante do Exército dizendo que “o que nós já conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por estar aqui, muito obrigado, mais uma vez.” Sabe-se lá o que conversaram, mas desde o primeiro momento o capitão reformado associou seu governo às Forças Armadas. Como agradecimento, tudo bem. Além disso, é uma perigosa impropriedade.

Bolsonaro deixou a tropa depois de dois episódios de ativismo e indisciplina. Referindo-se ao capitão, o ex-presidente Ernesto Geisel classificou-o como “um mau militar”. Quem está no Planalto é um político com 30 anos de vida parlamentar e uma ascensão meteórica. Em seis meses de Presidência, demitiu três oficiais-generais e na semana passada disse que outro, Luís Eduardo Rocha Paiva, aliou-se ao PC do B: “Descobrimos um ‘melancia’, defensor da guerrilha do Araguaia em pleno século 21”. Ele havia criticado a escolha de EduardoBolsonaro para a embaixada em Washington e a fala dos governadores “de paraíba”.

Esse general de brigada chefiou a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e, na reserva, em março foi nomeado para integrar a Comissão da Anistia. Chamá-lo de “melancia” (verde por fora, vermelho por dentro) foi um despautério. Em 2010 Rocha Paiva acusou o PT de “querer implantar um regime totalitário no Brasil”. Dois anos depois, lembrou as execuções praticadas pelo PC do B no Araguaia. Foram pelo menos três. (Esqueceu-se das execuções de guerrilheiros que se renderam, mas ninguém é obrigado a se lembrar de tudo.)

Merval Pereira: Lapsos verbais prejudicam Bolsonaro

- O Globo

A falta de cuidados com as palavras pode trazer grandes prejuízos políticos, como mostram precedentes

O presidente Jair Bolsonaro vai levar muito tempo para se livrar do lapsus linguae que cometeu chamando os nordestinos de “paraíbas”, numa conversa com microfone aberto sem que soubesse.

As distrações na linguagem falada podem revelar preconceitos arraigados, ou serem simplesmente equívocos desastrados. Sujeitas a manipulações políticas. Ontem, na sua primeira viagem ao Nordeste, Bolsonaro teve que se explicar diversas vezes, e o fez com criatividade.

Dizer que “somos todos paraíbas” foi uma boa saída. Já usar um chapéu de boiadeiro foi repetir um gesto político tradicional. No Rio, onde Bolsonaro fez sua vida política, embora seja paulista, chamar nordestinos de “paraíbas” tem um sentido pejorativo histórico, devido às migrações nordestinas para a Região Sudeste do país, em busca de emprego e fugindo da seca.

Em São Paulo, o menosprezo vai para os “baianos”, pela mesma razão. Bolsonaro também falou “somos todos baianos” ontem, bem orientado para que a tentativa de correção de seu lapso de linguagem tivesse alcance nacional.

O general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, sofreu muito com esse tipo de erro durante a campanha, ou revelando desejos recônditos como acabar com o décimo terceiro salário, ou tratando de temas tóxicos, como torturas ou autogolpes.

Zuenir Ventura: O ‘mito’ e a mitomania

- O Globo

Dizem que político mente por dever de ofício. Mas há os que abusam. O site Intercept garante que Bolsonaro, por exemplo, mentiu publicamente 200 vezes desde que tomou posse, isto é, mais de uma mentira a cada 24 horas. A julgar pelos últimos dias, o número não é exagerado.

Em uma só manhã, o presidente mentiu para a imprensa estrangeira sobre a fome, o desmatamento, a educação, o uso de agrotóxicos. Ele às vezes tem o comportamento de um mitômano, mente por compulsão.

Na primeira entrevista ao “Jornal Nacional” depois de eleito, ele disse que sua bandeira era a passagem bíblica “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E terminou dirigindo-se aos crédulos: “Agradeço aos que acreditaram na verdade e confiaram no meu nome nas urnas”.

Aos correspondentes, no entanto, ele afirmou que não existia fome no Brasil.

Depois, ao tentar consertar, mentiu novamente, admitindo que apenas “alguns” não têm acesso à comida—na realidade são mais de cinco milhões de brasileiros nessa situação.

Quanto ao desmatamento, o Brasil não é o país que mais preserva o meio ambiente, como ele anuncia. Está em 30º lugar, de acordo com o Banco Mundial.

Mas o que mais irritou Bolsonaro foi o Inpe revelar o aumento de 88% em relação a julho de 2018, ou seja, mais de mil quilômetros quadrados de floresta. Em vez de xingar os grileiros, ele acusou os dados de “mentirosos” e insinuou que o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, estava a serviço de alguma ONG.

Bernardo Mello Franco: A política do expurgo

- O Globo

Decreto que exclui a sociedade civil de conselho sobre drogas equivale a um expurgo, afirma dirigente da SBPC. “É um retrocesso inacreditável”, diz Sidarta Ribeiro

Na segunda-feira, Jair Bolsonaro excluiu todos os representantes da sociedade civil que integravam o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas.

A canetada atingiu profissionais que lidam diretamente com o problema da dependência química, como médicos, psicólogos e assistentes sociais. Ficaram apenas ministros e burocratas federais.

O presidente disse que o decreto acabará com o “viés ideológico” nos debates. Seria mais correto dizer que acabará com o contraditório. O governo já tinha maioria no conselho, mas era obrigado a ouvir opiniões divergentes. Agora não haverá mais contraponto à visão oficial.

“Estamos vivendo um retrocesso inacreditável”, critica o neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ele define a medida como um “expurgo”, instrumento de regimes autoritários para eliminar o dissenso. “Agora teremos um conselho homogêneo, que só vai dizer o que o governo quer ouvir”, resume.

Luiz Carlos Azedo: O jogo bruto começou

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O ataque frontal de Bolsonaro aos adversários na Bahia, o principal reduto de oposição ao seu governo, sinaliza uma estratégia para os demais estados do Nordeste”

A inauguração do Aeroporto Glauber Rocha, em Vitória da Conquista, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro, foi muito mais do que uma tentativa de consertar o estrago feito pelas declarações presidenciais desastradas da sexta-feira passada em relação aos nordestinos e aos governadores da região, em especial o do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Foi a largada de uma estratégia política eleitoral para a região, mirando as eleições municipais do próximo ano, por descuido revelada nas entrelinhas de seu comentário sobre o governador comunista.

Bolsonaro atropelou politicamente o governador da Bahia, Rui Costa (PT), que não compareceu à inauguração, em protesto por receber apenas 100 convites para uma festa que previa 600 convidados. Durante o discurso, porém, Bolsonaro tirou por menos. Disse lamentar que Costa não estivesse no evento e que não tem preconceitos em relação a partidos, mas que não aceita quem quiser “impor a nós o socialismo ou o comunismo”. Assim como o governador Rui Costa, o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Nelson Leal (PP), também não participou da cerimônia em solidariedade a Costa. Além deles, a filha do cineasta baiano que dá nome ao terminal, Paloma Rocha, se recusou a ir ao evento.

Quem aproveitou a cerimônia, feliz como pinto no lixo, foi o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), que está no segundo mandato e foi muito paparicado por Bolsonaro: “Chamo de garoto porque você é muito mais novo que eu. Mais na frente, se Deus quiser, você ocupará a honrosa cadeira que ocupo”, declarou. A solenidade também contou com a presença do prefeito de Vitória da Conquista, Hélzem Gusmão, e desenhou a política de alianças de Bolsonaro na Bahia, o quarto colégio eleitoral do país, onde foi fragorosamente derrotado pelo petista Fernando Haddad em 2018.

A obra do aeroporto levou cinco anos para ficar pronta e custou R$ 105 milhões: R$ 74 milhões do governo federal e R$ 31 milhões do estadual. À margem da BR-116, a 10km do centro de Vitória da Conquista, seus voos comerciais atenderão 2,3 milhões de pessoas de 100 municípios vizinhos, baianos e mineiros. Os recursos federais foram obtidos por meio de emendas parlamentares, entre as quais as do senador Jaques Wagner, ex-governador petista que derrotou o grupo político do falecido senador Antônio Carlos Magalhães e ocupou seu lugar como principal liderança política do estado. Foi outro que não compareceu à festa governista.

Ricardo Noblat: Um presidente xiita

- Blog do Noblat / Veja

Depois dos nordestinos, Bolsonaro ofende os estrangeiros

Uma vez que por aqui se usa o termo xiita para designar um radical de direita e de esquerda, nada demais que Bolsonaro possa ser classificado de xiita. Por que não? Alguma dúvida?

Bolsonaro vê xiitas por toda parte. Em viagem a Vitória da Conquista, na Bahia, atacou os “xiitas ambientais” que, segundo ele, prejudicam o turismo no Brasil e a imagem do país no exterior.

E em mais um rasgo de sinceridade, sem que ninguém lhe tivesse provocado a respeito, declarou para espanto e preocupação dos que o acompanhavam: “Tenho repulsa por quem não é brasileiro”.

A história do Brasil não registra nada de parecido que tenha saído da boca de um presidente da República. Ou mesmo da boca de um líder político de dimensão apenas regional.

O mais nacionalista dos militares da ativa ou da reserva em tempo algum ousou ofender outros povos com a desfaçatez demonstrada por Bolsonaro. E logo por quem…

Jair Messias Bolsonaro, o presidente acidental do Brasil, descende de italianos por parte de pai (Perci Geraldo Bolsonaro) e de mãe (Olinda Boturi). Os primeiros Bolsonaros aqui chegaram em 1889.

O sobrenome (escrito com “z”) é comum na região do Vêneto. O sobrenome Boturi é comum no Vêneto e na região da Toscana. As duas famílias migraram em busca de melhores condições de vida.

A maior colônia de italianos do mundo vive no Brasil. Pelo menos 30 milhões de brasileiros descendem de italianos. Parte da colônia votou com orgulho em um dos seus para presidente.

Até ontem, Bolsonaro só devia explicações aos nordestinos, chamados por ele de “paraíbas”, uma expressão preconceituosa. Passou a dever a todos os povos.

A essa altura, quem mais do que Bolsonaro faz mal à imagem do Brasil lá fora?

É assim que se põe em risco o Estado de Direito

Polícia bate à porta de sindicato
Donde se conclui que práticas típicas de um Estado policial começam a ser adotadas por aqui, como se pôde ver, ontem, no Amazonas.

Cristiano Romero: Taxa de juros: uma oportunidade histórica

- Valor Econômico

Inflação baixa, PIB em marcha lenta e reforma derrubam taxa Selic

A combinação de uma conjuntura interna e externa favorável criou oportunidade histórica para o Banco Central (BC) reduzir ainda mais a taxa básica de juros (Selic), que está em 6,5% ao ano desde março de 2018, o menor patamar em 25 anos de Plano Real. O BC já havia indicado que, se a reforma da Previdência fosse aprovada pela Câmara dos Deputados, a Selic voltaria a ser cortada, provavelmente, em 25 pontos-base (0,25 ponto percentual, para 6,25% ao ano).

O cenário mudou. A reforma foi aprovada em primeiro turno, na Câmara, por votação que mostrou a força no parlamento não do governo Bolsonaro, mas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e seus aliados. O aceno do BC, porém, foi feito antes de o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, deixar claro que iniciará novo ciclo de alívio monetário. Por essa razão, é possível, na reunião da próxima semana, o BC brasileiro faça um corte maior, de 0,5 ponto percentual, na taxa Selic, para 6% ao ano.

Quando o Fed toma uma decisão como essa, provoca uma onda que muda a maré de todas as economias. Se o Fed vai reduzir os juros, a tendência é que os investidores globais diminuam o que o mercado chama de aversão a risco. O objetivo aqui é procurar mundo afora aplicações razoavelmente seguras e com retorno superior ao dos títulos do tesouro americano. Mesmo reduzindo juros, o Brasil continuará oferecendo retornos em renda fixa superiores aos encontrados na maioria dos mercados. Sendo assim, o dólar deve perder valor nos quatro cantos do planeta e, por conseguinte, moedas locais, como real, vão se valorizar. Isso também ajuda a manter pressão baixista na inflação.

Fabio Graner: Riscos e vícios da reforma tributária

- Valor Econômico

Debate deve ser sobre eficiência e justiça tributária

O tema da reforma tributária vive inédito congestionamento de propostas. O avanço da Previdência na Câmara impulsiona a discussão desse outro capítulo da agenda de medidas estruturais. O assunto, naturalmente envolto em ceticismo depois de décadas de fracassos, carrega consigo virtudes, vícios e riscos que precisam ser considerados.

Um desses vícios está no atual processo legislativo. Câmara e Senado concorrem com dois textos semelhantes e que têm como principal vetor a criação de um imposto sobre valor adicionado (IVA) nacional sobre bens e serviços, o IBS. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em uma decisão mal explicada e aparentemente movida por agenda própria, ignorou o projeto aprovado em 2018 pela comissão especial da Casa. Assim, outro texto foi apresentado e tramita na Câmara. Já o Senado, que melhor representa os Estados, resolveu encampar o que foi aprovado na Câmara. O desperdício de energia política que essa competição entre as Casas gera já é algo a se lamentar.

O Ministério da Economia, que duvida da viabilidade política das propostas do Congresso, finaliza um projeto próprio. O texto reformula apenas impostos federais e já é bombardeado principalmente por conta do tributo que tem cara e jeito de CPMF, mas que, no fim das contas, parece bem mais agressivo que o extinto em 1997.

Uma possível vantagem da Contribuição sobre Pagamentos (CP) é alcançar a emergente economia digital e substituir a contribuição sobre folha de pagamentos, barateando o custo do trabalho formal.

Recentemente, os secretários estaduais de Fazenda passaram a defender uma nova alternativa. Trata-se da criação de dois IVAs, um federal e outro estadual. Uma fonte graduada envolvida nas discussões aponta que a alternativa do "IVA dual" seria mais viável por não interferir na autonomia tributária dos Estados ante a União e ainda simplificaria o sistema.

Nilson Teixeira*: A busca de nova missão para o BNDES

- Valor Econômico

Banco deveria atuar na melhoria da qualidade do ensino básico e na implementação de projetos na área

A inclusão do termo social em 1982 ao atual nome do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi o prenúncio da importância de uma ação mais direta da instituição para a redução da pobreza e da desigualdade no país. Nesse sentido, é correto o discurso do seu presidente de que o BNDES precisa ser menos banco e mais desenvolvimento.

Essa atuação é condizente com a minha defesa por um maior foco da instituição na educação, principal motor para a alta do crescimento potencial. Minha proposta é de a instituição atuar na melhoria da qualidade do ensino básico e na implementação de projetos na área. A incapacidade do BNDES de monitorar ações nos municípios não é um problema. A instituição não tem estrutura própria para acompanhar todos os seus financiamentos, mas nem por isso deixa de monitorá-los com o auxílio de seus agentes financeiros. O acompanhamento do ensino seria efetuado, por exemplo, com a interveniência das secretarias de educação.

Verdades encobertas: Editorial / Folha de S. Paulo

Além de obscurantismo, Bolsonaro indica intento de mascarar dado do desmatamento

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nunca primou por alarmismo ao lidar com dados sobre o desmatamento na Amazônia. Ao contrário: quando sofreu críticas de ambientalistas, foi por apego intransigente à metodologia e ao calendário de divulgação.

Estatísticas oficiais são informações de Estado, não deste ou daquele governo. Institutos federais como IBGE, Ipea e Inpe são curadores das séries históricas; compete-lhes preservá-las do ímpeto manipulador que não raro acomete o governante de plantão.

Jair Bolsonaro (PSL) nada tem de original ao agastar-se com o registro quantitativo de fenômenos que contrariam sua narrativa. Na ditadura militar houve manipulação de índices de inflação; já na democracia, prestidigitação com cifras de desmate nos governos José Sarney (MDB) e Dilma Rousseff (PT).

O atual presidente da República implicou, no final de abril, com a taxa de desemprego do IBGE. Disse que o número de desocupados, na sua opinião, era muito maior que o apurado pelo instituto.

No cargo de Bolsonaro, não existe lugar para opinião quando há dados objetivos à mão, obtidos com metodologia desenvolvida por técnicos e exposta a debate público por décadas. O mandatário não hesita, entretanto, com atos e palavras impensados, em lançar descrédito sobre o saber acumulado por órgãos do próprio Executivo.

O Tesouro arrastado na crise: Editorial: O Estado de S. Paulo

Também o governo paga um preço alto pelo agravamento da crise econômica, assunto menosprezado nos primeiros seis meses de mandato do presidente Jair Bolsonaro. Com negócios emperrados e longas filas de gente em busca de emprego, a arrecadação é fraca e está difícil conter em R$ 139 bilhões o buraco das contas primárias da União.

Centenas de bilhões de reais de juros ficam fora do cálculo primário. Com o custo financeiro o quadro é muito pior, mas por enquanto o Ministério da Economia tenta cuidar do dia a dia da operação da máquina federal. O novo bloqueio de R$ 2,27 bilhões é parte do ajuste para impedir o estouro da meta e manter algum controle sobre um Orçamento já muito precário.

Cerca de R$ 30 bilhões já haviam sido bloqueados no primeiro bimestre. A palavra usada no jargão oficial é contingenciamento. Isso sempre ocorre, nos primeiros meses, por segurança. Pode haver até liberação de dinheiro, nos meses seguintes, se aparecer espaço nas contas. Desta vez isso parece muito improvável.

Mais uma inútil tentativa de tabelar o frete: Editorial / O Globo

Não deveria haver dúvidas de que é impossível fixar preços em um mercado com milhares de agentes

A reunião marcada para ontem em Brasília entre governo e representantes de caminhoneiros tinha desfecho previsível, como todas as outras em que se discutiu a tabela de fretes.

Mesmo que seja anunciada alguma alternativa que agrade aos proprietários autônomos de caminhões e a transportadoras, mantendo-se o tabelamento, não dará certo. Por ser impossível fixar um preço em um mercado em que existem milhares de agentes, em disputa por um produto escasso — carga, numa fase de estagnação econômica.

O drama dos caminhoneiros é uma aula prática dos estreitos limites do intervencionismo. O início da história remonta ao final do segundo mandato de Lula, com Dilma Rousseff chefe da Casa Civil, quando os reflexos da crise mundial deflagrada em 2008 em Wall Street tornaram preponderante o espírito intervencionista do PT.

STF deveria dar urgência ao caso dos informes do Coaf: Editorial / Valor Econômico

Ao adiar decisões importantes, ao sabor das circunstâncias e das idiossincrasias de ministros, o Supremo Tribunal Federal tem ampliado a balbúrdia política, como se a criada pelo ocupante do Planalto e seus filhos já não fosse suficiente. O mais recente episódio, o da concessão de liminar pelo presidente do STF, Dias Toffoli, impedindo que dados detalhados de movimentações financeiras obtidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sejam enviadas ao Ministério Público e outros órgãos sem autorização judicial, é o mais recente deles. A liminar suspende as investigações dos casos em que a autorização não ocorreu e atende recurso do advogado do filho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flavio Bolsonaro, alvo de denúncias de "rachadinha" com salários de funcionários de seu gabinete, quando era deputado estadual no Rio.

Toffoli pretendia levar a plenário a questão, sob repercussão geral, em março, provocado por recurso de advogados de contribuintes do interior de São Paulo acusados de sonegação fiscal. Adiou-o para novembro. De repente, no recesso do STF, monocraticamente, concedeu a liminar que interrompe várias investigações da Polícia Federal e do MP, entre elas a de Flavio Bolsonaro, de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, que já prestou serviços ao presidente e tem relação com milicianos do Rio. Mas manteve inexplicavelmente a decisão final pelo tribunal para daqui a mais de três longos meses.

Joaquim Cardoso: Velhas ruas

Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Escuras e estreitas, humildes pardieiros
Quanta gente esquecida e abandonada!

As varandas se alongam
Num gesto atento e imóvel de quem espreita
Rumor, sombra de passos que passaram,
Tato de mãos ligeiras invisíveis.

Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Refúgio do valor desviado e da coragem anônima,
Sombra indulgente para os malfeitores,
De quem ocultais os crimes
E a quem dais generosas.

Nos momentos de paz um conselho materno.
Comovida e cristã sabedoria,
Espírito coletivo das gerações passadas,
Estes muros que a ferrugem da noite rói sugerem
O velado esplendor espiritual dos conventos,
O ritmo das coisas imperfeitas,
A volúpia da humildade.

Trêmula, dos lampiões
Desce uma luz de pecado e remorso,
E o cais do Apolo acende os círios
Para velar de noite o cadáver do rio.

In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.4-5

Teresa Cristina: As forças da natureza