domingo, 12 de agosto de 2012

OPINIÃO DO DIA – Antonio Fernando de Souza: o mensalão maculou a República (VIII)

Os denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões de benefícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de apoio político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas.

O conjunto probatório produzido no âmbito do presente inquérito demonstra a existência de uma sofisticada organização criminosa, dividida em setores de atuação, que se estruturou profissionalmente para a prática de crimes como peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraude.

A organização criminosa ora denunciada era estruturada em núcleos específicos, cada um colaborando com o todo criminoso em busca de uma forma individualizada de contraprestação.

Antonio Fernando de Souza, ex-procurador-geral da República. Denúncia ao STF, em 30/3/2006.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Deputados condenados poderão ser cassados
PF investiga bilhete premiado de Cachoeira
Disputa por terras em Paraty
Era do ganho fácil com juros acabou
Habitação popular: 57% ainda esperam
Dinheiro de estrangeiro sai do país

FOLHA DE S. PAULO
Maioria quer condenação, mas não crê em prisões
Metade do ecstasy de São Paulo tem tudo, menos ecstasy

O ESTADO DE S. PAULO
Servidor com alto salário lidera greve do setor público
STF atua para que se cumpram condenações no mensalão
País perde espaço na Petrobrás

CORREIO BRAZILIENSE
Entrevista - Guido Mantega
Novo diretor da Geap saiu da Paraíba sob suspeita de fraude
Delação premiada, mas nem sempre

ESTADO DE MINAS
Mantega: "Vivemos uma revolução silenciosa"

ZERO HORA (RS)
Capital tem menos antenas de celular do que padrão global

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Preparem seus currículos
Greves em Suape deram prejuízo de R$ 44 milhões
Pequenos candidatos "se viram" atrás de votos
Operadoras de celular estão na berlinda

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Deputados condenados poderão ser cassados

Câmara deve abrir processos, se STF considerá-los culpados

João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry, réus no Supremo, serão também enquadrados na Lei da Ficha Limpa e ficarão inelegíveis para as próximas eleições

Os três deputados federais que são réus no processo do mensalão correm o risco de perderem seus manda¬tos, se forem condenados pelo STF, informa Vinícius Sassine. João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) deverão enfrentar processos por quebra de decoro no Conselho de Ética da Câmara. "Já houve caso de cassação em função de condenação pela Justiça", diz o presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA). A perda de mandato teria que ser aprovada pelo plenário da Câmara. Se conde¬nados pelo STF, os três serão enqua¬drados na Lei da Ficha Limpa e se tor¬narão inelegíveis. Candidato este ano a prefeito de Osasco (SP), João Paulo corre o risco de não assumir o man¬dato, se for eleito.

Depois do STF, o Conselho de Ética da Câmara

Deputados federais réus do mensalão devem enfrentar novos processos disciplinares

Vinicius Sassine

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA Os três deputados federais réus do mensalão, que, no auge do escândalo, se livraram uma vez da cassação de seus mandatos, deverão enfrentar novos processos disciplinares no Conselho de Ética da Câmara, caso condenados no Supremo Tribunal Federal (STF). Integrantes do conselho dão como certa a abertura dos procedimentos para decidir se João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) - únicos réus do mensalão com mandatos no Congresso- têm direito à continuidade do exercício parlamentar em caso de uma derrota no julgamento.

Se condenados pelo Supremo, os deputados já serão automaticamente enquadrados pela Lei da Ficha Limpa, o que significa que não poderão disputar as próximas eleições. Segundo a lei, uma condenação de colegiado, como é o caso do STF, impõe a inelegibilidade - ou perda dos direitos políticos - por um período de oito anos contados a partir do fim do mandato em exercício. No caso de João Paulo Cunha, que também é candidato a prefeito em Osasco (SP), mesmo vencendo as eleições, ele não poderá tomar posse.

Cassação não é automática

Mesmo com a eventual condenação no STF, a perda do mandato não será automática. Dependerá de um processo interno da Câmara, segundo o parágrafo 2º do artigo 55 da Constituição Federal: "(...) a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa".

O presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), defende que os processos descartem a fase de pareceres preliminares e entrem direto na discussão do mérito. Os votos dos ministros, se corroborarem acusações de participação dos deputados no mensalão, substituiriam apurações preliminares, sustenta Araújo. Deputados do PSOL já dizem que vão provocar o Conselho de Ética, caso deputados sejam condenados.

- Já estudamos o regimento e já houve caso de cassação em função de uma condenação pela Justiça. O que vale é a condenação, que seria um fato novo, e não os fatos pretéritos - disse o presidente do Conselho.

O primeiro vice-presidente do colegiado, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), tem a mesma opinião: caso o STF decida pela culpa dos deputados, as interpretações dos magistrados devem ser vistas como um fato novo para os pedidos de cassação:

- O Conselho terá de se pronunciar. Como é um caso conhecido e os fatos envolveram o exercício parlamentar, os processos precisam ser abertos.

João Paulo Cunha responde às acusações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Conforme a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR), o contrato assinado pelo então presidente da Câmara com a SMP&B Comunicação, empresa de Marcos Valério, foi fonte de recursos para a compra de apoio político no Congresso. João Paulo também é suspeito de receber R$ 50 mil da SMP&B para favorecer a empresa. Em 2006, o Conselho de Ética aprovou a cassação de seu mandato, mas o plenário da Casa o absolveu.

Renúncia para evitar cassação

Já Valdemar Costa Neto é acusado de corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, por supostamente ter recebido R$ 8,8 milhões do esquema. Para evitar a cassação, Valdemar renunciou ao mandato em 2005 e acabou reeleito no ano seguinte. Pedro Henry é acusado de ter praticado os mesmos crimes e, segundo a denúncia, recebeu R$ 2,9 milhões "ofertados pelo ex-ministro José Dirceu". Em 2006, foi absolvido no processo por quebra de decoro no Conselho de Ética.

A partir de um eventual pedido de abertura de novos processos contra os deputados condenados pelo STF, o presidente do Conselho designa relatores para cada caso. A cassação depende de parecer favorável à perda do mandato e sua aprovação no Conselho - formado por 21 deputados, que manifestam abertamente os votos. Se aprovado, o pedido de cassação é submetido ao plenário, onde o voto é secreto.

- Se os deputados forem condenados pelo STF, não terão condições de exercício dos mandatos, não atenderão ao requisito constitucional de vida ilibada. A condenação é premissa para afastamento da vida pública - disse o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).

FONTE: O GLOBO

Maioria quer condenação, mas não crê em prisões

Segundo pesquisa Datafolha, só 1 em cada 10 brasileiros acha que acusados irão para a cadeia

A maioria dos brasileiros é a favor da condenação dos réus do mensalão, mas poucos acreditam que o julga¬mento resultará em prisões.

Segundo pesquisa feita pelo Datafolha, 73% acham que os acusados devem ser mandados para a cadeia. Só 11%, porém, dizem acreditar que isso acontecerá.

Maioria quer punição, mas acha que ninguém vai preso

Só um em cada dez brasileiros acredita que verá réus na cadeia, diz Datafolha

Pesquisa revela que 82% ligam episódio a corrupção e rejeitam tese de caixa 2; metade não vê efeito na eleição

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - A maioria dos brasileiros defende a condenação dos principais réus do mensalão, mas só um em cada dez acredita que eles serão presos ao fim do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal).

Segundo pesquisa Datafolha, 73% da população acha que os acusados de participar do escândalo devem ser mandados para a cadeia. No entanto, só 11% dizem acreditar que isso acontecerá.

Os números se invertem em relação à hipótese de absolvição dos réus. Apenas 5% torcem para que eles sejam inocentados, mas 43% estão convictos de que este será o resultado do julgamento.

Outros 14% defendem que os réus sejam condenados, mas não recebam pena de prisão. Este resultado é esperado por 37% dos entrevistados.

Se o tribunal julgar que os acusados são culpados pelos crimes apontados na denúncia, eles correm risco de prisão. Entretanto, o STF pode condená-los a penas mais brandas, como a prestação de serviços comunitários.

Em outra hipótese, os réus podem ser condenados à prisão e permanecer em liberdade, caso os crimes já estejam prescritos. Isso ocorrerá se a corte aplicar penas mínimas, de até dois anos de cadeia.

De acordo com o levantamento, quatro em cada cinco brasileiros (82%) acreditam que o mensalão foi um caso de corrupção que envolveu o uso de dinheiro público para comprar votos no Congresso.

Isso demonstra amplo apoio popular à tese sustentada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Só 7% dizem confiar na linha de defesa dos réus, que negam a prática de corrupção e sustentam que houve apenas caixa dois de campanha.

Metade dos entrevistados afirma que o julgamento não terá influência na definição do seu voto para prefeito nas eleições deste ano. Outros 41% dizem que o resultado terá influência, seja grande (21%) ou pequena (20%).

A pesquisa também mediu o nível de informação sobre o caso. A maioria (81%) diz que tomou conhecimento do mensalão, mas só 18% se consideram bem informados. A fatia que está a par do julgamento no STF é de 75%.

A opinião sobre a cobertura da imprensa está dividida: 45% a consideram completa, e 42%, incompleta. Para 46%, o trabalho dos meios de comunicação é parcial. Para outros 39%, é imparcial. A cobertura é "séria" para 46% e "sensacionalista" para 38%.

O Datafolha entrevistou 2.562 pessoas na quinta. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Joaquim Barbosa é quem mais tira o sono dos petistas

Indicado por Lula, ministro relator do Supremo é tido como voto certo para condenação da maioria dos réus

De currículo acadêmico de respeito, ele costuma ser rigoroso, traço da vida como arrimo de família, dizem amigos

Vera Magalhães, Felipe Seligman

BRASÍLIA - O ministro Joaquim Barbosa, 57, convive diuturnamente há seis anos com duas companheiras inseparáveis: a ação penal 470 e uma dor crônica nas costas. Nesta semana, ele começa a se libertar da primeira, com o voto no processo do mensalão.

Os colegas do Supremo e os advogados dos 38 réus são unânimes em prever sentença favorável à condenação da maioria dos acusados pelo Ministério Público, instituição à qual Barbosa pertencia ao ser escolhido para a corte pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003.

Caso a expectativa se confirme, o doutor em direito pela Universidade Paris 2, saudado como o primeiro negro a chegar à mais alta corte brasileira graças ao PT, terá confirmado sua condição de inimigo número 1 do partido.

Os mesmos companheiros de Lula que exaltavam o currículo acadêmico brilhante de Barbosa -que, além de ter obtido a titulação na França, deu aula nos EUA e é fluente em inglês, francês e alemão- agora desdenham de sua nomeação, atribuindo a escolha a uma política de cotas.

Ao encaminhar sua nomeação, Lula dizia aos conselheiros, entre eles o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que indicaria o primeiro negro para a corte.

Vários "currículos" foram analisados pelo governo, e o de Barbosa se destacou sobre os demais. "Era uma covardia o tanto que o Joaquim era mais preparado", lembra um participante do processo.

Uma vez nomeado, Barbosa começou a mostrar outras características que começaram a assustar os políticos: em questão penal, costuma ser autor de votos duríssimos, quase sempre favoráveis ao Ministério Público. "É um promotor em pele de magistrado", vaticina um dos advogados do mensalão.

No STF, travou várias e acaloradas discussões com colegas, a mais notória com Gilmar Mendes, a quem acusou de ter "capangas".

Não fez amigos no tribunal, cuja presidência assumirá em dezembro. O colega de quem é mais próximo é o presidente Carlos Ayres Britto.

O rigor, dizem os amigos, vem do fato de "Joca", como é chamado, ter sido o arrimo da família de oito filhos, em Paracatu, interior de Minas.

Mas fora da corte Barbosa é bem-humorado, sarcástico, amante de música -tem coleções de MPB, jazz e música clássica - e boêmio.

Antes da dor crônica nas costas, jogava futebol duas vezes por semana. São-paulino doente, era o craque da UnB, onde se formou.

Ocupou cargos públicos, mas recusou convite para ser secretário nacional de Justiça no governo FHC. Ironicamente, se tivesse aceitado, não teria sido ungido por Lula nem viria a relatar o caso que tira o sono dos petistas.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

STF atua para que se cumpram condenações no mensalão

Os ministros do STF discutem uma forma de garantir o rápido cumprimento das eventuais condenações no processo do mensalão. A principal pro¬vidência é acelerar a publicação do acórdão, a íntegra da decisão do colegiado. A publicação é necessária para que as penas sejam cumpridas. O re¬ceio é de que o STF condene, mas não puna os envolvidos.

Supremo quer agilizar publicação de sentença

Principal ato após julgamento do mensalão será imprimir íntegra da decisão da Corte

Ricardo Brito, Felipe Recondo

BRASÍLIA - Os ministros do Supremo Tri¬bunal Federal começaram a discutir uma forma de garan¬tir o rápido cumprimento das eventuais condenações de réus no processo do mensa¬lão. A principal providência é acelerar a publicação do acórdão, a íntegra da decisão do colegiado. A publicação do acórdão é necessária para que as penas que forem impostas sejam cumpridas. O receio é de que o Supremo condene, mas efetivamente não puna os envolvidos no escândalo.

Pelo regimento interno do STF, exceto em casos justifica¬dos, a Corte tem 60 dias para publicar o acórdão no Diário de Justiça do dia em que o resulta¬do for anunciado. Mas na práti¬ca o resumo não tem data para ser publicado, o que tem preo¬cupado os ministros mais envol¬vidos com o processo do mensa¬lão. O Estado fez um levanta¬mento entre os cinco casos em que o Supremo condenou políti¬cos desde a Constituição de 1988. A média entre a decisão de plenário e a publicação do resumo no Diário de Justiça foi de nove meses.

Em um dos casos, o do deputa¬do federal licenciado Cássio Ta-niguchi (DEM-PR), o acórdão nem sequer foi publicado. Con¬denado em 2010 por crime de res-ponsabilidade quando era prefei¬to de Curitiba (PR), Taniguchi se livrou da punição porque o processo prescreveu.

Empenho. No caso do mensa¬lão, o ministro Joaquim Barbo¬sa, relator da ação, tem se empe¬nhado desde que recebeu o caso, em 2005, para publicar com rapi¬dez as decisões.

Cabe ao relator, ou ao revisor, em caso de derrota do primeiro, ou ao ministro que der o voto vencedor, no caso de derrota dos dois primeiros, redigir o resumo do caso. O Supremo demo¬rou apenas 2 meses e 12 dias para divulgar o acórdão do julgamen¬to quando o tribunal tornou réus 40 denunciados.

Para acelerar a validade das decisões, o Supremo tem esta¬belecido como prática divulgar o acórdão sem a obrigatorieda¬de da revisão dos votos dos ministros. No recebimento da de¬núncia do mensalão, em 2007, a conduta já foi adotada: das 1.144 páginas da decisão, mais de mil eram dos votos dos mi¬nistros não revisados. A inten¬ção é fazer o mesmo agora no julgamento. Ministros dizem que a intenção é publicar o acór¬dão antes da aposentadoria compulsória de Ayres Britto, em 18 de novembro, quando ele completa 70 anos. Se não for possível, ficará para a gestão do relator do mensalão e futuro presidente, Joaquim Barbosa.

"Estou empenhado em ultimar ou concretizar esse julgamento dentro dessa nova concepção da razoável duração do proces¬so", afirmou, reservadamente, um ministro que tem participa¬do dessas discussões.

Embargos infringentes. Outro ponto que preocupa quem acompanha as discussões são os recursos que os advogados de defesa devem lançar logo após o acórdão. Como é espera¬do um julgamento apertado, se¬ja para condenar, seja para ab¬solver, é dado como certo que advogados devem entrar com embargos infringentes.

Esse recurso pode ser usado, segundo o regimento do Supre¬mo Tribunal Federal, se pelo me¬nos quatro ministros votarem pela absolvição de um réu, mes¬mo que os demais sete o tenham condenado. A defesa, assim, tem direito de pedir a revisão de ques¬tões pontuais do processo, o que na prática pode ser uma tentati¬va de reverter o voto de algum ministro.

Os embargos infringentes têm o poder de suspender a exe¬cução das decisões do colegiado. A título de exemplo, três dos cinco políticos condena¬dos pelo Supremo lançaram mão desse recurso.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Na luta pela absolvição, 25 réus e 4 estratégias

Especialistas da FGV apontam principais linhas de argumentação usadas em defesa dos acusados do mensalão

Marcio Beck

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

Na luta para convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal da inocência de seus clientes, os advogados dos 25 primeiros réus a terem a sustentação oral diante do plenário usaram, basicamente, quatro estratégias: concordar com os fatos, mas afirmar que foram legais; concordar, mas reduzir sua gravidade jurídica; negá-los; e afirmar desconhecê-los completamente. A análise das argumentações foi feita, a pedido do GLOBO, por professores de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) que acompanham o processo.

"Evidentemente, essas estratégias não se excluem, já que os réus não necessariamente se pronunciaram sobre todos os fatos descritos pelo MP", ressaltam os especialistas.

A primeira linha é adotada pelos defensores de Kátia Rabello e outros réus ligados ao Banco Rural. Eles confirmam os empréstimos bancários às empresas de Marcos Valério, que, segundo eles, não teriam sido fraudulentos. E que, apesar de arriscados, seguiram as regras do Banco Central e os procedimentos normais do Rural. O suposto operador do esquema, por sua vez, não nega que fez empréstimos ao PT, mas garante que foram lícitos e feitos com dinheiro privado.

Delúbio Soares não nega ter operado para fazer os repasses a parlamentares, mas os descreve como parte de um esquema de contribuições irregulares para a campanha eleitoral (a tese do caixa dois) e não como esquema de compra de votos. As defesas de João Paulo Cunha, Pedro Correa e Valdemar Costa Neto seguiram a mesma linha.

José Genoino, exemplo da terceira estratégia, confirma ter avalizado alguns dos empréstimos intermediados por Marcos Valério, mas nega ter conhecimento e responsabilidade sobre as operações por trás destes empréstimos.

Já Henrique Pizzolato nega ter autorizado repasses do Visanet às empresas de Marcos Valério. Segundo a defesa, ele não era representante do Banco do Brasil no fundo Visanet e não tinha poderes para tanto.

A defesa de José Dirceu optou por sustentar que ele não soube dos empréstimos bancários, contratos de publicidade, acordos políticos e repasses de recursos a parlamentares descritos na denúncia, nem se envolveu neles.

FONTE: O GLOBO

Só o chefe não sabia - Ferreira Gullar

Sem dúvida que estava a par de tudo e em tudo interferia, por meio de seus paus-mandados

Falando francamente, qual é a imagem que se tem de Lula? Melhor dizendo, se alguém lhe pedisse uma definição do nosso ex-presidente da República, qual daria? Diria que se trata de uma pessoa desligada, pouco objetiva, que mal repara no que se passa à sua volta? Estou certo de que não diria isso, nem você nem muito menos quem privou ou priva com ele.

Ao contrário de alguém desligado, que entrega aos outros a função de informar-se e decidir por ele, Lula sempre se caracterizou por querer estar a par de tudo o que acontece à sua volta e, muito mais ainda, quando se trata de questões ligadas a seu partido e à realidade política em geral.

As pessoas que o conheceram no começo de sua vida política, como os que lidaram com ele depois, são unânimes em defini-lo como uma pessoa sagaz, atenta e sempre interessada em tudo saber do que se passava na área política e, particularmente, o que dizia respeito às disputas, providências e articulações que ocorriam dentro do seu partido e no plano político de um modo geral.

Isso já antes de sua chegada ao poder. Imagine você como passou a agir depois que se tornou presidente da República. Se hoje mesmo, quando já não ocupa nenhum cargo no governo nem no partido, faz questão de saber de tudo e opinar sobre tudo, acreditaria você que, no governo, deixava o barco correr solto, sem tomar conhecimento do que ocorria? Isto é, sabia de tudo menos do mensalão?

Veja bem, hoje mesmo, alguma coisa se faz na Câmara dos Deputados ou no Senado sem o conhecimento da Dilma? Os repórteres, os comentaristas políticos estão diariamente a nos informar do controle que o Planalto exerce sobre o Parlamento.

A cada problema que surge, a cada decisão importante, Dilma convoca os líderes da base parlamentar para dizer a eles como devem agir, como devem votar, que decisões tomar. Isso Dilma, hoje. Imagine o Lula, quando presidente, mega como sempre foi, mandão por natureza. Sem dúvida que estava a par de tudo e em tudo interferia, por meio de seus paus-mandados. Dá para acreditar, então, que ele só não sabia do mensalão, nem sequer ouvira falar? Claro que você não acredita nisso, nem eu.

É evidente que Lula não podia ignorar o mensalão porque não se tratava de uma questão secundária de seu governo. Longe disso, o mensalão foi o procedimento encontrado para, com dinheiro público, às vezes, e com o uso da máquina pública, noutras vezes, comprar o apoio de partidos e os votos de seus representantes no Congresso.

Não se tratava, portanto, de uma iniciativa secundária, tomada por figuras subalternas, sem o conhecimento do chefe do governo. Nada disso. Tratava-se, pelo contrário, de um procedimento de importância decisiva para a aprovação, pelo Congresso, de medidas vitais ao funcionamento do governo. Portanto, Lula não apenas sabia do mensalão como contava com o apoio dos mensaleiros para governar.

Certamente, o leitor perguntará: por que Lula, esperto como é, arriscou-se tanto? Pela simples razão de que não desejava dividir o poder com nenhum partido forte, capaz de lhe impor condições. Como é próprio de seu caráter e de seu partido, só admitia aliança com quem não lhe ameaçasse a hegemonia.

Não estou inventando nada. Todo mundo leu nos jornais, logo após a vitória nas eleições presidenciais, que José Dirceu articulava a aliança do novo governo com o PMDB.

Só que Lula não aceitou e, em seu lugar, buscou o apoio dos pequenos partidos, aos quais não teria que entregar ministérios e altos cargos nas estatais. Em vez disso, os compraria com dinheiro. E foi o que fez, até que, inconformado, Roberto Jefferson pôs a boca no mundo.

Lula, apavorado, advertiu os seus comparsas para que assumissem a culpa, pois, se ele, Lula, caísse, todos estariam perdidos. E assim foi para a televisão, disse que havia sido traído e se safou.

Bem mais tarde, com a cara de pau que o caracteriza, afirmou que nunca houve mensalão mas, ainda assim, tentou chantagear um ministro do Supremo. Afinal, por tudo isso, recebeu o título de doutor honoris causa! Merecidíssimo, claro!

FONTE: FOLHA DE S. PAULO /ILUSTRADA

Lavagem de dinheiro - Merval Pereira

O julgamento do mensalão traz com ele uma discussão sobre a legislação brasileira de lavagem de dinheiro que, dependendo do resultado, pode definir uma jurisprudência importante para o combate à corrupção no país. O Supremo quase não julgou casos desse tipo.

Pela lei atual, mais rigorosa que a anterior, mas que não pode ser usada contra os réus pois é posterior aos atos praticados, qualquer dinheiro ilícito está enquadrado no crime de lavagem de dinheiro. Nesse caso, até mesmo o "caixa dois", alegado pelos réus como explicação para a farta distribuição de dinheiro ocorrida, está enquadrado, mesmo sendo crime eleitoral, que não é punido com prisão.

A lei à época dos crimes elenca os diversos casos em que pode se caracterizar lavagem de dinheiro, entre eles peculato, desvio de dinheiro público. Há também discussão em torno do "crime antecedente", visto pela legislação como imprescindível para a prática do crime de lavagem de dinheiro.

Os réus, em ação claramente coordenada, tentam demonstrar que não houve desvio do dinheiro público, que seria o "crime antecedente" necessário para caracterizar lavagem de dinheiro. Para tanto, querem fazer crer que os empréstimos dos bancos Rural e BMG foram verdadeiros, ao contrário do que acusa a Procuradoria Geral da República, para quem os empréstimos fictícios foram criados para justificar a dinheirama que o publicitário Marcos Valério e a direção do PT distribuíram pelos partidos.

Como era de se esperar, a intervenção do ministro Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão, interpelando o advogado do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, provocou reações negativas entre os advogados dos réus, que as consideraram "muito agressivas".

Como foram transmitidas ao vivo, fica claro que não houve agressividade nas perguntas do relator, apenas colocações que deixaram à vista as contradições da versão do réu. As respostas aparentemente firmes do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato são desmentidas pelo que há nos autos.

O assunto é importante porque o uso de dinheiro público no esquema de corrupção montado pelo PT é fundamental na acusação do procurador-geral da República.

A origem dos recursos do Fundo Visanet destinados à agência DNA, de Valério e, depois, repassados para políticos ligados ao governo, foi um dos pontos questionados por Joaquim Barbosa.

O advogado de Pizzolato tentou dizer que se tratava de dinheiro exclusivamente privado, proveniente do uso de cartões Visa pelos clientes.

No entanto, laudo da Polícia Federal deixa a situação mais clara: os recursos destinados ao Fundo de Incentivo Visanet eram compartilhados pelos "incentivadores", segundo participação acionária de cada um na empresa.

Isso quer dizer que o BB, com cerca de 30% da sociedade, tinha direito a esse percentual, e o dinheiro desviado para as agências de Valério tinha, portanto, pelo menos em parte dinheiro público.

A DNA tinha contrato diretamente com o BB, e não com o Visanet, o que deixa mais clara a relação do banco oficial com o publicitário cuja expertise era desviar dinheiro de contratos de publicidade de órgãos governamentais para fins políticos.

Até mesmo a tentativa do advogado de dizer que seu cliente não tinha autonomia para autorizar sozinho repasses do Visanet à DNA mostrou-se frágil. Na ocasião, o colegiado que, segundo o advogado, autorizava os repasses era formado por seis gerentes de Marketing do BB, cujo diretor era o próprio Pizzolato.

Na defesa de alguns dos réus, Valério inverteu a sistemática de lavagem de dinheiro; pegou um empréstimo lícito, com base em uma promessa de que esse dinheiro seria pago com favores do governo. Isso livraria alguns dos réus da responsabilidade de ter "lavado" dinheiro sujo. O dinheiro chegou "lavado", disse o advogado do deputado João Paulo Cunha, numa estranha maneira de se defender.

Em 2007, quando a PGR apresentou ao Supremo a denúncia do mensalão, ainda não havia elementos para acusar Delúbio Soares de lavagem de dinheiro. Mas agora o juiz Márcio Ferro Catapani, da 2ª Vara Criminal Federal em São Paulo, aceitou em 6 de julho a denúncia do Ministério Público em que Delúbio é acusado de receber de duas agências de Valério - a SMP&B e a DNA - R$ 450 mil, oriundos de atividades ilegais, de um esquema do Banco Rural.

Também nesse processo os empréstimos são tratados como fraudes para justificar o dinheiro ilícito.

FONTE: O GLOBO

Guerra de novelas - Eliane Cantanhêde

Nada como um dia atrás do outro para repor as coisas nos seus devidos lugares.

Num dia, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, declarou que a população não está nem aí para o mensalão e para o julgamento no Supremo. "Está mais voltada para [a novela] "Avenida Brasil" e Olimpíada", decretou.

No dia seguinte, temos aí números que resgatam a realidade e relativizam a ficção. Segundo o Datafolha, 81% dos cidadãos e cidadãs pesquisados têm conhecimento do que significa mensalão, e 75%, de que o julgamento começou.

É verdade que todo mundo fala da novela e da Olimpíada, mas o mensalão também é bem popular.

A Olimpíada desvia a atenção do mensalão, ou o mensalão é que desvia a atenção da Olimpíada? No mínimo, os dois dividem olhares e emoções pelo país inteiro.

O julgamento mal começou, falta a defesa oral de boa parte dos réus e o ministro relator, Joaquim Barbosa, nem proferiu ainda o seu voto, mas o Datafolha mostra que as pessoas já até tiraram suas próprias conclusões.

Sobre o eixo central do debate, 82% se dizem convencidos de que o esquema era de compra de votos de parlamentares, como acusa a Procuradoria-Geral da República -e não apenas de caixa dois, como defendem os réus e seus advogados.

A maioria dos ouvidos, 73%, acha que os acusados devem ser condenados e presos. Poucos, 14%, que devem ser condenados, mas não presos. Só 5% defendem absolvição.

Os que não sabem responder são 8%. Pode ser desinformação, mas parece a resposta mais racional, já que dados e versões ainda estão sendo confrontados e processados pelos reais juízes.

Dado fundamental: se 73% defendem condenação e prisão, a maioria (43%) acha que todos serão absolvidos. Bem, aí já é um outro problema: a descrença nas instituições.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Desvio de função - Dora Kramer

É incontestável: não tives¬sem acontecido as CPIs do PC e dos Correios não teria havido a destituição de Fer¬nando Collor nem hoje estaria em julgamento o processo do mensalão.

As denúncias de Pedro Collor so¬bre as negociatas do tesoureiro Pau¬lo César Farias no governo do irmão teriam caído no vazio, bem como va¬leriam os desmentidos às revelações de Roberto Jefferson sobre um esque¬ma de formação de maioria congressual em troca de vantagens financei¬ras e a vida seguiria.

Sem o trabalho das comissões de inquérito, o levantamento de provas e tomada de depoimentos à vista do País, nenhum dos casos teria adquiri¬do materialidade e hoje provavelmente ambos seriam enquadrados na catego¬ria das meras suposições.

O escrutínio público tornou irreversí¬veis as consequências.

Natural, portanto, que o Brasil cele¬brasse o papel das CPIs, as reconheces¬se como instrumentos essenciais no aperfeiçoamento institucional e refor¬çasse suas funções.

Mas, ao que parece justamente pelas qualidades do instituto, vem ocorrendo o contrário: nos últimos anos houve es¬vaziamento na função das comissões de inquérito que têm a validade do produ¬to de suas investigações contestada e praticamente perderam a condição de interrogar testemunhas e investigados.

Hoje, na prática há uma inversão de ofício, com as CPIs curvando-se às conveniências dos convocados que teriam a obrigação de prestar os esclarecimen¬tos devidos às comissões.

Chegou-se ao clímax dessa distor¬ção agora na CPI do Cachoeira, cujo procedimento aprovado pela maioria é o de simplesmente dispensar a pes¬soa que invoca o direito constitucio¬nal ao silêncio.

Em 1992, quando da CPI do PC, e em 2005, por ocasião das investigações que resultaram no processo do mensalão, os depoentes depunham a despeito de a Constituição ser a mesma.

O que mudou de lá para cá?

Basicamente o aprendizado do cami¬nho das pedras e o uso deformado de uma garantia individual que, entretan¬to, não se sobrepõe à prerrogativa da comissão de tocar seu inquérito.

Os convocados "descobriram" a via do habeas corpus concedido pelo Supremo. A Justiça não tem opção a não ser curvar-se ao ditame legal do direi¬to do cidadão de não produzir provas contra si.

Mas o Legislativo tem meios de res¬peitar o silêncio sem precisar que o Judi¬ciário lhe diga como cumprir a Consti¬tuição. Não precisa, como é a regra na CPI do Cachoeira, liminarmente abrir mão do interrogatório.

A comissão poderia, sim, questionar testemunhas e investigados para explicitar as acusações preservando a deci¬são de cada um de não se defender. Se o caso for de conhecimento notório, o silêncio pode ser tomado como falso testemunho.

Ademais, nem todas as questões im¬plicam necessariamente a produção de provas contra o depoente.

Quando a CPI assim decide trabalha deliberadamente contra si, escorando-se numa decisão judicial para não as¬sumir sua vontade de não ouvir. Co¬mo o que alguns teriam a dizer não interessa a esse ou àquele partido, se ninguém falar atendem-se aos inte¬resses da maioria.

Memória. Ontem fez sete anos que o publicitário Duda Mendonça foi à CPI dos Correios dizer que recebera dinheiro de caixa 2 pelos serviços prestados à campanha presidencial de 2002, fornecendo o que o próprio governo à época considerou como a prova material que poderia sustentar a abertura de impeachment contra o então presidente Lula.

Foi o momento crucial da histó¬ria e também definidor da volta por cima.

A oposição calculou que poderia até ter razão, mas não teria a força necessária para levar adiante o pro¬cesso. O governo desistiu definitiva¬mente das reformas da trabalhista, sindical e da Previdência, renovan¬do os termos de aliança com o fun¬cionalismo público e o movimento sindical.

Um definitivo reforço no exército de defesa que a oposição pesou, me¬diu e julgoú4mpossível de enfrentar.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Protesto de grevistas provoca engarrafamentos na Via Dutra e na Niterói-Manilha

Sindicatos prometem manifestações maiores nesta semana

Paulo Roberto Araújo

A greve dos servidores públicos voltou a afetar a vida dos motoristas cariocas. Manifestações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) prejudicaram o trânsito em duas das principais vias de acesso ao Rio na manhã do sábado. Uma das pistas da rodovia Niterói-Manilha foi interditada, na altura do km 308, em São Gonçalo, com cones e placas sinalizando a operação-padrão. O engarrafamento chegou a quatro quilômetros pela manhã. Outra operação padrão da PRF no Km 174 da Via Dutra provocou um engarrafamento de três quilômetros na pista sentido Rio de Janeiro.

Os sindicatos das principais categorias em greve prometeram radicalizar o movimento esta semana, considerada decisiva pelos servidores já que o governo tem até o dia 31 de agosto para enviar a proposta orçamentária ao Congresso Nacional. A paralisação atinge setores-chaves da economia e já prejudica a importação de produtos importantes, como insumos para a fabricação de medicamentos e kits para exames laboratoriais.

Só a paralisação dos funcionários do Ministério da Agricultura, que começou segunda-feira, pode ter um impacto de US$ 10 bilhões por mês sobre as exportações, segundo estimativas da Associação de Comércio Exterior (AEB).

Apesar de diferentes interlocutores da presidente Dilma Rousseff já terem afirmado que o governo não cederá aos pedidos dos grevistas, os sindicatos prometem manifestações ainda maiores esta semana. Nas contas dos sindicatos, hoje há 350 mil servidores parados, mas o governo calcula que esse número não ultrapasse 80 mil.

FONTE: O GLOBO

Servidor com alto salário lidera greve do setor público

Integrantes de carreiras com salário inicial em torno de R$ 10 mil protagonizam mobilização por reajuste

Levantamento feito pelo Estado mos¬tra que servidores públicos com nível superior e integrantes de carreiras com salário inicial em torno de R$ 10 mil protagonizam greves e mobilizações por reajustes salariais e novos planos de remuneração. Em alguns casos, como o dos auditores fiscais da Receita Federal, a remuneração chega perto de R$ 20 mil no topo da carreira, informa o repórter Wilson Tosta. Também existem contrastes – como aposentados que recebem o salário da ati¬va, enquanto outros inativos não têm esse direito. Há ainda diferenças expressivas nos vencimentos de funcio¬nários públicos com qualificação idên¬tica, como mestres e doutores lotados em órgãos diferentes. As disparidades dão combustível ao movimento, que recrudesceu.

"Elite do funcionalismo" protagoniza greve e protestos contra governo Dilma

Wilson Tosta

A série de paralisações que atinge serviços federais e desafia o governo da presidente Dilma Rousseff é protagonizada por servidores cujas carreiras têm salários iniciais em torno de R$ 10 mil. Em algumas categorias, como a dos auditores fiscais da Receita Federal, essas cifras chegam perto dos R$ 20 mil no topo da carreira.

Uma análise dos dados do Ministério do Planejamento mostra um pouco do que pode ser o impacto dos aumentos reivindicados pelos servidores na folha de pagamento. Mais da metade (53%) dos funcionários do Executivo ganha acima de R$ 4.500 mensais -16,2% do total recebe mais de R$ 10.500, segundo números de abril de 2012. Menos de 20% (18,5%) dos servidores ganham até R$ 3 mil no Poder.

Essas cifras, assinaladas no Boletim Estatístico de Pessoal de maio, incluem administração direta, fundações e autarquias, mas excluem o Ministério Público da União, Banco Central, empresas públicas e sociedades de economia mista. Apesar de pequenas variações - a folha cresce vegetativamente todo mês - são bem próximas do que ocorre hoje, segundo o Planejamento.

Agências. Um dos grupos mais fortemente mobilizados do movimento grevista, o funcionalismo das agências reguladoras recebe, no seu grupo de elite - o cargo de especialista - salários que, do início ao fim da carreira, vão de R$ 10.019 a R$ 17.479. Nos postos de analista, a remuneração vai de R$ 9.623 a R$ 16.367, e em postos de nível superior, varia de R$ 7.285 a R$ 12.131. Profissionais de nível médio, com cargos de técnico administrativo, recebem de R$ 4.760,18 a R$ 7.664,76.

O Sinagências, representante desses servidores, diz que há defasagem de 25% desde 2008 e pede a remuneração por subsídio, como nas carreiras jurídicas, na diplomacia e na Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

No Banco Central, um analista, cargo de nível superior, começa com R$ 12.960,"77 e vai a R$ 18.478,45 no fim da carreira, segundo Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais - Caderno n.° 58 - 2012.

Um procurador do BC inicia sua trajetória no órgão com R$ 14.970 e, se chegar ao topo da carreira, terá R$ 19.451. Um técnico vai de R$ 4.917, remuneração dos novatos, a R$ 8.449. Todas essas cifras não incorporam outros beT nefícios eventuais. O Sindicato Nacional de Funcionários do BC reivindica 23% de aumento para repor perdas inflacionárias dos últimos anos.

Topo. Os vencimentos pagos no BC, porém, são superados pelos de outros órgãos públicos, cujos servidores também participam do movimento geral por aumento de salários, alegando perdas inflacionárias nos últimos anos. Os auditores fiscais da Receita Federal do Brasil começam com R$ 13.600 e, no fim da carreira, chegam a R$ 19.451 - o mesmo que é pago aos auditores fiscais do Trabalho. Os auditores da Receita querem 30,18% de aumento, alegando que sua última recomposição salarial foi concedida em 2008 e parcelada até 2010 - em 2011 e em 2012 não tiveram aumento. Já os analistas tributários vão de R$ 7.996 a R$ 11.595, remuneração próxima da que é paga aos agentes da Polícia Federal - que pararam por três dias na semana passada, pedindo novo plano de carreira.

Os agentes federais ganham de R$ 7.514 no início a R$ 11.879,08 no fim. Além de reestruturação na carreira, pedem a demissão do diretor-geral da PF, delegado Leandro Daiello Coimbra.

Delegados, do início ao fim da carreira, recebem de R$ 13.368 a R$ 19.699 e querem reajustes idênticos aos magistrados. Mostram-se, porém, solidários a Daiello.

Base. Por outro lado, professores das universidades federais, que formam uma das categorias mais mobilizadas e estão em greve desde 17 de maio, figuram entre as categorias de nível superior com piores remunerações no serviço público. Um professor com doutorado recebe R$ 3.622, em regime de 20 horas - sem considerar a proposta apresentada pelo ! governo. Se trabalhar em dedicação exclusiva, ganha R$ 12.225. Isso é menos do que recebe um pesquisador em informações estatísticas e geográficas do IBGE - R$ 14.176 - também com doutorado, no fim de sua carreira.

A proposta do governo eleva a remuneração dos professores com ,doutorado e dedicação exclusiva nas universidades para até mais de R$ 17 mil, mas o reajuste viria em parcelas, a partir de 2013 eso seria concluído em 2015.

Os sindicalistas dizem que essa remuneraçao só atingirá uma minoria da categoria e reclamam da exigência de titulação - especialização, mestrado, doutorado - para progressão na carreira. O governo promete iniciar negociações setoriais com as 30 categorias grevistas ainda nesta semana. Aministra do Planejamento, Miriam Belchior, afirma que nem todos terão suas reivindicações atendidas pelo Planalto.

Crise Internacional

O governo federal pretendia ter anunciado reajustes para algumas categorias em junho, mas alega que as respostas após os estímulos ao setor econômico não apareceram.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Greves em Suape deram prejuízo de R$ 44 milhões

Valor corresponde à mão de obra ociosa na Refinaria Abreu e Lima e na PetroquímicaSuape nos dez dias de paralisação. Isso sem falar dos equipamentos parados e dos arranhões na imagem do Estado.

Greve já custa R$ 44 milhões

CONFLITO SINDICAL

Os 10 dias parados na refinaria e na petroquímica, envolvendo 51 mil operários, tiveram impacto financeiro na obra

Adriana Guarda

Quanto custa uma greve? E se a paralisação for numa obra gigante do tamanho da Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e da PetroquímicaSuape, que abrigam, juntas, 51 mil trabalhadores (número maior que a população de um município como Bom Conselho, no Agreste)? Uma das brigas entre empregados e patrões é o desconto dos dias parados. A pedido do JC, o Sindicato das Empresas e Serviços Contábeis de Pernambuco (Sescap-PE) fez um cálculo do custo dessa mão de obra ociosa e chegou ao valor de R$ 44 milhões, em dez dias de greve.

“Se levarmos em conta o salário médio de R$ 1,5 mil dos profissionais da área de produção da obra, o pagamento por dez dias de salário, incluindo os encargos sociais seria de R$ 44 milhões”, diz o diretor do Sescap, José Campos. Para as empresas, abonar os dias parados significa mais do que o prejuízo financeiro. Os patrões temem abrir precedente para outros movimentos e transformar a concessão em regra.

O diretor regional do Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos em Brasília, Francisco das Chagas Figueiredo, diz que além da mão de obra é preciso incluir na conta do prejuízo, o custo com equipamentos ociosos, o das construtoras para recuperar o atraso decorrente da paralisação (hora-extra, contratação adicional de pessoal), o da Petrobras por conta do atraso no início da operação do empreendimento e o custo financeiro decorrente do aumento do prazo para recuperação do capital investido. Alguns defendem que o valor pode chegar a R$ 25 milhões ao dia, se considerado o faturamento de grandes empresas.

A refinaria representa um investimento de US$ 20,1 bilhões. Desde setembro de 2005 quando começou a construção, o custo da obra já foi multiplicado por dez. O empreendimento também sofreu vários atrasos de cronograma. A primeira data de inauguração estava projetada para 2010 e o último prazo aponta para novembro de 2014. De acordo com o presidente da Rnest, Marcelino Guedes, a Petrobras desembolsa R$ 800 milhões por mês na execução da obra. Numa conta grosseira, dez dias de obra significa um investimento de R$ 266,6 milhões.

Os constantes pleitos de reajustes de salários, pagamento de benefícios e paralisações fazem com que as empreiteiras apresentem as planilhas à Petrobras e reivindiquem correções nos contratos. Tanto que o orçamento do saiu de US$ 2,3 bilhões para US$ 20,1 bilhões. O atraso no cronograma exigiu o redimensionamento da mão de obra. A expectativa era de que no pico da construção o número de trabalhadores atingisse 28 mil. Hoje, já é de 44 mil.

Para além do prejuízo financeiro, a equação também precisa levar em conta as perdas intangíveis. Uma delas é para a imagem do Estado, que se transformou num dos maiores polos de atração de investimentos do País e também ganha fama por se transformar em campo de guerra.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A difícil maioria - Tereza Cruvinel

"A formação da maioria no presidencialismo brasileiro é um problema crônico desde a redemocratização, que respondeu ao bipartidarismo autoritário da ditadura com o multipartidarismo ilimitado que temos hoje"

No governo passado, o Senado foi o inferno de Lula. Por falta de maioria, sofreu ali a derrota que mais o magoou, a da emenda constitucional que prorrogava a vigência da CPMF. Na Câmara, a situação era mais confortável, antes e depois da denúncia de compra de votos com pagamentos mensais a deputados, que Roberto Jefferson batizou de mensalão. O governo Dilma, como o de Lula, e como os de FH, Itamar e Collor, continua enfrentando o problema da maioria, agora concentrado na Câmara. Formalmente, Dilma tem na Casa uma base formidável de quase 400 votos, mas, mesmo assim, a dificuldade para aprovar matérias do governo é permanente e voltou a se manifestar na semana passada.

Os ruralistas ligaram o trator na comissão especial mista da medida provisória que restaura o Código Florestal nas partes em que a presidente vetou as soluções ambientalmente insustentáveis por eles impostas, no voto, ao texto negociado no Senado pelo relator Jorge Viana. Diante da nova demonstração do poder avassalador deste bloco de interesses suprapartidário, o governo até cogita deixar a MP morrer pelo decurso de prazo. Trocar membros da comissão não resolveria nada. No plenário, o trator ruralista é imbatível. O governo não conseguiu também aprovar a MP 565, que trata da renegociação das dívidas dos pequenos agricultores do Norte e do Nordeste (não representados pela bancada do agronegócio, a ruralista), afora o empacado projeto de lei do novo regime previdenciário dos servidores.

A formação da maioria no presidencialismo brasileiro é um problema crônico desde a redemocratização, que respondeu ao bipartidarismo autoritário da ditadura com o multipartidarismo ilimitado que temos hoje. Um presidente que se eleja com mais de 60% dos votos válidos não terá, por força da dispersão dos votos entre 20, 30 partidos na eleição parlamentar, sequer 20% das cadeiras na Câmara. Terá de formar uma coalizão para governar. A moeda lícita será a partilha do governo, dos cargos e funções e a distribuição de recursos orçamentários através de emendas. Agora mesmo, o PSD está em estado de greve: ajudou a aprovar matérias recentemente, mas suas emendas não foram liberadas. Segundo o governo, por questões burocráticas e até por conta da greve de servidores em algumas pastas. Fato é que governar será também, ao longo de quatro anos, correr atrás da maioria.

No julgamento em curso no Supremo, a acusação e a defesa vêm mostrando, com objetivos distintos, que a busca da maioria e o financiamento de campanhas podem se aproximar ou se confundir. Se todo esse transe não servir para explicitar a necessidade e a urgência da reforma política, especialmente no que diz respeito ao financiamento de campanhas e ao modo de eleger representantes no parlamento, é porque temos mesmo uma notável incapacidade para aprender com a experiência.

Campanha e greves. Até onde se sabe, a presidente Dilma Rousseff ratificou, na conversa de quinta-feira com o presidente do PT, Rui Falcão, a decisão de não participar de campanhas municipais, exceto em Belo Horizonte. Nas duas outras disputas mais emblemáticas, as de Recife e São Paulo, ela vem dizendo que são problema do ex-presidente Lula. Na sexta-feira, numa incursão a Minas (embora bem ao norte da capital), ela enfrentou vaias e protestos de servidores e professores universitários em greve. Em Belo Horizonte, teria sido pior. Campanhas à parte, o governo Dilma parece ter errado na condução das greves federais: ou subestimou a força do movimento, inclusive na designação de uma interlocutora de perfil técnico como a ministra Miriam Belchior, do Planejamento, ou superestimou a blindagem do governo proporcionada pela alta popularidade da presidente.

Dilma tem dito cobras e lagartos dos grevistas, mas isso nada resolve. Ganhos na Justiça, como a ordem para que os fiscais agropecuários voltem ao trabalho, são pontuais. Os grevistas, de carreiras diversas, podem estar exagerando nos pleitos, e o governo pode não ter mesmo como atendê-los. É razoável o argumento do governo, de que a prioridade é preservar o emprego dos que não têm estabilidade, os trabalhadores das empresas afetadas pela crise. Mas parece óbvio que há uma escassez de diálogo e uma avaliação incorreta da força dos movimentos. Chamado para ajudar, Lula já advertiu a CUT: fogo amigo contra Dilma, não dá.

E ainda tem os caminhoneiros, que, quando param, desaceleram mesmo a economia.

Algumas. O governo reconhece problemas no relacionamento com os partidos da base na Câmara, mas acha também que o perfil do líder Arlindo Chinaglia não ajuda. Resta saber se Dilma, em algum momento, irá trocá-lo, como já fez em outra ocasião, apesar do desgaste.

O relacionamento PT-PSB vai de mal a pior e já se projeta sobre disputas futuras em 2014, também no plano estadual. O senador Rodrigo Rollemberg (PSB) dá todos os sinais de que pode concorrer com o atual governador petista do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, numa aliança com o senador Cristóvam Buarque (PDT).

Militares e diplomatas nunca se bicaram. O primeiro ministro da Defesa de Lula, embaixador José Viegas, comeu pão amargo no cargo. Celso Amorim, aliando habilidade e valorização da política nacional de Defesa, venceu o antagonismo. Anteontem, comandantes celebraram com ele, em Ponta Porã, seu primeiro ano no cargo. Amorim está na briga para aumentar os investimentos em defesa, de 1,5% para 2,5% do PIB, média dos outros países dos Brics.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Governo aposta que cansaço deve derrubar o movimento grevista

Igor Gielow

BRASÍLIA - O cálculo político da presidente Dilma Rousseff ao recrudescer a retórica a respeito da greve dos servidores públicos leva em conta uma avaliação de governo de que o movimento tende a ser vencido pelo cansaço.

A greve dos professores federais, a mais estruturada e longeva na safra atual, está no estágio em que o governo suspeita ser terminal, com ou sem novas negociações.

Corte de ponto e ameaças abertas de punição a reitores feitas pela Advocacia-Geral da União colocam pressão nos docentes, embora a ida à Justiça para garantir presença mínima não tenha tanto efeito -o MEC estima informalmente em menos de 40% a adesão real nas federais.

Já paralisações pontuais que geram tormento ao cidadão, como as de agentes em aeroportos ou policiais rodoviários, essas correm o risco de morrer por impopulares.

Com isso, caso seja vitoriosa na queda de braço, Dilma poderia contar mais um ponto positivo junto às classes de maior renda e escolaridade.

Assim como é "pop" bater em juros bancários e em celulares que não funcionam, há no governo uma percepção de que pode ser bom negócio demonizar grevistas que deixam os filhos da classe média sem aula na universidade ou os turistas em filas homéricas em Cumbica.

Em cenário de crise econômica, não é por acaso que Dilma falou em priorizar o trabalhador sem a estabilidade associada ao serviço público.

Quando "quebrou" a muito mais séria greve dos petroleiros em seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso auferiu louros semelhantes e abriu caminho para mudanças estruturais.

O risco para Dilma é de que alguma forma os grevistas consigam colar na intransigência do governo a culpa pelos efeitos de sua ação.

Mas hoje, com sua estrutura descentralizada, o movimento não parece capaz de tal jogada.

Falta uma figura de proa para transmitir uma noção de que não se trata de uma greve de privilegiados por mais privilégios -independentemente aqui do mérito das reivindicações.

Por fim, um dado inquietante: ninguém, governo ou grevistas, tem noção do tamanho real da paralisação.

Imagine uma empresa que não controla o ponto de seus trabalhadores.

Amplie para um universo de centenas de milhares de pessoas. É isso.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O tiro no pé do PT - Suely Caldas

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, errou de endereço ao apostar, há dias, que ficará decepcionado quem imagina que o julgamento do mensalão desestabiliza o governo Dilma. Se a sentença final do Supremo Tribunal Federal (STF) absolver os que passaram dois anos desviando dinheiro público para seus partidos, a decepção será muito mais da população do que da oposição. Decepção e desesperança de punição para futuros crimes de corrupção.

A possibilidade de desestabilização política de Dilma Rousseff tem outra origem, endereço diferente da pacata oposição e ganhou musculatura nos últimos dias. Ela atende pelas siglas PT e CUT, que lideram os movimentos grevistas de funcionários públicos e que transformaram a vida da população num caótico inferno na última semana. Deixou de ser o fogo amigo da época de Lula, é fogo inimigo mirando Dilma, e com poder de produzir efeitos também no voto da classe média nas eleições. Como não há como separar o governo do partido que lhe dá sustentação política, é o PT atirando no próprio pé.

O prejuízo de uma greve de 30 profissões públicas e 350 mil funcionários é financeiro, mas também político. De tão fragmentado, o prejuízo financeiro é difícil de calcular, pois a greve se estende pelo País todo. Certamente, ultrapassa a casa de muitos milhões de reais: navios e mercadorias parados nos portos, aviões decolando com enorme atraso, contratos de compra e venda desfeitos, multas por descumprimento de prazos. Perdas que abalam a economia do País e são distribuídas entre os setores público e privado. A cifra global é alta, mas não se compara ao drama vivido pelos milhares de brasileiros prejudicados pela paralisação de serviços públicos.

O que pensam pais e alunos de mais de 50 universidades públicas sem aulas há três meses? Ou os milhares de motoristas e passageiros parados durante 9 horas na Ponte Rio-Niterói? Ou quem precisava viajar de avião ou ônibus e não chegou ao seu destino a tempo de cumprir inadiável compromisso? Ou ficou retido horas no engarrafamento da Via Dutra, com a carga do caminhão se deteriorando ou passageiros angustiados, cada um com seu drama pessoal, precisando abreviar a chegada? E quem teve aquela urgente cirurgia cancelada porque os médicos desapareceram do hospital? E os doentes sem atendimento?

Enfim, são milhares e milhares de brasileiros que passaram a enfrentar o inferno com a multiplicação das greves. E, quanto mais pobre, mais penalizada é a população, porque é quem mais precisa e recorre aos serviços públicos. Em contraste com ela estão justamente os grevistas e suas lideranças com seus privilégios: nunca são demitidos, aposentam-se com o mesmo salário da vida ativa, têm prêmios, quinquênios, jornadas de trabalho encurtadas e salários elevados, quando comparados aos do setor privado. É o que faz de Brasília a cidade de maior renda per capita do País, o dobro da de São Paulo, a segunda colocada.

Essa multidão de brasileiros prejudicados pelas greves certamente identifica no governo um dos causadores de suas mazelas. Mas não só. Passaram os tempos do maquiavelismo, do bem e do mal, do mocinho e do algoz. Não se iludam PT e CUT: o desgaste e a desestabilização política não se restringem a Dilma, mas também os contaminam. É o pai do aluno culpando os professores, o passageiro do avião e do ônibus responsabilizando os policiais federais e rodoviários, a mãe desesperada com o filho no colo xingando o médico. E todos identificando no PT e na CUT os incentivadores da eclosão e adesão às greves.

Felizmente, a ascensão dos pobres à classe média deu a eles acesso não só a bens materiais, mas também à educação e à informação. E a democracia deu liberdade para pensar, agir, escolher e votar em partidos e candidatos que os defendam, não que os prejudiquem.

Sem dúvida, a greve é um direito do trabalhador. Mas, quando ela se prolonga indefinidamente, penaliza a população e pretende o absurdo de quase dobrar os R$ 100 bilhões da folha salarial, ela se transforma em tiro no pé do partido que a estimula. No caso, o PT.

Jornalista, professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

As medidas do mal - Míriam Leitão

Corrupção não se mede. É da sua natureza ser fugidia, clandestina, sombria. É dinheiro que escapa pelas franjas, por atores que se escondem e camuflam. O diretor da Transparência Brasil Claudio Weber Abramo acha que os números que aparecem são fantasiosos. Gil Castello Branco, do Contas Abertas, diz que é possível estimar as perdas e que os dados reforçam a luta contra o mal.

A Fiesp calculou entre R$ 50 bilhões e R$ 85 bilhões de perdas anuais no Brasil. Gil pensa que essas estimativas, feitas com base em cruzamento de dados, têm solidez. Existe também o índice de percepção da corrupção. Pesquisas com empresários que fazem negócios no Brasil e com o Brasil. Juntos dariam uma boa ideia da dimensão do problema e são coerentes entre si.

Abramo pensa diferente. Ele analisou os cálculos e diz que as bases de dados são frágeis e que as conclusões não passam por qualquer teste. Isso não o leva à conclusão de que o problema não seja sério.

- Pode custar mais ou menos. Mas existe um problema (no cálculo): base metodológica frágil. O crime é escondido. Estimá-lo é difícil. A melhor opção é dizer: não sei quanto é. Isso não significa dizer que não exista a corrupção ou que não se conheça suas consequências. Um número serve para quê? Para dizer que existe corrupção no Brasil? Ora, isso é óbvio, todo mundo sabe - diz Abramo.

- É difícil quantificar, mas é um referencial. O Banco Mundial faz seu esforço de quantificação, compatível com os dados da Fiesp. O professor Marcos Fernandes, da FGV, somou os casos de desvio no Governo Federal de 2002 a 2008 e chegou à conclusão de R$ 40 bilhões. Essa é a ponta do iceberg. O Brasil é o quarto país em volume de dinheiro em paraísos fiscais. É válido medir e trabalhar com extrapolações. São valores substanciais. É bom ter parâmetro. Esse patamar mínimo do estudo da Fiesp, R$ 50 bi, equivale ao investido pelo PAC I em infraestrutura - rebate Gil.

Um problema e duas visões que coincidem num ponto: é necessário combater o mal. Conversei com os dois esta semana e os entrevistei na Globonews. Um interessante conflito de ideias, porque ambos dão contribuições importantes na luta contra os desvios. Abramo acha que a questão mais interessante é o combate.

- Corrupção é um problema objetivo. Não é subjetivo. Não é um problema moral. A corrupção não acontece porque existe gente desonesta no mundo, mas porque gente desonesta pode agir desonestamente. Tem que se ver as condições institucionais e as práticas administrativas. Um foco de corrupção no Brasil é o excessivo número de indicações políticas dos chefes do Executivo - diz Abramo.

Gil acha que a grande medida a tomar para reduzir a corrupção é a adoção do financiamento público de campanha. Ele admite que já há esse financiamento, através do programa eleitoral e do fundo partidário, mas acha que é possível aperfeiçoar:

- As eleições são caríssimas e isso alimenta o caixa dois. As empresas doam para ter proveito.

- É ilusão achar que isso resolve. Se for proibido o financiamento privado, o caixa um vai virar caixa dois. Já foi tentado em outros países com resultado horroroso - diz Claudio Abramo.

Ele acha que usar cargos públicos como moeda de troca produz outro efeito nocivo: o legislativo deixa de fiscalizar e legislar.

A Transparência Brasil foi quem fez a primeira sugestão para se ter no Brasil a Lei de Acesso à Informação. Abramo lembra que a lei não vai criar informação. Cria condições de acesso. Gil Castello Branco lembra que mesmo com a Lei de Acesso à Informação há dificuldades de se conseguir dados de órgãos públicos e das estatais. E as empresas públicas "movimentam um PIB argentino por ano".

FONTE: O GLOBO

Em Pernambuco, clássico PSB x PT nos principais municípios

Em 10 das 17 maiores cidades do Estado, os dois principais partidos da frente que elegeu Eduardo se enfrentarão, mostrando que as divergências vão além do Recife

Ayrton Maciel

Se a divisão política na Frente Popular do Recife, gerada pelo lançamento de candidaturas próprias do PSB e do PT, pode levar a uma separação sem volta no pós-eleição de outubro – antecipando o confronto que era projetado para 2014 –, o cenário geral da disputa no Estado demonstra, todavia, que a tão ressaltada unidade entre petistas e socialistas na aliança governista não era tão sólida quanto os discursos garantiam. O racha pode, sim, segundo o quadro e conforme o clima do embate, evoluir para uma ruptura inconciliável dois anos antes dos pleitos para governador e presidente da República. Em dez de 17 das maiores cidades do Estado, segundo o site do TRE-PE, PSB e PT estão em palanques distintos, disputando direta ou indiretamente o poder político.

A menos de 60 dias para as eleições, e com os dois partidos tentando manter a aparência de uma disputa pacífica, as ferramentas para que a briga política descambe para um confronto de fato começam a ser armadas no palanque eleitoral. Com o candidato do PSB da Capital, Geraldo Julio, ascendente nas pesquisas, o governador Eduardo Campos – avalizador da candidatura e líder da aliança “rachada” – inicia uma peregrinação por municípios-chaves para o projeto de poder do PSB, em apoio a candidatos próprios ou coligados. O pontapé foi dado ontem, em Petrolina, Sertão, numa carreta com Fernando Filho (PSB).

A perspectiva é que o grau da temperatura política entre PT e PSB suba, mesmo que sejam sinceros os discursos em contrário. Há 15 dias, um episódio acendeu o sinal amarelo. Em Águas Belas, Agreste Setentrional, um confronto em praça pública entre militantes das candidaturas do PSB e do PT acabou transpondo os limites da cidade e chegou ao conhecimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O tribunal pediu, então, providências ao TRE, que através de sua corregedoria conseguiu firmar um pacto de conduta na cidade, evitando a intervenção da Justiça Eleitoral.

A expectativa está a postos. No levantamento sobre as 17 cidades, a constatação é que nos arranjos de alianças eleitorais da disputa pelo poder, os mais variados e incompreensíveis, PSB e PT disputam diretamente – com candidaturas próprias – no Recife, em Paulista e Camaragibe (Região Metropolitana), Petrolina (Sertão) e Surubim, (Agreste). Estão se confrontando, também, mas por coligações distintas, na cabeça de chapa ou não, pelas prefeituras de Jaboatão dos Guararapes e Ipojuca (RMR), em Limoeiro (Agreste) e em Arcoverde e Serra Talhada, Sertões do Moxotó e Central. Juntos, mas não com unidade em todas, em Olinda e Cabo de Santo Agostinho (RMR), Palmares (Mata Sul), Caruaru, Garanhuns e Belo Jardim (Agreste), e em Salgueiro, no Sertão Central.

O curioso da disputa é que, em meio à salada de siglas, no interior as rusgas ideológicas passam distante do pragmatismo eleitoral. Um exemplo é Limoeiro (Agreste), onde o PT coligou-se ao PSDB, que tem o prefeito candidato à reeleição, outro é Paulista (RMR), onde o candidato do PSB tem o apoio do DEM. Em Petrolina, o PPS do antipetista deputado Roberto Freire (SP) está coligado ao PT, e em Arcoverde, o PTB reúne no palanque PT, DEM, PMDB e PSDB.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Carlismo volta com força na disputa em Salvador

Rejeição às gestões petistas é trunfo de ACM Neto. PT aposta na integração de governos para garantir recursos

Paulo Celso Pereira

BRASÍLIA Semanas após Jaques Wagner (PT) derrotar o então governador Paulo Souto (DEM) na disputa pelo governo da Bahia, em 2006, Antonio Carlos Magalhães, padrinho de Souto, profetizou: "Vou voltar com mais força do que tinha antes, porque meus adversários fracassarão (...) Meus inimigos se destroem por si próprios". Meses depois, ACM morreu. Passados seis anos, o carlismo voltou com força na eleição para a prefeitura de Salvador, representado pelo deputado ACM Neto (DEM).

A primeira pesquisa Ibope da campanha, divulgada semana passada, mostrou ACM Neto com 40% das intenções de voto contra 13% de Nelson Pellegrino (PT). A dianteira não é novidade para o líder do DEM na Câmara - que, em 2008, também começou à frente, mas amargou uma derrota. A diferença é o cenário.

Em 2008, o PT estava em festa com a popularidade de Lula e a vitória para o governo baiano. O material de ACM Neto destacava em letras garrafais o "Neto" e colocava menor a sigla que remetia ao avô. Agora, o "ACM" vem em letras idênticas ou maiores que o "Neto".

Como profetizado pelo velho ACM, a explicação pode estar no fracasso dos adversários. Pellegrino tem como principal cabo eleitoral o governador petista Jaques Wagner. Segundo o Ibope, sua gestão foi considerada ótima ou boa por apenas 16% dos entrevistados, contra 45% que a consideram ruim ou péssima. O cenário na prefeitura, então, é de terra arrasada. Só 6% dos entrevistados consideram a gestão de João Henrique ótima ou boa, e 68%, ruim ou péssima.

Diante desse cenário, cada campanha se prepara. O PT aposta no mote da integração municipal, estadual e federal.

- O Nelson é o único que não precisa bater na porta de Wagner e Dilma para conseguir recursos - diz o líder do PT no Senado, Walter Pinheiro, um dos coordenadores de campanha de Pellegrino, que aposta ainda na entrada do ex-presidente Lula na campanha.

O DEM trabalha em duas frentes para ampliar a vantagem. A primeira é destacar ACM Neto como um homem combativo, líder jovem em Brasília, mas sem rememorar que ele integra a oposição. A segunda é capitalizar a fama de boa gestão do carlismo, mas evitar a de truculência.

- A cidade tem um reconhecimento grande do trabalho de Antonio Carlos. Mas olhamos para o futuro. Não quero ser o novo ACM - diz Neto.

FONTE: O GLOBO

No Rio de Janeiro, próximo prefeito terá desafios olímpicos

Futura gestão precisará garantir legado social das Olimpíadas, cumprir prazos e gerir instalações

Cássio Bruno, Renato Onofre

Começa hoje a contagem regressiva para o início dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio. Nos próximos quatro anos, caberá ao prefeito eleito cumprir e entregar no prazo as obras de infraestrutura da cidade previstas no compromisso enviado ao Comitê Olímpico Internacional (COI), além de gerenciar a construção das principais instalações olímpicas. Outro desafio da futura gestão municipal será garantir que a realização da competição represente também um legado social aos cariocas.

Em outubro, termina o prazo para eventuais modificações nos projetos. A partir daí, eles não serão mais passíveis de alterações.

O prefeito Eduardo Paes (PMDB), candidato à reeleição, afirma que manterá todos os projetos atuais e que sua maior preocupação, se vencer, será com a própria organização do evento. Paes lidera com folga as pesquisas: segundo o Ibope, tem 49% das intenções de voto, e, pelo Datafolha, 54%. Marcelo Freixo (PSOL), que aparece em segundo, está longe: tem 8%, pelo Ibope, e 10%, pelo Datafolha.

Rodrigo Maia (DEM), Otavio Leite (PSDB) e Aspásia Camargo (PV) são unânimes. Para não fazer feio, a prefeitura terá de reestruturar o trânsito. Freixo diz que falta transparência nos contratos com o setor privado, o que dificultará o evento.

Fazendo considerações genéricas, nenhum dos quatro oposicionistas, porém, detalhou ao GLOBO a proposta sobre como conduzir o projeto olímpico do Rio.

- Sem dúvida, é organizar o trânsito da cidade durante o período das competições. O exemplo de Londres nos aponta isso - afirma Leite.

- Precisamos estruturar a engenharia de tráfego da cidade, que, infelizmente, anda muito mal nos últimos tempos - completa Maia.

Aspásia lembra que a ampliação do sistema de transporte não é função da prefeitura:

- Não é o prefeito que pode dar soluções mais robustas, como ampliação de linhas de metrô e de transporte sobre trilhos.

Das obras visando a melhorias físicas para a cidade, a construção dos ramais de ônibus articulados (BRTs) é a mais adiantada, apesar de já apresentar problemas de manutenção, como buracos. Estão previstos 150 quilômetros de vias, divididas em quatro linhas: Transoeste, Transcarioca, Transolímpica e Transbrasil.

Em Londres, que tem um dos mais completos sistemas de transporte de massa do mundo, com interligações entre trem, metrô e ônibus, os Jogos também significaram engarrafamentos, ligando o sinal de alerta do Comitê Olímpico Rio 2016.

- Em qualquer cidade que receba os Jogos, o transporte é sempre o desafio - afirma o diretor do Comitê Olímpico Rio 2016, Leonardo Gryner.

Legado social é preocupação

O investimento social é outra preocupação. Pelo dossiê de encargos, há o compromisso de investir em comunidades carentes no entorno dos complexos esportivos. Paes afirma que já há investimentos nesse setor:

- Pergunta à dona Maria que saía de Santa Cruz para a Barra da Tijuca num ônibus comum o que representou para ela a inauguração da Transoeste. Um de nossos grandes legados (sociais) é transporte. Nós concluímos as vilas olímpicas do Caju e do Mato Alto, e estamos construindo mais duas em Guaratiba e Honório Gurgel. Sem contar o projeto Morar Carioca para urbanizar as comunidades.

Sandro Corrêa, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, alerta:

- O legado social tem que ir além da melhoria de infraestrutura. E deve ser sentido também no campo administrativo, com o saneamento das contas públicas após os Jogos Olímpicos.

Nos Jogos Pan-americanos do Rio, em 2007, o orçamento previsto inicialmente era de R$ 414 milhões. Mas, no fim, as obras custaram R$ 3,7 bilhões aos cofres públicos.

A presidente da Empresa Olímpica Municipal, Maria Sílvia Bastos Marques, informou que só no segundo semestre do ano que vem o custo dos Jogos será conhecido. O orçamento original, apresentado no Dossiê de Candidatura em 2007, previa investimentos de R$ 28,8 bilhões, valor hoje considerado defasado. Destes, R$ 23,2 bilhões seriam aplicados em infraestrutura e instalações pelos três níveis de governo, e R$ 5,6 bilhões, pelo Comitê Organizador.

Ficam para o próximo prefeito questões como a construção de um novo autódromo, exigida pela Confederação Brasileira de Automobilismo pela cessão da pista que receberá o Parque Olímpico. Assim como a remoção das famílias que moram ao lado da futura instalação, em Jacarepaguá. Há indefinições quanto ao reaproveitamento do Velódromo e do estádio de São Januário para competições de rugby.

FONTE: O GLOBO