terça-feira, 5 de maio de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Realmente, o moderno Príncipe deveria limitar-se a estes dois pontos fundamentais: formação de uma vontade coletiva nacional popular, cuja expressão ativa e atuante é, exatamente, o moderno Príncipe, e reforma intelectual e moral. Os pontos concretos do programa de ação devem ser incorporados no primeiro ponto, isto é, devem resultar “dramaticamente” da argumentação, não ser uma fria exposição de raciocínio. (pode haver reforma cultural, ou seja, elevação cultural dos elementos mais baixos da sociedade, sem uma anterior reforma econômica e uma modificação no padrão econômico de vida? Por isso, a reforma intelectual e moral está sempre ligada a um programa de reforma econômica; mais precisamente, o programa de reforma econômica é o modo concreto através do qual se apresenta toda a reforma intelectual e moral. O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu desenvolvimento significa de fato que toda ação é útil ou prejudicial, virtuosa ou criminosa, na medida em que tem como ponto de referência concreto o moderno Príncipe e aumenta seu poder ou o combate. Ele toma o lugar, nas consciências, da divindade e do imperativo categórico, ele é a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume)”.


(Antonio Gramsci, “Cadernos do Cárcere” , volume 6, pág. 377 – Civilização Brasileira, 2002)

Velhos hábitos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Não é a primeira vez que o presidente Lula usa sua popularidade para perdoar um mau passo, ou para dar força a aliados envolvidos em maracutaias políticas. Lula foi pressionado, quase chantageado politicamente pelo PMDB, por meio dos presidentes das duas Casas, senador José Sarney e deputado Michel Temer, para sair em defesa do Congresso. Alegaram, em uma reunião com o presidente, que o Congresso estava se desmoralizando e o Executivo, sem que Lula se solidarizasse, ganhava muita força mas ficava sem o apoio de sua base aliada no Congresso, que já estava ameaçando se insurgir diante de tamanho desbalanceamento do equilíbrio entre os Poderes. A partir daí, o presidente começou a dar declarações minimizando o escândalo das passagens.

No caso do mensalão, foi dele que saiu a primeira versão de que houvera "apenas" o uso de caixa dois, coisa que sempre aconteceu nas eleições. Assim que recuperou um pouco sua popularidade, deixou de lado o constrangimento e passou a receber pessoalmente vários dos acusados. Certa vez exortou o PT a "não abaixar a cabeça", dizendo que eles não deviam nada a ninguém, que esse tipo de coisa sempre aconteceu na história política das eleições brasileiras.

Da mesma maneira, na campanha presidencial de 2006, quando veio à tona a história da compra do dossiê contra José Serra, o candidato do PSDB ao governo paulista, chamou os idealizadores da manobra de "aloprados", mas não passou disso.

Agora, volta a dizer que a distribuição de passagens por deputados e senadores não tem nada de novidade, e que não existe mal nenhum nessa prática.

Admitiu que ele mesmo já usara sua cota dando passagens para sindicalistas irem a Brasília. Como sempre faz, misturou alhos com bugalhos para confundir.

O uso de passagens para a atividade parlamentar pode ser aceito, e seria realmente o menor dos males, bastando que o assunto fosse regulamentado pela direção da Câmara e do Senado. Esse tipo de passagem, desde que justificada, poderia ter uma cota para cada Casa, e a autorização seria dada de acordo com normas aprovadas pelas Mesas Diretoras.

O que a opinião pública condena é a utilização dessa "cota pessoal" para viagens de turismo de parentes e amigos, até para o exterior e, no limite, a indústria de venda de passagens para agências de turismo.

É claro que não foi o PT que inventou esse tipo de corrupção na política, nem só o partido do governo está envolvido no mau uso do dinheiro público desta vez. Ao contrário, a maioria dos parlamentares está, de uma maneira ou de outra, metida nessa mutreta, sem diferença de coloração partidária.

Mas tanto o partido quanto seu principal líder se firmaram na política nacional como representantes de uma "nova política".

Quando foi deputado federal na Constituinte de 1988, Lula pôde acompanhar de dentro a atividade parlamentar, e terminou seu mandato sem desejo de continuar deputado, alegando que havia na Câmara "300 picaretas", isto é, mais da metade dos deputados federais seus colegas usavam o mandato em benefício próprio.

Vinte anos depois, eis que Lula muda de ideia a respeito dos nossos deputados, e diz que, se o mal do país fosse apenas essa questão de passagens aéreas, não teríamos problemas. Nessa questão, temos um enfrentamento entre o que Lula chama de "hipocrisia" e o que entende a opinião pública.

Para nosso presidente, hipocrisia é a crítica generalizada contra o Congresso. Para a opinião pública, hipocrisia é defender o comportamento de nossos parlamentares como se ele nada tivesse de imoral e mesmo de ilegal, já que, conforme já foi registrado aqui na coluna, todos os especialistas em gestão pública entendem que o funcionário público não pode fazer nada que não seja expressamente permitido por lei.

Na campanha sucessória de 2002, Lula defendia a tese de que a simples chegada do PT ao poder central reduziria o nível de corrupção do país, pois seria um recado de que os hábitos políticos mudariam.

A contrapartida implícita à tese de que os "conservadores" abusaram da máquina pública nos últimos 500 anos, muito difundida entre os petistas, seria a de que os "progressistas", uma vez no poder central do país, denunciariam os abusos e puniriam quem usou de maneira ilegal a máquina pública, em vez de repetir as mesmas coisas sob a alegação de que "sempre foi assim".

Como se ficou sabendo a partir das denúncias do mensalão, os hábitos petistas não eram tão sóbrios quanto vendia sua máquina propagandística.

E as denúncias, que não eram levadas muito a sério, de que a gestão do PT à frente de prefeituras municipais já mostravam sinais de corrupção endêmica passaram a ser ratificadas pela prática do novo governo federal.

O que aconteceu é que o governo petista utilizou as práticas políticas que condenava da boca para fora, e passou a usá-los em benefício próprio, para controlar o Congresso, aprofundando as práticas em alguns casos.

Montou uma base aliada heterogênea, que nada tem a ver com um programa de governo, une partidos da direita à extrema esquerda com a maior facilidade, distribuiu cargos para seus aliados e vive de protegê-los, para que o protejam em uma eventual crise política. Como agora, em que há no Congresso um movimento da oposição para criar uma CPI sobre a Petrobras, ou anteriormente, quando a CPI do Cartão Corporativo foi instalada.

Os gastos abusivos, o desperdício de dinheiro público, o uso político da máquina estatal fazem parte do mesmo fenômeno, o "aparelhamento" da máquina do Estado, outro velho hábito da política brasileira que no governo Lula foi levado a extremos, em vez de combatido.

Doutrina PC Farias

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em 1992, Paulo César Cavalcanti Farias (1945-1996) pronunciou três devastadoras palavras na CPI encarregada de investigar denúncias de corrupção do governo Fernando Collor e inaugurou uma tese que na época provocou constrangimento, mas, de lá para cá, só fez ganhar adeptos.

"Somos todos hipócritas", decretou ele em alto e bom som na sala da CPI, ao ser questionado se a origem do dinheiro circulante no chamado "esquema PC" era o caixa 2 da campanha presidencial da qual ele havia sido tesoureiro três anos antes.

O plenário silenciou, impactado ante o argumento que buscava fazer de todos ali, deputados e senadores, cúmplices tácitos de práticas usualmente adotadas, mas jamais confessadas.

O ex-tesoureiro não conseguiu se safar, mas alcançou o objetivo imediato de nivelar por baixo todos os que ali estavam.

Não houve reação à altura na ocasião. Tampouco houve correção de procedimentos nestes 15 anos que separam o Brasil que enxergou no impeachment de um presidente por corrupção a elevação de patamar da democracia brasileira do País que vê o presidente da República lançar mão daquele mesmo argumento para defender o direito do Congresso de transgredir impunemente. É possível que haja relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. Se as palavras de PC Farias tivessem mexido com os brios dos políticos, a democracia poderia ter avançado de verdade e provavelmente hoje não se ouviria o presidente Luiz Inácio da Silva chamar de "hipocrisia" as críticas aos abusos do Congresso no uso dos benefícios públicos - no caso, passagens aéreas - para fins de natureza privada.

O problema é que de lá para cá os critérios de conduta só fizeram afrouxar. E tornaram-se definitivamente elásticos quando o partido defensor da ética incorporou a frouxidão ao assumir o poder.

No dizer que Lula, "somos todos hipócritas" ao exigir dos congressistas e de todos os detentores de função pública, com mandato ou não, um mínimo de respeito à probidade.

O presidente poderia ter arrumado outro modo - menos agressivo à opinião corrente entre o público pagante - para mostrar seu apreço ao Congresso, mas escolheu fazê-lo em afronta à luta pela melhoria dos costumes.

Poderia ter sido um incidente, não tivesse ele sido reincidente. E aqui a referência não é apenas à notória defesa do uso do caixa 2 em campanhas eleitorais como algo já incorporado à vida política nacional.

Nestes anos de governo por mais de uma vez o presidente já considerou "hipócritas" as restrições impostas às ações dos governantes no uso da máquina pública em períodos próximos a eleições.

O político Luiz Inácio pode pensar como quiser, mas o presidente Lula tem o dever de só dizer o que possa contribuir para melhorar o País. No caso das passagens, antes tivesse feito suas as palavras do advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, em entrevista à Veja desta semana.

"Quem exerce função pública só pode gastar dinheiro público no interesse público. É preciso acabar com esse costume de passar a mão na cabeça dizendo que o erro foi pequeno, que coisa de mil reais, que foi só uma passagem aérea. Mesmo o erro pequeno precisa de punição."

Aos césares

Fala-se pouco ou quase nada a respeito, mas era o PSDB, na figura do hoje governador de Minas Gerais Aécio Neves, quem presidia a Câmara quando foram instituídas duas normas cujas consequências agora se paga: a verba indenizatória e o sistema pelo qual as medidas provisórias interditam a pauta de votações do Legislativo.

Ambas as ideias visavam na época a resolver problemas aparentemente incontornáveis. A verba entrou em cena no lugar do aumento de salários - reivindicado pelos parlamentares e repudiado pela opinião pública.

A sistemática das MPs mudou imaginando-se que, assim, o Congresso teria o maior interesse em apressar as votações, pois até então deixava as medidas provisórias ao sabor de infinitas reedições por parte do Executivo.

A mudança foi intensamente negociada com os líderes e o Palácio do Planalto, onde dava expediente Fernando Henrique Cardoso. Olhando da perspectiva de hoje, a dúvida é se houve erro de cálculo ou se foi tudo muito bem calculado para aumentar o poder do Executivo sobre a agenda do Legislativo.

Qualquer que tenha sido o tropeço do passado, fato é que o PSDB não dá um passo para corrigir a situação, o que levanta a suspeita de que pretende manter tudo como está na esperança de voltar ao poder sem perder a prerrogativa de também extrapolar.

Na campanha eleitoral esta será uma questão sobre a qual os candidatos terão de ter uma posição clara. Se disserem que o "problema é do Congresso", estarão dizendo também que não investirão um pingo de suas energias para alterar as relações entre Legislativo e Executivo e que o reequilíbrio entre os Poderes está - e continuará - fora das respectivas agendas.

LULA E AS CHUVAS NO NORDESTE (charge)

O ciclo da oligarquia

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O escândalo das passagens aéreas (inicialmente criadas para que os parlamentares pudessem desempenhar seus mandatos, mas depois apropriadas como forma de salário indireto) expõe com clareza a desvirtuação oligárquica a que estão sujeitas todas as organizações - até mesmo aquelas supostamente expostas ao escrutínio público e à (supostamente saneadora) competição entre adversários. O fato de que o desvio de finalidade no uso desse recurso de trabalho atingiu indistintamente a praticamente todos os partidos é ainda mais revelador: políticos de direita e de esquerda, do alto e do baixo clero, governistas e oposicionistas, fisiológicos assumidos e paladinos da ética, quase ninguém escapou (ou deixou de ser descoberto).

Uma interpretação possível (e acertada) de tal situação é que, se o problema é generalizado, o problema não é de conduta individual, mas do funcionamento da instituição. Mas o fato do problema ser institucional não atenua o problema; na realidade o agrava. Afinal, neste caso, como não foi um ou outro parlamentar que optou por dar aos recursos públicos finalidade distinta daquela esperada no desempenho de sua função, mas foi a instituição que viabilizou que tal coisa ocorresse, não é este ou aquele parlamentar que é corrupto - é a instituição que é corrupta. Ou seja, contamos no Brasil com um Poder Legislativo que tem na malversação de recursos públicos um traço institucional. Ele se constituiu no que podemos denominar como uma instituição oligárquica - ainda que composta não apenas por oligarcas.

Alguns dos que contribuíram para a construção de tal cenário são oligarcas notórios, inclusive em seus Estados, como é o caso do atual presidente do Senado. Daí, nada mais natural que imprimissem à direção da Casa a marca de sua feição política. Todavia, a oligarquização do parlamento ultrapassa a mera vontade política de seus dirigentes circunstanciais. Ela na verdade decorre de um perverso processo de degeneração institucional que, primeiramente, propicia uma seleção adversa de elites políticas: correspondendo fielmente ao modelo segundo a qual a forma degenerada da aristocracia (governo dos melhores) é a oligarquia, nossas instituições políticas selecionam uma escória para a ocupação dos postos de representação - gerando um governo dos piores.

E isto gera um ciclo vicioso composto de três processos encadeados: (1) o sistema de representação recruta os piores; (2) com isto percebe-se a política como uma atividade vil; (3) consequentemente, afastam-se da atividade política aqueles que poderiam de fato constituir uma aristocracia eletiva e responsável perante o eleitorado - reforçando-se o primeiro processo.

Em decorrência de sua lógica de auto-reforço, este ciclo oligárquico cria um equilíbrio do qual dificilmente se escapa, exceto por algum influxo exógeno. Por esta razão não é de surpreender que as muitas reformas políticas em tramitação no Congresso sempre naufraguem - ou avancem apenas de forma milimétrica em momentos de crise, de modo a desanuviá-la. Como a mudança das regras do jogo que propiciam esse ciclo vicioso é possível apenas pela ação da oligarquia que delas se beneficia, o sistema não muda - exceto se submetido a drásticas pressões externas que ameacem a sobrevivência política da própria instituição ou de seus membros.

Um possível remédio para este ciclo oligárquico seria a competição entre os membros da classe política. Todavia, mesmo a disputa política acerba pode ser insuficiente para conter a oligarquização. Isto porque a competição política acontece num âmbito limitado, fora do qual estão certos procedimentos e valores necessários à continuidade do jogo. Num regime liberal-democrático estão fora da disputa (e, portanto, são mantidas) as regras que asseguram que a competição política seja assegurada - a alternância no poder, as liberdades de organização e expressão, os direitos de votar e ser votado, o direito de crítica etc. Já num regime oligárquico, estão fora da disputa, sendo preservadas, as regras que asseguram aos membros da oligarquia benefícios inacessíveis aos que estão fora dela - os cidadãos comuns. Assim, embora a oposição critique o governo, tanto membros situacionistas como oposicionistas concordam em preservar seus privilégios como membros da classe política. O mesmo vale para as polarizações entre esquerdistas e direitistas, alto e baixo clero e - por incrível que seja - entre os fisiológicos e os paladinos da ética.

E, como os regimes liberal-democrático e oligárquico coexistem em nosso país, a disputa travada entre partidos e lideranças políticas preserva as condições não apenas do jogo democrático, mas também do jogo oligárquico. Desse modo, há pouca coisa que o cidadão-eleitor possa fazer para afastar dos postos de representação aqueles que não se conduzem de acordo com os princípios republicanos - ou seja, os oligarcas. Embora dentre as muitas opções político-partidárias disponíveis estejam alternativas ideológicas, programáticas e societárias consideravelmente distintas, praticamente não existem escolhas que permitam escapar à oligarquia. Em suma, o acordo constitucional (não escrito) que sustenta nosso sistema político comporta não apenas as condições basilares de um Estado Democrático e Social de Direito, mas também as de uma "estrutura institucional oligárquica" que salvaguarda os interesses específicos da classe política como grupo cujo atendimento se dá a expensas do resto da sociedade e contra os interesses e valores desta.

Somente um forte influxo externo à classe política sobre as instituições de representação teria condições de romper com este ciclo da oligarquia. Se este influxo for de natureza autoritária, o risco é o de que a oligarquização se agrave ainda mais, mesmo que com outros oligarcas. Para que a oligarquização seja superada, esse influxo precisaria ter uma natureza democrática - mas ele teria de vir obrigatoriamente de fora da classe política profissional.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP. O titular da coluna, Raymundo Costa, está em férias

Infraero desmonta cabide

Geralda Doca
DEU EM O GLOBO

Atual direção demite afilhados de aliados de Lula e limitará a 12 os cargos comissionados

Na contramão do Congresso e de outros órgãos do governo federal, a Infraero, estatal que administra os aeroportos do país, decidiu tentar pôr fim à partidarização de cargos políticos em seus quadros. O movimento de moralização da empresa, que tem como próximo desafio a privatização de alguns aeroportos, provocou a ira do maior aliado do governo Lula, o PMDB, revoltado com o corte dos apadrinhados. Ontem mesmo, os principais líderes do partido conseguiram ser recebidos por Lula para reclamar.

Com carta branca do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que é do PMDB, o presidente da estatal, brigadeiro Cleonilson Nicácio, conseguiu blindar a diretoria da empresa num novo estatuto, livrando-a de indicações políticas, e restringiu a 12 o número de contratos especiais - ainda hoje são 109 os funcionários com contratos especiais, os cargos comissionados, ou cargos por indicação de políticos e de partidos. Pelo novo estatuto, há agora a obrigatoriedade para que a indicação de quatro das cinco vagas da diretoria (administração, operações, finanças, comercial e engenharia) sejam preenchidas por nomes do quadro da Infraero. Atualmente, todos os diretores se enquadram nessa exigência.

Desse universo, 28 já foram demitidos nos últimos dias, o que provocou a reação irada dos políticos aliados que fizeram grande parte das indicações, como publicou sexta-feira passada a coluna Panorama Político do GLOBO. O salário desse grupo de servidores varia de R$3.598 a R$13.870. Dos 12 cargos comissionados que vão restar, o presidente tem direito a indicar sete e os outros cinco diretores, um cada. Segundo a Infraero, o fim dos contratos especiais vai gerar uma economia de R$19,5 milhões ao ano.

Apesar da insatisfação do PMDB com os cortes, interlocutores do ministro da Defesa dizem que ele está disposto a contrariar interesses do próprio partido para evitar o aparelhamento da Infraero e também da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O objetivo, disse uma fonte, é enxugar e reestruturar a empresa, diante da proposta de repassar alguns aeroportos à iniciativa privada. O assunto é conduzido pelo BNDES.

- Isso (enxugamento) será feito independentemente de a Infraero ter o capital aberto ou não - contou uma fonte.

O apetite dos partidos pelos cargos na Infraero é justificado pela alta visibilidade da empresa, que toca grandes e milionárias obras em todo o país. A estatal administra os 67 aeroportos mais movimentados e tem orçamento de R$1,454 bilhão para este ano. Em 2008, registrou lucro líquido de R$154 milhões.

Mudança começou com caos aéreo

Nos primeiros anos do governo Lula, o número de servidores comissionados chegou a 240, na gestão do falecido deputado petista Carlos Wilson. A situação começou a mudar com as ações patrocinadas pelo governo para enfrentar a crise aérea em agosto de 2007. Entre elas, a indicação de Jobim para dar uma nova ordem de comando aos órgãos do setor e a substituição do brigadeiro José Carlos Pereira por Sérgio Gaudenzi na presidência da estatal.

Gaudenzi ameaçou demitir os funcionários comissionados, mas o seu perfil político - foi deputado federal pelo PSB da Bahia - o impediu de enfrentar pressões e enxugar a empresa. Caiu desgastado em dezembro de 2008, depois de um ano e meio à frente da estatal, por ter se oposto publicamente à posição defendida pelo ministro de privatizar aeroportos.

Ficou no seu lugar o então diretor de operações da Infraero, brigadeiro Nicácio. Sem ligações partidárias e alinhado com Nelson Jobim, ele fez intensa mobilização entre os funcionários, segundo as necessidades das unidades em todo o país, enfrentando, inclusive, resistência do sindicato da categoria. Tudo sem alarde. Em 16 de abril, conseguiu aprovar o novo estatuto e deu início aos cortes.

Semana passada, foram demitidos o irmão e a cunhada do líder Romero Jucá (PMDB-RR), Oscar Jucá e Taciana Canavarro, que prestam serviços de consultoria na Superintendência de Pernambuco. Outros nomes da lista são Mônica Azambuja, ex-mulher do líder do partido, Henrique Alves (RN), lotada em Brasília; Eurico Loyo, indicado por Carlos Wilson, que trabalhava em Pernambuco; Pedro Azambuja, ligado ao Sindicato dos Aeronautas e ao PT, que prestava consultoria à empresa no Rio; e Edgar Brandão, da Superintendência de São Paulo, indicado pelo ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia.

O presidente da Associação Nacional de Empregados da Infraero (Anei), Carlos Guapindaia, disse que a entidade apoiou a mudança no estatuto e as consequentes modificações, como o fim dos quadros comissionados.

- Os políticos sabem gritar para proteger seus afilhados, mas não servem para defender os interesses da empresa - afirmou ele.

O presidente da Infraero não quis falar sobre a reação dos políticos. Ele fica no cargo até agosto. Como tem interesse na carreira militar, retorna à Força Aérea Brasileira (FAB) a fim de não ter de se desligar das fileiras de forma compulsória. O Ministério da Defesa foi procurado, mas a assessoria informou que Jobim estava em viagem para Alcântara (Maranhão) e só retornaria à noite.

E PMDB reage à tesourada

Gerson Camarotti e Chico de Góis
DEU EM O GLOBO

Recebido por Lula, partido ameaça com retaliação no Congresso e no apoio a Dilma

Adecisão da Infraero de demitir afilhados políticos e até parentes de parlamentares do PMDB e de outros partidos aliados abriu nova crise na base parlamentar do governo, o que levou o presidente Lula a atuar pessoalmente para tentar contornar o episódio. Depois de ser alertado de que as demissões poderiam causar derrotas sucessivas de projetos de interesse do governo no Congresso, Lula recebeu para uma conversa, ontem à noite, no Centro Cultural Banco do Brasil, os principais líderes do PMDB.

O presidente foi devidamente alertado, também, de que a forma como as demissões estavam ocorrendo poderia ter, inclusive, reflexos negativos para a pretendida aliança entre PT e PMDB em torno da candidatura presidencial da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Setores do PMDB e mesmo do PT aproveitaram a perda de espaço político na estatal aeroportuária para tentar outro objetivo: substituir o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. Diante do crescimento das ameaças, ontem, Lula resolveu agir.

Ex-mulher de líder do PMDB vence

Até o início da noite, algumas demissões de cargos comissionados da Infraero que já haviam sido anunciadas, como a de Mônica Azambuja, ex-mulher do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), foram suspensas temporariamente. Mas demissões já efetuadas causaram grande estrago político. Entre elas, a demissão, da Infraero de Pernambuco, do casal Oscar Jucá e Taciana Canavarro respectivamente irmão e cunhada do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

- Essas demissões criaram um ambiente muito ruim na Câmara e no Senado. Há um clima de revolta. Os parlamentares estão inconformados. Se há uma pessoa que defende o governo é Romero Jucá - disse o ex-presidente do Senado Garibaldi Alves (PMDB-RN), para, em seguida, defender também o ministro das Relações Institucionais. - O José Múcio pode até estar enfraquecido. Mas não tem culpa dessas demissões.

Durante o dia, vários peemedebistas, em recados à cúpula do governo, chegaram a lembrar, em tom de ameaça, que o comando da Infraero não tinha um único voto no Congresso para ajudar o Planalto, numa referência ao brigadeiro Cleonilson Nicácio, presidente da estatal, que decidiu reduzir os cargos de indicação política. Romero Jucá evitou ataques diretos ao presidente da Infraero, mas não escondeu seu descontentamento.

- Bom cabrito não berra. Agora, é um absurdo que o governo passe a criminalizar cargo de indicação política. Mas não vou bater boca com o presidente da Infraero. Agora, está claro que é no mínimo uma deselegância - desabafou Jucá.

O governo Lula já teve problemas em votações da semana passada, quando o novo estatuto da Infraero e as demissões ainda eram tratados discretamente. No Senado, sem que Jucá fizesse nada para impedir - como costuma fazer com veemência na defesa do governo - a medida provisória 449, que instituiu o perdão de dívidas tributárias e autorizou o parcelamento de débitos de empresas, foi desfigurada com a incorporação de 19 emendas.

Na Câmara, o PMDB uniu-se ao DEM e impôs uma derrota ao governo na votação de destaques da MP 457, sobre a renegociação da dívida previdenciária dos municípios, ampliando o alívio financeiro aos prefeitos.

- O que há de mau nas indicações políticas? Fica parecendo que essas indicações não são éticas. Isso cria constrangimento na base - ponderou Henrique Alves, antes de ir para um encontro com Lula.

"O compromisso do PMDB é até 2010"

Henrique Alves lembrou que Lula tenta assegurar uma aliança para 2010 em torno da ministra Dilma. Na semana passada, em conversa com os presidentes da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), Lula ouviu que, se a convenção do PMDB fosse hoje, o partido aprovaria apoio ao governador de São Paulo, José Serra, do PSDB.

- O compromisso do PMDB é até 2010, para garantir a governabilidade. Agora, o presidente Lula acha que é fundamental o PMDB no palanque de Dilma - disse o líder Henrique Alves.

Ao mesmo tempo, ontem, crescia nos bastidores a tese peemedebista de que o presidente deveria nomear José Múcio para a vaga de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).
Líderes do partido tentam convencer Lula de que Múcio é melhor nome para o posto do que a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, braço direito de Dilma Rousseff e que foi acusada de envolvimento na divulgação de gastos dos cartões corporativos do governo Fernando Henrique.

À noite, após quase duas horas de reunião de Lula com o PMDB, o clima era de pacificação. Segundo Jucá, o presidente evitou falar abertamente sobre o caso da Infraero, mas deixou clara a importância do PMDB para a aliança em 2010. Sobre o fato de Nélson Jobim também ter ido ao gabinete presidencial, mais tarde, Jucá disse:

- Foi uma coincidência. Nós nos cumprimentamos.

Estado e mercado

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A atual crise, quando receber atenção dos historiadores no futuro, deverá ser chamada de "A Grande Crise Financeira do Início do Século XXI" e deverá representar o fim de uma época histórica, pelas rupturas e mudanças que causará na configuração das economias nacionais. Entre as relações estruturantes que sofrerão mudanças, e marcarão a primeira metade do século, deverá estar a relação do Estado com o mercado. O período que antecede a crise foi de liberalização da economia com a desregulação e o retraimento dos órgãos de controle estatais, particularmente nos mercados financeiros. Como aconteceu depois da crise de 30, os próximos anos deverão ser de retorno do Estado, mas não sem idas e vidas até que a própria crise estabeleça a configuração final.

A rigor, ao longo da história, temos assistido um processo cíclico em que períodos de dominância do Estado sobre o mercado são sucedidos por períodos em que o Estado se subordina à disciplina do mercado. É um processo essencialmente político e ideológico, e depende das forças da comunidade. Assim, o que muda, dependendo das circunstâncias históricas, é a articulação entre as três instâncias com forças estruturantes: Estado, mercado e comunidade.

Para fugir às posições doutrinárias e ideológicas, evitando entrar num debate de filosofia política sem fim, temos que lidar com a questão do Estado e mercado de forma pragmática: são as circunstâncias históricas que definem a forma de articulação destas três instâncias, e sua hierarquização que determina a configuração do sistema econômico e da própria sociedade humana. Assim, em certos períodos podemos ter a dominância do Estado sobre o mercado e a comunidade. Assim foi o pós-Segunda Guerra, quando o Estado e seu aparato regulatório e de controle foram gestado em consequência da Grande Crise de 30 e reforçado pela Guerra Fria, pelo avanço do comunismo e do bloco soviético, inimigo externo que levava a comunidade a aceitar a centralização do poder nas mãos do Estado.

O colapso do bloco soviético e o fim da Guerra Fria destruíram os pressupostos do Estado centralizador e regulador dos mercados. Com isso iniciamos o período liberalizante, inaugurado pelas reformas dos governos de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos EUA. Neste período, a desregulação dos mercados permitiu a introdução de inovações financeiras, ampliação de operações fora do balanço dos bancos e do controle estatal e o desenvolvimento de um "sistema bancário paralelo", que ampliaram o crédito de forma monumental, alavancando um longo ciclo de investimentos iniciado com a introdução da Tecnologia de Informação e um período de rápido crescimento da economia mundial. É essa expansão excessiva do crédito e da liquidez financeira que chega ao fim com a atual Grande Crise Financeira. Na nova configuração pós-Grande Crise Financeira, o Estado deverá novamente voltar à dominância, estruturando com novas instituições o mercado e construindo as bases para novo ciclo de expansão econômica que o governo Obama já anunciou.

Entretanto, é bom lembrar que esta transição deverá ser longa, pois ideologias e convicções políticas não se desfazem rapidamente, mesmo que a crise tenha uma grande função pedagógica. Quando a fase mais aguda da crise passar, e isso for indicado por uma desaceleração nas quedas do PIB e do emprego e sinais leves de recuperação em algum segmento da economia, as forças políticas conservadoras, que querem restabelecer o status quo anterior à crise, ganharão força. Elas bloquearão as próprias medidas anticíclicas do Estado que possibilitaram a estabilização momentânea. Surgirão alertas de que "o pior já passou e agora podemos ter a recuperação".

Mais do que isso, vão argumentar que são os problemas o déficit público e o aumento da dívida pública, ameaças para a inflação. No caso dos EUA, déficits públicos e dívida crescente representam crise do dólar enquanto moeda-reserva. Consequentemente, vão exigir medidas contracionistas tanto na área monetária como fiscal. É por isso que tanto na Grande Crise de 30, como na crise do Japão, na década de 90, quando se imaginava que a recuperação poderia ocorrer, a retração na política fiscal acabava aprofundando tanto a crise financeira como a recessão.

Assim, é importante ter cautela, pois os alertas de que "o pior já passou" e que a recuperação vai iniciar representam um grande risco de aprofundamento da crise e de aumento de sua duração. Este embate político prolongará a própria crise até que esta quebre as resistências conservadoras o suficiente para que o Estado possa reconfigurar o sistema financeiro e a economia, eliminando, de um lado, os conceitos, instituições e operações que desencadearam a crise, e de outro, permitindo que o Estado seja capaz de estabelecer e implantar nova estratégia de longo prazo de expansão da economia. Uma Grande Crise Financeira como a atual, com destruição da riqueza financeira, provoca mudanças na lógica do consumidor, que agora quer reduzir sua dívida, da mesma forma que as empresas passam a priorizar a recomposição do balanço e das perdas patrimoniais.

No desenrolar das grandes crises financeiras, a comunidade aumenta a sua poupança e reduz consumo e investimentos produtivos, com efeitos depressivos sobre a economia. A única força capaz de evitar isso é o Estado, com sua ação fiscal absorvendo esta poupança para reinjetá-la na economia sob forma de demanda efetiva para reanimar a atividade econômica. As medidas na área monetária já não surtem efeitos.

Hoje, todas as economias estão dependentes da ação do Estado para evitar o pior. O momento e o lugar onde "o pior já chegou e a crise se estabilizou" serão dados em função da ação do Estado. Numa crise da magnitude e poder destrutivo como a atual, gera-se um quadro de incerteza e queda na confiança tal que as forças que poderiam desencadear a recuperação da economia ficam dormentes. O mercado não as restabelece por si próprio. É o "espírito animal" dos empresários a que aludia Keynes, ou a compulsão a acumular e ter lucros dos capitalistas a que se referia Marx, que precisam ser revitalizados. Em seu lugar, na crise, prevalece o instinto de sobrevivência. Só a força da comunidade, por meio do Estado, reestruturando os mercados, pode revitalizar a economia.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Rendimento da poupança pode ser atrelado à Selic

Fabio Graner e Tânia Monteiro
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Área técnica do governo estuda atrelar rendimento das cadernetas a 65% da taxa básica de juros

Técnicos da área econômica que estudam a nova forma de remuneração das cadernetas de poupança querem propor uma regra pela qual o rendimento corresponderá a cerca de 65% da taxa de juros básica (Selic). O número não está fechado, mas a fórmula de atrelar a poupança ao juro básico é a que encontra mais apoiadores na área técnica da equipe econômica.

Essa proposta dos 65% é apontada pelos técnicos como uma solução favorável aos poupadores porque, historicamente, os ganhos da poupança se mantiveram abaixo desse patamar. Ao mesmo tempo, a solução elimina o problema de a economia ter na caderneta um piso de taxa de juros.

O debate sobre as mudanças na poupança enfrenta, porém, um dilema técnico e político. Por um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já decidiu proteger o pequeno poupador. Essa linha de atuação foi reiterada ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

"Posso garantir aos poupadores que fiquem absolutamente tranquilos, que o governo cuida da poupança dos pequenos poupadores. Não vai haver mudança que implique qualquer perda dos pequenos poupadores que são 95% dos que investem em poupança. Eles continuarão tendo a rentabilidade necessária e a garantia total", afirmou o ministro. Ele acrescentou que não há prazo para a definição das novas regras de correção da poupança.

Por outro lado, existe o entendimento técnico que, em uma economia madura, não pode haver um limite mínimo de taxa de juros, que hoje é de 6% ao ano e que se refere exatamente ao rendimento mínimo definido em lei para a poupança. Sem essa modificação no rendimento da caderneta, o Banco Central tem ação limitada para dar um tombo na Selic e na taxa de juro real (descontada a inflação), ainda uma das mais altas do mundo. Por causa da crise, muitos países passaram a praticar taxas de juros próximas de zero.

Atualmente, o ganho das cadernetas já supera o de alguns fundos compostos por títulos públicos, principalmente porque a poupança é isenta de Imposto de Renda e as outras aplicações não. Técnicos temem que, se houver concentração de investimentos na caderneta, o governo tenha dificuldade em rolar sua dívida em títulos.

Em busca de um entendimento com a área política, os técnicos estudam também a criação de faixas de rendimento, privilegiando os poupadores de menor porte. Entre as alternativas estudadas estão tributação por faixa de valores; criação de outras barreiras às aplicações de maior valor; e limitação de depósitos em poupança, com o objetivo de evitar uma migração maciça de recursos dos fundos de investimentos para a caderneta.

Governo teme impacto político

Fabio Graner
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Qualquer que seja a solução para administrar o desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de proteger os pequenos poupadores e, ao mesmo tempo, ancorar as aplicações financeiras sem desorganizar o perfil dos investidores há, ainda, o desafio da comunicação: adotar uma regra de fácil compreensão pela população. As recentes campanhas do partido oposicionista PPS, acusando o governo de armar um confisco à poupança do trabalhador adicionaram estresse político ao processo. O governo ficou furioso com a publicidade dada à versão do confisco, que já foi adotado no País pelo ex-presidente Fernando Collor, em 1990. Atualmente, o governo está monitorando o impacto da mensagem.

O timing para a adoção das novas regras é outra questão considerada. Pelos cálculos da equipe econômica, com a Selic em 10,25% , o problema da migração para a caderneta ainda é contornável. A pressão será maior com uma Selic de 9,5%.

Poupança fica mais atrativa que fundos

Marcelo Rehder
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com queda da Selic, parte dos fundos de renda fixa passa a render menos

A redução da taxa básica de juros (Selic), de 11,25% para 10,25% ao ano, tornou a caderneta de poupança mais rentável que fundos de renda fixa com taxa de administração superior a 1,40%. Isso considerando que o investidor vá deixar seu dinheiro aplicado dois anos no fundo, aproveitando o Imposto de Renda (IR) menor, de 15%.

"A poupança ficou mais atraente que a maioria dos fundos de renda fixa, cujas taxas de administração podem chegar a 4,5% ao ano", diz o professor William Eid Jr., coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que analisou o efeito da redução da Selic no rendimento das duas aplicações.

Segundo ele, o rendimento da poupança deve ficar em torno de 7,5% ao ano. Nos fundos de renda fixa, que compram títulos públicos atrelados à Selic, a taxa de administração varia de 0,40% a 4,5% ao ano, conforme a instituição e o valor da aplicação. Considerando ainda a cobrança do IR (de 15% a 22,5%, de acordo com o período de aplicação), para a maioria dos pequenos aplicadores (mínimo de R$ 100,00 a R$ 200,00) o rendimento líquido agora deverá ficar abaixo da poupança, que paga 6% ao ano mais Taxa de Referência (TR), e é isenta de IR.

Para ganhar da poupança, agora será preciso investir em fundos com taxa de administração igual ou menor que 1,4%, e por dois anos. No entanto, esses títulos estão disponíveis para investidores com mais recursos.

Para o professor Eid Jr., o governo tem motivos para mudar a forma de remuneração da poupança. Se houver uma migração de recursos dos fundos para a poupança, o governo não teria onde se financiar, pois os grandes compradores de títulos da dívida são os fundos, que detém cerca de R$ 950 bilhões nesses papéis. Por outro lado, frisa o professor, os bancos deixariam de ganhar muito dinheiro. Hoje, a receita global de taxa de administração de fundos chega a R$ 15 bilhões, algo como um terço do lucro dos bancos.

A cama e a fama da Febraban

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Associação faz pesquisa sobre imagem de bancos; crítica de "mitos" sobre o seu negócio, divulga escassa informação

A FEBRABAN está preocupada com a imagem. A associação dos bancos encomendou uma pesquisa com "formadores de opinião". Fazem perguntas engraçadas como "o que você acha da atuação da Febraban pelo interesse do país?" ou de suas "ações de responsabilidade social e ambiental", por aí.

A banca anda tiririca com a queixa contínua sobre "spreads" etc. Atribui ao governo e a Henrique Meirelles, presidente do BC, a responsabilidade pela deflagração da "campanha" e pela má fama mais recente.

Nos dois meses seguintes à explosão da crise, em setembro de 2008, o povo dos bancos dizia (ou ao menos conta que dizia) ao pessoal do Banco Central que a lerdeza do BC no relaxamento do crédito contribuía para o tumulto. Passado o terror, banqueiros contam que não foi nada improvável a quebra de um banco menor naquele trimestre final de 2008.

Tal azedume entre as partes, ex-pares e futuros pares, ficou público em janeiro, quando Marcio Cypriano, do Bradesco, pediu corte emergencial de juros em reunião de empresários e governo.

Meirelles rebateu que o problema não era a Selic, mas o "spread" bancário. Desde então, fala-se um tanto menos de Selic. Esperto, Meirelles passou o "problema de imagem" para a banca.

No domingo, em entrevista a esta Folha, Fabio Barbosa, presidente da Febraban, tentou outra vez desfazer o que chama de mitos sobre a atividade bancária, de fato objeto de vários disparates populistas.

Barbosa diz que o crédito dos bancos privados cresceu na crise, "em termos nominais". Bem, desde setembro, cresceu 2% (em termos reais, caiu). Nos públicos, cresceu 18%. Mais divertido, diz que, "principalmente em setores mais sensíveis a preços", uma redução de juros nos bancos estatais faria a banca privada se mexer. A expressão divertida é: "mais sensíveis a preços". A gente imagina então que parte dos negócios dos bancos não é sensível a preços, a idas e vindas do mercado. Bancos fixariam os preços (juros) e pronto. Quando isso ocorre em outros mercados, a gente suspeita de oligopólio.

A Febraban se queixa de que os dados sobre "spread" (divulgados pelo BC) são limitados e mal-entendidos. De fato, o número do BC é uma média. Esse valor absoluto pouco diz sobre a situação dos vários mercados de empréstimos. Serve mais para indicar se o "spread" subiu ou caiu, muito ou pouco. Mas a Febraban contesta o dado com um estudo que também trata de valores absolutos, misturando de resto maçãs com jacas, pois enfia na conta os "spreads" de juros regulados. Faz uma contrapropaganda tão frágil como aquilo que critica.

Barbosa repele outra vez a ideia de que bancos ganham dinheiro com a Selic alta: o dinheiro que os bancos captam custaria 2% mais que a Selic (se investirem só em juros da Selic, perdem dinheiro, óbvio, embora vários papéis do governo paguem mais que Selic). Mas esse custo é o de uma média de bancos? Uma das médias criticadas pela Febraban (como a do "spread")?

Das associações empresariais grandes, a Febraban é a mais pobre e enviesada no quesito produção e divulgação de informações. "Contribuiria para o país" se fornecesse mais números para o debate.

Hoje se improvisa

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Foi-se o tempo em que se dizia "o Itamaraty não improvisa". Hoje, tudo acontece. Presidente não é avisado do lado de quem vai se sentar, o país se omite na condenação a um genocida, demora a reagir ao discurso do presidente iraniano e o convida a visitar o Brasil em momento tão errado que ele mesmo cancela. O ministro da Energia admite que vai ceder ao Paraguai, o da Fazenda ofende a Espanha.

O presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad cancelou a visita. Ufa! Menos constrangimentos a todos. O Brasil tem negócios com o Irã e quer mantê-los, mas montar escada para o proselitismo dele é que não pode fazer. A atual fase da diplomacia confunde as coisas, como na visita do presidente Lula à Líbia, em que ele elogiou a "democracia" de Muamar Kadafi.

A diplomacia brasileira tem sido palco de trapalhadas seriais. A pior delas, que parece anedota, é a de o presidente Lula ter descoberto que se sentaria ao lado do presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de genocídio, crimes de guerra e contra a Humanidade. O Brasil já tinha feito um papelão no Tribunal Penal Internacional ao se omitir na condenação e na ordem de prisão emitida contra ele pelo TPI. Bashir é acusado de ser o responsável pela morte de 200 mil a 400 mil pessoas na guerra étnica de Darfur.

Logo depois, houve a reunião árabe com os países do Mercosul. A diplomacia árabe tentou arrancar um sinal positivo em favor do presidente do Sudão. Nada é por acaso em diplomacia, nada é sem significado: a distribuição de pessoas à mesa de um jantar oficial, por exemplo. A regra mais elementar do protocolo de qualquer chancelaria é verificar onde o presidente vai se sentar num jantar oficial. Trata-se de evitar constrangimentos, sinais de desprestígio ou prepará-lo para os temas que interessem ao comensal do lado.

Os árabes foram profissionais, o Brasil mostrou um desleixo inacreditável e o presidente Lula teve que resolver ele mesmo o problema, da pior forma: levantar-se e sair do jantar para não ficar ao lado de um delinquente político. Mas aí vem o preço da ambiguidade: se o Brasil não quis condená-lo no Tribunal Penal Internacional, por que então o presidente não pode tê-lo na cadeira ao lado? Uma trapalhada de quinta, num país que sempre teve tradição de ter uma diplomacia de precisão.

Está entre as funções clássicas do Itamaraty evitar as trapalhadas dos outros ministros através de providência simples, como: informar o chefe da delegação brasileira de qualquer assunto delicado, e destacar secretários ou conselheiros para acompanhar esses ministros e socorrê-los em determinados temas.

Pelo visto, não houve socorro a tempo para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que provocou uma gafe e um fiasco na última reunião do FMI. A gafe foi com a Espanha, com quem o Brasil tem comércio e relações políticas intensas. Mantega disse que o G-20 não deveria ter mais nenhum integrante, e isso quando a Espanha estava tentando entrar no grupo. Em seguida, veio o fiasco: ele pediu a volta de Cuba ao FMI. Mas Cuba saiu do Fundo porque quis.

A reação ao discurso do presidente Mahmoud Ahmadinejad contra Israel foi imediata. Os árabes aplaudiram, um número grande de países repudiou. O Brasil nada fez na hora e só três dias depois soltou uma nota repudiando o discurso.

A ambiguidade paralisante da política externa em relação ao assunto tem razão de ser. Em entrevista concedida à revista "Piauí", Marco Aurélio Garcia, um dos ministros das relações exteriores que o Brasil tem, foi claro sobre Israel: "Temos de parar com essa diplomacia de punhos de renda. Os judeus têm o hábito de achar que qualquer crítica é uma manifestação contra a existência de Israel. Se um cara entra aqui e detona uma bomba e mata dez pessoas, é terrorista, mas quando Israel bombardeia duas escolas da ONU e mata crianças não é terrorista?". Depois de dizer que o governo de Israel apoiou o apartheid, a ditadura de Somoza e a de Salazar, terminou afirmando: "Não me venham (os israelenses) agora bancar os bacanas para o meu lado."

Garcia pode até ter razão em alguns pontos, mas é contraditório, porque o Brasil nada tem a opor a outras ditaduras, como a chinesa, a saudita, a cubana. Além disso, é um linguajar inapropriado. Ele é, neste momento, uma das vozes da diplomacia brasileira. E esse é um dos piores lados da diplomacia do governo Lula. O Itamaraty, sob Celso Amorim, aceitou o inaceitável: dividir o comando da diplomacia. Aí, virou terra de ninguém, ou de todo mundo.

Terra dos amadores, por exemplo, como o ministro Edison Lobão, que antes de iniciar uma negociação com o Paraguai, e sabedor de que o presidente Fernando Lugo, em suas peripécias sexuais, precisa desesperadamente se fortalecer, já começa a conversa dizendo em que pode ceder. Evidentemente, Lugo respondeu que não é o suficiente, e quer mais. Crescer para cima do Brasil é sua única saída. Quem viu a sutileza, a firmeza e o profissionalismo com que foi negociado o Acordo de Itaipu, pela equipe do então chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, tem uma desagradável sensação de retrocesso.

Poupança: saiba porque o governo vai mexer

Giovanni Sandes
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Queda da taxa Selic tornou a caderneta mais rentável que muitos fundos de investimento. Temendo a migração dos grandes investidores, governo já anunciou que prepara mudanças

Em outubro de 2006, a Caixa Econômica Federal (CEF) lançava a campanha publicitária Os Poupançudos, com alegres personagens que estimularam, nos meses seguintes, uma captação bilionária de recursos na caderneta de poupança do banco, numa época em que sua rentabilidade não era nada atrativa. Hoje, dois anos e meio depois, a poupança já não é o patinho feio. Está à frente de muitos fundos de renda fixa, que financiam a dívida pública ao comprar títulos do governo. Com medo de uma migração em massa para a velha caderneta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já admitiu querer mudar as regras da mais popular aplicação dos brasileiros.

A poupança tem um rendimento mínimo garantido por lei, que é de 6% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). A caderneta ainda é isenta do imposto de renda (IR). Historicamente, lembra o consultor Márcio Borba, da Borba Consultoria e Projetos, sempre perdeu para outras opções de investimento. No entanto, desde que a crise internacional começou a apertar, o Brasil passou a reduzir gradativamente a taxa de juros básica da economia, a Selic, que é o balizador da remuneração dos títulos públicos. Quando chegou a 10,25%, na última queda, fez muitos fundos de renda fixa passarem a render menos do que a caderneta.

Segundo um estudo do vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), José Dutra Vieira Sobrinho, apenas os fundos com uma taxa de administração de até 1%, batem atualmente a rentabilidade da poupança – hoje em mais de 0,5% ao mês. Há fundos com taxas de administração que chegam a 4%. Caso a Selic caia até 9,75%, aponta o estudo de José Dutra, apenas o fundos que cobram taxas de 0,5% seriam mais rentáveis do que a poupança.

“O que existe é que o governo sempre incentivou a poupança popular, através da caderneta, que tinha rendimento menor. No momento em que a situação se inverte, com a queda da Selic, no meu entendimento o governo trai o poupador ao querer mexer nas regras da poupança”, diz Márcio Borba. No último dia 20, em viagem a Trinidad e Tobago, Lula afirmou que uma opção seria diferenciar o poupador daquele que usa a caderneta como investimento. Segundo o presidente, 93% dos poupadores têm até R$ 5 mil em suas contas.

Professor da Faculdade Boa Viagem e especialista em finanças, Roberto Ferreira diz que o governo está numa situação difícil, pois tem que manter os títulos públicos atrativos e, por outro lado, lidar com uma questão que é delicada politicamente. “Uma das saídas, e o governo tem estatísticas sobre isso, através do Banco Central, é criar um limite, por exemplo, de R$ 5 mil para a isenção do IR. Acima disso, haveria incidência do imposto. Uma outra possibilidade seria criar várias faixas de incidência de IR”, avalia Ferreira.

“O problema é que, dependendo do que mexer, não haverá migração da poupança para os fundos, que têm exigem capital mínimo, regras para entrar e para sair. Todo esse mecanismo é complexo para a dona Maria e seu José. O governo não vai mexer na taxa de administração dos fundos de renda fixa, que é uma das mais altas do mundo, mas vai mexer na poupança, que é onde vai ficar a população, amargando o prejuízo”, critica Márcio Borba.

Kafka e Beckett previram o futuro

Arnaldo Jabor
DEU EM O GLOBO / SEGUNDO CADERNO


A ideia de “totalidade” que animou a “razão humana” por milênios acaba de falecer. Acabou de morrer com o socialismo fracassado. O homem pensa como um organismo, deseja que a vida seja um corpo funcional como o nosso. Tudo aspirava a ser “um”. Toda razão sempre aspirou à totalidade.

Agora só há fragmentos. Os pensadores ainda fingem gostar do fragmentário, do caótico, do incontrolável. Mentira. Cada fragmento se reerige em totalidade. De onde falamos, quando pedimos o Bem? Falamos de uma “harmonia perdida”, como se ela fosse ainda possível, ou tivesse algum dia existido.

Só a ficção previu a ilógica do mundo atual. Kafka e Beckett previram o mundo de hoje muito mais claramente que os cientistas políticos. Disseram para Brecht: “Kafka foi o primeiro autor bolchevista”. Brecht observou: “E eu sou o último escritor católico”.

Por que praticar o Bem se ele não é mais possível? O Mal virou uma necessidade social. Não dá mais para viver sem praticar o Mal. Não dá para estragar a nossa felicidade cada vez que olhamos para crianças famintas. O Mal é um mecanismo de defesa. O Mal é sempre o ‘outro’. Nunca somos ‘nós’. Hitler nos absolveu a todos. Stálin nos fez santos.

Achamos que a “tarefa democrática” seria um subproduto do capitalismo, como se ele almejasse a diferença, a contemplação das diversidades. Doce ilusão achar que o capitalismo almeja o heterogêneo. Vejam a obviedade da crise financeira, gerada pelos velhos vícios da voracidade e do egoísmo. Sempre houve um grande “auê” com as injustiças da ditadura. Mas, e o Mal dos democratas? Estamos na era do erro inextricável. Do crime “sem criminosos”.

Nem Bem nem Mal. São as coisas que estão controlando os homens. É o CO2 que controla os governos e não o contrário. As coisas tomaram o poder. Cito Heiner Muller: “A máquina odeia o homem, pois para todo sistema de ordem ele apresenta um fator de perturbação. O homem faz sujeiras, não funciona direito. Logo, é preciso que ele se vá, o capitalismo deseja a perfeição do sistema estrutural da máquina”.

Os fiascos de hoje são defeitos de fabricação. Ou o lixo que o lixo do capitalismo gera. A gripe suína nasce de onde? Deste grande pesadelo poluído e sem controle. No Brasil, muitas catástrofes são “fora do lugar”. A evolução técnica convive com o ambiente de miséria e dá no “malfunctioning”. Explodem pela soma de novas tecnologias com o excesso de atraso: traficantes no morro com supermetralhadoras. Todos sabíamos que a bolha poderia explodir. Explodiu. Esse malogro traz uma nova era? Terrível ou não, alguma verdade vem aí. Que nova verdade será essa? A prudência, a parcimônia?

Nossa catástrofe maior é a impotência política. Há também o naufrágio da insensibilidade crescente diante do horror. Os fatos estão além da piedade. Há o tédio crescente pela catástrofe, quando a alma vira uma grande pele de rinoceronte.

Mas, há ainda um grande amor brasileiro pelo fracasso, pela falência de propósitos. Quando o fracasso acontece, é um alívio. A fracasso é bom porque nos tira a ansiedade da luta. Já perdemos, para que lutar?

O Mal do Brasil não está no assassino serial, está nos pequenos psicopatas que nos roem a vida. O Mal do Brasil não está na infinda crueza da burguesia nordestina (pior que a do Sul e Sudeste), está muito mais no seu riso, na sua cordialidade. O Mal não está na máfia das passagens aéreas no Congresso, nas roubalheiras, mas nos simpáticos jaquetões dos nossos parlamentares, em suas gargalhadas soltas.

Ao denunciar o Mal, vivemos dele. Vivemos da denúncia e com ela lucramos. Eu lucro sendo um cara “legal” que denuncia o Mal e, assim, escapo da fome, comendo a comida de quem lamento.

Como quase nada acontece no Brasil, a não ser o desatino, o erro da tentativa, o tiro pela culatra, a incompetência arrogante, quando um desastre ou escândalo acontecem, a plateia fica calma. Nossa vida fica mais real e podemos então, aliviados, botar a culpa em alguém.

E dizemos: “Viram? Nada dá certo aqui. A culpa é deles…” Eles quem? Há uma tradição de que nossa vida é um conto-do-vigário em que caímos. Somos sempre vítimas de alguém. Nunca somos nós mesmos. Ninguém se sente vigarista. Há os fiascos em preparação, como as reformas do Estado que o Congresso não deixa fazer, há as catástrofes da lentidão dos processos jurídicos, há os eternos denunciadores do fim, fotógrafos, escritores, jornalistas (eu?), gente que denuncia o mal do mundo para o mundo, denúncias que são um pleonasmo maldito para nada.

A vitória é burguesa. “Seja marginal, seja herói”. O fracasso é legal, a vitória é careta. A vitória dá culpa, o fracasso é um alívio.

A crise, a catástrofe, o bode-preto têm um sabor de “revolução”. É como se a explosão “revelasse” algo, uma tempestade de merda purificadora. Além disso, para os carbonários, depois de tudo arrasado, a pureza renasceria do zero.

O Brasil é visto como um grande “bode” sem solução – paraíso da esquerda pessimista, dos militantes imaginários. Quem quiser positividade é traidor. A Academia cultiva o “insolúvel” como uma flor. Quanto mais improvável um objetivo, mais “nobre” continuar tentando. O masoquista se obstina com fé no impossível.

A falência nos enobrece. O culto português à impossibilidade é famoso. Numa sociedade patrimonialista como Portugal do século 16, onde só o Estado-Rei valia, a sociedade era uma massa sem vida. Suas derrotas eram vistas com bons olhos, pois legitimavam a dependência ao Rei. Fomos educados para a desgraça. Até hoje somos assim, só nos resta xingar e desejar o mal do País.

Vejam como o Brasil se animou com a crise atual. Assim como o atraso sempre foi uma escolha consciente no século 19, o abismo para nós é um desejo secreto. Há a esperança de que no fundo do caos surja uma solução divina.

“Qual a solução para o Brasil ?”, perguntamos. Mas, a própria idéia de “solução” é um culto ao fracasso. Não nos ocorre que a vida seja um processo, vicioso ou virtuoso, e que só a morte é solução. Para o Bem ou para o Mal.

Me dá a penúltima

João Bosco e Aldir Blanc
Vale a pena ver o vídeo

Clique o link abaixo
http://www.youtube.com/watch?v=qM09qTwmaJ4

Quem precisa do Leblon?

Ricardo Schott
DEU NO JORNAL DO BRASIL / CADERNO B

O diretor Vinicius Reis, brincando, diz que seu filme, Praça Saens Peña, representa uma espécie de anti-Manoel Carlos. É uma piada que ele faz para mostrar que sua produção lida com um universo bastante diferente daquele que o brasileiro está acostumado a observar nas novelas globais. O longa foi o título mais premiado na 13º edição do Festival Audiovisual do Recife (Cine PE), encerrada no domingo – com estatuetas para melhor Direção, Ator e Atriz (para o casal de protagonistas Chico Diaz e Maria Padilha), Atriz coadjuvante (Isabela Meireles) e até o Prêmio Especial da Crítica.

– O filme só tem uma escapada para o Leblon das novelas do Manoel Carlos – diz Reis. – É quando a Teresa, personagem da Maria Padilha, vai tomar uma água de coco na praia à noite. E ainda comenta que acha a praia da Barra da Tijuca muito mais limpa.

Reis, um paulista criado na Tijuca, usou o apartamento em que a avó viveu para criar a moradia dos protagonistas.

– O subtexto do filme é: "Para que irmos à Zona Sul se a gente tem tudo aqui?". Pensei no casal do filme como pessoas do subúrbio que se mudam para a Tijuca, que é como uma Ipanema para eles. É um filme que mostra uma classe média de verdade, para quem uma quantidade pequena de dinheiro faz a diferença.

No vermelho, mas felizes

Praça Saens Peña é ambientado em lugares como a Rua General Roca – onde moram os protagonistas Teresa e Paulo (Chico Diaz), com a filha adolescente Bel (Isabela). Sua história é cotidiana: a de uma família de classe média que luta para viver com um orçamento apertado e cujas ambições entram em choque assim que Paulo, professor de história, é convidado para escrever um livro sobre a história da Tijuca. É nessa hora que, mesmo sendo uma ficção, o filme ganha aspectos documentais graças à presença de personalidades como o poeta Aldir Blanc – que interpreta a si mesmo, sendo entrevistado por Diaz para o livro. Uma crônica carioca (filmada com um orçamento tão apertado quanto o do casal do filme, R$ 800 mil), que Reis acredita ser de fácil identificação.

– Mesmo lá no Recife reparei que o recorte da classe média tocou muita gente. O filme fala da pessoa que fica no vermelho, que faz planilha de gastos, sonha com a casa própria. Mas sem infelicidade – afirma Reis, alegre por ter conseguido os prêmios ainda que Praça Saens Peña fosse prejudicado por falhas na projeção.

– Muita gente disse que teve dificuldades para ver, mas pegou a história. Foi um grave problema, porque o digital ainda é um formato a ser estudado e existem vários tipos de projeção.
Tanto Maria Padilha como Chico Diaz afirmam que um grande diferencial do filme é lidar com a existência do subúrbio do Rio, mas de uma maneira fora dos padrões. Os atores foram importantíssimos para que Praça Saens Peña existisse. Amigos de Reis, ex-ator formado pelo Tablado que se aventurou pelo cinema e dirigira o documentário A cobra fumou (2002, sobre a Segunda Guerra Mundial), sugeriram a ele que partisse para o cinema de ficção.

– Quando Reis me falou que era um filme sobre a Zona Norte, cheguei a pegar os personagens do Nelson Rodrigues para estudar. Mas depois vi que não tinha nada a ver – afirma Maria, conhecida pelas personagens de classe alta que faz em novelas. – Há situações complexas no filme, mas elas se desenvolvem sem grandes tragédias. Não dá para falar de Rio sem falar de violência, mas, ao mesmo tempo, muita gente vive sem ela.

Num tempo em que filmes como Cidade de Deus e Tropa de elite criam grandes épicos sobre problemas urbanos – que são determinantes para as vidas das personagens – Chico Diaz repara no aspecto acima de tudo cotidiano de Praça Saens Peña.

– A função reflexiva existe muito no cinema argentino. Eles sempre olham para si próprios. Nós também podemos fazer isso, reparar no cotidiano da velha esquina, do nosso irmão – explica ele, que passou a frequentar lugares na Tijuca para os quais os personagens iriam. – Eu antes conhecia apenas o Maracanã.

Foi importante conhecer o bairro, até pela reavaliação de sua história.

Documentário sobre Chacrinha vence 13º Cine PE

DEU O ESTADO DE S. PAULO

SÃO PAULO - Pelo menos um dos concorrentes levantou a galera de um Cine Teatro Guararapes lotado, com cerca de 3 mil pessoas na plateia, na sexta-feira. Foi Alô, Alô, Terezinha, documentário de Nelson Hoineff sobre Abelardo Chacrinha Barbosa, eleito melhor filme do 13º Cine PE - Festival Audiovisual do Recife, que terminou domingo à noite. Vinícius Reis foi o melhor diretor, por Praça Saens Peña, filme que premiou também o casal de atores Chico Diaz e Maria Padilha.

Sucesso de público, mas sujeito a polêmicas, Alô, Alô, Terezinha foi bastante discutido na entrevista coletiva. Hoineff usa muitas cenas dos programas de TV de Chacrinha, mas as intercala com entrevistas atuais de antigos participantes, em especial as chacretes. Elas são vistas nas gravações, no auge da forma e, agora, em sua, digamos assim, gloriosa maturidade. Algumas chacretes não se furtam ao desafio de vestir os antigos trajes que, sumários, se acomodam mal aos corpos atuais. Dão declarações que parecem polêmicas e contraditórias. Algumas dizem que faziam ?programas? para complementar a renda, outras afirmam que nada disso existia.

O documentário foi acusado, assim, de promover uma visão preconceituosa e machista em relação às mulheres. Visão que predominava na época de Chacrinha e no ambiente do seu show, mas que não tem mais razão de ser no mundo de hoje. "Todo mundo via as chacretes apenas como um bando de mulheres gostosas. No filme, eu as individualizo, aparecem como personagens complexas", defende-se Hoineff.

A defesa mais geral seria que "se trata de um filme sobre Chacrinha, ou seja, sobre um humor debochado", diz o diretor. O documentário, de fato, é vibrante e, incorpora, em sua linguagem, aquele caos calculado do animador. Não é tanto sobre Chacrinha: usa Chacrinha como linguagem. E, portanto, não tem papas na língua e pode se permitir a tudo. Ou quase tudo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1320&portal=