O metrô de São Paulo foi inaugurado no mesmo ano em que o MDB deu um susto na ditadura. Naquele 1974 o partido quadruplicou a bancada no Senado, dobrou a da Câmara e dominou seis Assembleias Legislativas, aumentando seu poder de fogo na eleição indireta dos respectivos governadores, entre os quais o de São Paulo.
Para não entregar os maiores Estados à oposição veio o Pacote de Abril que acresceu senadores biônicos ao colégio eleitoral formado por Assembleia, Câmara e Senado. Com isso garantiu que a escolha de governadores fosse controlada pela Arena.
Na queda de braço travada com a ditadura militar pelo retorno das eleições diretas para os governos estaduais em 1982, o MDB se aproximaria de lideranças empresariais insatisfeitas com a canoa furada do milagre econômico.
Entre esses empresários estavam os comandantes dos principais grupos envolvidos no primeiro metrô do país, como a Villares, de família homônima, e a Cobrasma, dos Vidigal.
Uma das demandas desses empresários, que viria a ser encampadas pelo MDB, era uma maior proteção à indústria tupiniquim frente ao capital externo, convocado quando a ditadura começou a fazer água.
Quando a primeira linha do metrô de São Paulo foi inaugurada a empresa ainda era comandada pela prefeitura da capital, passando ao controle do Estado apenas em 1979, três anos antes de o PMDB chegar ao Palácio dos Bandeirantes.
Ao longo das últimas três décadas, os pemedebistas e seu primogênito, o PSDB, se revezaram no comando do Estado com fissuras e dissidências que se proliferaram com mais rapidez que os ramais do metrô.
Como o quilômetro de metrô pode custar até 100 vezes o de uma rodovia federal, investimento que, por décadas, foi o único que a subsistir na rubrica de transportes da União, os orçamentos da secretaria paulista rivalizavam com os ministeriais.
Condomínio de poder tem mais fissuras que os ramais do metrô
Nas três décadas desde que o PMDB se instalou no Morumbi o investimento no transporte metropolitano em São Paulo passou de um condomínio monopolista de indústrias nacionais, capitaneado por Mafersa e Cobrasma e subcontratadas como a Hidrobrasileira, para uma estrutura igualmente cartelizada de multinacionais que envolve as gigantes do setor, como Siemens, Alstom, CAF, Bombardier e Mitsui.
Foi na transição desses dois modelos de desenvolvimento, cujo laboratório mais rico foi São Paulo, que o PSDB, nos anos 1990, gestou seus planos de permanecer vinte anos no Planalto.
Foi mais ou menos isso que tentou explicar Claudio Senna Frederico, o ex-secretário de Transportes de Mário Covas quando disse não se lembrar de licitações competitivas no setor.
Engenheiro de produção, que frequenta hospitais do SUS e, aos 70 anos, ainda trabalha pagar suas contas, Frederico foi o único, de uma sucessão de secretários de transportes de governos tucanos, a dar a cara a bater desde que vieram à tona as denúncias de conluio no cartel do metrô.
Quando Covas assumiu, São Paulo, comprometido pelo acordo da dívida, optou pelas concessões, como o resto do Brasil de Fernando Henrique Cardoso. Turbinadas pelos cofres do BNDES, a política de concessões, aos trancos, recuos e barrancos, seria continuada pelos governos petistas.
Por último inventaram as PPPs, parcerias de preço fechado que as teorias da moderna administração pública vendem como o melhor detergente para a perniciosa coleção de aditivos produzida pela gestão estatal de investimentos.
A linha amarela do metrô paulista, que liga o centro ao extremo da zona oeste, foi pioneira no gênero. Em janeiro de 2007, na estreia de José Serra como governador de Estado, contabilizou entre seus maiores feitos o desabamento que matou sete pessoas ao lado da sede da editora Abril. Treze pessoas do metrô e do consórcio que toca a PPP foram denunciadas, mas continuam impunes.
Os transportes sempre foram um bom balcão de negócios para governos de todas as colorações. Basta ver quem os petistas instalaram no ministério. Primeiro o PL e, depois do mensalão, seu sucedâneo, o PR, ambos com notória especialização nos contratos da política.
Os legislativos costumam ser lenientes na fiscalização do setor. Não se faz CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo que não seja controlada pelo Palácio dos Bandeirantes, mas na Câmara dos Deputados, transportes tampouco são um tema de predileção da inquirição parlamentar.
Quarenta CPIs foram instaladas na Câmara nos últimos 15 anos. Nenhuma delas para investigar os transportes, pasta que congrega os maiores investimentos do país.
Restam a Controladoria-Geral e o Tribunal de Contas da União, este, sim, muito mais independente do que seu congênere paulista. Relatórios das duas instâncias fiscalizadoras mostraram que o aumento dos investimentos em rodovias e ferrovias no Brasil do PAC reproduz irregularidades ancestrais.
Já em São Paulo o tribunal de contas é casa de pelo menos três conselheiros que, indicados pelo consórcio PMDB/PSDB, tornaram-se alvos de investigação por enriquecimento ilícito em processos de suborno de empresas contratadas pelo governo do Estado, da bitola ao pedágio.
Dois deles já tiveram parte de suas contas bloqueadas, recorreram e continuam conselheiros. O terceiro chegou a ser afastado do cargo mas reconquistou-o semanas antes de ser aposentado com proventos integrais e patrimônio para sustentar dez gerações de desocupados.
Um ex-presidente de metrô arrolado em processo foi absolvido pela justiça paulista por falta de provas. Hoje é dono de fazenda leiteira e se orgulha de proveitosa ordenha, que o deixa na condição de único produtor milionário do Vale do Paraíba.
Esses intermediários ficaram mais ricos do que (quase) todos os governadores a que serviram. Só não ganharam mais do que a outra ponta. As denúncias que agora vêm à tona no Brasil são apenas a franja mais meridional de uma disputa globalizada. Acossados pelas cortes mundo afora por práticas corruptoras os grandes grupos do setor se arvoram em garantir seu naco de mercado no Brasil, um dos poucos cantos, em meio à crise econômica, onde têm conseguido arrancar contratos vantajosos.
Fonte: Valor Econômico