quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Merval Pereira - Não há intervenção

- O Globo

A triste coincidência da saída do coordenador da Operação Lava-Jato Deltan Dallagnol, provocada por problemas de saúde em sua família, e os embates políticos que ele vinha tendo com opositores políticos e no Judiciário deu mais uma vez motivos para teorias conspiratórias. Esta teria sido uma exigência do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para prorrogar o funcionamento da força-tarefa, que se encerraria no dia 10.

Essa ilação, no entanto, não resiste aos fatos. A subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, que integra o Conselho Superior do Ministério Público Federal, antecipou-se a Aras e concedeu uma liminar prorrogando por mais um ano a força-tarefa de Curitiba, logo depois do anúncio de Dallagnol de que teria que deixar o cargo de coordenador da força-tarefa.

A sub-procuradora enviou então a decisão para o próprio Augusto Aras, que não colocara na pauta do Conselho Superior, como ela pedira, a prorrogação. Se depender da opinião dos procuradores de Curitiba, e do próprio Deltan Dallagnol, nada mudará na Operação Lava-Jato com sua substituição pelo procurador Alessandro Oliveira.“Não aceitaríamos uma intervenção. Aconteceria uma debandada”, garante Dallagnol, que foi quem ligou para Alessandro para propor a troca de funções.

O procurador que coordenará a Operação Lava-Jato é considerado uma pessoa séria e capaz, com estilo negociador, que já conhece como funciona a força-tarefa em Curitiba, de onde é originário. Esse conhecimento da operação e dos demais membros que dela fazem parte é outro motivo para tranquilizar os procuradores que ficarão no posto mesmo com a saída de Dallagnol.

Míriam Leitão - O raio de abril e outras histórias

- O Globo

Antes de o raio cair em abril, o país já estava despencando. É o que ficou claro nos dados de ontem. No primeiro trimestre, o PIB encolheu 2,5% segundo dado revisto pelo IBGE. Isso é impressionante porque só na segunda quinzena de março o país começou a fechar as portas por causa da pandemia, e mesmo assim houve essa queda forte. Não podem ser só os 15 dias, a economia já vinha mal. Então o que o ministro Paulo Guedes disse ontem — “é o impacto de um raio que caiu em abril” — é verdade, mas há mais informações nos dados. O PIB caiu 9,7% no segundo trimestre, mas sem o auxílio emergencial o PIB poderia ter caído cinco pontos a mais, segundo cálculo da MB Associados. Há unanimidade de que o terceiro trimestre será de recuperação e haverá outra alta, mais leve, no quarto trimestre. Mesmo assim, a crise está longe do fim.

O dado divulgado ontem pelo IBGE é um desses acontecimentos que já nascem históricos. Sempre que olharmos para a série estatística haverá esse colapso do segundo trimestre de 2020 como uma cicatriz. Foi mais penoso pela maneira como o governo lidou com tudo, com o presidente criando conflitos, disparando ameaças às instituições, ofensas à imprensa e ataques aos governadores. Isso não está nos números, mas aumentou a infelicidade do Brasil.

Olhando para os índices é possível ver que há gradações no tombo. Dentro da indústria, o setor de construção caiu 5%, a indústria de transformação, 17%. Os serviços foram puxados para baixo pela queda do consumo das famílias. O agronegócio e o setor exportador tiveram números positivos. Um está ligado ao outro, e ambos ao dólar, que subiu muito, elevando a remuneração das vendas ao exterior. Nosso maior comprador foi a China, que apesar disso ouviu críticas disparadas pela política externa.

Luiz Carlos Azedo - Auxílio emergencial e recessão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Para a oposição, é melhor manter o auxilio de R$ 600 até o final do ano, com Bolsonaro contra, em vez de gastar em obras que miram apenas os aliados do presidente”

O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem a prorrogação do auxílio emergencial por mais quatro meses, no valor de R$ 300; metade do que estava sendo concedido nos últimos cinco meses. O valor é resultado das conversas entre o presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os líderes da base do governo. A medida provisória que renova o abono será examinada pelo Congresso e ainda pode sofrer modificações. A oposição pressiona para que seja mantido o valor de R$ 600. O próprio Bolsonaro gostaria que isso ocorresse, porque sua popularidade aumentou devido ao abono, mas o governo não tem recursos para isso. A dívida pública deve chegar a R$ 1 trilhão e projeta um déficit fiscal que deve perdurar por 13 anos.

Os beneficiados pelo auxílio, no total, receberão R$ 4,2 mil do governo federal. Muitos nunca viram tanto dinheiro. Esses recursos explicam em parte o bom desempenho da agricultura, único setor positivo do PIB deste segundo trimestre do ano, principalmente da cultura do arroz (7,3%), porque o café (18,2%) e a soja (5,9%), embora tenham também grande consumo interno, foram beneficiados principalmente pelas exportações. O abono ajudou a manter os níveis de consumo de alimentos pela população. O Brasil, porém, está vivendo a maior recessão de sua história, segundo o IBGE, com uma retração de 12,3% no segundo trimestre e de 12,7% na comparação com igual período do ano passado; o agronegócio foi o único setor, pelo lado da produção, a ter números positivos, de 0,4% e 1,2%, respectivamente. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O problema principal é a indústria parada. A queda de produção na indústria de transformação foi de 17,5%, na comparação com os primeiros três meses do ano, e 20% em relação ao mesmo período do ano passado. Os setores mais atingidos foram: automotivo, máquinas e equipamentos, transporte, metalurgia e têxtil. Na indústria têxtil, a queda foi 93%, o que aponta uma retração de 23% neste ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou a queda do PIB e voltou a defender a tese, inverossímil, de que haverá uma recuperação em V da economia no curto prazo, o que não coincide com a avaliação do mercado financeiro. Comparou os números do PIB à luz das estrelas, que viajam milhões de ano para chegar até nós. Segundo ele, os dados refletem o passado e não a situação real da economia. A narrativa pode convencer Bolsonaro; no mercado, quase ninguém acredita.

Bernardo Mello Franco - O capitão contra a vacina

- O Globo

O Capitão Corona está em busca de um novo inimigo. Depois de menosprezar a pandemia, sabotar as medidas de distanciamento e discursar contra o uso de máscaras, Jair Bolsonaro ensaia declarar guerra a uma vacina que ainda não existe.

Em conversa com seguidores, o presidente disse que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Ontem o Planalto promoveu a tolice a propaganda oficial. “O governo do Brasil preza pela liberdade dos brasileiros”, afirmou, nas redes sociais.

A ofensiva bolsonarista afronta a ciência, a razão e as leis. O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que a vacinação de menores de 12 anos é obrigatória “nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. E a lei que estabeleceu as medidas de combate à pandemia, sancionada pelo capitão, prevê a “realização compulsória” de “vacinação e outras medidas profiláticas”.

Não é a primeira vez que o governo invoca a liberdade individual para minar recomendações sanitárias. Em maio, quando cientistas pediam à população que ficasse em casa, o ministro Paulo Guedes disse que o cidadão tinha o direito de “sair andando”. “É um direito dele ser infectado”, arriscou. Agora o presidente flerta abertamente com o movimento antivacinas, que ganha força na extrema direita internacional.

Ricardo Noblat - O desprezo de Bolsonaro pela Ciência, as leis, a razão e a vida

- Blog do Noblat | Veja

Investida contra a vacina que seu governo financia

Jair Messias Bolsonaro, aquele que foi candidato, se elegeu e governou até há pouco quando cedeu a vez ao presidente da República aparentemente normal que se vê hoje, pois bem, o Jair tal como sempre foi nos seus quase 30 anos de deputado federal reapareceu ao reunir-se com um bando de devotos no cercadinho de entrada do Palácio da Alvorada, em Brasília.

Foi uma breve aparição, como se quisesse demonstrar que está vivo e apenas adormecido. Ao ouvir uma mulher dizer: “Ô, Bolsonaro, não deixa fazer esse negócio de vacina, não, viu? Isso é perigoso”, Jair respondeu sem pestanejar: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Bastou para que a Secretaria de Comunicação do governo reproduzisse o comentário no Twitter.

“O governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina”, escreveu a Secretaria. “Recursos para estados e municípios, saúde, economia, tudo será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”. E, por fim: “O governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros”.

Zuenir Ventura - O passado bate à porta

- O Globo

Washington Novaes hoje é parte de meu retrato na parede

Estou quase dizendo como Zeca Baleiro: “Ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar”. Não chego a tanto, mas ando triste, muito triste. Por tudo — pela cidade, pelo estado, pelo país, pelo futuro e pela perda de parentes e amigos. O mais recente foi Washington Novaes. Éramos cinco na antiga revista “Visão” e hoje somos apenas dois e um retrato na parede, ou melhor, um desenho, feito pelo outro que sobrou, Ziraldo (éramos os Z que encerrávamos os manifestos contra a ditadura militar). Os demais do quadro são Aloysio Biondi e Cláudio Bueno Rocha.

Agora entendo o que meu pai dizia, aos 98 anos, a respeito de viver muito. “O problema é que você vai ficando sem ter com quem conversar sobre o seu tempo”. Zezé Ventura era o mais sábio pintor de paredes do mundo. Nisso toca o telefone. Era uma mulher anunciando: “Aqui quem fala é uma amiga do Washington Novaes. Eu tenho um pedido dele para você”.

Elio Gaspari - A Casa de Rui Barbosa não merece isso

- O Globo

Quem é o cachorro da Suprema Corte Cachorral?

A Casa de Rui Barbosa merece respeito. O repórter Lauro Jardim revelou o teor de uma mensagem de sua presidente, Letícia Dornelles.
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Nela, dizia o seguinte: “Sua excelência, o ilustre ministro Cachorro, da Suprema Corte Cachorral, prepara habeas corpus para seus nobres colegas cachorrinhos poderem latir em paz. Liberdade de expressão cachorral.”

Ainda não se sabe a qual “cachorro” do Supremo Tribunal ela se dirigia. Sabe-se que a senhora foi nomeada pelo ministro Osmar Terra, comendador da Ordem da Covid, médico e ex-secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, famoso por ter previsto, em abril passado, que o coronavírus mataria, no máximo, duas mil pessoas no Brasil. Já matou 120 mil.

A presidente da Casa de Rui é uma carta do baralho bolsonarista na qual estiveram um ministro da Educação para quem “brasileiro viajando é um canibal, rouba coisas nos hotéis”. Foi sucedido por outro que chamou os ministros do Supremo de “vagabundos”. Na Secretaria de Cultura o bolsonarismo colocou um cidadão que entrou no cargo parafraseando Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler. Para seu lugar foi a atriz Regina Duarte, que infelicitou sua biografia com uma entrevista na qual relativizou os assassinatos praticados durante a ditadura.

Rosângela Bittar - Ninguém é Gilda

- O Estado de S.Paulo

A reeleição é mania nacional; há um insubstituível em cada mandatário em exercício

A reeleição é um caso de permissão excepcional da Constituição que perdeu o sentido, se é que havia algum. Transformou-se em vale-tudo, uso e abuso dos mandatos com o fim único de prorrogá-los.

É o que se está vendo hoje com o governo Bolsonaro, que tira partido da imensa vantagem de estar no cargo. Quem tem o poder tem a máquina, o dinheiro público e todo o arsenal de programas populistas.

A disputa é tão desigual quanto a alternância no poder é crucial à prática democrática em sociedades, como a nossa, sempre à espera do salvador para sanar velhos problemas.

Em países politicamente subdesenvolvidos a reeleição é um corredor seguro para levar à ditadura. Por longo tempo foi temida e evitada. Até que, há 23 anos, emendou-se a Carta Magna para permitir a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. Abriu-se imensa brecha para impregnar a cultura política brasileira de um equívoco crasso.

À época de sua criação, muitos consideravam que o Brasil estava maduro para reeleições. Fora capaz de eleger um presidente da estatura de Fernando Henrique Cardoso. Destacava-se que era um presidente reformista, moderno, líder de um plano econômico que sacudiu o País, à altura dos grandes estadistas internacionais. Portanto, seria bobagem não aproveitá-lo mais um pouco. Contava com ampla aliança, estável maioria no Congresso e um Ministério de bom nível. Mesmo assim, sem dúvida foi um erro.

Vera Magalhães - Bolsonaro ‘antivax’?

- O Estado de S.Paulo

Discurso relativizando a necessidade da vacina é exótico até para o padrão bolsonarista

Virou lugar-comum, a cada nova excrescência dita ou praticada por Jair Bolsonaro, se dizer, em análises nos jornais ou nas redes sociais, que aquilo causa surpresa em “zero pessoas”. E é verdade, geralmente. Mas a recente e disparatada declaração do presidente de que ninguém pode obrigar ninguém a se vacinar é exótica até para os padrões bastante elásticos dos absurdos bolsonaristas.

Primeiro porque, como tratou de mostrar prontamente a imprensa, não é verdade que se vacinar ou não seja uma escolha individual.

Trata-se de uma questão de saúde pública e, como tal, passível, sim, de ser definida em lei. Tanto é assim que o próprio Bolsonaro sancionou em fevereiro uma lei que permite tornar compulsória a vacinação para covid-19 como forma de enfrentamento da pandemia.

O segundo motivo pelo qual é estapafúrdia a declaração – depois repetida com orgulho servil e propagandístico pelos canais da Secom – é econômico.

José Nêumanne* - Religião, crime e voto

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro dá prioridade à reeleição num Estado corrupto, pentecostal e criminoso

O capitão Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República derrotando todos os caciques da política tradicional brasileira, apoiado em quatro pilares: antipetismo, combate à corrupção, liberalismo econômico e conservadorismo nos costumes. Na campanha, prometeu que, se fosse para adotar o pragmatismo da chamada governabilidade barganhando apoio por verbas públicas, preferia não assumir o cargo ao qual concorria. Sob a condição de ser promovida uma reforma política, que ele estava cansado de saber que não tinha a menor chance de ocorrer.

No governo tornou inviável a permanência do ex-juiz da Lava Jato, símbolo da bem-sucedida faxina nos costumes políticos, Sergio Moro, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, substituindo-o por um fâmulo a quem prometeu uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Tem feito o possível e o improvável para ter como adversário na eleição de 2022, à qual dá prioridade absoluta na gestão, o ex-presidente petista Lula ou qualquer poste ou aliado de esquerda que este apontar. Prepara uma cama de faquir para seu “posto Ipiranga”, que para evitar destino idêntico ao do magistrado paranaense não se incomoda em ser reduzido a “imposto Ipiranga”, negando, assim como fez com a pandemia de covid-19, os preceitos da estabilidade da moeda e da responsabilidade fiscal.

A pretexto da governabilidade por pelo menos oito anos, Bolsonaro correu para o abrigo do baixíssimo clero de seus dois anos de vereador no Rio e 28 como deputado federal, que passou a se denominar Centrão sob a liderança de Eduardo Cunha, que, na presidência da Câmara, defenestrou Dilma Rousseff da Presidência da República. Sem se perturbar com a circulação nas redes sociais de um vídeo de seu guarda-costas, general Augusto Heleno, que se lançou na vida artística da política entoando a paródia do samba de Ary do Cavaco, tornado sucesso por Bezerra da Silva, “se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”.

Monica De Bolle* - PIB e pandemia

- O Estado de S. Paulo

O descontrole da epidemia é responsável pela retração de 9,7%, assim como é o atraso do governo em enfrentar a crise

Se alguém ainda tinha dúvidas de que a economia brasileira sofreria um estado de depressão econômica em decorrência da pandemia e das respostas econômicas inadequadas do governo, se alguém ainda achava que saúde e economia eram temas separáveis, está aí a evidência em contrário. Não só a queda do PIB no primeiro trimestre – quando apenas duas semanas no fim de março foram responsáveis pelo resultado – foi maior do que havia sido divulgada, mas a retração de 9,7% no segundo trimestre foi a maior desde 1996, o início da série histórica. Tais resultados dramáticos levantam várias questões sobre o quadro à frente.

Praticamente todos os componentes do PIB, seja pelo lado da oferta ou da demanda, sofreram quedas históricas, jamais registradas. A indústria e os serviços colapsaram. O consumo das famílias sofreu queda de 12,5% comparada ao trimestre anterior, que já havia sido ruim. A retração do consumo das famílias foi especialmente alarmante pois durante o segundo trimestre estava em vigor o auxílio emergencial que, apesar de suas falhas de execução – e relatos de fraudes –, deu algum sustento à economia. Imaginem o que não teria ocorrido caso o Congresso não tivesse aprovado o auxílio em abril, quando o governo ainda se mostrava refratário à medida. Esses resultados deixam à mostra que economia e saúde estão intimamente interligadas e, não, não adianta dizer que o problema foram as medidas de saúde pública.

O Brasil jamais teve uma quarentena séria, jamais passou por um estado de lockdown como ocorreu em alguns Estados e localidades nos EUA e como fizeram vários países europeus e asiáticos. O descontrole da epidemia é responsável por esse resultado, assim como é o atraso do governo em enfrentar a crise, lembrando que no dia 16 de março o ministro Paulo Guedes ainda dizia que a economia brasileira iria crescer em 2020.

Fernando Exman - Novas bandeiras para o presidente Bolsonaro

- Valor Econômico

Estabilidade social e ordem pública preocupam Planalto

Tem início nesta semana uma nova fase da estratégia de combate aos efeitos socioeconômicos da pandemia. Ela ocorre num momento em que o governo sinaliza que não tentará prorrogar o estado de calamidade pública a partir de janeiro, reduzindo as “últimas camadas” do auxílio emergencial, enquanto espera que a ajuda já anunciada chegue com mais força na ponta.

O valor do auxílio emergencial, que passará para R$ 300 até o fim do ano, terá papel central neste novo momento. O mesmo vale para o lançamento da nota de R$ 200, a qual pode, na visão do governo, ajudar a ativar a economia sem gerar riscos inflacionários.

Para implementar esta nova etapa, as necessidades fiscais e os possíveis impactos econômicos das iniciativas foram esquadrinhados pela equipe do ministro Paulo Guedes, da Economia. Mas, as possíveis consequências negativas para a área de segurança pública só serão conhecidas na prática. Isso preocupa - e muito - alguns setores do governo.

A segurança pública é motivo de apreensão no Palácio do Planalto desde o fim do primeiro trimestre, quando o coronavírus começou a se espalhar pelo Brasil. O temor do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros mais próximos era que, com a covid-19, também avançasse uma onda de violência urbana sem precedentes na história do país. Havia um receio de que ocorressem saques, tumultos nas ruas com atos de vandalismo, um aumento incontrolável de invasões de residências.

No cenário mais crítico, as pessoas estariam confinadas, sem fontes de renda e sem ter o que comer. Poderiam ser “vítimas de desespero”, como dizem auxiliares do presidente, e partir para a violência urbana em busca de uma solução.

Isso até agora, felizmente, não ocorreu. Não deixa de ser curioso o surgimento desse novo olhar em um governo formado por muitos que até então negavam a existência de uma correlação entre questões sociais e os índices de criminalidade. O aumento da popularidade do presidente, impulsionada sobretudo pelo alívio garantido pelo auxílio emergencial a milhões de brasileiros, deve ter contribuído para essa mudança de concepção.

Tiago Cavalcanti* - Implementar a renda básica universal?

- Valor Econômico

A pandemia justificou o coronavoucher. Qualquer outro programa deve ser implementado de forma cuidadosa

Os efeitos econômicos da pandemia, com impactos dramáticos sobre o emprego e a renda do trabalhador, aceleraram no país o debate sobre a necessidade de um programa de renda básica universal. Tal programa serviria não só como um colchão contra choques agregados adversos como o atual, mas seria também uma forma de compensar os efeitos negativos de longo prazo sobre a renda e o emprego da automação e de diversos avanços tecnológicos, que estariam diminuindo o poder de barganha do trabalhador e levando à precariedade de muitas atividades laborais.

Em sua forma tradicional, a renda básica universal seria uma transferência monetária pelo governo a cada indivíduo na sociedade, independentemente de sua renda ou posição no mercado de trabalho, com o objetivo de garantir uma renda mínima que pudesse tirar as pessoas da pobreza.

A proposta não é nova e já foi implementada em alguns lugares de forma experimental.

Vários economistas, de diferentes correntes econômicas e políticas, já endossaram tal proposta. Os economistas James Meade (Nobel de 1977) e James Tobin (Nobel de 1981), mais associados com as ideias keynesianas de intervenção governamental, apoiaram alguma forma de renda mínima. Milton Friedman, prêmio Nobel de economia de 1976 e símbolo do liberalismo moderno, defendeu o imposto de renda negativo, que é uma forma de renda básica universal.

Milton Friedman era a favor de uma proposta que juntasse todos os programas de assistência social (a exemplo de seguro desemprego e moradia pública) em apenas um programa de transferência de renda. Segundo Friedman, tal programa simplificaria a burocracia existente e seria uma forma de libertar os trabalhadores da dependência do Estado, que muitas vezes define onde os trabalhadores devem morar (habitação popular) ou comer (voucher para comprar certos alimentos).

Cristiano Romero - Corporações distanciam povo do Estado

- Valor Econômico

Constituição de 1988 fomentou corporativismo

Na saída do regime militar, em 1988, a sociedade brasileira repactuou seu “contrato social” por meio da nova Constituição. Chamada de “cidadã”, esta criou as bases para a fundação de uma nação. O projeto de nação, inscrito na Carta Magna, se caracteriza pela garantia inédita, a cidadãos brasileiros e estrangeiros que residam aqui, de direitos e garantias fundamentas perante o Estado.

Cláusulas pétreas da lei fundamental do Brasil, esses dispositivos constitucionais determinam, entre outras coisas, que, neste pedaço do planeta, não se pode discriminar um cidadão sob qualquer justificativa (etnia, origem, gênero, opção sexual, idade etc); o regime político é a democracia e o sistema econômico, o capitalismo; a censura é terminantemente proibida; a liberdade de expressão está assegurada; o Estado deve oferecer serviço de saúde gratuito a todos e educação obrigatória até o ensino básico.

Para os que maldizem a Constituição com assiduidade e desprendimento, uma palavrinha de um dos nossos maiores constitucionalistas, o professor Oscar Vilhena, diretor da Faculdade de Direito da FGV-São Paulo. “Estou de pleno acordo que, apesar de todas as suas idiossincrasias, a Constituição de 1988 representa nosso maior esforço civilizatório. Também creio que graças à sua resiliência nossa democracia ainda não sucumbiu”, disse ele em mesagem enviada a esta coluna.

A característica comum a qualquer nação é a igualdade de oportunidades, assegurada pelo Estado por meio de políticas que ajudem a formar cidadãos capazes de se inserir numa economia de mercado. Isto demanda a existência de um serviço público que nunca tivemos na Ilha de Vera Cruz. Aqui, o Estado é dominado por grupos de interesse específico, enquanto sua missão constitucional é zelar por interesses difusos.

O serviço público em países da União Europeia e nos Estados Unidos atende muito mais aos interesses difusos do que no Brasil. Nesse aspecto, a Constituição de 1988 abusou na quantidade de equívocos transformados em leis.

Vinicius Torres Freire - Desastre do PIB mostra erros de Guedes

- Folha de S. Paulo

Queda inédita era prevista, mas economia já andava muito mal antes de ser infectada pelo vírus

A economia brasileira foi o desastre mais ou menos esperado no segundo trimestre. O que se descobriu agora é que, mesmo antes da calamidade do vírus, o PIB já dava com a cara no chão e quebrava uns dentes, em vez de decolar, como dizia Paulo Guedes, o ministro da Economia.

Segundo a revisão do IBGE, o PIB caiu 2,5% no primeiro trimestre (ante o final de 2019), não apenas 1,5%. Ou seja, estamos em um buraco um pouco mais profundo do que o previsto. Em março, quando o coronavírus já caçava vítimas pelo Brasil e o mundo inteiro fechava as portas, Guedes dizia que o Brasil cresceria 1% em 2020. A previsão mais recente do povo do mercado era de queda de 5,3%, antes de saber dos dados ainda piores do primeiro trimestre.

Guedes agora diz que a economia brasileira vai se recuperar em “V” (ou seja, cai e se levanta tão rapidamente quanto). Tomara. Até agora, não parece.

O desempenho brasileiro foi horrivelmente similar à média das maiores economias do mundo e melhor que o da maioria da Europa ocidental. No segundo trimestre, o PIB dos países da OCDE baixou 9,8% (o do Brasil, 9,7%). A OCDE é um clube de três dúzias dos países com os maiores PIBs do mundo (mas China e Brasil não estão lá).

O resultado brasileiro não foi ainda pior porque:

1. o gasto do governo foi relevante, grande na comparação internacional;
2. o setor externo ajudou (com uma contribuição de 2,3 ponto percentual para o PIB): as exportações resistiram, as importações caíram

Por falar em auxílio do governo, note-se que por volta de março Guedes também dizia que com “uns R$ 5 bilhões” se resolveria o problema da pandemia (o governo acabará gastando mais de meio trilhão de reais extras) e propunha auxílio emergencial de R$ 200 (é no mínimo de R$ 600).

Hélio Schwartsman - O que Deus pensa do aborto?

- Folha de S. Paulo

Não acredito em Deus, mas, se ele existisse, não faria mais do que objeções leves ao aborto. Quais as minhas evidências para afirmar isso? Vamos a elas.

Comecemos pelas Escrituras. O que diz a Bíblia sobre o aborto? Em Êxodo 21:22, salvo melhor juízo, Deus estabelece que o aborto é mera contravenção, não crime equiparável a assassinato: “Se alguns homens brigarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, não resultando, porém, outro dano, este será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e pagará segundo o arbítrio dos juízes; mas se resultar dano, então darás [como pena] vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”.

Antes que me contestem a tradução do verbo hebraico “yalad” (literalmente “pôr para fora”) por “abortar”, esclareço desde já que essa foi a opção (“facere abortivum”) dos tradutores da Vulgata, a versão latina do Antigo Testamento, oficial para os católicos.

Bruno Boghossian – Essa tal liberdade

- Folha de S. Paulo

Após sabotar luta contra coronavírus, presidente dá palanque a marginais antivacinas

Depois de sabotar quase todos as ferramentas conhecidas para conter a propagação do coronavírus, Jair Bolsonaro resolveu se antecipar. Enquanto cientistas trabalham nos laboratórios, o presidente disse a apoiadores que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina".

Não há discussão em curso sobre os métodos dessa imunização, mas Bolsonaro já fez questão de jogar holofotes sobre grupos marginais que fazem propaganda contra a vacinação. O Planalto ainda deu uma força à campanha e transformou a frase do presidente em pôster nas redes, dizendo que o governo "preza pelas liberdades dos brasileiros".

Bolsonaro, como se sabe, é um político que vê a ditadura como modelo. Considera heróis os homens que torturavam militantes para forçá-los a delatar seus companheiros, mas gosta de falar de uma tal liberdade para pintar com cores altivas algumas de suas delinquências.

Em sua cruzada contra governadores e prefeitos, ele dizia que as medidas de distanciamento para enfrentar a pandemia eram autoritárias. "Não quero mais ditadura no Brasil. Quero liberdade. Cadê o meu direito de ir e vir?", perguntou, em maio.

Ruy Castro* - Mãos na cumbuca

- Folha de S. Paulo

Sim, o Rio tem sido governado por canalhas. Mas cinco deles já conheceram a grade

Amigos de São Paulo, Minas Gerais e Brasília têm me cumulado de mensagens sobre mais um governador do Rio apanhado com a mão na cumbuca —e que mão e que cumbuca. Mas que novidade há no fato de que, com poucas exceções, o Rio vem sendo governado por canalhas?

E não é de hoje. Há um firme controle por eles da totalidade do Executivo e do Legislativo e de parte do Judiciário locais —controle esse que começou desde que a fusão decretada pelo ditador Ernesto Geisel, em 1975, por motivos políticos e sem consulta às populações, entregou a rica Guanabara ao sistema dominado pelo pior do atrasado Estado do Rio. Foi esse sistema que gerou Moreira Franco, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Luiz Fernando Pezão, todos fluminenses, o carioca Sérgio Cabral e o paulista (de Jundiaí) Wilson Witzel. O eleitorado do interior do Estado domina o da cidade do Rio à base de 60% para 40%.

Reinaldo Azevedo - STJ e STF inaugurarão a execução sumária na política? Fascistoides ganham!

- Uol, 01/9/2020

Sob o pretexto de se combater a corrupção a ferro e fogo, o Brasil foi se tornando um país arreganhadamente despudorado.

Ficamos sabendo — e é fato — que o governo Bolsonaro intensifica seu lobby junto ao Superior Tribunal de Justiça para que a Corte Especial que vai avaliar o recurso da defesa de Wilson Witzel endosse o seu afastamento cautelar, imposto, monocraticamente, pelo ministro Benedito Gonçalves.

Atentem para uma questão importante: o problema não está apenas no fato de a decisão ser monocrática. Se o STF decidiu, em 2017, que um governador pode ser afastado sem prévia autorização da Assembleia — o que é um erro —, está mantida, no entanto, a exigência de que haja ao menos a aceitação da denúncia — o que tornaria o governador réu. E ele ainda não é réu porque nem sequer foi ouvido.

Não se constrói democracia sólida assim. O que se tem é bagunça.

A defesa recorreu, claro!, à Corte Especial do STJ contra a decisão. A coisa deve ser votada na quarta-feira. Até onde se sabe, vai endossar a decisão de Gonçalves. "Ah, aí a coisa não será mais monocrática, então!" Não resolve nada, minhas caras, meus caros! Um governador eleito diretamente está sendo retirado do cargo sem nem ainda ser réu; sem que o próprio STJ tenha apreciado a denúncia. E não se pode tomar o endosso a uma liminar como sinônimo de denúncia aceita.

Há algo de errado num país em que é mais fácil tirar do cargo um governador do que um deputado estadual.

Entre recessão e populismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente e auxiliares terão de escolher entre um complexo esforço de renovação e a estratégia presidencial seguida até agora, a do populismo eleitoreiro

“Estamos decolando em V”, anunciou o ministro da Economia, Paulo Guedes, numa exibição de invejável otimismo, como se o desastre do segundo trimestre fosse velharia histórica. “Isso é impacto do raio que caiu em abril”, disse ele, “som de um passado distante.” Não tão distante, no entanto, para quem vive fora dos gabinetes oficiais. Juntando-se os desempregados e os trabalhadores fora do mercado, mas dispostos a trabalhar, chegava-se, em agosto, a cerca de 40 milhões, mais que o dobro da população chilena. No segundo trimestre o Produto Interno Bruto (PIB) despencou 9,7%, no maior tombo da série histórica trimestral iniciada em 1996.

Mas aonde leva a celebrada recuperação em V? De volta a uma prosperidade imaginária?

Não havia prosperidade quando o coronavírus desembarcou. No primeiro trimestre a economia encolheu 2,5%. A estimativa anterior havia apontado uma contração de 1,5%, um resultado já muito feio. Mas esse cálculo foi revisto e o novo número acaba de ser divulgado, juntamente com os dados do segundo trimestre, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Muita gente pode nem dar atenção a esse detalhe, mas o dado é muito importante.

Antes do raio de abril e do trovão duradouro, o Brasil já ia muito mal. O passado recente, nesse caso, é relevante para uma avaliação realista. O PIB cresceu apenas 1,1% em 2019, primeiro ano da gestão bolsonariana, e encolheu notáveis 2,5% no primeiro trimestre de 2020. Agora se desmente de modo mais amplo e mais claro o mito de um começo de ano promissor.

Gente da equipe econômica e até economistas do setor financeiro vinham sustentando essa história, como se o País, antes da pandemia, estivesse esquentando os motores para avançar. Quem acompanhava os números da indústria jamais engoliu essa narrativa e os fatos, agora, devem estar mais visíveis para todos.

O pior passou – Editorial | Folha de S. Paulo

Após queda inédita do PIB, retomada é desigual e impõe desafios ao país

A inédita contração da economia brasileira no segundo trimestre, de 9,7% frente aos três meses anteriores (e de 11,4% na comparação com o mesmo período de 2019), marcou o momento de impacto mais agudo da pandemia do coronavírus, ocorrido em março e abril.

É certo que o pior passou e a lenta volta da atividade sinaliza desempenho positivo na segunda metade do ano e em 2021, mas os riscos estruturais permanecem.

O comportamento da economia brasileira não diferiu muito do observado na maioria dos países. A retração inicial foi generalizada.

Pelo lado da produção, a queda abarcou indústria (-12,3%) e serviços (-9,7%), afetados pelo isolamento social. Do ponto de vista da demanda, igualmente, consumo (-12,5%) e investimentos (-15,4%) sofreram de forma muito intensa.

A diferenciação se dá na retomada. Setores menos vulneráveis ao distanciamento social, como indústria e consumo de bens essenciais, se recuperam com mais rapidez. As vendas no varejo restrito (que excluem automóveis e construção) já superam o nível pré-crise.

Orçamento retrata péssima situação das contas fiscais – Editorial | Valor Econômico

A pandemia exacerbou deficiências existentes, e tornou ainda piores as perspectivas fiscais para os próximos anos

A apresentação quase simultânea dos resultados das contas públicas e da proposta orçamentária de 2021 ao Congresso, ontem, mostra o show de horrores em que se transformaram as contas públicas. A pandemia exacerbou deficiências existentes, e tornou ainda piores as perspectivas fiscais para os próximos anos. O Brasil facilmente colecionará mais de 10 anos de déficits primários, em sequência que não é cadente. Os gastos com investimento e custeio cairão ao menor nível da história em 2021 (Valor, ontem). Para respeitar a regra de ouro, que impede endividamento para cobrir gastos correntes, o governo pede autorização de montantes cada vez maiores ao Congresso - em 2021, serão R$ 453,7 bilhões.

Os déficits nominais (incluem juros) do governo central não recuaram expressivamente desde o pesadelo fiscal criado pelo governo de Dilma Rousseff. Em 2016, eles atingiram 7,6% do PIB e a projeção do orçamento para 2023 o calcula em 6,6%, com um declínio de apenas um ponto percentual após 8 anos, mesmo com taxa de juro dois terços menor. As despesas do governo central, maior parte delas com a proibição de aumento real, foram de 19,9% do PIB em 2016, o mesmo nível que deverá atingir a de 2021 (19,8%).

O teto de gastos, cuja sobrevida tende a não ser longa, nada pode fazer para deter as despesas obrigatórias, que crescem acima da inflação. A principal delas, a previdência social, consumirá no ano que vem R$ 704,4 bilhões, legando um déficit de R$ 286,9 bilhões. A segunda, a de pessoal e encargos sociais, exigirá desembolsos de R$ 337,3 bilhões, com expansão de 4,3% ante 2020. Ambas compõem 69% das despesas obrigatórias, que são mais amplas e que levam consigo mais de 93% do orçamento.

A reação do governo ao desafio econômico – Editorial | O Globo

Executivo e Legislativo se unem em torno de medidas que, mesmo desafiadoras, são exequíveis

No dia em que o PIB brasileiro registrou seu pior trimestre em décadas e, tecnicamente, o país entrou de novo em recessão, o governo parece enfim ter começado a reagir de modo consistente ao desafio econômico. No lugar da disputa velada que marcou as últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes, ladeados pelos líderes do governo no Legislativo, demonstraram ontem, ao anunciar novas medidas, uma união que muitos julgavam improvável. Não em torno de um pacote mirabolante, de viabilidade tão remota quanto o próprio “big bang” que lhe dava nome. Mas ao redor de medidas concretas que, embora desafiadoras, formam um programa exequível.

Primeiro, todos reafirmaram o compromisso com o teto de gastos. Não é pouca coisa. Neste ano, o rombo fiscal deve chegar a US$ 800 bilhões, mais de 11% do PIB, em virtude do choque da pandemia. Para o ano que vem, mesmo com crescimento estimado em mais de 3%, o Orçamento prevê um buraco de R$ 233 bilhões, sem fixá-lo como meta. Também estima que será necessária uma nova autorização extraordinária do Congresso para violar a regra constitucional que veta contrair dívidas para custear despesas correntes — a regra de ouro — e tomar R$ 454 bilhões emprestados no mercado. Sem cumprimento garantido da meta fiscal nem da regra de ouro, o teto é a única âncora que hoje mantém o gasto público sob controle. Dele dependem a confiança do mercado e a estabilidade da moeda.

STJ precisa dirimir dúvida jurídica sobre afastamento de Witzel – Editorial | O Globo

Plenário terá hoje oportunidade de examinar o caso e de reparar qualquer eventual erro processual

Não é corriqueiro o governador do segundo maior estado da Federação ser afastado do cargo pela caneta de um juiz do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas aconteceu na sexta-feira passada, com Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, tirado do Palácio Guanabara pelo ministro Benedito Gonçalves, com base em denúncia do Ministério Público sobre corrupção na contratação de empresas para combater a Covid-19.

Apesar das provas colhidas pelo MP, o caso de Witzel deflagrou um debate entre juristas: houve precipitação no afastamento por 180 dias de um governador eleito pelo voto popular? A discussão esquenta quando são adicionados ingredientes políticos. Witzel é adversário declarado do presidente Bolsonaro.

Num caso desses, o que importa mesmo é a fundamentação do processo. A Constituição estabelece que cabe ao STJ processar chefes de governos estaduais. Alguns juristas questionam se Witzel não deveria ter sido ouvido pelo ministro antes de um afastamento monocrático, ato discricionário visto como violação do devido processo legal. Em vez da medida drástica, afirmam, teria sido possível desde o início pautar o assunto para o plenário do STJ, que hoje deverá examinar de todo modo a questão.

Música | Roberta Sá - Me erra

Poesia | Pablo Neruda - Amigo

1
Amigo, leva contigo o que queiras,
penetra o teu olhar sobre os rincões,
e se assim desejares, dou minha alma inteira,
com suas brancas avenidas e suas canções.

2
Amigo - com a tarde faça partir
este velho inútil desejo de vencer.

Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - com a tarde faça partir
o meu desejo de que todo rosal
pertença a mim.

Amigo,
Come do meu pão se tiveres fome.

3
Tudo amigo, eu o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhar verás na minha estância nua:
tudo isto que se eleva em muros altos, retos
- como meu coração - sempre buscando altura.

É engraçado - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar em mãos o que se esconde por dentro,
mas te darei... Menos aquela lembrança...

... Que na casa vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...