- O Estado de S. Paulo
Pesquisas, análises, previsões, fizemos de tudo para entender o futuro. Mas ele nos escapou, inúmeras vezes, ao longo do caminho. Nunca tivemos uma dose tão cavalar do imprevisível como nesta disputa de 2014.
Alguns jornalistas chamaram o processo de montanha-russa. As emoções foram tantas que, às vezes, essas bruscas oscilações acabaram por ofuscar o conteúdo.
Marqueteiros, campanhas de desconstrução, tudo isso, para mim, foi apenas uma cortina de fumaça. Sem me arriscar a previsões, perplexo com os sobressaltos da campanha, eu a via, no entanto, com uma simplicidade meio tosca: a luta cristalina entre oposição e um governo amplamente rejeitado.
Esse era o fio da meada. Em termos numéricos, a oposição é maioria. Mas quem, dentre os desafiantes, poderia encarnar esse sentimento?
Não sei em que momento preciso, mas creio que Aécio Neves decidiu, no final da campanha, encarnar essa rejeição ao PT e a um governo que assalta a Petrobrás, entre outros bens públicos. Marina Silva não conseguiu, ou talvez nem tenha aspirado a assumir esse papel de "nós contra eles e vamos lá." Além dos vínculos emocionais com um passado no PT, a sua disposição de governar com os bons dos dois lados talvez não fosse a melhor ideia para o momento, embora inatacável de um ponto de vista abstrato.
Apesar das emoções, algumas escolhas racionais estavam em jogo. Uma delas, na economia. Não basta derrotar o governo, é preciso ter projeto e equipe que possam combinar o crescimento econômico e a política social.
Momento importante para a escolha foi o último debate entre os candidatos. No debate anterior, a intervenção de Levy Fidelix acabou roubando a cena, com o agora famoso "aparelho excretor". Compreendo a reação à frase de Levy. Eu o conheci cobrindo um dia de sua campanha e creio que um caminho pedagógico talvez fosse melhor.
Mostrar que as pessoas não são uma soma de aparelhos, senão estaríamos sendo vendidos na Casas Bahia.
Dizem que quem sai na frente no segundo turno termina na frente. É mais uma tentativa de controlar o futuro.
Como se os candidatos não tivessem diante de si toda uma nova etapa, com idênticos tempos de televisão e debates cara a cara.
Visto superficialmente, o mapa eleitoral do Brasil contrapõe o Nordeste a São Paulo. Parece que estão em jogo, num polo, a amplitude da político social e, no outro, a impaciência com a estagnação. A tarefa de cada candidato é unir esses polos da forma mais convincente.
Indo um pouco mais longe, lembrando-me das constantes viagens às metrópoles nordestinas Recife, Fortaleza e Salvador, creio que há nelas um fator comum a todas as capitais: a consciência de que a corrupção drena os recursos do País e zomba da pessoa que trabalha duro para sobreviver.
No momento, o escândalo na Petrobrás está em curso. Um ex-diretor da empresa já firmou acordo de delação premiada. Depois dele veio Alberto Youssef, o doleiro, que promete entregar todos os documentos das operações de suborno. É uma trama secundária que envolve estas eleições, prometendo sempre influenciar o enredo principal. É o que numa história os americanos chamam de pay back, deixar alguma coisa no ar, seguir com a narrativa e explicar depois, ligando os fatos.
Estamos todos esperando o pay back do escândalo da Petrobrás. Enquanto isso, o segundo turno vai seguindo o seu curso. E pela dimensão do problema, quando se esgotar o processo eleitoral, o escândalo da estatal petroleira ainda estará sendo discutido.
No Rio de Janeiro, 2 milhões de eleitores foram às urnas e votaram nulo ou em branco. Isso se deve, parcialmente, a uma atmosfera política local desoladora. Mas os números foram grandes também em São Paulo.
Considerável parcela dos brasileiros rejeita a escolha eleitoral: 38 milhões ficaram de fora, votando em branco, nulo ou faltando às urnas. Isso significa que, apesar de todas as peripécias emocionais, um problema de fundo ainda persiste: o descrédito no processo político.
Neste momento, o País precisa de um governo que, mantendo as conquistas sociais, retome investimentos, saiba gastar. E não considere a gratidão de uma parte do povo como um habeas corpus para saquear o Estado e financiar o partido dominante e seus aliados.
Não sei o que seria desta campanha sem um grande desastre e a montanha-russa em que se transformou, conforme descreveu o jornal El País. Mas à medida que os fatos se decantam, a grande encruzilhada econômica aparece e há uma chance de se debater o tema com mais clareza no segundo turno.
Vamos para um segundo turno. Se isso fosse teatro, diria que no segundo ato há uma crescente revelação dos personagens. No teatro, às vezes, é no segundo ato que as pessoas se revelam, o terceiro apenas lida com seus desdobramentos.
Como nessa peça enredos e subenredos se entrelaçam e se entrechocam, o melhor é sair para o saguão do teatro, tomar um café, conversar com outros da plateia e não perder o foco do enredo: o fim de uma época.
Tenho a esperança, como o pai de Fernando Sabino, de que no fim tudo terminará bem. Se não terminar, é porque ainda não chegou o fim.
Nessa peça está sendo jogado um pouco do nosso futuro. Um pouco, de certa maneira, nossa vida continua depois das eleições, como a vida dos foliões continua depois do carnaval.
No começo da campanha, escrevi um artigo intitulado Rumo às grandes emoções. Não sabia do que estava falando, a realidade nos reservava mais: um primeiro turno eletrizante. As pesquisas foram de surpresa em surpresa e a realidade, uma surpresa maior.
Um candidato chamado Sartori, no Rio Grande do Sul, tinha 29% na boca de urna e terminou com 42%. Se tiramos um r do Sartori, ficamos com Satori, um termo budista que significa iluminação. Com esse r a mais, as pesquisas foram tudo, menos iluminação.
* Fernando Gabeira é jornalista