quarta-feira, 1 de abril de 2020

Luiz Carlos Azedo - A alegoria de Camus

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A epidemia de meningite só acabou após a vacinação de 80 milhões de pessoas, o que seria impossível com a manutenção da censura sobre a doença”

Publicado em 1947, A Peste, do escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), é uma alegoria da ocupação nazista. Por isso, fez tanto sucesso não só na França como na Europa do pós-guerra e também na América Latina, inclusive no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970. Camus foi um militante da Resistência, mas teve uma posição muito moderada em relação aos que colaboraram com os invasores alemães durante a II Grande Guerra, condenando os “justiçamentos”. Já era um escritor consagrado, com duas obras elogiadíssimas pela crítica: O estrangeiro e O mito de Sísifo.

Albert Camus nasceu em 7 de novembro de 1913 na Argélia, à época uma colônia francesa, cenário de seu romance, que conta a história de uma epidemia na cidade de Oran, no norte daquele país. Em 1940, um médico encontrou um rato morto ao deixar seu consultório. Comunicou o fato ao responsável pela limpeza do prédio. No dia seguinte, outro rato foi encontrado morto no mesmo lugar. A esposa do médico tinha tuberculose e foi levada para um sanatório. A quantidade de ratos aumentou exponencialmente. Em um único dia, oito mil ratos foram coletados e encaminhados para cremação.

Em pânico, a cidade declarou estado de calamidade, as pessoas tinham febre e morriam em massa. Os muros foram fechados, em quarentena, ninguém entrava ou saía; os doentes foram isolados, as famílias, separadas. Enquanto o padre apregoava que tudo aquilo era um castigo divino, prisioneiros eram mobilizados para enterrar os cadáveres, que empilhavam nas ruas: velhos, mulheres e crianças morriam. O livro é uma alegoria da condição de vida regulada pela morte, fez muito sucesso porque era uma crítica ao fascismo e relatava as diferenças de comportamento diante de situações-limite. Fora escrito durante a ocupação militar alemã. Camus foi editor do jornal clandestino Combat, porta-voz dos partisans.

Em 1951, Camus lançou o livro O homem revoltado, no qual condenava a pena de morte e criticava duramente o comunismo e o marxismo, o que provocou uma ruptura com seu amigo e filósofo Jean-Paul Sartre, que liderou seu linchamento moral por parte da intelectualidade francesa. Mesmo depois do Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, continuou sendo um renegado para a esquerda. Seu discurso na premiação foi profético. Permanece atual nestes tempos de epidemia de coronavírus.

“Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer”, disse Camus.

Merval Pereira - Um homem atormentado

- O Globo

Relatos falam em choros súbitos, e não seria estranho, pois há meses ele próprio já declarou que chora durante a noite

Só o futuro dirá mas, pelo pronunciamento de ontem por rede nacional de televisão, está caindo a ficha do presidente Jair Bolsonaro. Com atraso, parece ter começado a se mover na direção do bom-senso que a realidade está fazendo prevalecer em todo mundo, em governos populistas de direita, como o dele e o de Trump nos Estados Unidos, e de esquerda, como o de Lopez Obrador no México.

Pela manhã, o presidente havia dado a entender que usaria a fala do diretor-geral da OMS Tedros Ghebreyesus para defender o fim do isolamento horizontal, mas teve que recuar diante do desmentido formal da Organização.

Mesmo assim, Bolsonaro sonegou frases para montar uma versão que, para os mais desinformados, parece ser uma concordância com a sua posição. Mas em nenhum momento ousou defender o fim do isolamento social, mesmo porque o número de mortes e infectados entre nós começa a crescer de maneira exponencial, e ainda nem estamos no pico da epidemia.

Cada vez mais solitário, o presidente Bolsonaro é um homem atormentado, conforme depoimento de pessoas que estiveram com ele recentemente. Alguns relatos falam em choros súbitos, e não seria estranho, pois há meses o presidente, ele próprio, já declarou que chora durante a noite.

Reclama dos ministros, acha que a imprensa elogia Mandetta, ou Moro, ou Guedes para diminuí-lo, como se ter escolhido bons ministros não fosse uma qualidade sua. Parece sentir não estar à altura do momento. Mas, apesar do comportamento errático que frequentemente espanta ministros e assessores palacianos, Bolsonaro consegue manter um apoio na classe militar, na qual desde o começo baseou seu governo.

Militares influentes, mesmo discordando de muitas atitudes, levam em conta sua reclamação de que o Congresso e a imprensa não o deixam trabalhar, emperram suas decisões com críticas exageradas e posições radicalizadas, como se ele não fosse o primeiro a radicalizar.

Ricardo Noblat - Bem-aventurados os puros de coração que acreditam em Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

O chefe dos salva-vidas derrete ao sol

Por que acreditar que desta vez a ficha do presidente Jair Bolsonaro começou de fato a cair? E o que isso significa? Que ele mudará seu comportamento? Que a loucura dará lugar à sensatez? Que o líder desagregador será substituído como por encanto pelo líder capaz de unir o país pelo menos no momento da desgraça?

Está para se ver se será assim como desejam os que torcem por ele, mas também pelos que aspiram um momento de trégua à medida que a tormenta, o desespero e a dor das perdas se aproximam. Bem-aventurados os puros de coração porque deles será o reino dos céus. Bem-aventurados os que têm esperança.

A mais recente fala do trono de um homem que não nasceu para ser presidente como ele mesmo disse, que não ambicionou o cargo durante 28 anos como obscuro deputado federal que era, e que só foi à luta por ele para ajudar as carreiras dos filhos e se aposentar em seguida, vale ser examinada pelo que não conteve.

Temia-se que Bolsonaro aproveitasse a data para exaltar o golpe militar de 64 que aniversariava – ele preferiu deixar para fazê-lo em mensagem no Facebook. Nela, escreveu que não houve golpe, uma vez que o primeiro general ditador foi eleito pelo Congresso. Esqueceu-se de dizer que por um Congresso emasculado.

Míriam Leitão - Pela economia, é melhor parar

- O Globo

Economista do Banco Mundial especializado em saúde explica por que é necessário parar a economia para reduzir o impacto da recessão

Não há dilema entre economia e combate à pandemia. É o oposto. A economia reduz a atividade e tenta parar exatamente para evitar a recessão maior. O economista André Medici, do Banco Mundial, especializado em saúde, diz isso com números. A economia mundial pode encolher 4,9% no primeiro semestre, mas se recuperar no segundo e terminar o ano com queda de 1,5%. Se relaxar o isolamento, há mais risco de uma ressurgência do vírus e então o tombo do PIB global será de 4,7%.

Ele elaborou os dados com base nos cenários da McKinsey e Oxford Economic Analysis para este ano. O que vai acontecer segundo essas grandes consultorias é a economia ter um baque forte no primeiro semestre. O que elas dizem é que se houver um isolamento total - das atividades não essenciais, evidentemente - o custo econômico será menor.

– A China terá uma queda de 3,3% no primeiro semestre, mas termina o ano com um ligeiro negativo de 0,4%. Os Estados Unidos caem 8% no primeiro semestre, mas a retomada do segundo semestre permitirá reduzir essa recessão para 2,4%. A zona do euro sofre mais. Deve cair 9,5% no primeiro semestre e depois reduzir essa queda para 4,4% – diz o economista.

Bernardo Mello Franco - Um engavetador na defesa do capitão

- O Globo

Na pandemia, o procurador Augusto Aras insiste em blindar Bolsonaro. Ele já engavetou duas representações contra a atuação temerária do presidente

O procurador Augusto Aras diz que é “extremamente injusto” chamá-lo de omisso. Impossível discordar. De acordo com os dicionários, omisso é quem não age e não se manifesta. Aras faz as duas coisas, mas sempre em defesa do governo.

Prestes a completar seis meses no cargo, o procurador tem se empenhado para blindar Jair Bolsonaro no Supremo. Sua atuação lembra o inesquecível Geraldo Brindeiro, que ganhou o apelido de engavetador-geral da República na era FH.

Em entrevista ao GLOBO, Aras fez malabarismo para não melindrar quem o indicou. Questionado sobre o “corona tour” em plena pandemia, disse que a mobilidade “está no campo de uma certa vontade de cada um”. “O presidente tem a sua forma de pensar e não me cabe criticá-lo”, desconversou.

Na semana passada, o chefe do Ministério Público Federal arquivou duas representações de colegas contra os desmandos do capitão. Os procuradores queriam que Aras pressionasse o presidente a respeitar as autoridades sanitárias na pandemia do coronavírus.

Zuenir Ventura - Mas ele tem método

- O Globo

Presidente só pensa na reeleição

No domingo, o presidente parece que surtou. Foi para a rua cometer desatinos. Fez tudo o que a Organização Mundial da Saúde e o seu próprio governo exigiam não fazer. No passeio-comício que realizou por cidades-satélites de Brasília, promoveu aglomerações, desrespeitou a quarentena, não manteve distância entre as pessoas, teve contatos físicos até com crianças e não lavou as mãos nem usou álcool em gel. E disse coisas assim: “Devemos enfrentar o vírus como homem, porra, não como um moleque”. Diante disso, o Twitter, Facebook e Instagram retiraram os posts por violarem as regras das redes sociais.

Na segunda-feira, Bolsonaro deixou claro, porém, que tem método. Só pensa naquilo, na reeleição, e está pouco ligando para a divergência conceitual — se o isolamento deve ser horizontal ou vertical. O que irritava o seu ego era o protagonismo que o ministro Luiz Henrique Mandetta adquiriu com suas entrevistas diárias, que faziam muito sucesso, apesar de uma permanente preocupação de agradar ao chefe, que nem assim estava satisfeito. As informações de bastidores dão conta de que ele desabafou com amigos que estava de “saco cheio do Mandetta”. Mas como demitir o ministro acirraria a crise, a solução seria enquadrá-lo.

Luciano Huck* - A cura

-Folha de S. Paulo

Vida nas favelas: não é possível que continue assim

Até os sete anos, Carlos Jorge passava as tardes acorrentado ao pé da cama. Nada de circular pelas vielas da Quadra 12, favela localizada em Vergel do Lago, na periferia de Maceió (AL). Pela manhã frequentava a escola pública da favela. No contraturno, sua única companhia era o mesmo cadeado.

Este calvário durou até a mãe se enroscar com um novo companheiro. E o que parecia impossível aconteceu: tudo piorou. Surras diárias com abusos frequentes. Aos 17 anos, perdeu seu primeiro emprego e driblou amigos que praticavam pequenos furtos. Com os trocados da rescisão, decidiu mudar o mundo para melhor. Acolhido por uma vizinha com nome de santa, Maria Madalena, o menino, agora adolescente, iniciou sua marcha em busca da nova missão.

Eram 11h e eu caminhava pela Favela do Mundaú com Carlos Jorge, 15 anos depois da sua decisão de mudar o mundo. E estava inconformado com tudo o que via.

A Covid-19 ensaiava os primeiros passos para além do território chinês. Meus pensamentos não se conectavam com a doença, que parecia distante. A realidade imediata era mais grave. Meu único registro de algo semelhante remetia à visita que fiz anos antes à Cité Soleil, a maior favela de Porto Príncipe, capital do Haiti. Na época, saí de lá convencido de que a humanidade não havia dado certo. Como era possível pessoas viverem naquela condição a meros 40 minutos de voo da Flórida?

Aquele gosto amargo ameaçava se repetir, mas dessa vez no Brasil, em casa. Pelo menos ali havia Carlos Jorge, que virou uma potência. Hoje lidera a ONG Manda Ver, que atende centenas de crianças, jovens e adultos. Em parceria com a escola pública do bairro, conseguiu quadruplicar o número de alunos matriculados. E só não faz mais, por que lhe faltam recursos.

As favelas na região do Vergel do Lago —Mundaú, Sururu de Capote, Torre, Peixe e Muvuca— deveriam ser visitadas por todos, principalmente pela elite inerte deste país.

A maior parte da comunidade vive da cadeia produtiva do sururu, um tipo de marisco. Trabalho duro, que rende míseros R$ 0,50 por quilo.

Deixei a Favela do Mundaú com a cabeça fervendo. Ninguém pode se sentir rico no Brasil enquanto houver tanta pobreza por aí.

Poucas semanas se passaram desde a minha visita, e agora o Brasil se curva frente à pandemia. Os 7.000 cidadãos das favelas de Vergel do Lago já estão sem renda.

Hélio Schwartsman - O pior cenário

- Folha de S. Paulo

Um cenário epidemiológico mais assustador pode afetar a magnitude da epidemia

Quanta gente vai morrer na pandemia de Covid-19? A pergunta é, por ora, irrespondível, embora não faltem modelos epidemiológicos que tentam oferecer às autoridades sanitárias uma base minimamente racional para a tomada de decisões.

Os cenários traçados nessas simulações vão desde os verdadeiramente lúgubres, que preveem, na pior hipótese, 40,6 milhões de óbitos globais (Imperial College), aos mais róseos, nos quais menos de um de cada mil infectados fica doente o bastante para precisar de tratamento médico (Oxford).

Bruno Boghossian - Bolsonaro sentiu o baque

- Folha de S. Paulo

Quem dizia só lamentar a morte de milhares de brasileiros finge agora alguma preocupação

Jair Bolsonaro sentiu o baque. Por semanas, o presidente desprezou os alertas de autoridades internacionais sobre a gravidade do coronavírus. Agora, ele busca uma correção de rumo forçada, com direito a falsificação das avaliações técnicas desses mesmos personagens.

O presidente abandonou os diminutivos "resfriadinho" e "gripezinha" em seu pronunciamento desta terça (31). Depois de conduzir a crise com uma estratégia cruel e insensata, Bolsonaro percebeu que a catástrofe na saúde pública poderia esfarelar a popularidade de seu governo.

O homem que dizia apenas lamentar a morte de milhares de brasileiros resolveu fingir alguma preocupação com a saúde da população. Ensaiou um lance de empatia com os espectadores, afirmou já ter perdido entes queridos e emendou: "Sei o quanto isso é doloroso".

Elio Gaspari - A lição do SUS para o mundo

- Folha de S. Paulo / O Globo

Capotou o Brasil Paraíso dos grandes grupos de medicina privada

Em agosto passado, numa entrevista à repórter Érica Fraga, o professor José Pastore avisou: “Nosso mercado de seguros e previdência ainda não despertou para o fato de que 50% da população economicamente ativa está na informalidade”. Com que proteção? “Nada, zero. Nem proteção trabalhista, nem CLT, nem previdência, nem seguro-saúde, nada.”

Ele foi adiante: “No novo mundo do trabalho, você tem três enfermeiras num mesmo hospital. Uma é fixa, outra é terceirizada e a outra, freelancer. Fazem a mesma coisa, mas têm remuneração e benefícios diferentes. Isso é um escândalo para o direito do trabalho convencional”.

Tristemente, esse Brasil Fantasia explodiu com a epidemia da Covid-19. Capotou a economia que estava a “um milímetro do paraíso” (palavras de Paulo Guedes) com 38 milhões de brasileiros na informalidade. Capotou também o Brasil Paraíso dos grandes grupos de medicina privada. A conta da Covid-19 está nas costas do SUS, o patinho feio da medicina nacional.

Alguém poderia supor que num país desigual a desigualdade seria desigualmente repartida. Ilusão.

Ruy Castro* - Bolsonaro Jones

- Folha de S. Paulo

Em busca do recorde de Jim Jones na categoria holocausto particular

Em novembro de 1978, um americano, James Warren Jones, 47 anos, "reverendo" da seita Templo do Povo, fundada por ele mesmo, induziu seus 909 seguidores numa comunidade agrícola chamada Jonestown, na Guiana, a cometer suicídio em massa, tomando suco de frutas (sabor uva) misturado com cianeto. Os primeiros a morrer foram as 276 crianças do local, envenenadas pelos pais. Em seguida, estes se deitaram e tomaram a beberagem fatal. Ato contínuo, Jim Jones, como passou à história, se matou com uma bala na cabeça.

Seu argumento para convencer os fiéis a morrer foi uma ameaça de invasão da comunidade por um suposto inimigo, nunca devidamente definido, que os escravizaria e submeteria a lavagem cerebral. O conteúdo das pregações de Jones era confuso e envolvia marxismo, budismo e metodismo, tudo embrulhado em roupagem messiânica ao estilo de Stalin ou Hitler. Não por acaso, sua mãe, quando ele nasceu, em 1931, na rural e atrasada Indiana, dizia ter dado à luz um "messias". Jones também devia se ver assim, porque parecia acreditar no que dizia. O fato é que nenhum outro líder carismático levou tantos seguidores —quase mil, de uma só vez e a uma simples ordem— tão cegamente à morte. Até agora.

Igor Gielow - Bolsonaro ponderado que recuou na TV pode ter chegado tarde à crise

- Folha de S. Paulo

Tutela militar sobre o pronunciamento do presidente é evidente até na escolha de frase de efeito

Nem parecia Jair Bolsonaro. O presidente que surgiu no pronunciamento em rede nacional na noite desta terça (31) adotou um tom mais tranquilo, ponderado e sem grandes malabarismos retóricos.

Parece tudo sob medida para servir de vacina contra os murmúrios de crime de responsabilidade em torno de sua condução na crise do novo coronavírus, mas talvez o presidente tenha demorado demais.

Seja como for, depois de falar em "gripezinha" e de supor que seu "histórico de atleta" o tornaria quase imune aos efeitos da Covid-19, como disse no apoplético pronunciamento da terça-feira passada (24), Bolsonaro agora sacou o "maior desafio da nossa geração" para definir a pandemia instalada entre nós.

O termo não saiu do nada. Ele foi tirado da fala do comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que em mensagem gravada na semana passada falou em "maior missão de nossa geração", e trai a origem da inspiração do novo posicionamento do presidente.

Se os militares, sejam da ativa ou da ala abrigada no Palácio do Planalto e em outros prédios da Esplanada dos Ministérios, concordam de forma geral que há riscos de instabilidade social associados à crise econômica que quase certamente se agravará com a Covid-19, ninguém estava satisfeito com a posição de Bolsonaro até aqui.

A gota d´água foi a visita do presidente a comerciantes em área popular do Distrito Federal no domingo (29), um dia depois de ouvir do ministro da Saúde, o engolidor de sapos Luiz Henrique Mandetta, que o isolamento parcial defendido por Bolsonaro "por princípio" não era exequível, nem recomendável.

Vinicius Torres Freire - Governo federal está lento diz Meirelles

- Folha de S. Paulo

Ideias vão na linha correta, mas falta levá-las à prática, diz ex-ministro e secretário paulista

Nos últimos dias, o governo de São Paulo tem ouvido clientes de bancos reclamarem de juros em alta e da redução da oferta de crédito —da dificuldade crescente de conseguir empréstimos a taxas e prazos suportáveis, enfim.

O governador do estado, João Doria, e seu secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, conversaram com os bancos a respeito, segundo o próprio Meirelles, ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco Central e ex-banqueiro.

O que os bancos disseram? Meirelles não se estende sobre o assunto. Em resumo, disseram um “não é bem assim”.

“Levamos a preocupação, as queixas sobre cortes de linha de crédito etc. Não temos os dados, claro. O Banco Central tem, em tempo real, pode saber o spread, a oferta de crédito. Mas deve haver uma contração de crédito com uma crise deste tamanho”, diz Meirelles.

Vera Magalhães - 31 de março/1º de abril

- O Estado de S.Paulo

País tem pior dia da pandemia entre apologia ao arbítrio e o império da mentira

Este texto é escrito no aniversário do golpe militar de 1964, e será lido no Dia da Mentira. Essa mudança no calendário ocorre no momento em que vivemos o agravamento da pandemia do novo coronavírus submetidos, de um lado, à apologia do arbítrio e, de outro, ao império da mentira como política de Estado.

Eis por que o País passou o dia prendendo o fôlego já curto, imaginando se o pronunciamento de rádio e TV de Jair Bolsonaro seria para espalhar fake news sobre a pandemia e mandar as pessoas saírem às ruas ou para louvar a ditadura. Ou ambas as coisas.

Mas o que se viu e ouviu foi um presidente assustado recuar de todas as bravatas recentes e fazer apenas menção à ajuda das Forças Armadas no combate à pandemia, sem revisionismo histórico.

Bolsonaro pela primeira vez colocou a defesa da vida à frente da dos empregos. Procurou mostrar empatia sincera enquanto lia um teleprompter com expressão e olhos contraídos.

O suspense que antecedeu o pronunciamento era extensivo a ministros, que não sabiam qual seria o tom da fala. Não por acaso. O presidente começou o aniversário do golpe na toada do confronto e da mentira: reuniu sua claque de blogueiros e youtubers fanáticos para interromper e hostilizar os jornalistas na frente do Palácio da Alvorada. Desta vez, no entanto, a imprensa virou as costas e foi embora. Deixou o presidente nu: solitário e cercado de acólitos, o que tem sido a marca de seu governo em 2020.

Rosângela Bittar - Quarentena de votos

- O Estado de S.Paulo

Há uma ciência que Jair Bolsonaro ouve: a da análise das pesquisas de opinião

Jair Bolsonaro nutre profunda descrença pela ciência. Ou, talvez, não faça a mais pálida ideia do que seja. Como, por sinal, demonstrou na formação do governo, ao chamar um astronauta para conduzi-la, refletindo, com isso, sua visão sobre a órbita da pesquisa e da inovação no Brasil.

Mas há uma ciência a que dá ouvidos: a da análise aritmética das pesquisas de opinião. Entre estas e o avassalador ciclo da pandemia que assombra o mundo, sua opção foi ignorar urbi et orbi, até relevar os pitos que tomou das autoridades mundiais, para escolher o que lhe interessa de verdade, a campanha da reeleição.

A rota de fim do mundo que a covid-19 sugere não é problema para o presidente. Bolsonaro, à vontade como um médico que não é, até receitou remédio, de eficácia duvidosa e efeito colateral certeiro, desafiando a doença. Também pediu conformismo diante das estatísticas da morte, já que, na sua lógica displicente, todos morreremos um dia. Limitou a estas suas considerações.

Fábio Alves - Voo cego na Bolsa

- O Estado de S. Paulo

O mercado só terá noção precisa do estrago causado pelo coronavírus em julho

Em reação ao tombo da Bolsa e ao temor crescente de uma recessão na economia brasileira, vários analistas já começaram a revisar fortemente para baixo suas projeções para o Ibovespa no fim deste ano, seguindo o que os economistas vêm fazendo em relação à estimativa de PIB em 2020, mas a verdade é que o mercado está ainda completamente no escuro sobre o tamanho do estrago que a pandemia do coronavírus causará à atividade econômica e, por tabela, aos lucros das empresas.

Os estrategistas do Bank of America Merrill Lynch, por exemplo, reduziram a projeção para o Ibovespa ao fim de 2020, de 130 mil pontos para 87 mil pontos. Já o banco Fator passou a estimar o índice a 48 mil pontos. A previsão do PIB em 2020 tem variado entre uma queda de 0,5% até uma contração superior a 4%.

Analistas, economistas e investidores estão num voo cego: sem precedente histórico de uma pandemia que paralisou a economia globalmente de forma súbita e com os indicadores de atividade ainda apontando para uma realidade anterior à crise, as oscilações na Bolsa têm sido brutais, levando o Ibovespa a despencar num dia e disparar no dia seguinte.

Maria Cristina Fernandes - Discurso dá guinada contra isolamento

- Valor Econômico

Presidente dá guinada de 180 graus e abandona o discurso da “histeria e pânico” que marcou o pronunciamento anterior

Numa reação ao isolamento que lhe foi imposto desde o pronunciamento da semana passada, o presidente Jair Bolsonaro girou em 180 graus sua abordagem sobre a pandemia em pronunciamento em rede nacional. 

No pior dia desde o início do enfrentamento do coronavírus no Brasil, quando foram registrados 42 mortos e 1.138 novos casos, o presidente abandonou o discurso da “histeria e pânico” que marcou o pronunciamento anterior. Disse que os efeitos das medidas não podem ser piores do que a doença que visam combater. “Minha preocupação sempre foi a de salvar vidas, tanto aquelas ameaçadas pela pandemia quanto pelo desemprego”.

O presidente voltou a comparar sua abordagem àquela feita pelo diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Bolsonaro citou um trecho do discurso do dirigente da OMS em que ele lembra sua origem pobre para se dizer preocupado com aqueles que precisam trabalhar para ganhar a vida.

Omitiu, no entanto, que este trecho foi precedido pela ponderação de Ghebreyesus de que os governos, ao adotarem medidas para restringir a circulação, devem garantir apoio às pessoas que perderam renda e aos mais velhos e vulneráveis.

Cristiano Romero* - E assim caminha a humanidade

- Valor Econômico

Civilização vive pendor para o totalitarismo que parecia adormecido

Cientistas nunca chegaram a um acordo para definir se um vírus é ou não um ser vivo. Eles carregam material genético, mas não têm célula como as bactérias, por isso, dependem das células de um ser vivo para se reproduzir e, dessa forma, viver. Viver? Mas, como, se não são seres vivos? Parasitas obrigatórios, sua missão é odiosa. Eles infiltram seu código genético em células dos hospedeiros, mudam a programação original, fazendo com que as células produzam vírus até explodir. O plano é diabólico: a explosão não é um ato suicida; ela libera milhões, bilhões de partículas, prontas para infectar outros corpos.

Volta e meia brotam da natureza vírus com grande capacidade de assombrar a humanidade. Nossos avós fizeram relatos terríveis sobre a gripe “espanhola” teria infectado, entre 1918 e 1920, um quarto da população mundial na época (2 bilhões) e matado pelo menos 17 milhões de pessoas - os números da tragédia são muito díspares; há dados sustentando a morte de 50 milhões e até de 100 milhões de pessoas.

Os vírus são específicos para cada hospedeiro. O novo coronavírus covid-19 apareceu para infectar seres humanos. Chama-se covid-19 porque foi descoberto pelos chineses em 2019, aliás, no derradeiro dia do ano. Isso é assustador porque, em menos de três meses, o novo coronavírus chegou aos quatro cantos do planeta, a todos os Estados de três (China, Estados Unidos e Brasil) dos cinco maiores países.

Fernando Exman* - Oportunidade para a política tradicional

- Valor Econômico

Congresso e Estados constroem saídas para a crise

A política, tão difamada pelo presidente Jair Bolsonaro, tem a grande oportunidade de refazer sua imagem perante a população. Diante da demora do Executivo em adotar as medidas necessárias para combater os efeitos socioeconômicos da pandemia provocada pelo novo coronavírus, foi a política quem tirou o Estado da inércia.

Parlamentares e governadores tomaram a dianteira na construção de saídas para a crise, enquanto o poder central claudicava, mostrando a importância do sistema de pesos e contrapesos em uma República. O risco que se coloca, porém, é o governo Bolsonaro também ajudar a reabilitar os aspectos mais nefastos da chamada política tradicional.

Os primeiros casos de covid-19 surgiram na China no fim do ano passado, mas neste primeiro momento apenas as autoridades de saúde entraram em alerta. Aos poucos, mais áreas do governo passaram a monitorar o avanço da doença. A cúpula do Executivo só caiu em si quando a Itália sucumbiu.

Diante da insistência do presidente da República em relativizar o problema, os congressistas demandaram que Bolsonaro assumisse o protagonismo que o sistema presidencialista pressupõe. Ele atendeu o pleito, mas não exatamente como queriam os parlamentares. Como de costume, preferiu partir para o ataque contra o próprio Congresso e os governadores que adotaram medidas mais restritivas para tentar conter o avanço do vírus.

A cúpula do Congresso e os partidos políticos decidiram, então, não ficar apenas aguardando. Optaram por adiar temporariamente a agenda de reformas que eles mesmos haviam construído e montar uma pauta emergencial. A iniciativa uniu partidos de esquerda, de centro e de direita, os mais intervencionistas e os mais ortodoxos: concluiu-se que será preciso usar todo o instrumental disponível para salvar empresas, manter empregos e preservar vidas.

Tiago Cavalcanti* - Desafios de uma pandemia

- Valor Econômico

O que falta é uma estratégia clara da Presidência da República. A ausência de ações é a pior política

A revista americana Wired lançou em 2002 um programa de apostas de longo prazo (“long bets”) entre influentes cientistas. A ideia dessas apostas era tentar prever futuros avanços na ciência, tecnologia e mudanças na humanidade que poderiam ocorrer nas décadas seguintes.

O astrônomo Martin Rees, fundador do Centro de Riscos Existenciais da Humanidade da Universidade de Cambridge, apostou que, entre 2002 e 2020, uma pandemia, causada por bio-terror ou não, levaria à morte milhares de pessoas. Não há dúvidas que Martin Rees, humanista, preferiria perder essa aposta. Contudo, o mundo cada vez mais interconectado facilita o contágio global de algum vírus que o ser humano ainda não tem imunidade.

O planeta inteiro está em estado de pânico pela pandemia chamada de Coronavírus ou covid-19. Até o dia de hoje, já há registros de mais de 800 mil casos de coronavírus em 200 países. O número de infectados é bem superior já que a maioria das pessoas não é testada. O número de mortes está acima de 40 mil pessoas.

Apesar da atual pandemia ser a crise de saúde e (talvez a) econômica mais importante da geração que nasceu após a Segunda Guerra Mundial, é importante lembrar que a história humana tem sido marcada por ciclos de epidemias. Em geral, são ataques naturais que atingem todos os espaços geográficos e setores da sociedade. No entanto, cientistas cada vez mais tem alertado para um possível terror biológico.

Há registros de epidemias com potencial de dizimar uma fração importante da população desde o declínio do período Neolítico, por volta de 3000 AC. Como, por exemplo, a “Praga de Atenas” entre 430 e 426 AC, quando 30% da população ateniense pereceu por um surto de varíola; ou a “Praga de Cipriano”, epidemia de sarampo e varíola, entre os anos 249 e 262 da era Cristã, que devastou o Império Romano.

Vinicius Carvalho* Coronavírus e a ‘irrevogável’ lei da oferta e da procura

- Valor Econômico

Excesso de mercado pode gerar efeitos severos sobre o tecido social. Nessa hora, o Estado tem de ser melhor e não pior que o mercado

Recentemente, o “The New York Times” divulgou matéria tratando de tema que vem recebendo atenção também no Brasil: a venda de produtos de higiene em tempos de coronavírus. Alguns países, como os Estados Unidos, divulgaram medidas de acompanhamento e punição por aumento de preços de materiais como álcool-gel, luvas e máscaras. Com receio de sanções, plataformas como Amazon e Bay passaram a desativar contas de ofertantes que estavam praticando preços maiores que em períodos anteriores. O primeiro movimento do tipo foi visto no Brasil quando a OAB/CE solicitou que o governo federal congele os preços de produtos.

Medidas assim parecem uma solução fácil, mas na verdade não mitigam e muitas vezes até agravam o problema. Em uma economia de mercado, o padrão utilizado para lidar com a alocação de um bem escasso é o preço. O critério é simples: adquire o bem quem estiver disposto a pagar mais. Evidentemente, em uma crise de saúde de tamanhas proporções, esse critério parece - e muitas vezes é - perverso. Mas simplesmente congelar os preços ou impedir vendas não elimina o problema original: há mais demanda do que oferta.

Há sérias dúvidas, portanto, se cortar fornecedores e congelar preços é o caminho. O mesmo vale para o confisco de produtos, já observado em alguns Estados. Tais medidas podem inclusive piorar a crise. Nos casos de interrupção de fornecedores e confisco, o problema é óbvio: a oferta do produto diminui ainda mais. Eliminar completamente o mecanismo de oferta e demanda não tem se mostrado eficiente.

O resultado das medidas adotadas no caso Amazon foi indesejado: o vendedor tem uma demanda reprimida e grande quantidade de produto disponível, mas é impedido de vender o material. Já o congelamento, para além de não endereçar o problema da oferta escassa, pode também piorá-lo.

É que o mecanismo de oferta e demanda opera de forma que, se a procura por um determinado produto aumenta, aumenta também o incentivo para que ele seja fabricado. Boa parte desse incentivo para aumento de produção passa por uma fase inicial de escassez, em que o valor do produto na prateleira sobe. Se os preços são congelados, o mecanismo pode falhar, afinal o produtor não verifica o benefício em aumentar a oferta ao mercado.

Martin Wolf* - Tragédia de duas superpotências falhas

- Valor Econômico

Qualquer ordem mundial depende da cooperação entre os Estados mais fortes

A história se acelera em crises. Esta pandemia pode não transformar o mundo por si só, mas pode acelerar mudanças que já estavam em andamento. Uma delas é a relação entre China, a superpotência ainda em formação, e os Estados Unidos, a atual superpotência. Ser uma superpotência não é apenas uma questão de força bruta, mas também de ser visto como um líder competente e decente. Depois das vitórias na Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria, os EUA eram um líder desse tipo. A China, apesar da força econômica cada vez maior, não. Mas os tempos mudam. O coronavírus pode acelerar o processo.

Kishore Mahbubani, um ex-diplomata de Cingapura, escreveu um livro marcadamente provocador sobre a luta pela primazia entre as duas superpotências sob o provocador título “Has the West Lost It?: A Provocation” (algo como, “O Ocidente Perdeu?: Uma Provocação”, em inglês). A resposta, sugere ele, é “ainda não”. Mas poderá. Isso não apenas pelo seu tamanho, mas também pelos erros americanos, incluindo suas falsas percepções sobre a realidade chinesa. Talvez, a conclusão mais importante a extrair de sua análise é que a influência mundial deriva das próprias escolhas.

China e EUA cometeram, ambos, grandes erros. Mas o fracasso dos EUA em criar uma prosperidade compartilhada em casa e sua belicosidade no exterior estão se mostrando impeditivos. A deplorável presidência de um incompetente maléfico é um dos resultados disso.

Agora, veio o vírus, um evento não considerado no livro. A pandemia direciona os duros holofotes sobre a competência e a decência das superpotências. Faz o mesmo sobre a solidariedade (ou sua ausência) da União Europeia, a efetividade dos Estados, a vulnerabilidade das finanças e a capacidade de cooperação mundial. Em tudo isso, o desempenho dos EUA e da China é de suprema importância. Então, o que sabemos?

O que a mídia pensa - Editoriais

Luta contra covid-19 segue, sem e apesar de Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico

Bolsonaro projetou-se, em um mundo que tinha até ontem mais de 41 mil mortos, como um dos líderes mais irresponsáveis do planeta

O presidente Jair Bolsonaro não foi infectado pelo coronavírus, mas o comportamento de parlamentares, governadores e ministros é o de como se ele tivesse sido - um prudente afastamento. O presidente está sendo isolado e em breve estará falando sozinho nos corredores do poder, à espera de que sua turma nas redes sociais ainda o escute com atenção.

O afastamento, como no caso do coronavírus, é uma estratégia de defesa. O ministro da Saúde, Luiz Mandetta, segue em frente com a única estratégia sensata e científica disponível para o país - que não possui insumos suficientes para testes em massa.

O ministro Paulo Guedes acordou para a necessidade de criar uma rede de proteção social à altura da devastação econômica que a covid-19 provocará e o Congresso acelerou e aperfeiçoou as medidas que estão prestes a ser executadas. Diques de defesa na saúde e na economia estão sendo levantados em uma união de esforços. Só o presidente da República age como se tudo isso fosse bobagem.

Música | Alceu Valença - Na primeira manhã

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Infância (Vídeo)