terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Merval Pereira - Um poder relevante

O Globo

Eleições legislativas têm importância para futuro do governo

Diz-se que o vice é um nada às vésperas de tudo. Segundo e terceiro na linha de sucessão da Presidência da República, os presidentes da Câmara e do Senado não têm a chance de virar “tudo”, mas também são um “nada” relativo. Se os cargos de presidente e vice ficarem vagos nos dois primeiros anos, assume interinamente a Presidência da República o presidente da Câmara, mas terá de convocar uma eleição direta para a escolha do novo presidente. Caso essa necessidade aconteça nos dois anos finais, a sucessão será definida por eleição indireta no Congresso.

As disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, que serão decididas amanhã na reabertura dos trabalhos legislativos, têm paradoxalmente importância política relevante no desenrolar dos governos, mas relativa na vida política pessoal de seus ocupantes.

São dois anos de mandato que colocam em evidência seus detentores, mas não costumam historicamente alavancar suas carreiras à Presidência da República. Trata-se de um poder mais interno que externo, dependendo dos casos, maior até mesmo que o do presidente da República.

João Feres Júnior* - Não há alternativa a não ser combater a extrema direita

O Globo

É preciso mirar nos financiadores, mostrando que a atividade política ilegal não é tolerável para além de 8 de janeiro

A invasão e depredação das sedes dos Três Poderes da República — levada a cabo por bolsonaristas radicalizados no dia 8 de janeiro — foi somente o clímax de uma cruzada contra as instituições democráticas que Bolsonaro e seus seguidores mais próximos vêm conduzindo desde a eleição de 2018. Quem não se lembra da ameaça do “cabo e soldado”, proferida por um de seus porta-vozes, o filho Eduardo?

Durante o mandato, o bolsonarismo mirou principalmente no STF, uma vez que ocupava o Executivo e conseguiu pacificar o Legislativo à custa de um acordo altamente danoso à administração pública federal. Ao longo da campanha de 2022, o TSE foi incluído na mira do ódio extremista.

Uma vez perdida a eleição, o Executivo, agora ocupado pelo PT, tornou-se o alvo primordial, e o Congresso — em via de celebrar mais um acordo de sustentação da governabilidade — já não poderia ser contado como aliado. Agora, o governo como um todo, o regime mesmo, tornou-se alvo da extrema direita. A invasão da Praça dos Três Poderes —imitação tosca da invasão do Capitólio há dois anos — parecia uma consequência lógica para quem vive no mundo de fantasias criado pelo bolsonarismo.

Carlos Andreazza - Lira lá

O Globo

Tudo o mais constante, a Câmara reelegerá Arthur Lira presidente. Será devastador para a democracia representativa. Que, numa quadra em que o Parlamento vai desafiado por grupos influentes eleitos sob a agenda antissistema, reeleja-se um agente autoritário cujo exercício truculento do poder conjugue modos variados de dilapidação da atividade legislativa e favoreça, pois, o progresso da prática antipolítica que corrói a República.

Lira presta serviço à mentalidade autocrática. Destrói por dentro, em resumo. Deriva desse modus operandi a afinidade que, mais até que a relação utilitária em função do orçamento secreto, deu fluência à sociedade que manteve com Jair Bolsonaro.

Lira mina o Parlamento. Não faz política. Decide. Atropela. Cada vez com menos resistência. Porque distribui. O que sobrar, esmaga. É um presidente da Câmara, a arena em essência para discussão e dissenso, cuja força provém de controle orçamentário sem igual, materializado no aterramento sem precedentes de mecanismos regimentais de resistência — existência — de oposições e, portanto, na imposição sumária de agendas.

Luiz Carlos Azedo - Estava em curso o genocídio dos ianomâmis

Correio Braziliense

Barroso tomou a decisão de mandar investigar a grave situação dos nossos indígenas, como os Ianomâmis, com base nos fatos já comprovados

Não poderia ser diferente, depois da reportagem da jornalista Sônia Bridi na reserva Indígena Ianomâmi, domingo, no Fantástico (TV Globo). O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, ontem, a investigação da possível prática dos crimes de genocídio de indígenas e de desobediência de decisões judiciais por parte de autoridades do governo Jair Bolsonaro.

São imagens chocantes, que equivalem às das crianças do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, cujas fotos me embrulharam o estômago quando lá estive e vi montanhas de sapatos, brinquedos, agasalhos, próteses, óculos e outros pertences pessoais que lhes foram tirados. O que mais impressiona é a "racionalidade" com que tudo foi feito, a partir da "banalidade do mal", como disse a filósofa judia-alemã Hannah Arendt.

O conceito foi cunhado a partir do julgamento em Jerusalém do criminoso de guerra nazista Karl Adolf Eichmann, responsável por ocupar funções na Seção de Assuntos Judaicos do Departamento de Segurança de Berlim. Um dos principais colaboradores de Hitler, acusado pela morte de inúmeros judeus, Eichmann havia fugido para a Argentina, onde foi localizado por agentes israelenses, que o sequestraram e levaram para Jerusalém, onde foi julgado e condenado à morte.

Winston Fritsch e Izabella Teixeira* - Amazônia: soluções não só de mercado

Valor Econômico

É tempo de dar um passo no caminho de um novo protagonismo na proteção tempestiva da Amazônia

O Mercado Voluntário de Carbono, conhecido internacionalmente pela sigla em inglês VCM. é, basicamente, uma rede de transações não oficialmente regulada, que tem sido crescentemente usada para incentivar investimentos em projetos de restauração e preservação de florestas. Ele emergiu como uma resposta positiva de mercado à falta de soluções efetivas por compensação para a mitigação de emissões de carbono e vem crescendo bem mais que os fragmentados mercados oficialmente regulados de créditos de carbono.

A base do funcionamento deste mercado “autorregulado” é a credibilidade - ou, como se diz no jargão anglicizado do ramo, a “integridade” - das estimativas e certificação dos volumes de carbono sequestrado que geram os créditos transacionados. Esta integridade é garantida por instituições sem fins lucrativos que albergam os standards e empresas certificadoras privadas e, na prática, a emissão dos créditos, especialmente em projetos florestais, requer abordagem metodológica complexa e modelos de construção técnica que ainda necessitam de maior eficiência para permitir sua real escalabilidade.

Pedro Cafardo - Investir não é perigoso muito pelo contrário

Valor Econômico

Mídia precisa cuidar para não exagerar no pânico fiscal

Uma preocupação da nova administração econômica do governo federal deveria ser o combate ao discurso dominante segundo o qual o investimento público é perigoso. Esse discurso, pela avaliação do prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, decorre de um consenso elitista de que os déficits de orçamento são uma ameaça grave, até existencial ao Estado, algo que se mostrou completamente errado nos EUA.

De vez em quando, é preciso dizer obviedades. Fazer investimentos públicos, principalmente em infraestrutura, setor altamente gerador de empregos, não é perigoso. Despejar zilhões de reais nessa rubrica, sem nenhum controle, certamente traz risco. Mas a contenção radical de investimentos é ainda mais perigosa, como se pôde observar nos últimos anos.

Raphael Di Cunto - O grande risco para os planos de Haddad

Valor Econômico

Sucessão de 2026 alimenta fogo amigo contra o ministro

A antipatia do mercado financeiro e de empresários ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), está longe de ser o principal desafio à gestão dele. É na política que residem as maiores cascas de banana. O risco não é nem tanto o provocado por inimigos externos, a oposição que pode se beneficiar dos problemas na economia, mas o fogo amigo que tende a arder intensamente nos próximos quatro anos. O governo Lula 3 começou com muita gente já pensando na eleição de 2026. Se Haddad cair, é numerosa a lista de petistas que podem sonhar em virar presidente do Brasil.

Os atuais 77 anos do presidente, 81 ao final do mandato, desaconselham a reeleição por ora ventilada por setores do partido. O nome hoje posto para substitui-lo como candidato à Presidência é o de Haddad, a quem Lula prepara há mais de uma década para ser seu sucessor. A confiança entre ambos é tanta que o ex-prefeito de São Paulo foi escolhido para o ministério de maior protagonismo da Esplanada - mas também aquele de quem mais são cobrados resultados.

Cristina Serra - A tocaia de Lira

Folha de S. Paulo

Ele nem se preocupou em disfarçar a compra de votos dos parlamentares

É dada como certa a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) para mais dois anos na presidência da Câmara dos Deputados, contando com o apoio declarado de 20 partidos, num arco tão amplo quanto bizarro, que reúne do PT à extrema direita.

A vitória de Lira será um veneno para a reconstrução da normalidade institucional. Não se pode avaliar o estrago que Bolsonaro deixou no Brasil sem considerar a cumplicidade do chefe da gangue parlamentar vulgarmente conhecida como centrão. Lira jogou no lixo mais de 140 pedidos de impeachment de Bolsonaro e adotou como norma o silêncio conivente diante da pregação golpista do fugitivo, ora na Flórida. Por meio do orçamento secreto, operou engrenagem de corrupção jamais vista na Câmara e, com atraso, extinta pelo STF.

Alvaro Costa e Silva - Chave de cadeia

Folha de S. Paulo

Os patriotas presos por envolvimento no 8 de janeiro que o digam

Para usar um termo da gíria entre bandidos, Bolsonaro é hoje chave de cadeia. Significa pessoa a evitar, que só traz aborrecimentos e estorvos, e pode causar situações de risco e pôr o comparsa em condições adversas. Literalmente atrás das grades. Os "patriotas" envolvidos na intentona de 8 de janeiro, que estão sendo expostos nas redes e afastados dos empregos, investigados pela PF, presos na Papuda ou na Colmeia e tendo os bens bloqueados, percebem a essência da expressão.

Não fosse o entendimento do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e do subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, mais bolsonaristas teriam dançado. Ambos negaram pedidos de suspensão da posse de 11 deputados federais acusados de incentivar ou participar dos atos golpistas.

Hélio Schwartsman - Língua livre

Folha de S. Paulo

PT golpeia regras do bom debate ao chamar impeachment de golpe

Mais que democrática, a língua é libertária. É verdade que gramáticos prescricionistas tentam agrilhoá-la a regras, mas sua autoridade não vai muito além das provas de português, um pedaço pequeno da linguagem. No mundo real, cada falante diz o que quer, imprimindo suas idiossincrasias ao idioma. As inovações são então submetidas a um processo de digestão linguística, ao fim do qual algumas mudanças serão incorporadas, e a maioria, rejeitada, não passando de modismos. Já apanhei por escrever isso, mas não existe erro de português. Só o que temos são utilizações mais ou menos adequadas ao contexto.

Joel Pinheiro da Fonseca - Genocídio indígena por omissão?

Folha de S. Paulo

Os dedos do governo Bolsonaro atuam em várias frentes na tragédia dos yanomamis

De 1848 a 1855, a "corrida do ouro" da Califórnia levou milhares de garimpeiros sedentos por ouro para o novo estado recém-conquistado na guerra contra o México. No processo, dezenas de milhares de indígenas foram mortos por violência, epidemias e fome. O "genocídio da Califórnia", como ficou conhecido, teve participação direta inclusive de agentes do Estado norte-americano.

O governo Bolsonaro não mandou homens armados, não comandou garimpeiros, não despejou diretamente mercúrio nos rios nem carregou o protozoário da malária para matar os yanomamis. Ao deixar que a corrida do ouro da Terra Indígena Yanomami ocorresse com mais liberdade do que nunca, no entanto, e ao sonegar medidas de cuidado básico com a população indígena, produziu o mesmo resultado.

Eliane Cantanhêde - Dois lados da mesma moeda social

O Estado de S. Paulo

Só tirar os garimpeiros não é solução, é trocar um problema por outro, ou somar os dois

É óbvio que o prioritário neste momento é salvar a vida, a reserva e o futuro dos Yanomamis, que estão morrendo a golpes de invasões, mercúrio, descuido e ações assassinas, mas só retirar tantos milhares de garimpeiros ilegais da área não é solução, é trocar um problema por outro. Ou somar dois problemas. Setores sensíveis do próprio governo discutem isso.

Nem todos os garimpeiros são milionários, têm aviões e tratores. Esses são a minoria que, além de destruir as condições de vida dos Yanomamis, explora e abusa dos próprios garimpeiros, em geral pobres coitados que não têm educação, saúde, compreensão da situação e vivem do garimpo, de pai para filho.

Pedro Fernando Nery - Farinha de grilo

O Estado de S. Paulo

Não faltaram fake news sobre políticas públicas logo na primeira semana do novo governo

Os painéis da morte serão formados por burocratas do Estado. Eles decidirão se os seus parentes merecem viver. Fazem parte da proposta de Barack Obama para a reforma do sistema de saúde e, evidentemente, eram uma fake news. Talvez o primeiro caso de impacto de “desinformação sobre políticas públicas” via redes sociais – prática que o governo brasileiro quer formalmente combater.

Na semana passada, começou a venda da “farinha de grilo” na União Europeia. Pó com grande quantidade de proteína e baixo impacto ambiental, passou a ser comercializado por apenas uma empresa, talvez visando um nicho de consumidores que tope experimentar a alternativa mais ecológica para substituir proteína animal.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* ´ O calote que pode vir do "sur"

"Alguém tem alguma dúvida de que a Argentina dará um calote em sur?!"  Novidade ou novo desafio? Assim aconteceu, de maneira parecida, com a invasão da refinaria da Petrobras na Bolívia, com os financiamentos do Brasil   à Venezuela, à Cuba e para alguns países africanos destinados a obras que teriam sido realizadas por ali. O alerta é do economista da Fundação Getúlio Vargas, Samuel Pessoa, em artigo publicado neste fim de semana no jornal Folha de São Paulo.  A boa vontade em ajudar a Argentina está sugerindo, entre outras iniciativas, a instituição de uma moeda comum para financiar o comércio bilateral. "Terminará em animosidade!", profetiza Pessoa.

Confesso que levei o maior susto com a advertência do economista uspiano (USP). Considerando que já existe um mecanismo chamado Convênio de Pagamento de Créditos Recíprocos (escritural), usado pelos bancos centrais dos países. A Argentina tem sabidamente um histórico dramático de calote para liquidação de suas dívidas, internas e externas. Essa história de moeda comum (sur) pode custar caro aos brasileiros, como ocorre com o Paraguai, em Itaipu, que opera com um referencial monetário comum. Em reais, o Paraguai deve R$ 9 bilhões ao Brasil só de consumo da energia de Itaipu.  Na América Latina, diz Pessoa, desejamos sempre arrumar um inimigo, não para fazer guerra, mas para esconder a incompetência ". Investe-se na memória curta dos cidadãos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Rever metas de inflação seria um equívoco

O Globo

Para facilitar ação do BC, Lula precisa repetir os acertos de seu primeiro governo, não erros do governo Dilma

Está previsto para amanhã o primeiro anúncio do Banco Central (BC) sobre juros desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é que sejam mantidos em 13,75%. Mas é outro o motivo que preocupa os agentes econômicos. O discurso populista de Lula contra o BC, repetido ad nauseam no início do mandato, alimenta a especulação de que o governo tente levar o Conselho Monetário Nacional (CMN) a rever as metas de inflação para os próximos dois anos.

Lula já acusou o BC de incompetência e afirmou que as metas de inflação são duras demais, por isso os juros são altos — duas acusações sem amparo na realidade. Em vigor desde 1999, o sistema de metas é um dos pilares da credibilidade do real. Ao divulgar com antecedência o percentual que o BC deve perseguir, o CMN ancora as expectativas de consumidores, empresários e investidores. O objetivo deste ano é 3,25%. Em 2024 e 2025, de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo.

Há pressão crescente de economistas heterodoxos para que esse objetivo seja aumentado, sob o argumento de que ele dificulta o trabalho do BC ao obrigá-lo a manter o juro alto demais. Trata-se de um equívoco. O BC não estabelece a taxa real de juros, obtida subtraindo a inflação do juro nominal (a Selic de 13,75%). Elevar a meta só contribuiria para deteriorar as expectativas inflacionárias, obrigando a autoridade monetária a praticar juros ainda mais altos para conter a alta de preços.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Quatro poemas curtos

 

Música | Coisinha do Pai - Vou Festejar ( Jorge Aragão & Beth Carvalho )