- Folha de S. Paulo
A desigualdade que importa é a percebida, não a real
Alexis de Tocqueville (1805-1859), em análise da Revolução Francesa, argumentou contraintuitivamente que, "à medida que a situação econômica melhorava, os franceses achavam sua posição cada vez mais insuportável". E completava: "Os espíritos parecem mais inseguros e inquietos; o descontentamento público aumenta; o ódio contra todas as antigas instituições cresce".
Sua análise não se restringe às condições materiais da população. No capítulo sugestivamente intitulado "Como sublevaram o povo ao querer aliviá-lo", sustentou que o descontentamento aumentava quando se tinha mais liberdade, e não o contrário: "O mal que se aguentava com paciência como sendo inevitável parece insuportável logo que se concebe a ideia de livrar-se dele".
Tocqueville foca os incentivos e vieses cognitivos e põe a análise marxista de revoltas e revoluções de ponta-cabeça: "Não é sempre indo de mal a pior que se cai numa revolução... O regime que a revolução derruba é sempre melhor que aquele que o antecedeu imediatamente". E explica por que gradualismo deflagra abruptamente protestos: "Acontece, na maioria das vezes, que um povo que aguentou, sem se queixar e como se não as sentisse, as leis mais opressivas resolve repeli-las com violência logo que seu peso diminui".