segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Marcus André Melo* - Prosperidade e protestos

- Folha de S. Paulo

A desigualdade que importa é a percebida, não a real

Alexis de Tocqueville (1805-1859), em análise da Revolução Francesa, argumentou contraintuitivamente que, "à medida que a situação econômica melhorava, os franceses achavam sua posição cada vez mais insuportável". E completava: "Os espíritos parecem mais inseguros e inquietos; o descontentamento público aumenta; o ódio contra todas as antigas instituições cresce".

Sua análise não se restringe às condições materiais da população. No capítulo sugestivamente intitulado "Como sublevaram o povo ao querer aliviá-lo", sustentou que o descontentamento aumentava quando se tinha mais liberdade, e não o contrário: "O mal que se aguentava com paciência como sendo inevitável parece insuportável logo que se concebe a ideia de livrar-se dele".

Tocqueville foca os incentivos e vieses cognitivos e põe a análise marxista de revoltas e revoluções de ponta-cabeça: "Não é sempre indo de mal a pior que se cai numa revolução... O regime que a revolução derruba é sempre melhor que aquele que o antecedeu imediatamente". E explica por que gradualismo deflagra abruptamente protestos: "Acontece, na maioria das vezes, que um povo que aguentou, sem se queixar e como se não as sentisse, as leis mais opressivas resolve repeli-las com violência logo que seu peso diminui".

Celso Rocha de Barros* - A revolta chilena

- Folha de S. Paulo

É hora de perguntar se a desigualdade não é um limite para políticas pró-mercado

A onda de protestos no Chile foi uma surpresa. O país teve um desempenho econômico muito melhor do que o do resto do continente nas últimas décadas. É o país latino-americano com o sistema político mais parecido com o de democracias maduras. A disputa política chilena se dá entre um partido de centro-esquerda e um de centro-direita que disputam o centro.

Mas talvez o exemplo do Chile seja importante justamente porque ele ia bem, comparado aos outros países latino-americanos. Em outros lugares há complicadores locais muito graves, como as acusações de fraude eleitoral na Bolívia ou os escândalos da Odebrecht no Peru. Mas se até no Chile a crise chegou, talvez haja algo de errado com o modelo latino-americano.

O debate sobre "o que é específico no modelo latino-americano" é muito curto. Procure os rankings internacionais de qualquer coisa —riqueza, educação, saúde, meio ambiente etc.— e é muito claro em que a América Latina é muito diferente do mundo: somos a região mais desigual do planeta.

Veja o caso do Chile. Segundo o economista sérvio Branko Milanovic, um dos grandes especialistas mundiais em desigualdade, os 5% mais ricos do Chile têm renda semelhante aos 5% mais ricos da Alemanha, enquanto os 5% mais pobres têm a renda dos 5% mais pobres da Mongólia.

Danielle Brant – Um líder que corre

- Folha de S. Paulo

Eduardo Bolsonaro vira chacota por fugir da imprensa pelos corredores da Câmara

Terças-feiras costumam ser corridas na Câmara. É o dia em que os deputados iniciam de fato sua semana e concentram seus esforços de articulação para aprovar projetos que consideram importantes.

A terça-feira passada teve um ingrediente peculiar: foi a primeira em tempos em que um líder de partido correu pelos corredores da Câmara.

O líder, no caso, era recém-empossado: trata-se de Eduardo, o filho 03 do presidente Jair Bolsonaro, o mesmo que protagonizou o dramalhão com reviravoltas que virou a disputa pelo comando do PSL na Câmara.

Já o motivo da corrida é questionável: o sprint não foi para aprovar um projeto ou para chegar a tempo a uma comissão, e sim para fugir da imprensa. Tudo registrado em vídeo.

Vinicius Mota – O julgamento que nunca termina

- Folha de S. Paulo

Desapreço pela estabilidade das regras do jogo no STF sugere novas reviravoltas

Rosa Weber tornou-se o modelo a que todo magistrado deveria aspirar. Só fala nos autos, respeita e aplica a jurisprudência assentada, mesmo contra a sua convicção, e não alimenta guerras de vaidades no supremo tribunal dos narcisos.

Foi divertido ver quem a criticou por negar o habeas corpus do ex-presidente Lula, em abril de 2018, agora soltar fogos pelo seu voto nas ações diretas de constitucionalidade que pleiteiam o cumprimento da pena de prisão só após o fim dos recursos.

Rosa foi exemplo de coerência no supremo tribunal dos inconstantes. Disse em 2018 que aquela ação de habeas corpus não era própria para rever a orientação de fundo do STF.

Ali só cabia aplicar a jurisprudência vigente, que validava a prisão após condenação em segundo grau, sob pena de colocar em risco a estabilidade e a credibilidade das orientações proferidas pelo próprio Supremo para as instâncias inferiores.

Já nesta quinta (24), quando se questionava a constitucionalidade abstrata de um dispositivo do Código de Processo Penal, então estava dada a ocasião para reavaliar a jurisprudência ela mesma. Rosa Weber, votando de acordo com seu entendimento da Carta, rechaçou a possibilidade de execução da pena antes do chamado trânsito em julgado.

Ricardo Noblat - A regra vale para todos ou então para ninguém

- Blog do Noblat | Veja

Por que uns podem e outros não?

Curioso!

Bolsonaristas, mas não só, cobraram tanto do The Intercept que revelasse suas fontes de informação sobre as conversas dos procuradores da Lava Jato.

Por que não cobram da Folha de S. Paulo e do jornal Globo que também revelem as fontes lhes deram os áudios de Queiroz? Nesse caso, dá-se como compreensível que os jornais não revelam.

Não são obrigados a fazê-lo. A lei não exige isso deles. De resto, se revelassem, dificilmente teriam acesso a informações sigilosas que só são repassadas à imprensa mediante o compromisso do sigilo.

As mesmas regras servem para que sites jornalísticos preservem a identidade de suas fontes de informação. Então por que se cobra do The Intercept o que não se cobra da imprensa tradicional?

Com a palavra, bolsonaristas e aliados deles, assumidos ou disfarçados. O ex-juiz Sérgio Moro, que acusou o The Intercept de sensacionalismo, poderia dizer o que pensa a esse respeito.

A exemplo de Moro, a defesa de Flávio Bolsonaro disse que não teve acesso aos áudios de Queiroz e que não pode confirmar a autenticidade do material.

O pavor que Queiroz infunde aos Bolsonaros

Fernando Gabeira - Uma vez, o Flamengo

- O Globo

Ficou faltando o Brasil. Não se sabe ainda quando vai parar de jogar para o lado, perder seus preconceitos, unir talentos

Raramente escrevo sobre esporte. Lembro-me de ter escrito um artigo comparando o Flamengo e o Brasil.

Dizia na época que ambos eram meio caóticos e não cumpriam a promessa de grandeza, apesar de todo o potencial.

Pois bem, o Flamengo deu a volta por cima. O ensinamento dessa virada não deveria, creio eu, limitar-se a um aprendizado apenas no futebol.

O Flamengo começou por ajustar suas finanças, o que lhe deu condições de montar uma infra melhor e investir em grandes nomes.

A chegada do técnico Jorge Jesus foi resultado dessa capacidade de investir. Sua filosofia de trabalho acabou dando um sentido maior a todo o esforço.

O futebol brasileiro parecia entediante perto do europeu, jogado com intensidade do princípio ao fim da partida.

Jesus quer que o time siga atacando até o final, independentemente de estar vencendo com folga. Não era essa a atitude frequente. De um modo geral, os times faziam um, dois gols e tentavam administrar o resultado, ganhando tempo. Com isso, o espetáculo acabava antes do fim regulamentar.

Ana Maria Machado - Acuados e censurados

- O Globo

Estamos reféns deste pântano político e moral do Brasil de hoje

Estamos acuados pela assustadora dimensão do problema ambiental que nos agride de forma crescente, na sucessão de rompimento de barragens, incêndios nas matas e vazamento de óleo no mar. E mais o desastre da educação precária e do saneamento inexistente para mais de metade da população deste triste país.

No meio disso, ainda temos a volta da censura vinda de grupos sem qualquer intimidade com a fruição da arte, a quem tem sido negadas as oportunidades de ir a teatro, museus ou exposições, de saborear música boa, de se deliciar com livros e filmes que vão além da linguagem rasteira de slogans e palavras de ordem. Então, têm medo do mal que receiam se esconder em obras que acham estranhas, cujo sentido não dá para reduzir apenas a uma mensagem ou determinação a ser obedecida. Esse pavor absurdo os faz buscar a proteção de um pensamento único, em que tudo vem já pronto e mastigado, sem precisar passar pelo risco de uma reflexão própria.

Cacá Diegues - As praias a perigo

- O Globo

Há 58 dias, o óleo toma a costa do Nordeste, e o governo insinua lorotas e fofocas de conspirações

O Brasil se encontra radicalmente dividido entre duas grandes formas antagônicas de pensar o país. De um lado, pseudo-conservadores que pretendem restaurar aqui um passado que nunca tivemos. De outro, pseudo-revolucionários projetam nosso futuro para amanhã de manhã. De preferência, bem cedinho. Nada disso foi possível em nenhuma nação do mundo, de qualquer hemisfério.

O caso do óleo nas praias do Nordeste nos coloca diante dessa polarização das duas alienações da realidade. Já se falou muito, de um lado, de inimigos externos que teriam provocado o desastre. Do outro, condena-se as autoridades incapazes de tomar providências. As duas reações são apenas culpabilizadoras e irresponsáveis quanto às consequências do acidente. Repetidas pelos alto-falantes da mídia e das redes sociais, elas eludem o mais importante.

No dia 4 de setembro, chegaram as primeiras manchas de óleo, trazidas pelas ondas ao litoral de Pernambuco. Elas não causaram estrago paulatino, e sim uma destruição imediata de todo o litoral nordestino e do que ele representa para aquela população. Não só o envenenamento do que se tira do mar e das areias, o alimento regular e diário, além do turismo que despenca. Mas também o significado natural e simbólico daquelas praias para a população local. As praias do Nordeste não são apenas um orgulho do Nordeste; elas são uma reserva de energia para os sonhos dos nordestinos. A população local as usa com proveito físico, e ainda como símbolo poderoso de seu valor.

Bruno Carazza* - A hora do sim é um descuido do não

- Valor Econômico

Pequenos enganos e boas intenções custam caro ao país

Já era noite no seu gabinete no Palácio do Planalto. Distraído com uma sequência de audiências protocolares e despachos burocráticos, o presidente finalmente se deu conta de que naquela tarde a Câmara votava a reforma da Previdência: “Se ninguém me ligou até agora, é porque o resultado foi ruim”. Acionou então um de seus assessores, que confirmou o pressentimento: a idade mínima havia sido derrotada.

Por um voto. Para colocar as contas da Previdência em ordem, o governo propôs 60 anos para mulheres e 65 para homens, acrescidos de pelo menos 25 anos de contribuição. Para piorar, o voto faltante veio de um integrante do seu partido, que até um mês antes era seu ministro. Foi dormir terrivelmente irritado - sabia que a votação seria apertada, mas perder por um voto, e justo de alguém da sua equipe mais próxima, era muito doloroso.

No dia seguinte as coisas serenaram. O presidente acabou perdoando o deputado - que havia explicado que, inadvertidamente, apertara o botão de “abstenção” no lugar do dígito verde do “sim”. Além disso, a Câmara tinha mantido pelo menos o tempo de contribuição - não era o ideal, mas já daria um refresco no déficit dos próximos anos. Por fim, apesar do gosto amargo de sentir a vitória escapar por tão pouco, 307 votos num assunto tão polêmico mostrava que, no fim do primeiro mandato, seu governo ainda tinha força no Congresso - o que seria um grande ativo para a sua reeleição (essa conclusão vai por minha conta, pois não consta dos “Diários da Presidência 1997-1998”, de Fernando Henrique Cardoso).

Embora, nas suas memórias, FHC tenha minimizado os efeitos do engano de Antonio Kandir na votação, esse erro custou muito caro para o país. A idade mínima só será estabelecida nesta semana, com a promulgação da PEC de Bolsonaro no Congresso.
Foram 21 anos perdidos, com déficits crescentes sugando recursos do orçamento público.

Sergio Lamucci - A economia brasileira e a poupança externa

- Valor Econômico

Conta corrente terá déficits maiores do que se imaginava

As contas externas brasileiras estão sólidas e hoje não preocupam, mas os déficits em conta corrente deverão ser maiores do que se supunha há alguns meses, se e quando a economia ganhar mais fôlego. Ao divulgar o resultado do setor externo de agosto, o Banco Central (BC) incorporou alterações que reescrevem a história recente do balanço de pagamentos, como diz o pesquisador Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Os números da conta corrente, que refletem as transações de bens, serviços e rendas entre residentes e não residentes, mostraram um rombo maior do que antes. Com as mudanças, o déficit de 2018 subiu de 0,8% para 1,2% do PIB e, em 12 meses até julho deste ano, de 1,3% para 1,7% do PIB. “Descobrimos que, para um mesmo crescimento do PIB, nossa economia trabalha com um uso de poupança externa (déficit em conta corrente) bem mais elevado”, resume Ribeiro, no Boletim Macro do Ibre de outubro. Nos 12 meses até setembro, o rombo na conta corrente ficou em US$ 37,4 bilhões, ou 2,05% do PIB.

Nesse cenário, ele revisou as projeções para o déficit em conta corrente. O buraco estimado de 2019 subiu de US$ 16,5 bilhões para US$ 39 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB. Para 2020, o déficit cresceu de US$ 32 bilhões para US$ 44 bilhões, ou 2,5% do PIB.

Antonio Risério* - Em busca da nação perdida

- Aliás / O Estado de S. Paulo, 27/10/2019

De algumas décadas para cá, o Brasil vem submetendo a sua história como povo e nação a um processo de avacalhação sistemática

Muita gente do campo democrático anda preocupada em superar a atual polarização brasileira e encontrar um rumo para o País. Acontece que o Brasil não vai experimentar nenhuma guinada realmente democrática se não encarar duas coisas. A primeira, mais imediata e superficial, é que este campo democrático se empenhe de fato numa releitura rigorosa do que aconteceu de 2013 para cá. A segunda, exigindo mergulho em águas mais profundas, é a necessidade de repensar a sociedade e reinventar a nação.

Junho de 2013 expressou de forma aguda a crise representacional do partidocratismo. A chamada “classe política” tinha simplesmente dado as costas à sociedade. E esta – numa resposta lógica e natural, mas surpreendentemente enérgica – declarou nas ruas que aquela não a representava. Infelizmente, a discussão acabou sufocada por dois processos. De uma parte, o da corrupção, vindo à luz de forma inédita em nossa história. De outra, o do “impeachment”. E a conversa política mais rica foi adiada. O regime partidocrata sentiu, aliviado, que podia empurrar a questão com a barriga. Neste sentido, a campanha presidencial de 2014 foi escandalosamente esperta, entre a dissimulação e a alienação.

Todos os candidatos – sem exceção – fizeram de conta que 2013 não tinha acontecido. O ideal seria que os partidos tivessem a coragem de fazer uma espécie de “psicanálise selvagem”, para usar a expressão freudiana cara a Glauber Rocha. Como isso não acontecerá dentro do atual sistema político-partidário, teríamos ao menos de rever a peripécia que nos levou ao fracasso. Ou começaremos mal – se é que será possível falar de começo e não de mera continuação de tudo. Insistimos que o PT é incapaz de explicitar seus erros. Mas os demais partidos de esquerda e centro-esquerda, também. Nunca ouvi uma autocrítica em profundidade do PSDB. De outro ângulo, a Rede precisa aprender a ser mais conjuntural ou vai se tornar pura fantasia filosófica. Parece que, hoje, humildade política é um bem bastante escasso no País. Mas vamos ter de passar por esse cabo das tormentas, se quisermos que ele vire da boa esperança.

Quanto ao outro lance, o sociólogo Werneck Vianna passou pelo tema em entrevista recente. Observou que o desentendimento a respeito de nossa trajetória histórica e dos nossos valores chegou a um ponto agônico: “Ninguém mais pode reconhecer na nossa história êxitos e sucessos”. Execra-se até mesmo a Abolição de 1888, luta democrática vigorosa, que se arrastou por décadas, numa ampla coalizão de classes e cores. Enfim, “tudo que era da nossa tradição foi depredado, foi jogado no lixo”. Despreza-se a nossa história, desqualificam-se todos os nossos feitos: o 13 de Maio hoje é “o dia do taxidermista”. A grande questão é esta: de algumas décadas para cá, temos submetido a nossa história como povo e nação, a nossa experiência nacional, a um processo de avacalhação sistemática.

Cida Damasco - Recados dos vizinhos

- O Estado de S.Paulo

Chile a Argentina alertam para necessidade de mudar sem esquecer o lado social

A vizinhança inquieta emite sinais de advertência para o Brasil. Como vem acontecendo há bom tempo, cada polo faz a leitura que é do seu interesse das viradas no cenário político do Chile e da Argentina. Para uns, trata-se do fracasso do neoliberalismo e ponto final. Para outros, o erro de Mauricio Macri foi justamente ficar no meio do caminho da política liberal, deixando que o peronismo se reorganizasse e voltasse ao poder. E a explosão dos protestos no Chile se explicaria menos por questões internas e mais por uma “conspiração da Venezuela e de Cuba”.

Guardadas as devidas proporções, ambas são leituras radicais e, como tal, distantes da realidade. O Chile de Sebastián Piñera escancarou que, atrás da fachada de uma economia moderna e competitiva, se escondia um país com profunda desigualdade, sem a contrapartida de uma rede de proteção social. E, em particular, com um regime previdenciário de capitalização extremamente duro, apesar dos ajustes mais recentes para reduzir o empobrecimento dos aposentados. Um quadro que nem de longe lembra o paraíso apregoado por aqui.

Mesmo mais familiar aos observadores brasileiros, a Argentina de Macri também surpreendeu com o vigor da oposição, poucos anos depois da saída de cena ruidosa de Cristina Kirchner, enredada em acusações de corrupção. Visto no início como um símbolo de renovação na política argentina – e até fora das fronteiras do país –, Macri teria frustrado a população no quesito recuperação do crescimento e bem-estar social. Daí a uma pressão mais efetiva dos lobbies corporativos, foi apenas um passo.

Almir Pazzianotto Pinto * - Delatores, delatados, direito de defesa

- O Estado de S.Paulo

Apoiado nos melhores professores, sustento que a última palavra pertence, sim, ao réu

O princípio da legalidade está inscrito no artigo 5.º, II, da Constituição de 1988, cujo texto diz: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O dispositivo se entrelaça com os incisos LIII, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo”; LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; LVI, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”; e LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O Código de Processo Penal (CPP) obedece aos princípios da igualdade e da legalidade, sem distinções de qualquer natureza entre brasileiros e estrangeiros residentes no País. Pouco importam a gravidade do delito e a posição econômica, social ou política do acusado. Não haverá diferença de tratamento entre investigados e réus, pois para a lei é indiferente se foram presidente da República, ministro de Estado, industrial, operário, favelado ou corrupto. Conforme escreveu o ministro da Justiça Francisco Campos, na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, o projeto foi elaborado “no sentido de obter equilíbrio entre o interesse social e a defesa individual, entre o direito do Estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e segurança de sua liberdade”.

Denis Lerrer Rosenfield* - A esquerda e os privilégios

- O Estado de S.Paulo

Inadmissível que uma minoria use em seu proveito a maior fatia dos recursos públicos

A aprovação da reforma da Previdência é, sem dúvida, um marco na História do País. Apesar de seus percalços e atrasos, ela vem por bem operar uma grande transformação não somente do ponto de vista do equilíbrio fiscal, mas também tornar efetiva a luta contra os privilégios. Há uma dupla significação aí envolvida: econômica e política.

A significação econômica tem sido bem ressaltada, graças a um processo que, iniciado no governo Temer, ganha agora sua conclusão no governo Bolsonaro. Não seria mais possível o País continuar sangrando com os recursos gastos na conservação do sistema previdenciário, beneficiando uma minoria incrustada no Estado, enquanto o desemprego adquire proporções alarmantes, para além da falta de recursos em áreas fundamentais como segurança, saúde e educação. Se nada tivesse sido feito, o País estaria caminhando para a insolvência fiscal, com todas as consequências nocivas daí resultantes. O não investimento, nacional e estrangeiro, tão necessário, seria apenas um de seus efeitos.

A significação política reside em que os estamentos e as corporações do Estado foram enfrentadas. É bem verdade que o caminho começa apenas a ser percorrido, há muito a ser feito. Mas não era mais possível conviver com um grau tão alto de desigualdade entre os setores privado e público. Os privilégios de uma minoria, com aposentadorias polpudas em idade precoce – algumas corporações se aposentam com pouco mais de 50 anos, em média –, foram reduzidos e no que diz respeito à idade mínima, contidos.

Temos aqui uma espécie de paradoxo: um governo de corte liberal na área econômica, conduzida por um ultraliberal, o ministro Paulo Guedes, capitaneia uma reforma contra os privilégios, propugnando a igualdade entre todos os cidadãos, orientada por um espírito de universalidade entre os trabalhadores privados e públicos; e uma esquerda que defende os privilégios das corporações e dos estamentos estatais, contra o tratamento igualitário para todos os cidadãos, isto é, aferrada aos benefícios particulares desses setores. “A esquerda” é a favor dos privilégios, da particularidade e da desigualdade; a “direita” é a favor da eliminação dos privilégios, da universalidade e igualdade.

Aposentadoria de militares abre cisão no bolsonarismo

Exclusão dos policiais civis e federais do projeto e queixas dos praças das Forças Armadas se refletem na divisão entre deputados aliados de Bivar e grupo fiel a Bolsonaro

Felipe Frazão | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A queda de braço entre o governo de Jair Bolsonaro e o setor de praças das Forças Armadas e policiais no debate das reformas da Previdência abriu uma divisão no bolsonarismo, a menos de um ano das eleições municipais, a ponto de aproximar a oposição de uma das principais bases do presidente. O Planalto ainda não deu sinais de que pretende reagir no embate, que pode causar fissuras políticas.

A queda de braço entre o governo de Jair Bolsonaro e o setor de praças das Forças Armadas e policiais no debate das reformas da Previdência abriu uma divisão no bolsonarismo a menos de um ano eleições municipais de 2020, a ponto de aproximar a oposição de uma das principais bases eleitorais do presidente. O Palácio do Planalto ainda não deu sinais de que pretende reagir e intervir no embate, que pode causar fissuras políticas.

As discussões ocorrem na Câmara, que debate um projeto de lei específico sobre as regras de aposentadoria dos militares da Aeronáutica, Exército e Marinha.

Por lobby de oficiais, o texto passou a incluir os policiais e bombeiros militares – estes últimos na folha dos governos estaduais. Para as Forças Armadas, a proposta inclui uma revisão nas carreiras, com alteração dos vencimentos, pensão e benefícios. O impacto sobre o soldo é o motivo da celeuma.

Entrevista | Marcos Nobre: 'Bolsonaro é o primeiro a governar para só um terço'

Para Marcos Nobre, presidente quer manter a base mais fiel do seu eleitorado

Bernardo Mello | O Globo

RIO - Jair Bolsonaro é o primeiro presidente que governa pensando em apenas um terço do eleitorado , na avaliação do filósofo e cientista político Marcos Nobre . Presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento ( Cebrap ), Nobre vê o protagonismo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como chave para entender a radicalização do governo no primeiro ano de mandato. O racha alimentado pelo clã Bolsonaro no PSL é, segundo Nobre, a etapa de um projeto político mais amplo para 2022.

• Por que Bolsonaro briga até com o próprio partido?

Bolsonaro, na verdade, antecipou a corrida presidencial em três anos. A verdadeira eleição para ele é a de 2022. Agora ele precisa estar em campanha o tempo todo para transformar em algo orgânico, com substância, a confluência de fatores que o elegeu no ano passado. Seu primeiro mandato, portanto, é de destruição e enfrentamento das instituições.

• O sistema aprendeu a lidar com o presidente?

Bolsonaro surfou uma onda de descrédito institucional partilhada pela base mais fiel do seu eleitorado, que corresponde a 33% da população, segundo as pesquisas. Essa é a base que ele quer manter até 2022. Ele se tornou o primeiro presidente que governa para só um terço do Brasil. O sistema político tenta entrar nos espaços que Bolsonaro deixa em aberto, e ele deixa porque são temas que não mobilizam tanto este terço. A Previdência é um ótimo exemplo disso. Se os espaços são ocupados e Bolsonaro ainda fatura com isso, melhor ainda para ele.

• Esta postura não traz problemas ao governo?

Bolsonaro tem um objetivo eleitoral que não inclui, agora, conquistar a maioria. Isto exime Bolsonaro de governar de fato. Todo mundo reclama que não há articulação política. Mas não é para ter, porque não é este o objetivo. Ele monitora a parte mais ativa de sua base e toma as decisões. Quando algo ataca seus interesses, como a questão da CPMF, ele recua.

PSOL tenta fechar alianças inéditas para prefeituras de capitais

Coligação com partidos como PT, PDT e PCdoB seria inédita em cidades como Rio, São Paulo e Porto Alegre

Bernardo Mello | O Globo

RIO - O PSOL articula alianças para as eleições municipais de 2020 com partidos de esquerda e centro-esquerda como PT, PDT e PCdoB, com os quais jamais se aliou no primeiro turno em capitais como Rio, São Paulo e Porto Alegre.

No Rio, o partido pretende lançar o deputado federal Marcelo Freixo para a sucessão do prefeito Marcelo Crivella (PRB), e estava em conversas adiantadas com o PT até o ex-presidente Lula defender a candidatura da deputada federal petista. Benedita da Silva.

Freixo alinhou o apoio do PV e mantém conversas com a Rede e com o PDT. Esse último, porém, ensaia lançar a deputada estadual Martha Rocha.

— Eu defendo uma frente ampla (da centro-esquerda)em todas as cidades onde for possível. É uma cultura que precisa ser iniciada agora para ser viável nas eleições presidenciais de 2022 — afirma Freixo.

A estratégia é contestada de forma pontual no partido, por meio da pré-candidatura do vereador Renato Cinco no Rio. Cinco, que propõe um debate interno sobre as alianças, admite que sua rejeição a partidos como o PT é minoritária no partido atualmente.
— O PSOL não é monolítico. Acredito que a aliança com o PT não é boa nem eleitoralmente, nem em termos programáticos —disse ele.

Lula contraria PT e quer candidaturas próprias no ano que vem

Ex-presidente começou a articular a estratégia do PT nas eleições municipais

Amanda Almeida e Natália Portinari | O Globo

BRASÍLIA - Contrariando parte expressiva do PT que defende priorizar a formação de uma frente de esquerda e ceder espaço a aliados, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer que o partido lance candidaturas próprias a prefeito no ano que vem. À espera de decisões da Justiça que podem tirá-lo da prisão, Lula começou a articular a estratégia do PT nas eleições municipais.
Além de tentar recuperar o espaço que o partido perdeu nos últimos anos, Lula quer transformar a disputa do ano que vem em um “plebiscito” sobre o governo Bolsonaro. Apesar de tradicionalmente as campanhas municipais focarem nos problemas locais, o ex-presidente defende a nacionalização da disputa.

As orientações do ex-presidente são passadas em conversas com quem o visita na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso desde abril do ano passado, e em entrevistas. Depois de perder a Presidência da República, o PT vê a eleição municipal como um desafio para não reduzir ainda mais sua musculatura no país. Em 2016, o partido saiu com 375 prefeituras a menos do que conquistou nas eleições de 2012. Ganhou em 256 municípios.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Lições da Inquisição – Editorial | O Estado de S. Paulo

Nos anos 80, o Estado publicou um artigo do professor John Tedeschi (A Outra Face da Inquisição, Suplemento de Cultura, 16/3/1986) apontando como, ao contrário do que se consolidou no imaginário popular, já havia na Inquisição romana do século 16 garantias processuais que depois seriam incorporadas pelas legislações nacionais. O artigo indica, por exemplo, que o Santo Ofício aplicava com frequência penas alternativas ao encarceramento, como trabalhos obrigatórios em prisão domiciliar. Ou que cabia ao inquisidor prover as despesas das testemunhas de defesa, caso o réu não dispusesse dos meios necessários.

Tedeschi alerta que seu estudo se refere à instituição estabelecida na Itália em meados do século 16, não devendo ser confundida “com a Inquisição medieval que entrara em vigor no início do século 13 (e da qual a Inquisição romana era a continuação) nem com o tribunal espanhol fundado em 1478 e cuja história é completamente distinta”. Também menciona que não deseja amenizar os abusos cometidos pelos tribunais da Inquisição, nas diversas épocas. Seu objetivo é, por meio de uma análise das fontes disponíveis, traçar um panorama fidedigno do funcionamento daqueles tribunais.

À parte as controvérsias inerentes a trabalhos dessa natureza, é interessante nestes tempos de indiferença às garantias penais – não raro tratadas como “filigranas jurídicas” – revisitar direitos e proteções que a Inquisição romana concedia aos acusados. Ainda que possa surpreender, talvez a Inquisição tenha algo a ensinar sobre o devido processo legal.

“A Inquisição romana fez total uso, a partir do século 16, de uma justiça legal (em contraposição a uma justiça moral). Pude mesmo verificar, em cada caso, que Roma mandava aplicar escrupulosamente os procedimentos adequados formulados pelos manuais para uso dos inquisidores”, relata John Tedeschi. Não havia espaço para idiossincrasias ou protagonismos arbitrários.

Fernández vence, e peronismo volta ao poder na Argentina

Novo presidente procura acalmar o mercado: ‘Temos de ser responsáveis’ diante da crise
e pediu 'Lula livre' em seu discurso da vitória, se reunirá com Macri nesta segunda-feira

Janaína Figueiredo, enviada especial | O Globo

BUENOS AIRES — Apesar de a Casa Rosada ter organizado uma nova campanha eleitoral após o revés sofrido nas eleições primárias de agosto último, o presidente Mauricio Macri não conseguiu impedir a vitória em primeiro turno de seu principal rival nas eleições deste domingo, o candidato da aliança entre peronistas e kirchneristas Alberto Fernández.

A aliança Frente de Todos — de Fernández e sua companheira de chapa, a senadora e ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) — conquistou, com 97,58% das mesas de votação apuradas à meia-noite deste domingo, 48,03% dos votos, contra 40,45% do atual chefe de Estado. O ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna, ficou em terceiro lugar, com 6,17%. Para vencer a eleição no primeiro turno na Argentina é necessário alcançar 45% dos votos ou 40% com pelo menos dez pontos de vantagem em relação ao segundo colocado.

Com o resultado, a centro-esquerda peronista volta ao poder na Argentina, quatro anos depois da vitória de Macri sobre Cristina Kirchner, que legou ao sucessor uma crise econômica que se agravou sob o atual presidente, apesar de um pacote de US$ 50 bilhões firmado por ele em 2018 com o Fundo Monetário Internacional.

Pouco depois das 22h, Macri reconheceu a derrota em discurso e disse que convidou o opositor para uma conversa sobre a situação do país nesta segunda-feira:

— Parabenizo o presidente eleito Alberto Fernández. Acabei de falar com ele pela grande eleição que fez. O convidei para tomar amanhã um café da manhã na Casa Rosada porque deve começar uma transição ordenada que leve tranquilidade aos argentinos.

Em seu discurso de vitória, Fernández anunciou que aceitou o convite:

— Vamos colaborar em tudo o que possamos porque a única coisa que nos preocupa é que os argentinos deixem de sofrer de uma vez por todas — disse.
Fernández fez várias menções a Cristina, que estava ao seu lado na comemoração que reuniu milhares de pessoas em frente ao quartel-general da campanha da Frente de Todos, e dedicou um agradecimento especial ao falecido presidente Néstor Kirchner (2003-2007), de quem foi chefe de Gabinete:

— Obrigada, Néstor, onde você estiver, você semeou o que estamos vivendo — Disseram que não voltaríamos mais, mas uma noite voltamos e vamos ser melhores.

Poesia | Vinicius de Moraes - Eu sei e você sabe

Eu sei e você sabe
Já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham a você.

Assim como o Oceano, só é belo com o luar
Assim como a Canção, só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem, só acontece se chover
Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor, não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você!

Música | Teresa Cristina e Marisa Monte - Beijo Sem