Folha de S. Paulo
Como poderia um bufão politicamente
impotente ser simultaneamente um autocrata?
"Bolsonaro não manda em nada",
"é um bobo da corte", declarou
o ex-presidente Lula, que o tem denunciado também como ameaça à
democracia. O alerta sobre o ditador em potencial surgiu já na corrida
presidencial de 2018. A dupla assertiva é um oxímoro: como poderia um bufão
politicamente impotente ser simultaneamente um autocrata?
Um contra-argumento que vem à mente é que
alguns monarcas absolutos eram bufões; mas quem não cumprisse ordens perderia a
cabeça! Pela mesma lógica um Napoleão de hospício seria um ditador: a realidade
institucional e política efetiva não importaria. Regimes não se reduzem à
subjetividade dos atores; são moldados por fatores institucionais e políticos.
Para além de uma hipérbole retórica, a
metamorfose do autocrata-em-potência em bobo-da corte revela mais do que o
malogro de previsões de analistas que não se realizaram.
A imagem de um chefe do Executivo que não manda em nada sugere que é instrumento de outros atores. É a imagem reversa de um imaginário processo de autocratização. Ao contrário do típico ditador latino americano ele não imporia ao Congresso uma "ley habilitante" delegando-lhes poderes extraordinários; mas uma rainha da Inglaterra, instrumento impotente de maioria congressual.