segunda-feira, 8 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Negacionismo de Bolsonaro se baseia em cálculo político – Opinião / Valor Econômico

Crise sanitária vai agravar-se nos próximos dias e semanas

A sociedade brasileira assiste, atônita, ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro em meio à mais grave crise sanitária que atinge o mundo desde a gripe espanhola. Sem honrar a liturgia do cargo que ocupa ou demonstrar o mínimo de empatia com seus compatriotas, o primeiro mandatário do país mantém discurso negacionista no momento em que o número de casos e mortes por covid-19 cresce de forma assustadora e o sistema de saúde, em inúmeros Estados, não tem mais como atender a novos pacientes desta ou de qualquer outra doença.

Para Bolsonaro, o único cálculo possível dessa tragédia é político. Contrário ao “lockdown”, por seus efeitos negativos na economia, o presidente defende tratamentos sem amparo na ciência, como o uso da cloroquina, propõe aos cidadãos que se exponham nas ruas e faz pregação contra o uso de vacinas. Ao mesmo tempo, por meio do Ministério da Saúde, promete fornecer imunizantes a todo o país, assim que forem importados. Ao agir dessa forma, coloca-se como o salvador da pátria e deixa o ônus das medidas de isolamento social para governadores e prefeitos.

O presidente recorre à decisão do STF que deu autonomia aos entes subnacionais para enfrentar a pandemia com o objetivo de eximir-se da responsabilidade de lidar com a crise, que já tirou a vida de 265.500 brasileiros. Paralelamente, opera para impedir que os Estados importem vacinas.

Fernando Gabeira - Uma visita à mansão Bolsonaro

- O Globo

Flávio Bolsonaro comprou mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Raramente me interesso por pessoas cujas casas têm banheiros com mármore de Carrara, espaço gourmet, iluminação LED na piscina, home theater e toda essa papagaiada.

No entanto os teóricos do bolsonarismo, entre eles Steve Bannon e o chanceler Ernesto Araújo, sempre afirmam que sua luta é contra o materialismo decadente, que dará lugar a uma sociedade dominada pelos símbolos e povoada por sacerdotes.

Uma das formas de combater essa posição é apontar a distância entre as palavras e a realidade. Bannon vive como um homem rico, e a mansão do primogênito de Bolsonaro é mais uma demonstração de que seu grande projeto na vida é enriquecer.

Existem, no entanto, outras formas de contestar os teóricos do bolsonarismo, embora quase ninguém se importe com isso, por achar que eles são autoconstestáveis.

Gosto dessas discussões, pois, afinal, são parte da minha vida. Nas poucas visitas a Londres, sempre dedicava meu tempo a passear na querida Charing Cross Road, rua famosa por suas livrarias, que talvez nem existam mais como antes.

Foi na Charing Cross que comprei cinco volumes de uma pesquisa realizada pela Fundação Europeia de Ciência, sob o título de “Crenças no governo”. O quarto deles foi o que mais me interessou. Chama-se “O impacto dos valores”.

Marcus André Melo* - A nacionalização da culpa

- Folha de S. Paulo

Há vacina contra a boçalidade?

 “O regime parlamentar não tem o dom de fazer cogumelar estadistas geniais. Mas é incontestável que esse regime não admite que um tenentinho ignorante pule da tarimba para a chefia do poder, sem preparo, sem conhecimento de qualquer espécie”. A crítica de Medeiros e Albuquerque, em “O Regime Presidencial do Brasil” (1914), permanece atual.

Medeiros rebatia críticos como Lauro Muller que alegavam que a república presidencial havia feito algo que a monarquia parlamentarista nunca havia conseguido: eliminar a febre amarela. Foi a ciência a responsável, argumentou. Antes da descoberta do vetor “fosse o Brasil império, reino, teocracia, república presidencial ou parlamentar nenhum governo podia extinguir a febre amarela no Rio de Janeiro”. Mas insistia que o parlamentarismo era vacina eficaz contra a boçalidade.

Ignorância e incompetência voltaram à baila. Sim, outsiders despreparados e sem liderança —moral ou política— representam um risco inominável em emergências, como a que estamos vivendo. Embora os governantes se beneficiem do clima de união de todos face à crise, esta janela de boa vontade coletiva se fecha se ela se prolonga.

Celso Rocha de Barros* - Vale a pena apoiar o genocídio?

- Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro será reconhecido como criminoso se a política voltar ao normal

Não há mais nenhuma projeção razoável em que o número de brasileiros mortos na pandemia de Covid-19 fique abaixo de 300 mil. Essa marca deve ser alcançada no final deste mês ou no começo do próximo.

Se governadores e prefeitos tiverem grande sucesso com as medidas restritivas que estão adotando, talvez consigamos evitar os 350 mil. O que decidirá se ficaremos mais perto do terço de 1 milhão de mortos, do meio milhão de mortos ou do 1 milhão inteiro será a corrida entre as novas variantes mais contagiosas do vírus, as vacinas que Bolsonaro não comprou e o lockdown que Bolsonaro tenta proibir.

Pois bem, talvez interesse ao leitor saber que, enquanto tudo isso acontece, muita gente, entre os ricos e poderosos, civis e militares, ainda pensa o seguinte:

“Certo, o governo Bolsonaro causou essa mortandade toda. É bonito? Não é bonito. Por outro lado, ele não perdeu popularidade nos primeiros 200 mil cadáveres. Talvez sobreviva a mais 200 ou 300 mil cadáveres. Enquanto Bolsonaro tiver chance de reeleição, é melhor continuar a apoiá-lo, ou, ao menos, esperar para ver quantas centenas de milhares de cadáveres são necessárias para que um presidente brasileiro comece a perder voto”.

Catarina Rochamonte - Precisamos reagir

- Folha de S. Paulo

Colapsamos moral e politicamente, sem conseguir transmutar em energia de união e solidariedade a tragédia que nos atinge

Não houve, no Brasil, resposta política à altura do desafio da pandemia; não houve concerto de vozes a se elevarem além de interesses mesquinhos, obscuros, imediatistas, politiqueiros. Não houve gestão, articulação ou estratégia; não houve, por parte daquele que nos preside em tão grave momento, nada além de verborragia inútil e presunçosa.

Diante de um quadro devastador de agonia e desespero, o presidente agiu de forma leviana, disparando provocações, provocando aglomerações e proferindo estultices que conturbaram ainda mais uma situação já fora de controle. A despeito, porém, do descompasso mundial, da indiferença boçal, das piadas ecoadas em uma pátria enlutada, aquele a quem chamam “mito” ainda conta com a defesa canina de muitos, provando que o fanatismo é tão difícil de ser debelado quanto o coronavírus.

Desde o início da pandemia, estava claro tratar-se de grave questão coletiva a demandar cooperação e harmonia, mas, na direção contrária, fez-se a opção pelo tumulto, pela guerra ideológica, pela confusão. Questões humanitárias foram politizadas, narrativas delirantes tiveram vez em assuntos onde a competência técnica já havia assinalado diretrizes e nós colapsamos moral e politicamente, sem conseguir transmutar em energia de união e solidariedade a tragédia que nos atinge. Precisamos reagir.

Ana Cristina Rosa – A busca por igualdade

- Folha de S. Paulo

Quantas mulheres negras como Carolina de Jesus têm seu talento negligenciado?

A busca por igualdade, este princípio Constitucional tão importante quanto desrespeitado no Brasil, não pode ser vista como algo homogêneo entre as mulheres. Há uma espécie de desigualdade cumulativa que assola o universo das mulheres negras ao agregar o componente da “cor” a todos os indicadores sociais, econômicos e culturais.

Partindo da ideia de que pensar em igualdade implica colocar no centro do debate quem mais necessita, parece inevitável lembrar da mulher negra considerando que essa combinação de gênero e raça está presente em todos os indicadores sociais negativos. Mulheres negras ganham menos e são a maioria entre as vítimas de feminicídio, por exemplo.

Em fevereiro, uma das primeiras autoras negras publicadas no Brasil conquistou, post mortem, um feito a ser comemorado. Por aclamação e à unanimidade, a escritora, compositora e poetisa Carolina Maria de Jesus, da extinta favela do Canindé, em SP, recebeu do Conselho Universitário da UFRJ o título de Doutora Honoris Causa.

Carlos Pereira* - O caminho sem volta da Lava jato

- O Estado de S. Paulo

O dilema do legislador é controlar um executivo forte sem sofrer com esse controle

Tem sido cada vez mais disseminada uma interpretação de que a operação Lava Jato foi uma cruzada quixotesca de um grupo de promotores e do juiz Sérgio Moro, que só conseguiu sucesso porque um grupo anti-PT queria tirar Lula e o PT do poder. Esse grupo anti-PT teria “dado corda” para a Lava Jato e depois usado a operação para promover o impeachment da presidente Dilma Rousseff – e para, logo em seguida, matar a própria Lava Jato antes que eles fossem suas novas vítimas.

Essas interpretações conspiratórias pressuporiam uma extrema sofisticação estratégica. Cometem o equívoco de tomar as intenções dos atores a partir dos resultados que foram atingidos. O fato de os componentes da Lava Jato terem agido de forma estratégica em seus cálculos de ação política não necessariamente significa que seus resultados foram consistentes com suas preferências. Ou seja, nem todos os resultados da força-tarefa eram previsíveis ou mesmo foram por ela previstos. 

Outra interpretação pueril é imaginar que o término da Lava Jato seria, necessariamente, sinônimo de retorno do sistema político ao equilíbrio predatório anterior. Um legado de várias transformações institucionais, organizacionais e tecnológicas foi deixado pela força tarefa. Por mais “garantismos” que estejamos observando recentemente, inclusive na PGR e na Suprema Corte, os riscos e custos de engajamento em comportamentos desviantes aumentaram exponencialmente, mesmo que de forma não linear. 

Almir Pazzianotto Pinto* - O presidente e a reeleição

- O Estado de S. Paulo

À semelhança da ditadura chavista, tudo será feito para repetir o regime militar

É inevitável a antecipação da campanha para as eleições presidenciais de 2022. O presidente Jair Bolsonaro lançou-se candidato à reeleição ao iniciar o governo. Renegou compromisso de campanha quando declarou que não tentaria reeleger-se. Seria honesto, mas tolo ou fracassado, se deixasse de fazê-lo. Ninguém abdica do poder, escreveu Maquiavel.

Ademais, promessa de candidato só compromete quem ouve. A frase, cujo autor ignoro, corresponde ao que há de mais mesquinho na política brasileira. Como os partidos não passam de legendas sem ideologia, promessas e programas de governo são redigidos para dar ao povo crédulo a sensação de que serão executados. Prometer algo que não se vai cumprir é estelionato eleitoral. Fosse punido, a maioria da classe política estaria na cadeia.

Jair Bolsonaro será candidato em 2022. Por qual partido ou coligação partidária não interessa. Será candidato graças ao instituto da reeleição, enxertado no Direito Constitucional brasileiro pela Emenda n.º 16, de 5 de junho de 1996, promulgada no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Não subestimem o capitão. Apesar de autoritário e rústico é esperto. Em seus planos deve estar o de filiação a legenda inexpressiva. Precisará apenas da legenda. Recursos e adesões serão obtidos pelo exercício abusivo do poder. Terá o apoio da ultradireita conservadora. Em cada quartel, clube de tiro e loja de armas encontrará aguerrido comitê eleitoral.

Claudio Adilson Gonçalez* - Liberalismo tacanho

-  O Estado de S. Paulo

O Brasil necessita de uma ampla agenda de políticas pró-crescimento

Em meu primeiro artigo neste espaço, Teoria Econômica, Ideologia e Crescimento (10/9/2012), procurei mostrar que quando a ideologia se sobrepõe à racionalidade, conduzindo ao excessivo apego por parte dos governantes aos cânones de uma determinada corrente do pensamento econômico, os custos para a sociedade podem ser elevados.

Naquela oportunidade, eu estava preocupado com a orientação de política econômica do governo petista de Dilma Rousseff. Antevi um desastre que, infelizmente, se concretizou. Agora ocorre o contrário, na esteira do discurso liberal. Mas minha preocupação com a influência nefasta do apego ideológico, quase religioso, a determinadas crenças, continua a mesma.

O liberalismo econômico se consolidou com os trabalhos publicados no século 18 por pensadores como QuesnayLockeMandeville e, sobretudo, Adam Smith, com sua obra Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, de 1776. A ideia central era que o setor privado, operando em concorrência perfeita, levaria à prosperidade e promoveria o bem-estar social. A função do Estado seria apenas a de fornecer os bens públicos, atuar nas falhas de mercado e estabelecer a legislação para que a iniciativa privada exercesse seu papel.

Após a grande recessão iniciada em 1929, John Maynard Keynes nos mostrou a possibilidade do chamado equilíbrio recessivo, abaixo do pleno-emprego. O gasto público entra na equação para suprir a escassez de demanda e recolocar a economia em uma trajetória virtuosa comandada pelo investimento privado.

A partir de 1950, a economia neoclássica, que instrumentalizou o liberalismo com ferramentas matemáticas e teorias de equilíbrio geral, começou a ganhar muita força. Com as contribuições dos monetaristas da Escola de Chicago, especialmente George Stigler e Milton Friedman e a hipótese das expectativas racionais (John MuthRobert Lucas e Leonard Rapping), essa corrente do pensamento econômico passou a predominar na academia.

De lá para cá, muitos dos conceitos dos neoclássicos foram revistos, alterados e até mesmo abandonados.

Fareed Zakaria - Biden exibe onde Reagan errou

- O Estado de S. Paulo

Trump queria governadores arcando com o lockdown e ele trazendo a recuperação

No mundo de hoje, há desafios que somente um governo com boa liderança e administração pode resolver.

Foi o governo americano que levou o homem à Lua e criou a internet; há hoje desafios fundamentais que só um bom governo pode resolver

A presidência de Joe Biden ainda está no começo, mas não é cedo demais para apontar seu feito mais notável, que terá implicações por muitos anos ainda. O programa de vacinação contra a covid-19 foi transformado. O governo federal criou ou expandiu mais de 450 centros de vacinação, e o país está aplicando 2 milhões de vacinas por dia, mais de duas vezes o que era feito quando Biden assumiu o governo. O presidente diz ter garantido um suprimento suficiente para imunizar toda a população adulta dos EUA nos próximos três meses, bem antes de todos os principais países com exceção do Reino Unido. Os EUA aplicaram cerca de 80 milhões de doses da vacina, enquanto a União Europeia aplicou 35 milhões e a China, 50 milhões. Mais de 15% dos americanos receberam pelo menos uma dose, proporção cerca de cinco vezes maior do que a observada entre os chineses. Em resumo, Biden está demonstrando aos americanos e ao mundo que o governo dos EUA pode voltar a funcionar.

O governo Trump merece crédito pela Operação Warp Speed (Velocidade de dobra), o programa que ajudou a financiar as vacinas, e o setor privado merece crédito pela velocidade e eficácia milagrosa no desenvolvimento dos imunizantes. Mas, no geral, o presidente Donald Trump deixou a vacinação em si a cargo dos Estados. Em março do ano passado, Ron Klain, agora chefe de gabinete de Biden, observou que o governo Trump administrava a pandemia, uma crise nacional imensa, como se o país ainda estivesse vivendo “sob os artigos da confederação”.

Trump fez isso por dois motivos. Primeiro, estava claro que a pandemia criaria grandes problemas, e ele não queria a responsabilidade por eles. A ideia era: “Deixemos que os governadores arquem com o lockdown. Nós seremos responsáveis pela recuperação”. Segundo, faz anos que os republicanos desmerecem o governo federal, descrevendo-o como incompetente e disfuncional, dizendo que Washington era corrupta e o setor privado cuidaria melhor de tudo. A solução inicial de Trump para a pandemia foi reunir algumas empresas privadas e anunciar que elas logo teriam páginas na internet e centros de testagem para atender a população. Quase nada disso aconteceu.

Ricardo Noblat - Pazuello pede ajuda para driblar Bolsonaro e combater a Covid

- Blog do Noblat / Veja

Desobediência bem comportada

Diretamente ou por meio de emissários, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, dá sinais de que precisa de ajuda para combater a Covid e tentar driblar a determinação do presidente Jair Bolsonaro de deixar o vírus livre para que morram e adoeçam os mais vulneráveis à sua ação, desde que a economia não afunde.

Pazuello está cansado de remar contra a correnteza de decisões estúpidas tomadas por Bolsonaro. Sua formação militar o impede de se rebelar e de pedir as contas. De fato, acredita no que ouviu a vida inteira dos seus superiores nos quartéis – missão dada é missão cumprida; manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Outras razões empurram o general na direção de uma desobediência, digamos assim, bem comportada. A primeira: falhou a maioria das providências que ele próprio imaginou que seriam capazes de funcionar contra o vírus. A segunda: ele teme ser processado por muito do que fez ou deixou de fazer.

No pico da pandemia no ano passado, o número de casos de infecção superou a marca de 46 mil por dia, em julho. Ontem, 60 mil – 30% maior. Projeções de cientistas indicam que até a Semana Santa o número de casos poderá chegar a 100 mil por dia. No Rio Grande do Sul, nas últimas 24 horas, a alta foi de 50%.

No mesmo dia em que isso aconteceu, a comitiva do governo que viajou a Israel atrás de um spray nasal ainda não bem testado contra o vírus desembarcou por lá usando máscaras, depois de ter embarcado aqui sem elas. As imagens do embarque e do desembarque entrarão para a história da pandemia.

O apelo quase silencioso de Pazuello por ajuda levou 22 dos 27 governadores de Estado a se entenderem para implantar medidas de âmbito nacional mesmo que à revelia do governo Bolsonaro. Entre as medidas, as que restringem ainda mais a circulação de pessoas e a compra coletiva de vacinas que hoje são poucas.

Bruno Carazza* - São todos coniventes

- Valor Econômico

O silêncio cúmplice dos pré-candidatos diante da pandemia

Há exatamente um ano, 45 pessoas - incluindo ministros, assessores, parlamentares e empresários - acompanharam o encontro de Jair Bolsonaro com o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump.

O jantar no famoso resort de Mar-a-Lago, na Flórida, não trouxe nenhum resultado concreto em termos diplomáticos ou comerciais. Em compensação, 23 integrantes da comitiva brasileira retornaram contaminados com o novo coronavírus. Começava ali uma longa história de negativa da doença, dos seus efeitos e dos métodos cientificamente comprovados para combatê-la.

Bolsonaro é insensível à morte. Ao ordenar, na quinta-feira, “chega de frescura e mimimi”, nosso governante mais uma vez desrespeitou o luto nacional permanente em que vivemos desde o início do ano passado.

Logo no dia seguinte, porém, ao sair do Palácio do Alvorada, assegurou: “Até o final do ano acabou o vírus já, com toda a certeza". Essa frase deixa claro que há um cálculo bastante racional por trás de toda a sua psicopatia.

Na lógica macabra do presidente, mais dia, menos dia a maioria da população será vacinada e em outubro de 2022 o pior terá passado. Com um pouco de sorte - a manutenção das baixas taxas de juros internacionais, um novo boom de commodities e um generoso bônus estatístico depois das quedas de 2020 e do primeiro semestre de 2021 -, o candidato à reeleição poderá até se vangloriar de uma boa taxa de crescimento do PIB durante a campanha.

Sergio Lamucci - Economia caminha para um semestre perdido

- Valor Econômico

Primeira metade do ano deverá ser marcada pela combinação de atividade fraca e inflação ainda elevada

A economia brasileira terá mais um ano difícil em 2021, especialmente no primeiro semestre, marcado pela combinação de atividade fraca e inflação ainda elevada. Com o avanço do número de casos e mortes pela covid-19 e a vacinação lenta, a adoção de medidas mais rigorosas de isolamento social se tornou necessária em muitos Estados e municípios, o que vai afetar especialmente o setor de serviços. Além disso, a volta do auxílio emergencial demorou, prejudicando a demanda nos primeiros três meses do ano, e não foi acompanhada de iniciativas mais firmes para controlar a expansão dos gastos públicos obrigatórios, o que mantém o câmbio sob pressão, num momento de alta dos preços de commodities. Em resposta à inflação mais elevada, o Banco Central (BC) deverá começar neste mês um ciclo de aumento dos juros, apesar da falta de fôlego da economia.

Além do ambiente doméstico difícil, o cenário externo pode ficar menos favorável para países emergentes como o Brasil. A alta das taxas de retorno dos títulos de 10 anos do Tesouro americano aponta para um quadro complicado para esse grupo de economias. A expectativa de um ritmo forte de crescimento nos EUA pode resultar numa elevação precoce da inflação, levando o Federal Reserve a retirar parte dos estímulos monetários antecipadamente, ainda que esse não seja o cenário com que trabalham os dirigentes do BC americano. O risco de um quadro externo mais adverso é causar uma desvalorização adicional do real, que segue muito mais depreciado do que sugerem fatores como os termos de troca (a diferença entre preços de exportação e importação) e a situação das contas externas.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Sem pânico, mas voltando a agir

- Valor Econômico

Os efeitos da recuperação mostram que faz sentido gastar primeiro e posteriormente reaver via aumento da arrecadação

O agravamento da situação sanitária com o recrudescimento da pandemia nos últimos meses está obrigando a maioria dos governos a buscar um segundo esforço fiscal para manter a recuperação econômica viva. As novas medidas de afastamento social e, como consequência, as novas restrições a várias atividades econômicas importantes trouxeram o risco da repetição da recessão que ocorreu no segundo trimestre de 2020.

Os números já conhecidos mostram no terceiro e parte do quarto trimestre de 2020 uma recuperação econômica bastante forte embora ainda não o suficiente - com exceção da China - para compensar a queda que ocorreu entre março e junho. Alguns casos atingiram números históricos como o do Reino Unido com uma queda do PIB médio de 2020 superior a 8% quando medido contra o ano anterior.

Martha Medeiros - Uma bandeira destruída

- O Globo

Os que tentaram evitar o cheiro de podre que viria do Planalto contribuíram para que hoje contabilizemos uma quantidade trágica de vítimas do coronavírus

Não sou de me ufanar, mas é difícil segurar a emoção quando vejo um atleta receber uma medalha olímpica enquanto nosso hino toca e a bandeira do país é hasteada. Nesses momentos, sou tomada de um orgulho raro, já que são poucas as vitórias do Brasil e muitas as suas derrotas. Uma delas foi quando permitimos que um bando de alucinados tomassem a nossa bandeira como símbolo de sua ignorância e desse governo que de patriota não tem nada.

Arredondando, foram 57 milhões de pessoas que votaram neste homem que aí está. É muita gente, e entre elas estão os que votaram por identificação e com os quais não há o que conversar, é um voto autoexplicativo que tende a se repetir.

No entanto, há milhões de homens e mulheres corretos, sensatos, de boa índole, que não desejaram votar nele, mas que entraram na onda de blindar a esquerda a qualquer custo, preferindo apostar em terra arrasada. Não são homofóbicos, nem racistas, nem fascistas, nem milicianos, nem fanáticos religiosos. São boas pessoas que, embaladas pelo endeusamento do Moro (pois é) e por medo do socialismo (!!!), deram seu voto a uma criatura que torceram para que fosse apenas um bravateiro, enquanto tapavam o nariz.

Demétrio Magnoli - Lockdown, só usa quem pode

- O Globo

Bolsonaro afirmou que lockdowns “não funcionaram em lugar nenhum do mundo”. É cascata, como tudo que escorre da boca do presidente. Doria retrocedeu São Paulo para a “fase vermelha”. Atenção: não é, nem de longe, lockdown. Brasil afora, em meio à escalada da pandemia, governadores e prefeitos tornaram-se alvo de um bombardeio de críticas por não declararem lockdowns. No caso, os gestores têm razão: lockdown, só usa quem pode.

Lockdown é um extensivo congelamento da economia e da sociedade. Só os setores mais essenciais são autorizados a funcionar. A circulação de pessoas é restringida ao máximo. Funciona, pois a drástica redução de interações sociais ao longo de dois a três meses diminui radicalmente a taxa de transmissão do vírus. Não é, porém, uma varinha mágica. Como persiste alguma mobilidade social, e o vírus atravessa, impávido, a porta das residências, continuam a ocorrer contágios. Lockdowns não substituem a imunização coletiva.

A Nova Zelândia eliminou o vírus combinando lockdowns com fechamento de fronteiras. O sucesso, replicado por raros países, deve-se à circunstância de que, na etapa inicial (e oculta) da pandemia, as ilhas neozelandesas não experimentaram elevadas taxas de contágio. Hoje, porém, a reabertura de fronteiras depende da vacinação em massa da população. Na Europa, os lockdowns só conseguiram achatar temporariamente as curvas pandêmicas, impondo repetições do traumático processo.

Música | Mariene de Castro - Pot-pourri Samba de Roda

 

Poesia | Cora Coralina - Ofertas de Aninha

(Aos moços)

Eu sou aquela mulher 
a quem o tempo 
muito ensinou. 
Ensinou a amar a vida. 
Não desistir da luta. 
Recomeçar na derrota. 
Renunciar a palavras e pensamentos negativos. 
Acreditar nos valores humanos. 
Ser otimista. 

Creio numa força imanente 
que vai ligando a família humana 
numa corrente luminosa 
de fraternidade universal. 
Creio na solidariedade humana. 
Creio na superação dos erros 
e angústias do presente. 

Acredito nos moços. 
Exalto sua confiança, 
generosidade e idealismo. 
Creio nos milagres da ciência 
e na descoberta de uma profilaxia 
futura dos erros e violências do presente.

Aprendi que mais vale lutar 
Do que recolher dinheiro fácil. 
Antes acreditar do que duvidar.

- Cora Coralina, no livro "Vintém de cobre: meias confissões de Aninha". 6ª ed., São Paulo: Global Editora, 1997, p.145.