quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Merval Pereira

Que o país encontre uma saída antes de 2018
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Merval Pereira, jornalista, O Globo, 24.12.15

Em crise financeira, Rio de Janeiro decreta emergência na saúde

Governo do Rio decreta situação de emergência para Saúde por 180 dias

• O governo conseguiu levantar R$ 297 milhões para aliviar a crise do sistema de saúde, mas recursos devem se esgotar até 15 de janeiro

Mariana Durão - O Estado de S. Paulo

RIO - O governo do Estado do Rio de Janeiro conseguiu levantar R$ 297 milhões para aliviar a crise do sistema de saúde fluminense, para o qual foi decretada hoje situação de emergência por 180 dias. O Ministério da Saúde já depositou R$ 45 milhões na conta do Estado, que obteve ainda R$ 100 milhões em empréstimo da prefeitura do Rio e outros R$ 152 milhões com a entrada de pagamentos de ICMS, informou o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) no início da noite desta quarta-feira. A expectativa é que esse montante normalize a situação dos hospitais na virada do ano, mas Pezão admitiu que serão suficientes apenas até o dia 10 ou, no máximo, 15 de janeiro.

Além desse montante, o governo federal repassará insumos como esparadrapos, gaze e remédios aos hospitais estaduais em crise, em valor aproximado de R$ 20 milhões, garantindo cerca de 200 itens por pelo menos 30 dias. Segundo o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Alberto Beltrame, outros R$ 90 milhões serão repassados ao Rio até o dia 10 de janeiro. Segundo ele, cerca de 1.500 leitos dos hospitais federais estarão à disposição para a transferência de pacientes. "O decreto de emergência nos dá mais flexibilidade para auxiliar o Estado no enfrentamento da crise", disse.

Pezão afirmou que vai recorrer de todas as liminares deferidas contra o Estado, a exemplo da decisão do STF determinando o repasse de recursos ao Judiciário até o dia 30 de dezembro e da decisão que deu prazo de 24 horas para que o Estado cumpra a regra de aplicar ao menos 12% de sua receita líquida na saúde. O governo ainda não foi notificado. "Vou recorrer de todas as liminares. O Estado não fabrica recursos, não tem banco. A prioridade é pagar a saúde", disse.

Um gabinete de crise foi criado por determinação da presidente Dilma Rousseff, que participou de uma reunião por videoconferência na manhã de quarta-feira com o governador, além dos ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, e da Saúde, Marcelo Castro. "Não pedi intervenção federal, pedi ajuda", afirmou, sobre os rumores de que a presidente teria negado o pleito.

Pezão repetiu diversas vezes que a presidente Dilma se comprometeu a ajudar os Estados, em especial o Rio, cuja situação financeira é mais grave. O governador disse que há conversas em curso com o ministro Nelson Barbosa, mas não deu detalhes do que está sendo negociado. Questionado sobre por que esperar a situação chegar a esse estágio para agir, Beltrame disse que os repasses foram possibilitados por uma Medida Provisória editada no dia 18 dando mais R$ 2,5 bilhões em recursos ao Ministério da Saúde.

"Sei que o problema é grande e não tiro minha culpa. Peço desculpas à população do Estado", desabafou. De acordo com Pezão, a arrecadação de ICMS em 2015 será cerca de 13% menor que a do ano passado. O Estado também é afetado pela menor arrecadação com royalties do petróleo em função da queda do preço do barril: de US$ 115 na época da apresentação do Orçamento para atuais US$ 36.

Crise financeira no Rio leva caos à saúde no Estado

Crise na saúde faz hospitais do Rio fecharem emergência

- Folha de S. Paulo

RIO - A crise financeira do governo estadual do Rio deixou hospitais sem luvas, esparadrapo, algodão e remédios, para atendimento até de pacientes em situação de emergência. O cenário é resultado da dívida com fornecedores que acumula R$ 1,4 bilhão.

Após quase uma semana de unidades estaduais fechadas -em alguns casos até com tapumes- para afastar pacientes, o Estado obteve nesta quarta-feira (23) promessa de ajuda dos governos federal e municipal. Em um dia, as três esferas de governo anunciaram aporte de R$ 297 milhões no setor.

A Prefeitura do Rio emprestou R$ 100 milhões. O governo federal repassou R$ 45 milhões e prometeu envio de itens básicos, como remédios. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), disse ter obtido "receitas extras" de R$ 152 milhões para os hospitais.

"Esses recursos vão nos ajudar a atravessar dezembro até 10 de janeiro", disse o governador, que decretou situação de emergência na saúde para agilizar o recebimento de verbas federais.

A União prometeu mais R$ 90 milhões até a primeira quinzena de janeiro.

O Estado alega que a arrecadação de ICMS, em queda desde o início do ano, teve uma redução brusca a partir de outubro. Aponta ainda um rombo nas contas públicas causado pela queda do preço do barril de petróleo, que afetou a receita com royalties.

O colapso se instalou após sucessivos atrasos a fornecedores. Itens básicos deixaram de ser entregues. Médicos passaram a recusar pacientes por falta de condições de atendimento. Funcionários de limpeza terceirizados abandonaram o trabalho após atraso nos salários.

A falta de verba afetou 17 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e sete hospitais, que fecharam parcial ou totalmente nos últimos dias.

Tapume
A penúria nas unidades de saúde levou a medidas extremas. O diretor do Hospital Albert Schweitzer, Dilson Pereira, foi à polícia registrar em boletim de ocorrência a escassez de recursos para explicar, antecipadamente, o fechamento da emergência.

Os hospitais da Mulher e Getúlio Vargas fecharam com tapumes suas portas.

Grávida, a estudante Viviane Valdivino, 18, precisou discutir em frente ao Albert Schweitzer, em Realengo (zona oeste) no domingo (20) para ser internada e ter o seu filho, Luan. Atendentes a mandaram para casa duas vezes.

"Se não fizesse isso, meu filho nasceria em casa. Eles diziam que não tinham condições de me receber", disse.

Internado desde outubro, o pedreiro José das Graças, 60, viu a cada dia a situação do hospital se deteriorar. Segundo ele, faltam luvas e algodão.

A Justiça determinou que o Estado aplique 12% do orçamento em saúde. De acordo com o Portal Transparência da Secretaria de Fazenda, o valor empenhado no setor é 10% do total de R$ 56 bilhões já comprometidos.

"Não estamos conseguindo fazer [o repasse] financeiramente, mas orçamentariamente [permite o gasto, mas sem repasar o dinheiro]. Nosso esforço é minorar o sofrimento da saúde. Mas é evidente que eu não consigo pagar tudo", disse o secretário de Fazenda, Júlio Bueno.

O empréstimo prometido pelo município deve ser pago até junho e gasto diretamente nos hospitais Albert Schweitzer e Rocha Faria.

A crise não atinge só a saúde. O Estado já teve que parcelar o pagamento dos salários de novembro e do 13º.

A Uerj (estadual do Rio) suspendeu suas aulas por causa da falta de limpeza. Duas bibliotecas-parques chegaram a ser fechadas, mas foram reabertas após a prefeitura assumir o custo de manutenção do espaço.

Sob pressão, Pezão decreta emergência na saúde

• Justiça exige solução em 24h, e Dilma cria gabinete de crise

• Pelo menos 11 hospitais e 17 UPAs estão com problemas e recusam pacientes. Primeiro caso de morte pode ter ocorrido no Getulio Vargas

Depois de a Justiça ter dado um ultimato para o estado resolver a crise em 24 horas, o governador Luiz Fernando Pezão decretou estado de emergência na saúde do Rio. Por ordem da juíza Angélica dos Santos Costa, o governo tem que destinar R$ 636,1 milhões para regularizar o funcionamento da rede estadual. Até agora, 11 hospitais e 17 UPAs já foram afetados, e muitos recusam pacientes porque faltam insumos e os funcionários estão com salários atrasados. A presidente Dilma Rousseff determinou a instalação de um gabinete de crise, e o prefeito Eduardo Paes anunciou empréstimo de R$ 100 milhões para os hospitais Albert Schweitzer e Rocha Faria, na Zona Oeste. Um homem que chegou infartado ao Getulio Vargas pode ter sido o primeiro caso fatal da crise.

“Tornou-se fato público e notório que o governo do Estado do Rio de Janeiro não consegue mais controlar suas contas públicas”
Angélica dos Santos Costa
Juíza do Tribunal de Justiça do Rio que deu 24 horas para o governo estadual pagar as contas da saúde

Agonia anunciada

• Crise, que dava sinais desde o final do ano passado, se agrava sem perspectiva de solução

Anunciada desde o final do ano passado, a crise do estado guardou a pior parte para o fim de 2015. Além da queda na receita de royalties do petróleo, o caixa das finanças também foi nocauteado por falta de planejamento e de medidas rápidas de ajuste fiscal, para enfrentar as dificuldades que já eram visíveis no horizonte. Os sinais foram muitos, do fechamento da Uerj, principal universidade do estado, à ameaça de atraso na Linha 4 do metrô, que precisa de mais R$ 1 bilhão até as Olimpíadas. 

Mas o golpe fatal foi na saúde, à beira da calamidade. Dos percalços habituais, mas pontuais, os pacientes se veem em meio a um caos generalizado, fruto de descontrole sistêmico e sem perspectivas de ser resolvido a uma semana do fim do ano. No melhor dos mundos, a solução chegará, em 2016, com um aporte de verba extra da União ou se avançar a renegociação de dívidas de ICMS, que somam R$ 28 bilhões. Enquanto isso, o drama de pacientes, tão comum nas emergências, chega a unidades de referência e às redes municipal e federal, que já lidam com suas próprias mazelas.

Justiça determina repasse de recursos

Luiz Gustavo Schmitt, Carina Bacelar, Célia Costa e Selma Schmidt - O Globo

Diante do quadro caótico nos hospitais, a Justiça concedeu ontem liminar que obriga o estado a depositar, em 24 horas, todos os recursos destinados por lei à saúde. O governo deve repassar ao Fundo Estadual de Saúde do Rio os valores que faltam para cumprir o percentual de 12% de sua receita no ano, o que daria cerca de R$ 636,1 milhões. A ação foi impetrada pelo gabinete de crise, formado pelos ministérios públicos estadual e federal, pelo Sindicato dos Médicos do Rio e pelas defensorias públicas do estado e da União. Ontem à noite, o governador Luiz Fernando Pezão decretou estado de emergência na saúde por 180 dias.

A decisão da juíza Angélica dos Santos Costa, do Tribunal de Justiça do Rio, aumentou a pressão sobre o estado que, se não cumprir a decisão, terá que pagar multa diária de R$ 50 mil. O próprio secretário estadual de Saúde, Felipe Peixoto, e Pezão podem ser punidos com multa diária de R$ 10 mil. Em seu despacho, além de afirmar que o governo perdeu o controle sobre suas contas, a juíza diz que, a cada dia, “a situação se agrava com a paralisação de um novo serviço público essencial, caminhando para um verdadeiro colapso do sistema único de saúde”.

Gasto abaixo do que manda a lei
De fato, os sintomas dessa rede pública doente se espalham rapidamente. Um caso comoveu as equipes médicas. Sem plano privado, Wilma de Souza Flores, de 81 anos, tem um tumor maligno na região torácica. Depois de passar 15 dias no Hospital Miguel Couto, sem atendimento especializado, precisou que a família recorresse à Justiça para que ela fosse, finalmente, transferida ontem para o Hospital Mario Kröeff, na Penha. Mas lá, com funcionários sem receber salários, as portas estavam fechadas. Depois de três horas dentro de uma ambulância sem ar-condicionado, ela voltou para o Miguel Couto.

— Quando pensei que a nossa via crucis tinha terminado, enfrentamos tudo de novo. É muita maldade — lamentou a sobrinha e afilhada da idosa, a servidora Rosalra de Souza Medeiros.

Na ação movida pelo gabinete de crise, os autores alegam que, até agora, Pezão só gastou 9,74% da receita ativa do estado em saúde, embora a Constituição Federal determine uma margem mínima de 12% para o setor. Segundo o Portal da Transparência da Secretaria estadual de Fazenda, o governo autorizou gastos de R$ 5,15 bilhões do orçamento do setor. No entanto, só R$ 3,7 milhões (73%) foram efetivamente pagos.

Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), Lucieni Pereira explica que, se descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, Pezão pode responder por crime comum, de responsabilidade e improbidade administrativa:

— Se as contas forem julgadas irregulares, a Lei da Ficha Limpa prevê a inelegibilidade do gestor público por oito anos.

Pezão foi buscar apoio político da presidente Dilma Rousseff, com quem conversou pela manhã por teleconferência. Depois disso, Dilma criou um segundo gabinete de crise, este só com integrantes dos governos federal, estadual e municipal. O secretário nacional de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame, veio para o Rio. Ao mesmo tempo, o prefeito Eduardo Paes anunciou um empréstimo de R$ 100 milhões para manter em funcionamento dois hospitais estaduais, o Rocha Faria, em Campo Grande, e o Albert Schweitzer, em Realengo. O anúncio ficou por conta do secretário-executivo de Coordenação do Governo municipal, Pedro Paulo de Carvalho, candidato à sucessão de Paes. Segundo ele, o estado terá até o fim do primeiro semestre de 2016 para pagar o empréstimo.

Governador: “o estado não fabrica recursos”
Pezão disse ontem ter conseguido mais R$ 297 milhões (incluídos os R$ 100 milhões da prefeitura) para quitar as dívidas e avisou que recorrerá contra as ações judiciais:

— O estado não fabrica recursos, não tem banco. O estado vive da arrecadação de impostos.

As dívidas não param de bater à porta. A Justiça do Trabalho do Rio determinou, também ontem, que médicos contratados em regime de CLT ou como pessoas jurídicas pela Organização Social Therezinha de Jesus sejam pagos imediatamente. A OS administra cinco unidades estaduais, entre elas o Albert Schweitzer e o Hospital da Mulher, em São João de Meriti, além das UPAs de Copacabana, Tijuca, Botafogo e Jacarepaguá.

Mauro Osorio*: Rio de Janeiro: crise e desafio

- O Globo

O setor público do Rio de Janeiro passa em 2015 por particular crise de receita, principalmente nos municípios do Norte e das Baixadas Litorâneas e no âmbito do governo do estado, tendo em vista o peso dos recursos de royalties no total da receita pública dessas regiões e a pesada queda do preço do petróleo ocorrida este ano.

Do ponto de vista econômico, a indústria do Estado do Rio apresentou, entre janeiro e outubro de 2015, queda de sua produção física de -6,3%. Essa redução foi atenuada por um crescimento da indústria extrativa mineral de 4,7%, por conta do início da extração de petróleo no pré-sal (IBGE).

No que diz respeito ao volume de vendas no comércio, entre janeiro e outubro de 2015, ocorreu queda no estado de -2,5% (IBGE). No tocante ao total de pessoas ocupadas, a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE mostra que, entre janeiro e novembro de 2015, ocorreu queda da ocupação de 1,1% na Região Metropolitana. A taxa de desemprego na mesma região apresentou significativo crescimento, passando de 3,5% para 5%, devendo ser lembrado, no entanto, que, apesar dessa piora, ainda estamos em nível próximo ao que os economistas apontam como pleno emprego.

Para o ano que vem, teremos de enfrentar o término das obras relativas às Olimpíadas e o aumento das demissões na construção civil.

Um desafio para o Estado do Rio é diminuir a dependência das receitas de royalties. Para isso, é necessário aprimorar o planejamento público, buscando o adensamento produtivo e o aumento da base para arrecadação de ICMS.

As principais janelas de oportunidade, nesse sentido, encontram-se em torno dos complexos produtivos de turismo, entretenimento, esporte, cultura e mídia; da economia da saúde; e do petróleo e gás.

É importante, também, analisar as prioridades dos gastos públicos. Em 2014, por exemplo, o gasto público per capita para o conjunto das atividades vinculadas ao Legislativo e ao Judiciário no Estado do Rio foi em torno de 70% maior do que as despesas verificadas nos estados de São Paulo e Minas Gerais.

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*Mauro Osorio é economista e professor da FND/UFRJ

Ligia Bahia: ‘É uma situação de supremo sofrimento’

-  O Globo

É o caos. O que aconteceu foi um corte linear que afetou a saúde pública, uma área que deveria ser protegida. É uma insanidade fechar hospitais em meio a um surto de zika. Certamente é coisa pensada por pessoas que trabalham na área da Fazenda, que não têm o menor senso de humanidade.

A crise é resultado dessa política de nomeações. O problema é de gestão. O secretário não teve o poder de reverter o corte na Saúde. O que será da população que necessita desses cuidados? Uma população que envelhece, que tem doenças crônicas e está diante de uma epidemia. Isso dificulta inclusive a vida de pacientes com câncer, por exemplo.

Fica claro nesse momento que a solução não é organização de saúde. Ela é parte do problema, não da solução. Precisamos que estado, municípios e os serviços federais se organizem. É muito perigoso fechar uma unidade. A rede municipal vão ficar sobrecarregada. Pode faltar insumo. E é claro que a sobrecarga vai gerar um problema para as emergências municipais, que já trabalham com uma carga muito além do que podem receber.

Ter o acesso à saúde negado é a maior humilhação a que o ser humano pode ser submetido. É uma situação de supremo sofrimento. É uma situação de vulnerabilidade, de estar doente. Ela tira desse indivíduo a sua capacidade. E são os que mais precisam que mais sofrem nessas horas.

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Ligia Bahia, médica e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Feral do Rio de Janeiro (UFRJ)

Marco Aurélio Canônico: O Rio na UTI

- Folha de S. Paulo

"Tornou-se fato público e notório que o Governo do Estado do Rio de Janeiro não consegue mais controlar suas contas públicas e se encontra inadimplente com inúmeros prestadores de serviços do setor de saúde."

A frase, da juíza Angélica dos Santos Costa, está na decisão liminar proferida nesta quarta (23) que obriga o Estado a depositar a verba destinada à saúde, mas poderia facilmente ser aplicada a todas as áreas da administração de Pezão (PMDB).

Quebrado por conta da queda vertiginosa da arrecadação, o governo do Rio chega a um fim de ano desesperador, apesar das diversas manobras feitas para tentar aumentar o caixa, cortar gastos e adiar pagamentos devidos, inclusive o de salários de servidores.

Segurança, educação e saúde foram sangrando ao longo do ano com a falência do Estado. Pelo menos 12 hospitais já foram afetados. As UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), bandeira do governo do PMDB desde a gestão Sérgio Cabral (2007-2014), passam por crise tão grave quanto as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), deixando de funcionar 24h e negando-se a receber pacientes.

Como se a penúria não fosse suficientemente desafiadora, há ainda o surto de zika –o Rio registrou 84 casos suspeitos de microcefalia causada pelo vírus, até agora– e o do secretário estadual de saúde, que abandonou o cargo em plena crise.

Para surpresa de ninguém, a crise financeira fluminense chegou à fase de litígio judicial –e o governo, além de começar perdendo, não tem perspectiva de vitórias futuras.
Como quase todos os brasileiros, Pezão deve estar torcendo muito para que 2015 acabe logo. Infelizmente, no caso dele, os esqueletos deste ano vão persegui-lo –o governo já estima um deficit de R$ 10 bilhões no orçamento de 2016, além dos R$ 3 bilhões que restarão a pagar do rombo atual.

Alan Gripp*: Duro golpe num projeto de poder

• PMDB do Rio amplia influência, mas coleciona problemas domésticos

- O Globo

A pindaíba financeira do governo do Rio, que culminou no colapso da Saúde, é o mais duro golpe no projeto de poder do grupo que domina a política estadual e se prepara para passos mais ambiciosos, cuja meta é, sem dúvida, a Presidência.

Liderado pelo quarteto Eduardo Paes, Luiz Fernando Pezão, Jorge Picciani e Sérgio Cabral, o “PMDB do Rio”, como tem sido tratado de forma imponente o grupo, galgou espaços como nenhum outro no plano nacional, mas tropeça em casa.

Esse time, como se sabe, contrariou a direção do PMDB e pediu votos para Aécio Neves (PSDB) na eleição de 2014. Mas logo se bandeou novamente para Dilma Rousseff (PT), de olho no dinheiro federal para as obras da Rio 2016, etapa fundamental da empreitada política.

Único do grupo que, de fato, nutre alguma admiração por Dilma, Pezão é quem mais depende dela. Sem Brasília, a Linha 4 do metrô, por exemplo, não ficará pronta para as Olimpíadas, dano irreparável para sua imagem de gestor.

O governador do Rio também foi quem mais sofreu com a crise econômica, em razão da dependência do estado do petróleo, cujos preços foram ao chão. Catatônica, sua gestão hoje mendiga recursos de um governo trôpego. Ruim com Dilma, pior sem ela.

Foi também por essa razão que o PMDB do Rio se aventurou recentemente na defesa de Dilma após o acolhimento do processo de impeachment, num momento em que a barca petista estava mais para afundar.

A decisão do STF que esfriou o processo ao dar superpoderes ao Senado de Renan Calheiros, aliado do PMDB fluminense, ampliou a influência do grupo na sigla, o que pode ajudar, por exemplo, na definição de candidatos.

Mas Paes, principal nome da legenda, precisa emplacar seu sucessor na prefeitura antes de arriscar um voo mais alto. Seu principal nome, Pedro Paulo, afunda-se mais toda vez que tenta resumir as agressões à ex-mulher a um problema doméstico. Como se vê, o PMDB do Rio é que precisa arrumar a casa.
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* Alan Gripp é editor de País

Receita investiga contabilidade de Instituto Lula dos últimos cinco anos

• Doações de empresas envolvidas na Lava Jato à entidade de ex-presidente são foco da apuração, segundo Folha de S.Paulo; presidente da fundação nega ligação e diz que é como 'cair na malha fina'

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

A Receita Federal requisitou do Instituto Lula cópias da documentação contábil referente aos últimos cinco anos, ou seja, desde que a entidade foi criada. Segundo o instituto, trata-se de uma "fiscalização normal". Ao Estado, o presidente da entidade, Paulo Okamotto, comparou o caso ao de um contribuinte que cai na malha fina da Receita.

"Como qualquer pessoa jurídica constituída no País, o Instituto Lula está prestando informações solicitadas pela Receita Federal, de acordo com um termo que não menciona qualquer processo judicial ou investigação em curso, diferentemente do que foi noticiado. O Instituto Lula cumprirá todas as demandas da Receita Federal no prazo acordado e lamenta que, mais uma vez, procedimentos protegidos por sigilo constitucional tenham sido vazados ilegalmente", diz nota enviada pela assessoria de imprensa do instituto nesta terça-feira, 23.

Segundo o jornal "Folha de S. Paulo", a Receita investiga doações de empresas envolvidas na Operação Lava Jato à entidade comandada pelo ex-presidente. Okamotto disse desconhecer o vínculo. "Que eu saiba não tem nada a ver com a Lava Jato. Não tem nenhum pedido específico. É igual cair na malha fina da Receita, como milhões de brasileiros caem todo ano", disse Paulo Okamotto.

A notificação para apresentação dos documentos partiu da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes, localizada no Rio de Janeiro. Okamotto foi ao encontro de representantes da Receita duas vezes. A primeira para tentar entender do que se tratava a notificação. A segunda para pedir mais prazo. Inicialmente a Receita solicitou que os papéis fossem entregues até o final deste ano. Diante do pedido, a Receita deu prazo de mais 20 dias para o instituto.

Segundo Okamotto, a ação não se estende à LILS Palestras e Eventos, empresa aberta por Lula depois de deixar a presidência, em 2011.

A Superintendência da Receita Federal na 7ª Região, com sede no Rio de Janeiro, informou que, "em razão do sigilo fiscal", não faria comentários a respeito das investigações sobre a movimentação financeira do Instituto Lula.

Em reunião com Jaques Wagner, Renan pede consideração e interlocução com governo

• Ministro esteve na residência oficial do presidente do Senado em Brasília durante cerca de uma hora

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, reuniu-se ontem à noite com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), último dia de trabalho Congresso. A visita de Wagner ocorreu algumas horas após o ministro ter dito que a quebra dos sigilos fiscal e telefônico de Renan, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não altera a relação do peemedebista com o governo.

"A quebra de sigilo de Renan não interfere na relação dele com o Planalto", minimizou Wagner, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Para o ministro, pelo menos na fotografia de hoje, a relação entre Dilma e Renan é "muito boa", mas ressalvou que esse tipo de vínculo "nunca é totalmente estável".

Wagner esteve na residência oficial do presidente do Senado em Brasília durante cerca de uma hora. O encontro, a sós, não constou da agenda oficial das duas autoridades. Na conversa, conforme relatos feitos ao Broadcast, Renan pediu "consideração" e interlocução com o governo.

Pediu também apoio para levar adiante seu pacote econômico, materializado na Agenda Brasil. O ministro teria se colocado à disposição para ajudá-lo. Não se sabe se os dois conversaram sobre a situação de Renan na Operação Lava Jato - as investigações têm se aproximado dele, que responde a seis inquéritos.

Desde o meio do ano, o Palácio do Planalto priorizou a relação com o presidente do Senado como forma de fazer um contraponto ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rompido com o governo desde então. O cacife de Renan no governo subiu desde que o Supremo decidiu que cabe ao Senado arquivar uma eventual decisão da Câmara de admitir o processo de impeachment.

O peemedebista também tem sido prestigiado pelo Planalto após discutir publicamente com o vice-presidente e presidente do PMDB, Michel Temer, no episódio da suposta interferência dele na disputa pela liderança do PMDB da Câmara, cargo estratégico para a comissão especial do impeachment.

Na semana passada, pouco após se reunir com Dilma e Wagner no Palácio da Alvorada, Renan já se posicionou publicamente contra decisão de Cunha de admitir a abertura do processo de impedimento. Por outro lado, o governo, nos bastidores, considera que Cunha e Temer se uniram para derrubar Dilma. O maior temor do presidente do Senado, contudo, é que os desdobramentos da Lava Jato possam inviabilizá-lo politicamente.

TCU critica parecer favorável a Dilma

Ministros do TCU criticaram a decisão do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) de sugerir a aprovação das contas de 2014 de Dilma Rousseff. Augusto Nardes disse que o governo reconheceu as “pedaladas” e que a decisão do relator no Congresso foi política.

‘Decisão política’

• Ministros do TCU criticam parecer de relator no Congresso pela aprovação das contas de Dilma

Vinicius Sassine - O Globo

-BRASÍLIA- Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) criticaram ontem a decisão do senador Acir Gurgacz (PDTRO), relator das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff no Congresso, de propor a aprovação das contas, contrariando parecer unânime do TCU pela rejeição. Três ministros ouvidos pelo GLOBO afirmaram que a avaliação do senador foi “política”, enquanto a decisão do tribunal foi “técnica”.

As “pedaladas fiscais”, manobra em que o governo retém pagamentos a bancos públicos para melhorar artificialmente as contas, são o ponto principal do parecer do TCU pela rejeição. O Tribunal de Contas concluiu que a manobra configura uma operação de crédito, pois os bancos se viram obrigados a assumir o pagamento de programas como Bolsa Família, o que infringe a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Esse entendimento contraria tanto a defesa do governo quanto a conclusão do relator das contas no Congresso.

Decretos também irregulares
Além disso, a sugestão de reprovação das contas pelo TCU levou em conta a edição de decretos que autorizaram gastos sem aval do Congresso, num momento em que deveria haver cortes de despesas por conta da queda de arrecadação. As duas acusações são a base do processo de impeachment de Dilma aberto na Câmara.

O ministro Augusto Nardes, relator das contas no TCU, disse que ministros da área econômica do governo reconheceram a existência das “pedaladas”. O montante, de R$ 57 bilhões, está expresso na proposta orçamentária enviada ao Congresso, que prevê déficit fiscal.

— Os dois ministros que assumiram recentemente (Nelson Barbosa, da Fazenda, e Valdir Simão, do Planejamento) reconheceram que existe a dívida com os bancos por conta das “pedaladas” e que estão tentando resolver. Tanto que o Orçamento foi enviado com déficit. Esses fatos falam por si só — disse Nardes, responsável pelo voto a favor da rejeição seguido pelos colegas ministros:

Nardes afirmou que todas as decisões do tribunal foram técnicas:

— A decisão foi unânime dos ministros. A decisão do Congresso é que é eminentemente política. A do TCU foi eminentemente técnica.

Outro ministro do TCU, que pediu reserva, também criticou Gurgacz:

— Essa posição (de Gurgacz) é apenas o relatório. A decisão soberana é do plenário.

Para um terceiro ministro do TCU, que também pediu anonimato, o relator fez uma “avaliação política”:

— Não há mudança de interpretação. O Congresso não tem poder de mudar nossa interpretação. Tanto é verdade que vamos continuar com o mesmo parâmetro.

A aprovação ou a rejeição das contas presidenciais é uma atribuição exclusiva e definitiva do Congresso. Gurgacz, como relator, disse que as “pedaladas fiscais” não são operação de crédito e que os decretos de créditos suplementares estão previstos na Lei Orçamentária. A Comissão Mista de Orçamento votará em março o relatório do senador.

Nardes negou ter tido atuação política na condução do processo das contas de Dilma no TCU. Ele disse que a discussão sobre as “pedaladas” foi relatada, em diferentes momentos, por três por ele, nas contas presidenciais; por José Múcio Monteiro, no processo original das “pedaladas”, que avalia a responsabilidade individual de 17 autoridades e ex-autoridades; e por Vital do Rêgo, que propôs a rejeição dos recursos do governo no processo original, o que foi acatado pelo plenário.

— Técnicos do Tesouro Nacional já alertavam há dois anos sobre a existência das “pedaladas”. Está claro que no Congresso haverá uma decisão política. Caberá aos congressistas fazer uma leitura da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição Federal — disse Nardes.

Voto em separado da oposição
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que o parecer de Gurgacz não altera o pedido de impeachment em análise na Câmara. Cunha disse que sempre ressaltou que o pedido não se basearia nas contas de 2014, mas, sim, em atos cometidos em 2015.

— Mesmo que, por ventura, o plenário da Comissão de Orçamento aprove o parecer do senador, e o plenário das duas Casas aprove, isso, por si só, não tem nenhuma mudança no entendimento que foi feito acerca da abertura desse processo de impeachment — disse Cunha.

Ele disse que retirou da peça todo o embasamento relativo a 2014.

— Em primeiro lugar, afastei a possibilidade do ano de 2014, que é o que está se tratando no relatório do TCU. O que foi aceito trata-se, única e exclusivamente, da parte de 2015, embora fale de 2014 e especificamente dos decretos feitos em desacordo com a Lei Orçamentária.

O líder da oposição na Câmara, Pauderney Avelino (DEM-AM), afirmou que apresentará um voto em separado pela rejeição das contas.

— Vamos reagir. Vou apresentar voto em separado reafirmando o que o TCU fez — disse Pauderney.

Para defender mandato, Dilma dobra número de viagens

• Em janeiro, maratona deve se somar a divulgação de ‘agenda positiva’, como as Olimpíadas

Washington Luiz, Simone Iglesias - O Globo

-BRASÍLIA- Viajar mais pelo país foi uma das estratégias adotadas pela presidente Dilma Rousseff para defender seu mandato e tentar desidratar o apoio popular ao processo de impeachment. Desde 2 de dezembro, quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deu início ao processo, Dilma se mobilizou e, durante 20 dias, dobrou o número de viagens pelo Brasil em relação a todo o mês de novembro. De 2 a 22 de dezembro, a petista visitou sete municípios, enquanto nos 30 dias do mês anterior fez apenas três viagens pelo país.

Em janeiro, a maratona deve continuar. Com o Congresso e o Judiciário em recesso, o Planalto buscará neutralizar a maré de notícias negativas que dominou o noticiário nos últimos meses, tentando criar uma “agenda positiva”. A ideia é fazer o máximo de viagens possível, com inaugurações de obras e eventos públicos.

Paralelamente, a presidente está disposta, segundo interlocutores, a debater com os aliados propostas para fazer a economia reagir, além de pôr na mesa propostas de reforma da Previdência. Segundo um ministro do Palácio do Planalto, mesmo que esses temas sejam complexos, eles vão além do ajuste fiscal puro e simples, que dominou 2015 e é considerado uma pauta negativa.

Dilma também deve aproveitar janeiro para divulgar uma agenda mais programática, para tirar do foco o ajuste fiscal. Um dos temas abordados serão as Olimpíadas de 2016. A intenção é evitar que o evento seja alvo de críticas, como foi a Copa do Mundo.

Muitas inaugurações
Em dezembro, já no primeiro fim de semana após a decisão de Cunha, Dilma foi ao Recife para lançar o plano nacional de enfrentamento ao mosquito Aedes aegypti, como medida de combate aos casos de microcefalia. Apesar do número elevado de casos, antes de a Câmara dar início ao processo de impeachment, Dilma acompanhava o assunto de longe, com conversas restritas com ministros e governadores em seu gabinete no Planalto.

A petista também não perdeu a oportunidade de participar de diversas inaugurações, para defender seu mandato e demonstrar que o governo não está paralisado. Além das habituais entregas de unidades do Minha Casa Minha Vida, que ocorreram em Boa Vista (RR) e Camaçari (BA), ela participou da inauguração do Museu de Congonhas, no interior de Minas Gerais, e do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

Embora na maioria dos eventos tenha sido recebida com palmas e gritos de “Não vai ter golpe”, na inauguração do metrô na Bahia a recepção não foi tão calorosa, e parte da plateia vaiou a presidente.

Dilma conciliou duas viagens em uma só data. No mesmo dia em que foi até a Bahia, ela também foi até Floresta, no sertão de Pernambuco, para inaugurar uma estação de bombeamento do projeto de transposição do Rio São Francisco que já funcionava há mais de dois meses. Não fosse a posse dos ministros da Fazenda (Nelson Barbosa) e do Planejamento (Valdir Simão), Dilma teria ido até Dourados (MS), na última segundafeira, para conhecer o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira (Sisfron). No entanto, optou por participar apenas da Cúpula do Mercosul, no Paraguai, e voltar a Brasília para o evento de mudança no primeiro escalão.

Outra viagem internacional feita nos últimos dias pela presidente foi à Argentina, onde ela participou da posse do presidente Mauricio Macri. Embora no Brasil o assunto impeachment estivesse em pauta, a presidente preferiu manter o compromisso, para evitar que o noticiário interno contamine ainda mais a imagem do Brasil no cenário internacional.

Arrecadação federal cai 17% e já dificulta meta de 2016

No mês passado, a União arrecadou R$ 95,461 bilhões em tributos federais, no pior desempenho desde 2008. O valor é 17% menor do que em novembro do ano passado e um reflexo da recessão, que derrubou as vendas e os lucros das empresas. Segundo analistas, com a piora na arrecadação, dificilmente o governo conseguirá cumprir a meta de superávit fiscal primário do ano que vem, de 0,5% do PIB.

Cofres mais vazios

• Arrecadação cai 17,3% em novembro, e governo terá dificuldade de cumprir meta fiscal em 2016

Geralda Doca, Martha Beck, Gabriela Valente, Bárbara Nascimento - O Globo

-BRASÍLIA- Com a economia em recessão, a arrecadação de impostos e contribuições federais despencou em novembro e fechou o mês em R$ 95,461 bilhões, pior desempenho para o período desde 2008. O número representa uma queda real (já descontada a inflação) de nada menos que 17,29% em relação a 2014. No acumulado do ano, a sociedade recolheu R$ 1,100 trilhão em tributos, o que significa um recuo de 5,76% e o valor mais baixo desde 2010. Os números deixam evidente que as dificuldades do governo para fechar as contas de 2015 tendem a continuar em 2016, quando a expectativa do mercado financeiro é de uma retração de quase 3% para o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).

O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, afirmou ontem que o principal motivo da queda na arrecadação é a retração da atividade, que reduziu as vendas e a lucratividade das empresas. Ele disse que os números de dezembro devem ser um pouco melhores, mas não suficientes para reverter o quadro negativo do ano:

— O período de janeiro a novembro foi fortemente afetado pela deterioração do cenário macroeconômico. No mês de dezembro, nós verificamos que os primeiros números são bastante positivos. Mas não serão suficientes para reverter o resultado do ano, que será negativo.

Ele tentou fazer uma previsão mais otimista para 2016, destacando que a Receita espera um aumento da arrecadação por conta das medidas de ajuste fiscal, como a reoneração da folha de pagamento das empresas e a volta da CPMF:

— Para 2016, nossa expectativa é de que as medidas de ajuste fiscal comecem a produzir efeitos — disse Malaquias.

Mercado acredita que retração vai continuar
O otimismo, no entanto, não contagia o mercado. Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que governo pode ter conseguido o sinal verde do Congresso para fazer uma meta fiscal menor em 2016, de superávit primário de R$ 30,6 bilhões, ou 0,5% do PIB. No entanto, esse número — que causou tantas brigas dentro da equipe econômica e acabou levando Joaquim Levy a pedir demissão do comando do Ministério da Fazenda — dificilmente será atingido.

Eles lembram que a meta, seja ela de 0,7% do PIB, como queria Levy, ou de 0,5% do PIB, depende de receitas que não estão garantidas, como a recriação da CPMF e a venda de ativos, que não necessariamente terão demanda. Os especialistas lembram ainda que a retração econômica vai continuar a derrubar as receitas e que o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff fragilizou o governo de tal maneira que há muito pouca margem de manobra para que o Congresso aprove medidas impopulares como aumento de impostos.

Além da CPMF, a equipe econômica editou duas medidas provisórias em 2015 que dariam uma arrecadação adicional em 2016, mas não foram aprovadas pelo Legislativo. A MP 692, que cria uma tributação gradual do Imposto de Renda (IR) sobre ganhos de capital na venda de imóveis, e a MP 694, que faz uma série de ajustes em impostos, como o aumento do IR para Letras de Crédito (LCI e LCA).

— Um primário de zero já seria uma meta bastante ousada (para 2016). O resultado depende de uma enormidade de receitas extraordinárias — afirma o economista Fernando Montero, da corretora Tullet Prebon Brasil, acrescentando: — Politicamente você vai ter que fazer o diabo para entregar um resultado primário equilibrado.

O governo sabe dos desafios da meta de 2016. Tanto que, quando propôs ao Congresso a redução do esforço fiscal, também incluiu a adoção de uma cláusula de abatimento pela qual o número poderia ficar zerado. Ela previa a possibilidade de um desconto de R$ 30,6 bilhões do resultado primário, caso houvesse frustração de receitas em relação ao previsto no Orçamento. Também poderiam ser abatidos da conta gastos com restos a pagar de investimentos, ações de vigilância sanitária, combate a endemias, ações de combate à seca ou mitigação dos efeitos em áreas afetadas por desastres. Nada disso convenceu os parlatudo mentares, e a cláusula foi rejeitada.

Os economistas lembram que a meta fixada não é impossível, mas requer a busca de outras receitas, o que poderia ser feito por meio de aumento de impostos que não precisam passar pelo Congresso (como a Cide e o Imposto sobre Operações Financeiras). Também será preciso conseguir concretizar operações como a abertura de capital (IPO) do IRB-RE (ex-Instituto de Resseguros do Brasil) e da Caixa Seguradora. Essas operações, que poderiam resultar num reforço de R$ 5 bilhões aos cofres públicos, estavam previstas para 2015, mas foram adiadas por causa das turbulências no mercado. Eles também apontam a necessidade de novos cortes de gastos:

— Desde que se tenha vontade política é possível. Se aprovar a CPMF, subir IPI, pode ser. Há uma série de medidas que ficaram para o ano que vem como o IPO da Caixa e do IRB. Se fizer isso, dá para economizar — diz o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa. Mas ele não trabalha com esse número: — Eu acho que o 0,7% do PIB (número que era defendido por Levy) é o ideal. Mas estamos trabalhando com déficit de 0,9% do PIB, pois estamos prevendo inflação de 6,5% e retração da economia de 2,6%.

É a mesma previsão do economista da MB Associados Sérgio Vale:

— A recessão ano que vem será igualmente severa, fazendo com que a receita volte a cair em torno de 7%. Mais ainda, o déficit da Previdência Social será bem maior ano que vem com a piora no mercado de trabalho e o aumento do salário mínimo em 10%. Assim, é praticamente impossível um superávit ano que vem. Devemos ter outro déficit, na ordem de 0,9% do PIB.

Arrecadação de impostos de empresas cai 14%
Montero pondera que, para fazer um superávit, ou mesmo um déficit pequeno no ano que vem, o governo tem um difícil caminho pela frente. Ele lembra que, para reequilibrar a economia, o governo precisa de diálogo com o Congresso. Além disso, paralelamente, o governo lida com um grande volume de incertezas, o que deteriora, semana a semana, as previsões do mercado para a economia.

De acordo com a Receita, entre janeiro e novembro, a arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) caiu 13,96%. Reflexo do encolhimento do mercado formal de trabalho, as contribuições para a Previdência Social recuaram 6,16%.

Dívida pública sobe para R$ 2,7 trilhões em novembro

• Com a alta do juro no Brasil, estrangeiros aumentaram as compras e participação foi a 19,37% do total da dívida

Rachel Gamarski - O Eestado de S.Paulo

BRASÍLIA - O estoque da dívida pública federal (DPF) subiu 2,66% em novembro, quando atingiu R$ 2,716 trilhões. Os dados foram divulgados pelo Tesouro Nacional. Em outubro, o estoque estava em R$ 2,646 trilhões.

A correção de juros no estoque da DPF foi de R$ 27,99 bilhões no mês passado. A DPF inclui a dívida interna e externa. A Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi) subiu 2,84% e fechou o mês em R$ 2,575 trilhões. Já a Dívida Pública Federal externa (DPFe) ficou 0,05% menor, somando R$ 141 bilhões no mês passado.

Os estrangeiros aumentaram a aquisição de títulos do Tesouro Nacional em novembro. A participação dos investidores não-residentes no Brasil no estoque da dívida interna subiu de 19,13% em outubro para 19,37% em novembro, somando R$ 498,87 bilhões. Em outubro, o estoque nas mãos de estrangeiros estava em R$ 479,05 bilhões.

A parcela das instituições financeiras no estoque da DPMFi teve elevação de 24,28% em outubro para 24,33% em novembro. Os Fundos de Investimentos mantiveram a fatia de 19,48%. Já as seguradoras tiveram crescimento na participação de 4,59% para 4,67%.

Prefixados. A parcela de títulos prefixados na dívida subiu de 38,45% em outubro para 39,23% em novembro. Já papéis atrelados à Selic diminuíram a fatia, de 33,27% para 32,76%. Os títulos remunerados pela inflação caíram para 22,65% do estoque da DPF em novembro, ante 22,75% em outubro. Os papéis cambiais reduziram a participação na DPF de 5,53% em outubro para 5,36% em novembro.

Recessão mostra maior virulência nos serviços

- O Estado de S. Paulo

Dependente do comportamento da indústria, do comércio, do agronegócio e até da atividade dos governos, a economia de serviços reflete a intensidade e a amplitude da recessão.

Empresas com receitas e lucros menores demandam menos serviços administrativos, técnicos, de transporte ou armazenagem, reduzem gastos com segurança, limpeza e atendimento ao consumidor.

Famílias ameaçadas pelo desemprego e com rendimentos declinantes cortam gastos com alimentação, recreação, estética, lavanderia e até com educação - por maiores que possam ser as implicações negativas no futuro.

Governos federal, estaduais e municipais controlam dispêndios com subsídios e transferências, por exemplo.

Respondendo por mais de dois terços do Produto Interno Bruto (PIB), o setor de serviços registrou queda em todos os meses de 2015, segundo a Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE. Medidos pelo volume de serviços prestados e deflacionados por índices de preços específicos para cada setor de atividade, os serviços pesquisados caíram 3,5% em agosto comparativamente a agosto de 2014, 4,8% em setembro e 5,8% em outubro.

A queda acumulada até outubro foi de 3,1% e já é estimada em 6% até o fim de dezembro pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). O setor, assim, arrasta para baixo o PIB, cuja redução estimada já se aproxima dos 4%.

Alguns segmentos de serviços são afetados mais do que outros, caso dos serviços técnico-profissionais contratados por empresas, que caíram 9,6% no ano e 8,4% em 12 meses; do transporte terrestre, que diminuiu 9,9% no ano e 8% em 12 meses; e dos serviços de alojamento e alimentação oferecidos às famílias, com quedas, respectivamente, de 5,3% e 5,1%. Como exceções, os transportes aquaviário e aéreo cresceram nos últimos meses, embora em ritmo declinante.

Com a população de 205 milhões de habitantes e a vasta rede de proteção social oferecida pelo Estado, o setor de serviços continuará grande e poderá criar oportunidades. Mas, infelizmente, a um número menor de pessoas, pois a demanda não se sustenta com inflação elevada e salários e lucros em declínio.

O setor de serviços é o maior empregador de mão de obra do País e, com frequência, a última alternativa para quem está desempregado. Isso basta para medir o alto custo do seu desaquecimento.

Carlos Alberto Sardenberg: Uma esquerda neoliberal?

• Ela não pôs um esquerdista para fazer uma política ortodoxa. Colocou Barbosa para reaplicar a sua matriz, enquanto diz outra coisa

- O Globo

Tem uma teoria, tipo conspiratória, que diz o seguinte: governantes de esquerda são mais adequados para fazer reformas ortodoxas, daquelas que mexem com direitos trabalhistas e sociais (Previdência, pensões, abonos etc.). A lógica, suposta, afirma que só um líder esquerdista tem moral para sustentar a necessidade de tais reformas junto aos sindicatos e movimentos sociais.

Se isso for verdade, então o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, reúne as condições políticas para encaminhar as reformas que está prometendo apresentar no começo de 2016. Seu antecessor, o neoliberal e ortodoxo Joaquim Levy, teria esse pecado de origem. Por isso, tudo o que ele propôs foi rejeitado de cara pela ala esquerda do governo Dilma.

Por essa suposta lógica ainda, Barbosa também tem condições de realizar o mesmíssimo ajuste fiscal tentado por Levy. De novo, uma questão de confiança. Os sindicatos e movimentos sociais haverão de entender que Barbosa é de casa.

De modo que caímos neste paradoxo: Dilma tirou o neoliberal Levy e colocou o desenvolvimentista Barbosa para fazer exatamente a política ortodoxa que derrubou o primeiro. Pode? Costuma-se apresentar como exemplo prático dessa teoria o primeiro governo Lula. E quer saber? Lula foi de fato muito ortodoxo na política econômica. Fez um forte superávit primário (Levy era secretário do Tesouro), deu autonomia para o Banco Central subir juros e até iniciou uma reforma na Previdência do funcionalismo público.

Também se costuma citar o governo de Felipe Gonzáles na Espanha pósfranquista. Do Partido Socialista Operário, Gonzáles desenvolveu um programa que colocou seu país na rota do moderno capitalismo europeu.

Se estivéssemos na Europa, poderíamos até colocar Fernando Henrique Cardoso como outro exemplo. Vindo da esquerda social-democrata, FHC promoveu um espetacular conjunto de reformas, com amplas privatizações, austeridade nas contas públicas, abertura comercial e mudanças microeconômicas também na direção de um capitalismo moderno.

Ocorre que, por aqui, a maior parte da esquerda não acompanhou esse movimento de FHC e permaneceu com as velhas ideias populistas e estatizantes. Lula assumiu essa esquerda — e se elegeu atacando o neoliberalismo do “sociólogo das elites". Para governar com a mesma política econômica que atacava.

Mas, reparem, só no primeiro mandato. Tão logo sentiu-se seguro, Lula jogou fora a herança ortodoxa e lançou as bases da chamada “nova matriz" que seria largamente aplicada no primeiro mandato de Dilma Rousseff.

Essa a diferença entre Lula, de um lado, e Gonzáles e FHC de outro. Estes dois últimos efetivamente mudaram seu modo de ver a sociedade e a economia. Convenceram-se da superioridade prática do capitalismo e da iniciativa privada para construir riqueza. Entenderam que o Estado pode agir em favor da igualdade social, mas no limite do orçamento equilibrado. Ou seja, que distribuir benefícios torrando dinheiro público, e aumentando a dívida, termina por gerar a inflação que come a renda dos mais pobres.

A partir daí, foram dois excepcionais líderes que convenceram os eleitores e os políticos da necessidade e da oportunidade das reformas. Sempre pela via democrática.

Lula foi ortodoxo por necessidade. Quando se elegeu, debaixo de enorme desconfiança, o ambiente econômico se deteriorou. A contragosto, engoliu a política econômica sugerida por Antônio Palocci para se sustentar no governo.

Com a ajuda de uma extraordinária bonança global, Lula decolou. Quase ganhou uma estátua no FMI. Era o líder de esquerda mais moderno, com a política social do Fome Zero e a ortodoxia econômica.

Inebriado, e reeleito, Lula resolveu então fazer as coisas de seu jeito. E tinha uma verdadeira esquerdista a seu lado. Como ministra, Dilma Rousseff ajudou Lula a enterrar a ortodoxia de Palocci e iniciar a “nova matriz" — o Estado comanda a economia, distribui dinheiro para os pobres e concede crédito barato para os empresários escolhidos. Distribui vantagens e recursos para os sindicatos e movimentos sociais, enquanto abre os cofres para que os partidos se financiem com dinheiro das estatais e obras públicas. De certo modo, o modelo compra todo mundo.

Tudo isso para dizer o seguinte. Dilma chamou Levy na abertura de seu segundo mandato por necessidade. Estava na cara que a economia naufragava e começava a afundar suas bases políticas. Mas a presidente nunca admitiu que isso acontecia por causa de sua política econômica. E nunca pretendeu mudá-la.

Levy era para dar uma rápida satisfação ao mercado, não para fazer algo. Por isso, as iniciativas do ministro neoliberal eram sabotadas por ela mesma e seu pessoal à esquerda.
Como pode imaginar que o mercado compraria essa manobra?

Ou seja, Dilma agora voltou às origens. Não colocou um esquerdista para fazer uma política ortodoxa. Colocou Barbosa para reaplicar a nova/ velha matriz, enquanto diz outra coisa. Não vai rolar.
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

José Roberto de Toledo: Um ano despudorado

• O bastidor virou ribalta, os atores se despiram e o público mal conseguiu prestar atenção

- O Estado de S. Paulo

Dois mil e quinze foi o ano em que a política perdeu o pudor. As estripulias de Eduardo Cunha na Câmara propiciaram cenas das mais explícitas já protagonizadas por um chefe de Poder, mas seria injusto dizer que esse jeito de escancarar o que antes era velado seja só dele. A prática se generalizou. O bastidor virou ribalta, os atores se despiram e o público mal conseguiu prestar atenção a todas as cenas nuas e cruas da nova coreografia política.

Foram tantos escândalos seguidos e superpostos que alguns dos episódios mais chocantes do ano nem tiveram tempo de ser digeridos. A fuga a la Brancaleone combinada pelo senador Delcídio Amaral com personagens da Lava Jato é tão fantástica que extrapola. A conversação flagrada na gravação jamais emplacaria num roteiro de ficção por ser inverossímil demais.

Deputados trocando tapas ao vivo na - onde mais? - Comissão de Ética, 36 pedidos de impeachment contra a presidente da República, dezenas de parlamentares arrolados na Lista do Janot, seis inquéritos no STF contra o presidente do Senado, pedido de afastamento do presidente da Câmara, centenas de mandatos contra figurões da República, detenção de banqueiro, condenação em série de empreiteiros, pacotes de dinheiro jogados pela janela.

Corriqueiramente a política brasileira é tachada de pornográfica e qualificada como obscena. Mas a comparação não é justa com a pornografia. A representação do comportamento sexual em vídeos, textos e fotos visa excitar quem os consome. Milhões pagavam para ver o que era proibido, escondido, pecaminoso. Ao virar padrão, a indústria pornográfica entrou em crise. A overdose grátis de sexo virtual matou a excitação. O pornô brochou.

A política brasileira nem chegou a ser excitante. Foi direto do falso moralismo para o sexo explícito em escala pós-industrial. Quando tudo é escandaloso, nada mais escandaliza. Daí a multiplicação de dois tipos de comportamentos opostos, mas complementares: o descrédito e a despolitização motivados pelo nojo, e a atitude de vale-tudo encorajada pelos exemplos repetidos que vêm das lideranças políticas da Nação.

É essa combinação que transforma um tuiteiro desengajado em assediador moral, ou que faz um militante de Facebook sair do sofá para agredir um idoso na rua só por ele ser "petralha" ou "coxinha". Enclausurados em suas bolhas cognitivas que só fazem reforçar as respectivas taras e preconceitos, criam-se maníacos que consomem política como pornografia e se aliviam publicamente em manifestações de intolerância, ódio e negação do outro.

O despudor político torna-se, assim, pai da antipolítica. Meio sem querer querendo, pois a aversão reduz a concorrência. Quem vai querer se arriscar em um ambiente desses apenas por idealismo? Cada vez menos gente. Tão menos que virou um problema para os próprios políticos profissionais.

Ao mesmo tempo em que intumesce o número de partidos, murcham as filiações partidárias. Sem novos filiados nem doações de empresas não há libido para fazer campanha eleitoral. Foi um dos motivos pelos quais, no remendo em que se transformou a reforma política, o Congresso acabou com o prazo mínimo de um ano para o novo filiado poder disputar cargo eleitoral pelo partido.

Os anos anteriores às eleições municipais registram os picos de filiações partidárias. Foi assim em 2011, 2007 e 2003. O motivo é egoísta: o futuro candidato a prefeito ou vereador filia tantos amigos, familiares e conhecidos quanto pode para garantir seu nome na urna. Isso não rolou em 2015. Daí todos os partidos compartilharem o interesse de estender o prazo de filiação e ganharem tempo para levantar seus quadros.

Se 2015 foi despudorado, 2016 pode desbundar um ciclo político-partidário inaudito desde a redemocratização. Só não há garantia de que seja melhor do que os anteriores.

Fábio Zanini: Impeachment sem fim

- Folha de S. Paulo

Imagine que estamos no final de março de 2016, e a presidente Dilma Rousseff acaba de obter 190 votos na histórica sessão da Câmara que abriria seu processo de impeachment. São 19 a mais do que os 171 necessários para sobreviver. Seu mandato está salvo.

Mas está mesmo? Com 190 votos em 513, como ela governa? E se forem 200, ou mesmo 230, como aprovar uma medida provisória que seja?

Governo e oposição têm tratado a votação do impeachment como uma oportunidade de recomeço, um gargalo pelo qual o Brasil terá de passar para sair da paralisia, de um jeito ou de outro. Há um risco considerável, contudo, de que sofreremos o traumático processo de tentar afastar um presidente eleito em troca de nada.

Para o governo, conseguir o mínimo de votos para derrotar o impeachment não é muito difícil. Hoje, se alguém tem de subir um Everest para triunfar é a oposição.

O futuro de Dilma depende de que tipo de vitória ela teria. O sucesso magro, num primeiro momento, aumentaria a pressão pela renúncia, com o argumento de que seu governo está inviabilizado. Quem conhece Dilma e o PT sabe que a chance de isso acontecer é próxima de zero.

A presidente poderia, teoricamente, recorrer ao instrumento clássico de formação de base parlamentar, a compra de apoio político.

Isso se faz por liberação de emendas ou com os famosos "recursos não contabilizados", tornados célebres pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Para ter sucesso, é preciso dinheiro no caixa, mas isso será mercadoria escassa em 2016.

No ano novo, a recessão continuará galopante, a Lava Jato operando a todo o vapor, as prisões e delações premiadas, se acumulando e o PMDB, cada vez mais o inimigo interno da presidente. Mesmo que resista, Dilma terá enorme dificuldade para recomeçar. Está aí um cenário de verdadeiro pesadelo: o longo processo de impeachment poderá, no final de tudo, parir um rato.

Eugênio Bucci *: Uma trégua de Natal na guerra do impeachment

- O Estado de S. Paulo

Com a chegada das festas natalinas de 2015, não são apenas os magistrados, os procuradores e os parlamentares que tiram as bermudas do armário e se paramentam para as férias que julgam merecidas, deixando o incêndio nacional para ser debelado só depois: as pessoas comuns também cessaram sua atividade política e entraram em recesso. Elas bem sabem que a situação é insustentável e precisa mudar, mas parecem inseguras quanto ao caminho a ser adotado. Segundo uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgada na semana passada, 60% dos brasileiros concordam com a abertura do processo de impeachment. Ao mesmo tempo, para 58% dos mesmíssimos brasileiros, o vice Michel Temer faria um governo igual ou ainda mais sofrível do que o que aí está. Essa aparente ambiguidade não é bem uma indecisão ou um refugo da opinião pública. O sentido é mais sutil e mais desafiador.

Antes que os ideólogos de um lado e de outro se apressem a dizer que o povo é assim mesmo, que, mesmo ajoelhado aos pés do presépio, acende uma vela a Deus e outra ao diabo; antes que os propagandistas do aparato sindical amaldiçoem a classe média “conservadora” (para estes, a classe média só é boa quando vota no PT); antes que, no extremo oposto, os inconformados com as urnas de 2014 xinguem os petistas aos palavrões (como aquela meia dúzia de infelizes que insultou Chico Buarque, há poucos dias, no Leblon); talvez seja o caso de considerar outra hipótese. É possível que, em lugar de velas de macumba, o “recesso popular” esteja tentando acender uma luz de alerta e mandar um recado à Nação: devagar com o andor do impeachment, pois, se a titular é de barro, o vice é de areia.

A prudência intuitiva que vem das ruas esvaziadas é um cartão de Natal sem palavras. A mensagem é de cautela, ainda que a hora seja de urgências, ainda que o País não possa perder mais tempo além do que já foi perdido. Escutemos com atenção não mais “o ronco das ruas”, mas o seu silêncio. As multidões se recolheram, tanto no polo dos que são contra o impeachment quanto no polo dos que são a favor. Os que defendem a permanência do governo já não se mostram tão convictos, tão decididos. Os que querem derrubá-lo também não.

No polo dos defensores de Dilma Rousseff, é muito fácil de entender as razões do desalento. Ninguém menos que Lula já tinha avisado. No dia 29 de outubro, ele discursou para os membros do Diretório Nacional do PT: “Nós ganhamos as eleições com um discurso e, depois das eleições, nós tivemos de mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer. Esse é um fato, esse é um fato conhecido de 204 milhões de habitantes e é um fato conhecido da nossa querida presidenta Dilma Rousseff”. Nessa confissão inequívoca de estelionato eleitoral, Lula sintetizou o péssimo estado de ânimo de suas fileiras, envergonhadas até a alma com o tamanho da mentira que pregaram no País. Não há demissão de Joaquim Levy que restaure o moral das bases. Nem os mais aguerridos defensores do mandato de Dilma são capazes de dizer que este governo é bom. Mesmo os que afirmam que o impeachment é “golpe” - numa retórica absurda, posto que o impeachment está previsto na Constituição e o processo avança em sintonia com as decisões do Supremo Tribunal Federal - são incapazes de esboçar uma defesa ainda que tímida do governo que aí está (isto é, do governo que não está nem aí - e em nenhum outro lugar). Todos eles sabem que do jeito que está não dá para continuar.

O problema está em como mudar. E em que direção mudar. É aí que entra o muxoxo do outro lado, daqueles que sonhavam com o impeachment como uma criança sonha com um brinquedo encomendado ao Papai Noel. O desejo de mudança era justo: tirar de cena um governo marcado por inépcia e por episódios apocalípticos de corrupção generalizada. A emenda, porém, começou a se revelar pior que o poder a ser deposto. O que parecia um enredo bonitinho, predestinado a um final feliz, foi se convertendo num filme de terror, a começar pelo aventureiro que lançou mão do papel de paladino do impeachment, Eduardo Cunha. Do ponto de vista da integridade, do decoro, da lisura, o presidente da Câmara simboliza tudo aquilo que precisa ser varrido de Brasília. Aí, quando saltou no meio do picadeiro e usurpou o papel de protagonista da investida contra o Planalto, deu-se o revés. Sua figura virou um fator de desmoralização dos que protestavam contra Dilma e contra o PT.

O outro fator foi o vice epistolar, Michel Temer. Seria ele o estadista capaz de tirar o Brasil do pântano? Ou da UTI? Michel Temer, que não consegue governar nem o PMDB que lhe cabe presidir, teria condições de salvar a Pátria? Quando esteve no exercício da Presidência, o vice também assinou decretos determinando créditos extraordinários (no valor de R$ 10,8 bilhões), contribuindo para ampliar as famigeradas pedaladas fiscais, agora invocadas como o principal “fundamento jurídico” do pedido de cassação. Ele nunca se insurgiu contra as “pedaladas”. Seria ele a saída? Nem os mais obstinados opositores do PT diriam que sim.

Foi então que as coisas confluíram para a trégua momentânea. Não se pense que ela indique covardia ou tibieza da gente brasileira. O seu sentido complexo está mais para o oposto. A trégua desencoraja os extremismos e lança um convite à razão. É Natal, a gente pensa. É tempo de paz. É a chance que temos de refletir com calma.

Sejamos francos: será que o argumento das “pedaladas fiscais” constituem realmente um fundamento jurídico para o impeachment? Sendo um argumento tão controvertido, tão problemático do ponto de vista formal, dará conta de unificar o País em torno de um novo pacto? Será que é mesmo por aí?

A resposta virá em 2016. Sejamos responsáveis - e esperançosos. Que as instituições decentes que nos restam e a boa-fé que ainda existe na cidadania iluminem o ano novo do Brasil.
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*Eugênio Bucci é jornalista, professor da ECA-USP

Luiz Carlos Azedo: Conto de Natal

• Fez mal a presidente Dilma Rousseff em não viajar para o Rio de Janeiro e desejar um Natal melhor aos pacientes do SUS. Sua popularidade poderia melhorar se fizesse uma visita ao Hospital Albert Schweitzer, em Realengo

- Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff vai ganhar o melhor presente de Natal que poderia ter num ano de tantas dificuldades, o segundo netinho. Mas esse foi um mau pretexto para cancelar a viagem que faria ao Rio de Janeiro ontem, onde deveria inaugurar, em Deodoro, mais uma das instalações esportivas das Olimpíadas de 2016. Na avaliação do Palácio do Planalto, a agenda era uma fria: a ex-capital da República vive uma das piores crises do seu sistema de saúde, com os hospitais em colapso. Até a reserva estratégica de medicamentos para o período dos Jogos Olímpicos corre risco.

Para enfrentar a situação, acompanhado do chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, anunciou a criação de um gabinete de crise, do qual vão participar “toda a nossa rede federal, estadual e municipal para fornecer equipamentos, medicamentos e transferência de pacientes que forem necessários”. O maior problema é a infestação da cidade pelo mosquito Aedes aegypti. O Exército será mobilizado para combatê-lo. Além de transmitir a dengue e a chikungunya, o Aedes aegypti agora também transmite a zika, que tem o problema adicional das sequelas da enfermidade que é a microcefalia, “o grande problema de saúde pública que temos hoje no Brasil”, afirmou o ministro.

“O grave problema da saúde no Rio de Janeiro”, cuja rede hospitalar entrou em colapso por falta de verbas, também é uma ameaça ao sucesso das Olimpíadas, depois de tantos investimentos feitos pelo prefeito carioca, Eduardo Paes. Seu grande legado urbanístico será a reurbanização da antiga região portuária e a mudança de padrão da mobilidade no centro do Rio, com o veículo leve sob trilhos, além da Vila Olímpica, na Barra da Tijuca. Mas o êxito dos jogos é importante para a imagem internacional da Cidade Maravilhosa.

Caixa d’água
Os mata-mosquitos já foram uma das figuras características do Rio de Janeiro, nos tempos dourados de capital da República. Eles surgiram com Oswaldo Cruz, em 1904, durante a reforma sanitária que resultou na Revolta da Vacina. A reforma incluía a demolição das favelas e cortiços, expulsando seus moradores para as periferias, e a vacinação obrigatória contra a varíola. Naquela época, o centro do Rio abrigava pântanos e um grande manguezal; eram constantes as epidemias de tifo e febre amarela.

Entre 10 e 16 de dezembro daquele ano, a cidade virou um campo de batalha. A população depredou lojas, virou e incendiou bondes, fez barricadas, arrancou trilhos, derrubou postes, atacou a polícia com pedras, paus e barras de ferro. Saldo de 30 mortos e 110 feridos. Os alunos da antiga Escola Militar da Praia Vermelha, eternos bagunceiros, também se sublevaram. A saída foi decretar estado de sítio e mandar os líderes da revolta para o Acre. Por pura ironia, o presidente Rodrigues Alves, que nomeara Oswaldo Cruz no primeiro mandato (1902-1906), morreu de “gripe espanhola” logo no começo do segundo mandato, em 1918.

Uma variante desse vírus, o Influenza A subtipo H1N1, esteve de volta ao Brasil alguns anos atrás, com o nome de “gripe suína”. Mas voltemos ao Aedes aegypti, que virou uma constante nos verões brasileiros e, neste ano, se tornou um problema dramático, por causa do zika vírus, que provoca microcefalia nos recém-nascidos e deixa sequelas piores do que a paralisia infantil e a talidomida, pois atinge o cérebro das crianças. Uma das dificuldades para erradicar o mosquito é a proliferação de caixas d’água nas cidades brasileiras, cujo padrão de abastecimento contraria o princípio adotado em quase todas as cidades do mundo: a gravidade, que dispensa o armazenamento, ao contrário do sistema de bombeamento. Mas essa é outra história.

Fez mal a presidente Dilma Rousseff em não viajar para o Rio de Janeiro e desejar um Natal melhor aos pacientes do SUS. Sua popularidade poderia melhorar se fizesse uma visita ao Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, na Zona Oeste, cujos médicos há três dias foram à 33º DP dar queixa contra a falta de condições para prestar atendimento à população, temendo punições futuras, de caráter criminal, por omissão de socorro. No Getúlio Vargas, na Penha, médicos enviaram carta ao Conselho Regional de Medicina (Cremerj) alertando sobre os graves problemas de desabastecimento de insumos e medicamentos essenciais.

Míriam Leitão: Promessa adiada

- O Globo

Inflação na meta é o objetivo que o governo não consegue cumprir há cinco anos. O Banco Central previa há um ano que a inflação chegaria ao fim de 2015 em 6,1% e que em 2016 estaria no centro da meta. Ele errou, como tem ocorrido sistematicamente desde o começo do governo Dilma. Ontem, o BC avisou que o ano termina com a taxa em 10,8%. A promessa de chegar ao centro da meta foi renovada, mas o prazo foi adiado. Agora, só em 2017.

Eu sei, leitor, que hoje é dia de Natal e este espaço deveria trazer alguma boa notícia que aliviasse o peso de um ano difícil. Mas, ossos do ofício, o Banco Central divulgou ontem suas projeções e resultados. Foi impossível ignorar o quanto a autoridade monetária está longe, em suas previsões, dos números que vão se confirmando.

O que faz o BC errar 4,7 pontos percentuais quando projeta a inflação 12 meses à frente? É que a instituição não viu todos os riscos que já estavam evidentes na economia brasileira. Estava claro que o governo havia manipulado os indicadores fiscais, e que o país estava num aumento acelerado do gasto público. E não precisa ser dirigente do Banco Central para saber que descontrole fiscal leva a inflação. Foi preciso também que o BC não soubesse que as tarifas de energia haviam sido reprimidas a ponto de colocar em risco as empresas do setor. Tampouco é preciso ser dirigente do Banco Central para saber que isso era insustentável.

No relatório de inflação, o BC prevê que no ano que vem a taxa vai terminar em 6,2%. Mas o mercado já vê o IPCA terminando 2016 acima de 6,5%. Seria o segundo ano seguido de rompimento do teto da meta. Mesmo com a recessão, a alta nos preços se alastra pela economia. No relatório Focus, a mediana das projeções para a inflação de 2016 está em 6,87%.

No levantamento mais recente do IBGE, o IPCA-15, um dado assusta. Em um mês até meados de dezembro, 78,6% dos produtos analisados registraram alta. É o maior índice de difusão desde o começo de 2003, destaca o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.

A alta dos preços se alastrou pela economia e está gerando preocupações. O país ainda carrega muitos mecanismos de indexação, herança do período de hiperinflação. Contratos de aluguel, por exemplo, tradicionalmente são corrigidos pelo IGP-M.

— A indexação na economia ainda é muito grande. A principal é a do salário mínimo, a mais forte, flagrante. Por causa da indexação a gente pode passar por essa situação, de retração forte demais por dois anos com inflação alta —, disse.

Em 2016, a energia elétrica vai subir bem menos. Isso vai dar um alívio ao IPCA. Mas o professor Luiz Roberto Cunha projeta uma inflação ainda alta no ano que vem, entre 7,5% e 8%.

A alta dos preços este ano perturbou os brasileiros. O índice voltou aos dois dígitos, o que não acontecia desde o começo do governo Lula. Aliás, a partir do Plano Real só houve taxa de dois dígitos quando aconteceu algo extraordinário, com um salto do dólar provocado pela insegurança da sucessão presidencial, em 2002 e 2003. Agora, o que torna o índice ainda mais pesado é que ele acontece no meio da pior recessão em 25 anos.

O mistério que intriga muita gente é como se conseguiu juntar essa dupla: inflação de dois dígitos e recessão de quase 4%. Só errando muito é possível esse resultado, porque normalmente a recessão acaba trazendo a taxa para baixo. Desta vez, os preços administrados que tiveram que ser corrigidos — de energia elétrica e combustível — provocaram o salto no índice. Mas, como mostra o professor Luiz Roberto Cunha, o problema se espalhou pela economia.

A recessão e o reajuste menor dos preços administrados ajudarão o ano que vem a ter uma taxa menor do que a deste ano, mas ainda longe da meta e distante do número projetado pelo BC. Quando a autoridade monetária erra de forma tão evidente a projeção, é porque não agiu a tempo, nem na intensidade necessária.

Agora, o BC reprisa a promessa de que em dois anos chegará ao centro da meta. Essa foi a mesma projeção feita no primeiro relatório de inflação de 2011. E no ano seguinte o objetivo foi sendo adiado. Chegou a um ponto em que esses relatórios deixam de ter relevância, já que nunca se cumprem. Será bom o dia em que eu puder escrever neste espaço que, sim, a inflação está no centro da meta. Esperarei por este Natal.