Um dos programas mais badalados das gestões petistas completa 10 anos este mês. O Bolsa Família já não rende os mesmos dividendos políticos da época de Lula, mas especialistas concluem que o programa deve ser mantido
Carro-chefe petista
Com 50 milhões de pessoas beneficiadas, o Bolsa Família completa 10 anos este mês. Políticos e especialistas avaliam, no entanto, que a influência eleitoral será menor em 2014 do que nas disputas presidenciais de 2006 e 2010
Paulo de Tarso Lyra, Renata Mariz e Étore Medeiros
“O Bolsa Família é uma coisa muito boa. Esse dinheirinho serve para as despesas da casa, para comprar uma roupinha para a criança, um leite, uma verdura. É pouquinho, mas já remedia, é melhor do que nada”, comenta Helena Rosa Nascimento, de 58 anos. Há 21 anos, ela e o marido, o pedreiro Cândido Ribeiro Antunes, de 69 anos, migraram de Teresina para o Jardim Céu Azul, bairro de Valparaíso (GO), onde moram com a filha e a neta. O pedreiro diz que nunca viu político falar a verdade, a não ser por uma exceção. “O único que vi falar algo e ajudar o povo foi o Lula. Ele deu ao menos o trabalho.” O reconhecimento ao ex-presidente é feito pelas urnas. “Voto nele há muito tempo, se ele for candidato, voto nele de novo.” Com a neta Rianna Paula nos braços, dona Helena brinca com a bebê, falando em um tom infantil: “Eu quero é que a Dilma ganhe, não quero que ela saia”.
Distante 31km da família de Helena e Cândido, a cabeleireira Ivone Bastos, 30 anos, trabalha três vezes por semana no salão de uma prima. Mudou-se há um mês com a família para o condomínio Porto Rico, em Santa Maria, onde mora em uma casa de dois cômodos, emprestada por um primo de William Alves, o marido de Ivone. Ela diz que não sabe quem paga os R$ 134 que recebe todos os meses, mas responde, em tom de dúvida, sobre quem criou o Bolsa Família: “O Lula?”. Ivone não ajudou a eleger Dilma Rousseff. “Não gosto dela, quando ela entrou, fez foi piorar. Votei no César. É César? Serra!”, relata. Quanto às eleições de 2014, ela confessa não saber quem são os candidatos. “Não faz diferença para mim.”
As opiniões de Helena/Cândido e Ivone/William retratam o peso eleitoral do Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo federal, que beneficia 50 milhões de pessoas e 13 milhões de famílias. A uma semana de completar 10 anos da edição da medida provisória que instituiu a ajuda social, o Correio ouviu especialistas, políticos e beneficiários para avaliar os ganhos, os erros e a força nas urnas. A conclusão é clara: o Bolsa Família não pode e não será extinto, mas a influência dele nos votos dados ao PT não será tão grande como foi em 2006 e 2010.
A análise baseia-se também em números levantados pelo Correio (leia ao lado), especialmente no Nordeste, principal região beneficiada pelo programa federal. Na Paraíba, por exemplo, entre 2006 e 2010, a proporção de famílias que recebem o valor mensal subiu de 36,2% para 39%, mas a votação no PT caiu de 65,3% para 53,2%. Em Pernambuco, apesar do expressivo aumento de famílias contempladas (33% para 50%), o número de votos que Dilma recebeu em 2010 foi de 61,7%, ante os 70% de Lula quatro anos antes.
A mesma realidade tende a se repetir nos estados mais ricos da Federação. O Rio de Janeiro, por exemplo, ampliou de 8% para 12% o número de beneficiados pelo programa. Mas o PT, que teve 49,1% dos votos com Lula, recebeu apenas 31,5% com Dilma. Em Minas Gerais, os dois lados da balança diminuíram. Em 2006, 20% das famílias recebiam o Bolsa Família, enquanto em 2010 eram 17%. Já os votos no PT caíram de 50% para 46,9%, respectivamente.
Resultados
Para o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Denílson Bandeira Coelho, não há como negar que a criação do Bolsa Família mudou geograficamente o voto no PT e assegurou as vitórias de Lula e Dilma no Nordeste, região mais pobre do país. “Mas, hoje, o eleitor analisa outros programas do governo, como o Minha Casa, Minha Vida, o Seguro Defeso (voltado para pescadores carentes) ou o Plano Safra da Agricultura Familiar”, disse Denílson.
Isso não significa que, a longo prazo, o programa poderá ser extinto. “Quase 80% dos municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes e são extremamente pobres. O dinheiro federal, incluindo o Bolsa Família, a aposentadoria urbana e a rural, são fundamentais para movimentar a economia local, estimular o associativismo e o empreeendedorismo”, citou.
O secretário-geral do PT, deputado Paulo Teixeira (SP), afirma que hoje o eleitor está em busca de outros direitos. “A população hoje quer educação, saúde, segurança e transporte urbano com mais qualidade”, enumerou. Já o presidente nacional do DEM, senador José Agripino Maia (RN), reconhece que o Bolsa Família cumpriu seu papel, mas acabou estagnado apenas na questão da renda. “Ele tem um ponto de partida e um ponto de chegada, mas não tem pontos de saída. As próximas eleições cobrarão mais dos candidatos”, acredita Agripino.
Vice-presidente do PSB e um dos articuladores da pré-campanha de Eduardo Campos ao Planalto em 2014, Roberto Amaral avalia que a influência do Bolsa Família no voto do eleitorado é algo que ainda não pode ser desconsiderado. “Temos muitos municípios cuja economia se apoia apenas no programa. Pode ser que no passado a influência fosse maior. Mas desprezar esse componente político na hora da eleição é um erro”, analisou Amaral.
Das primeiras iniciativas até o programa atual
Muita gente reinvindica a paternidade da ideia do Bolsa Família. Entenda como tudo começou:
Apesar de as primeiras discussões sobre transferência de renda terem começado ainda na década de 1970, só em 1991, um projeto de lei com a ideia foi apresentado pelo então senador da oposição, Eduardo Suplicy, primeiro representante do PT eleito para o Senado. Previa complementação de renda para maiores de 25 anos que ganhasem menos de 2,5 salários mínimos. Com apoio de todos os partidos, a proposta seguiu para a Câmara, onde nunca foi votada.
Surgem os primeiros programas de transferência de renda condicionada no Brasil, implementados pelas administrações petistas do DF e de Ribeirão Preto (SP), e pelo PSDB em Campinas (SP), no ano de 1995. Exigia a escolarização das crianças das famílias beneficiárias. O formato serviu de inspiração para projetos futuros, além de conquistar o apoio amplo tanto de políticos quanto da academia.
Em 1997, projeto de lei do deputado Nelson Marchezan, do PSDB-SP, partido do então presidente Fernando Henrique Cardoso, transformou-se no Programa de Garantia de Renda Mínima Vinculada à Educação (PGRM). Concedia apoio financeiro a programas de renda mínima associados à educação em municípios mais pobres, dos quais era exigida contrapartida de 50%. Poucas prefeituras aderiram.
Recursos obtidos pelo Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, recentemente aprovado, possibilitaram, em 2001, a transformação do PGRM em Programa Nacional de Bolsa Escola (PNBE). Era destinado a famílias com crianças de 6 a 15 anos e renda per capital inferior a meio salário mínimo. Na sequência, veio o Bolsa Alimentação, para famílias com gestantes, nutrizes e crianças de até 6 anos. A condição era saúde preventiva, vacinação e pré-natal, além de outros benefícios menos abrangentes.
No início da gestão Lula, em 2003, foi criado o Programa Nacional de Acesso à Alimentação , que integrava o Fome Zero, carro-chefe do novo governo na área social. Mas era preciso corrigir a fragmentação dos programas da era FHC. Com os resultados pífios do Fome Zero, o governo criou, em outubro do mesmo ano, o Bolsa Família, que se expandiu rapidamente. Regras novas foram incorporadas ao longo do tempo, como as ditadas recentemente pelo programa Brasil Carinhoso, que se integra ao Bolsa Família.
Fonte: Correio Braziliense