O contracheque de três algarismos com que iniciou sua exposição de oito minutos
numa audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte deu à
professora Amanda Gurgel mais de 2 milhões de acessos no You Tube. E lhe rendeu
a maior votação proporcional de um candidato a vereador entre todas as capitais
do país. Amanda teve 9,23% dos votos em Natal.
Foi uma votação quatro vezes maior, em termos proporcionais, do que aquela
recebida por Roberto Trípoli (PV). Vereador recordista em votos de São Paulo,
Trípoli foi eleito pelo hospital público para animais domésticos que conseguiu
arrancar de um Executivo que não fez uma única unidade para humanos.
A votação de Amanda também foi o triplo daquela recebida pelo ex-governador
do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, que ganhou uma vaga na Câmara Municipal de
Campo Grande.
É visão colonizada a de que partido bom é grande e forte
Levantamento do ValorData mostra que dos 57.197 vereadores do país, o PSTU
só elegeu dois. E Amanda foi um deles. O outro é um peão de obras em Belém.
O PSTU é um dos dez partidos que elegeram vereadores, mas não têm cadeiras
na Câmara dos Deputados. Entre os 22 partidos com representação federal, há
nove com menos de dez vagas na Casa. São nanicos por lá, mas nas Câmaras
Municipais melhoram de categoria.
O PSL, por exemplo, o menor dos partidos federais, com um único deputado,
somou 759 vereadores no país. Perto do PSL o PSTU é um micronanico.
Com uma representação minúscula em casas legislativas relegadas ao limbo da
opinião pública - o leitor lembra de algum projeto aprovado por seu vereador na
atual legislatura? -, essas legendas estão aí para lembrar que as regras da
competição política criam um mercado eleitoral que o senso comum deturpa e
mistifica.
É opinião corriqueira que o Brasil tem partidos demais. Há quem lamente que
o bipartidarismo que lá gorgeia não gorgeie cá. Mas se o critério de
sobrevivência fosse aplicado à Câmara dos Deputados, por exemplo, o PSDB, com a
terceira bancada da Casa, ficaria de fora.
Vá lá que se deixassem os dez maiores partidos. Menos que isso é legenda de
aluguel, vaticina-se. Mas nas Câmaras Municipais do Pará e do Paraná, por
exemplo, a barreira dos dez maiores garantiria a presença do PSC - o partido
cujo símbolo é um peixinho - e jogaria no lixo os votos recebidos por partidos
com passagem por governos estaduais e ministérios, como o PSB, o DEM e o PR.
No Rio Grande do Norte, a barreira garantiria a presença do PMN, que lá
desbanca três partidos com assento na Esplanada dos Ministérios: PDT, PCdoB e
PRB.
Em Rondônia, a coisa fica ainda mais grave. Lá a representação do PSDC nas
Câmaras Municipais ultrapassa até o PSDB, timoneiro nacional da oposição.
O PCdoB, que abriga o único alagoano da Esplanada dos Ministérios, Aldo
Rebelo, foi ultrapassado no Estado natal do titular do Esporte por legendas que
parecem dever sua existência ao Google. PRP e PTdoB têm mais vereadores em
Alagoas do que o PCdoB.
No Amazonas é o PTN que ultrapassa o badalado PSB. No Rio, o DEM elegeu um
ex-prefeito da capital, Cesar Maia, à Câmara dos Vereadores. Mas ficou em 19º
lugar no Estado. Perdeu para o PHS e empatou com o PRTB.
Em Sergipe a decantada polarização nacional entre PT e PSDB inexiste quando
o assunto é o legislativo municipal. Os petistas estão em sexto e os tucanos,
em décimo. Juntos não somam 10% das vagas.
A polarização tem seu berço em São Paulo, mas inexiste nas Câmaras
Municipais. Para se chegar a dois terços das cadeiras no Estado é preciso somar
nove legendas.
Essas pequenas siglas têm os sinais vitais preservados porque ocupam um
mercado eleitoral quase sempre desprezado pelas grandes.
As mais ideológicas, como o PSTU, elegeram vereadores em coligação com
parceiros do mesmo lado, como o PSOL. As que são mais comumente chamadas de
legenda de aluguel fazem as contas do pragmatismo para sobreviver, porque não
são de direita, nem de esquerda, nem de centro. Talvez nunca cheguem à
Prefeitura de São Paulo nem à Esplanada, o que talvez revele sua inaptidão para
a conquista do poder, mas não justifica o preconceito.
A lei reconhece como partido aquele que tiver como signatários o equivalente
a 0,5% dos votos válidos à Câmara dos Deputados distribuídos em um terço dos
Estados. Há quem ache a lei pouco exigente, mas não há dúvidas de que é
inclusiva.
A ideia de que partido bom é partido grande e forte denota uma noção colonizada
de democracia que guarda pouca relação com os fatos. Basta ver a ficha corrida
acumulada pelas principais legendas nacionais de todas as colorações.
Os micronanicos sobrevivem em Câmaras Municipais esvaziadas por uma
Federação cada vez mais centralizada. Foi em busca de civilidade que políticas
nacionais como o SUS e Fundeb evoluíram para estabelecer metas e vincular
gastos nos municípios.
Mas a contrapartida desse centralismo civilizatório foi a redução do poder
de manobra dos legislativos municipais. As grandes políticas públicas são
definidas em Brasília e executadas pelos prefeitos com margens de manobra
proporcionais à capacidade de arrecadação própria.
As pequenas legendas têm sabido se adaptar e sobreviver às circunstâncias de
legislativos municipais esvaziados de prerrogativas. Servem de trampolim para
carreiras políticas tanto quanto a maioria das legendas.
Para usar o léxico consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, talvez custem
mais barato. Em muitos lugares são esses nanicos que possibilitam a competição
eleitoral, que não garante mas é condição de uma disputa democrática.
Em Natal, os 32.819 eleitores de Amanda Gurgel talvez nunca tenham votado
para o Executivo num partido que prega a estatização dos bancos. Mas foi esta
legenda que abrigou a brava professora que pega três ônibus para dar aula,
ajuda alunos a carregar a carteira na cabeça e tem sua presença no refeitório
dos alunos tratada como uma liberalidade das autoridades da Educação. Talvez
esses eleitores cheguem a 2016 com alguma ideia do que a sua vereadora fez no
mandato.