domingo, 31 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

A agenda prioritária para 2024

O Globo

Atenção deve estar no corte de gastos, conclusão da reforma tributária, reforma administrativa e pauta ambiental

O ano de 2024 será desafiador para o Brasil. A conjunção de uma economia em desaceleração e eleições municipais exigirá do governo e do Congresso disciplina para não sucumbir ao populismo ou à complacência. Para o país garantir mais crescimento, mais trabalho, mais renda e mais equidade, Executivo e Legislativo terão de trabalhar duro.

A agenda prioritária deveria contemplar cinco itens: 1) controle dos gastos públicos para evitar uma crise fiscal; 2) votação de leis complementares à reforma tributária para garantir o mínimo de exceções e a simplificação do novo sistema de impostos; 3) aprovação da reforma administrativa para elevar a eficiência do Estado; 4) atenção à agenda ambiental, em especial ao mercado de carbono e ao combate ao desmatamento; 5) legislação para coibir manipulação por inteligência artificial na campanha eleitoral.

Que ninguém duvide. O maior desafio está na economia. A dívida pública brasileira estará perto de 75% do PIB quando saírem os números oficiais de 2023, percentual alto para um país emergente. Pelos cálculos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao final de 2024 deverá estar perto de 80% do PIB nos governos federal, estaduais e municipais. Dívida alta significa mais gasto com juros, menos dinheiro para investimentos e menor capacidade de crescer.

Míriam Leitão - O ano em que o mercado falhou

O Globo

Números de 2023 foram melhores do que os previstos e ainda tiveram outras surpresas positivas

O que marca 2023 é o fracasso das projeções econômicas. Até economistas do mercado financeiro estão olhando com desconfiança para os próprios modelos. O ano terminou com números muito melhores do que os previstos. Houve também erro na sequência de eventos projetados para a economia.

Comparando-se os dados das duas pontas, o país iria crescer pouco mais de 0,5%, e cresceu 3%, iria ter uma inflação de 6% e ela termina em torno de 4%. Não cumpriria a meta e ela foi cumprida. Houve um momento do ano em que os analistas diziam que só haveria queda da inflação de serviços se houvesse forte aumento do desemprego. A inflação de serviços caiu com aumento do emprego.

O que mais cresceu no Caged foram vagas formais no setor de serviços e a Pnad Contínua mostrou que o desemprego até novembro foi o menor para o período desde 2014, com mais de cem milhões de brasileiros empregados, um recorde.

Elio Gaspari - O golpe sonhava com o caos e uma GLO

O Globo

Não lembrar o 8 de janeiro é mais que uma injustiça

O 8 de janeiro de 2023 buscava o caos para obter um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), colocando tropas nas ruas, sob o comando de algum militar. Uma semana depois da posse de Lula, a insurreição precisava da desordem, situação com a qual Jair Bolsonaro sonhou várias vezes durante seus quatro anos de governo.

Nas mensagens trocadas nos dias que antecederam os ataques, falava-se em bloqueios de estradas, paralisação de refinarias e, finalmente, a “Festa da Selma”, com a invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). O golpe dependia da decretação da GLO.

O ex-vice-presidente, general e senador eleito Hamilton Mourão disse, às 17h10m: “Repito que o governo do Distrito Federal é responsável, e caso não tenha condições, peça ao governo federal um decreto de GLO.”

O texto do decreto havia sido preparado no Ministério da Defesa, e a proposta foi levada a Lula. Ele recusou-a e, às 17h50m, de Araraquara (SP), decretou a intervenção federal na Secretaria de Segurança de Brasília.

Luiz Carlos Azedo - O pior já passou, feliz ano novo

Correio Braziliense

Há possibilidade de a economia crescer acima das previsões, como ocorreu neste ano. De onde pode vir esse crescimento? Da nova economia verde e do aumento do salário mínimo

Há possibilidade de a economia crescer acima das previsões, como ocorreu neste ano. De onde pode vir esse crescimento? Da nova economia verde e do aumento do salário mínimo

Os balanços de fim de ano são unânimes: 2023 terminou muito melhor do que começou. Os aspectos determinantes dessa conclusão são: na economia, a queda da inflação, o crescimento acima do esperado, a redução do desemprego a patamares que há muito tempo não se via, a elevação da renda e a reforma tributária; na política, a normalidade institucional, ameaçada pelo golpismo, graças à firme atuação dos Poderes; na questão ambiental, o combate ao desmatamento, às queimadas e ao garimpo ilegal; e na política internacional, em que pese atitudes dúbias em relação à Ucrânia, a volta do Brasil à cena mundial.

Para quem apoiou a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tudo isso é motivo de comemoração; para quem perdeu, de acomodação, como no caso do Centrão. Ou enorme frustração, caso da extrema-direita, diante do fracasso da tentativa de destituição de Lula, da condenação dos vândalos que depredaram os palácios do Executivo, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Sergio Fausto - Nuvens políticas carregadas em 2024 (e depois)

O Estado de S. Paulo

Os cordões sanitários que permitiram isolar o extremismo de direita por 70 anos estão se esgarçando ou já se romperam. No Brasil, os ‘companheiros’ não parecem saber em que mundo estão vivendo

Desde a eleição de Donald Trump em novembro de 2016, as democracias têm sido submetidas a constantes testes de estresse. Não será diferente em 2024, quando o ex-presidente, muito provavelmente, voltará a disputar com chances de vitória a Casa Branca. Se vencer, o risco para a democracia será maior do que da primeira vez. Embora seja a mais importante, a eleição presidencial nos Estados Unidos não é a única frente na batalha em defesa da democracia.

Os sinais de ascensão da extrema direita estão quase por toda parte. A vitória do partido nacionalista xenófobo nas eleições parlamentares na Holanda, em novembro, é presságio de avanços de partidos do mesmo naipe nas eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024. Na Espanha, os socialistas se viram na contingência de fazer um grande acordo político, que pode lhes custar caro no futuro, para evitar um governo com a presença da extrema direita. O que foi possível evitar na Espanha ao final deste ano é provável que ocorra em Portugal, onde eleições antecipadas para o início de 2024 podem levar ao governo uma coalizão integrada pelo Chega, irmão siamês do Vox. Em nenhum desses casos, a extrema direita alcança votos e cadeiras suficientes para liderar a maioria no Parlamento, mas se afirma como força incontornável para a direita chegar ao poder. Os cordões sanitários que permitiram isolar o extremismo de direita por 70 anos estão se esgarçando ou já se romperam.

Eliane Cantanhêde - Não a golpes, guerras, violência e desigualdade

O Estado de S. Paulo

Desafio do governo em 2024 é repetir 2023 e superar as previsões negativas

O ano de 2023 acabou melhor do que começou, mas os desafios de 2024 não serão fáceis para o mundo, a América Latina e o Brasil, que resistiu bem às ameaças de golpe de Estado, surpreendeu positivamente na economia, recuperou parceiros fundamentais na política externa e, agora, precisa jogar toda sua energia para enfrentar problemas estruturais e algo que só vem piorando: as tensões na América do Sul e o desequilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Ucrânia e Faixa de Gaza viram escombros e a ONU confirma sua irrelevância, num ambiente que frustrou as expectativas do presidente Lula para sua atuação internacional. Em 2023, ele passou 62 dias fora, em 24 países de todos os continentes, e teve sucesso ao normalizar as relações com o resto do mundo, mas derrapou em gestos e declarações de cunho ideológico – portanto, pouco diplomáticas – e acabou muito distante do protagonismo sonhado.

Celso Ming - 2023: o ano em que o mercado errou

O Estado de S. Paulo

Na área econômica, sob muitos aspectos, este 2023 se saiu melhor do que esteve nas projeções. É o que dá para concluir da comparação das previsões registradas no Relatório Focus, do Banco Central (BC), com os resultados finais do ano. O Focus é uma pesquisa que o BC faz semanalmente com instituições, com o objetivo de aferir as expectativas do mercado.

No último relatório de 2022, a variação do PIB para 2023 estava avaliada em 0,80% positivo. Pois vai dar algo em torno dos 3,0%. As apostas na inflação do ano estavam em 5,31%, mas os números finais ficarão quase um ponto porcentual mais baixos. A média para a previsão da Selic foi de 12,25%, magnitude que mais se aproximou dos 11,75% fixados na última reunião do Copom.

Vinicius Torres Freire - A conversa do semipresidencialismo

Folha de S. Paulo

Crise de uma década estimula planos ruins de criar algum tipo de governo parlamentar

O "semipresidencialismo" foi um assunto do ano, mais uma vez. Assunto ou ruído de fundo, tem sido assim desde que o Congresso depôs Dilma Rousseff. Era assim o jeitão do governo de Michel Temer (PMDB), "semiparlamentar", dominado por parte do comitê de deputados e senadores que derrubou Dilma. Foi de certo modo assim sob as trevas de Jair Bolsonaro, um parasita "antissistema" que se aproveitava do que havia da máquina burocrática ainda funcional e do governo que restava, entregue a premiês do centrão.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e trator legislativo, vez e outra sugere, de leve e quando convém, que pode liberar a tramitação de um projeto de semipresidencialismo. Ministros do Supremo, como Luís Barroso e o politizador geral da Justiça Gilmar Mendes, acabam de defender a mudança de sistema de governo.

A vulgarização do impeachment, a limitação de prerrogativas do Executivo e o avanço parlamentar sobre o Orçamento estimulam especulações de que viveríamos já sob alguma espécie de semipresidencialismo. O fato circunstancial de que o governo, no caso Lula 3, seja minoritário em números e ideias no Congresso leva mais uma aguinha para esse moinho conceitual. Na falta de pensamento melhor sobre o problema, usamos a palavra, mal e mal, para definir esse arranjo ruim e instável de quase uma década.

Bruno Boghossian - Lula e o bônus do retrovisor

Folha de S. Paulo

Petista usou oportunidade para pôr de pé um governo normal e terá um sarrafo mais alto pela frente

Lula tirou bom proveito do que pode se chamar de "bônus do retrovisor" neste primeiro ano. A decisão de interromper algumas das políticas mais destrutivas de Bolsonaro rendeu pontos logo de saída. O contraste também ofereceu a oportunidade de pôr para rodar uma gestão com pé e cabeça. Este é o governo que será julgado ao fim do mandato.

meio ambiente, a diplomacia e outras áreas foram retiradas da zona de influência dos rancores da extrema direita. A transição para a normalidade fez com que um presidente pudesse ser cobrado por seus compromissos de preservação, por suas alianças internacionais e pelos resultados das escolhas feitas fora do campo das teorias conspiratórias.

Celso Rocha de Barros - Livros de política de 2023

Folha de S. Paulo

Seleção de 13 obras essenciais lançadas neste ano

Um dos maiores cientistas políticos brasileiros escreveu um livro dirigido ao grande público. Em "Operação Impeachment: Dilma e o Brasil da Lava Jato", Fernando Limongi mostrou que o impeachment de 2016, ocorrido no auge da influência da Lava Jato, foi, na verdade, uma reação do sistema político contra a operação.

Os dez anos dos protestos de junho de 2013 geraram ótimos livros. Em "Treze: A Política de Rua de Lula a Dilma", Angela Alonso situou os protestos de junho de 2013 no contexto de uma onda mais ampla de mobilização social, que desde o início incluiu protestos conservadores. Em "A Razão dos Centavos: Crise Urbana, Vida Democrática e as Revoltas de 2013", Roberto Andrés contou a história da luta pelo passe livre, que recentemente obteve êxitos surpreendentes.

Ruy Castro - O dia em que nada acontece

Folha de S. Paulo

Mas pode acontecer. Donde, pela manhã, na volta dos fogos, é bom ler o Diário Oficial

Já reparou que ninguém faz nada importante na última noite do ano? Nenhuma guerra jamais começou num dia 31 de dezembro, nenhum tratado foi assinado, nenhum presidente deposto. Consultei livros, anuários e almanaques, e me convenci de que estamos num dia morto. Exceto por alguns casos.

Na Rússia, no dia 31 de dezembro de 1916, Rasputin, o santo, charlatão e devasso que seduziu czares e princesas e quase tomou a corte, foi assassinado por um grupo de nobres e políticos revoltados. Só que a muito custo. Armaram-lhe uma cilada e lhe serviram cianureto, mas ele não acusou o envenenamento. Daí deram-lhe quatro tiros à queima-roupa. Como continuou vivo, tentaram matá-lo a pauladas e, incrível, ele não morreu. Em desespero, afogaram-no sob o gelo do rio Neva, e só assim Rasputin se foi. Nada mais aconteceu naquela noite em Petrogrado.

Muniz Sodré* - Apagando realidades

Folha de S. Paulo

Da guerra, sobressaem o aumento da capacidade de assassinar, a desumanização do outro e a polarização da empatia

A guerra russo-ucraniana parece caso exemplar da tese pós-modernista de apagamento virtual da realidade. Substituído por números e discurso burocrático, o morticínio sumiu da mídia. No entanto, continua. O espaço midiático dado aos mortos foi ocupado por israelenses e palestinos com contagem alarmante, mas sem que nada justifique a supressão dos europeus. Fica implícita a suposição de que o público estaria saturado, não de guerra propriamente, e sim de um tipo de conflito.

Real é a perenidade da violência extrema, obsessiva no imaginário contemporâneo. Quem nunca viu guerra de frente é para ela atraído por noticiário ou filmes. Diz Erasmo num adágio que "bem parece a guerra a quem não vai nela" ("bellum dulce inexpertis"). Não é gozo com sofrimento alheio, mas espanto ético com a justificação de atos considerados imorais numa situação normal, senão perplexidade ante o enigma do homem como único mamífero que se autodestrói. É frustrante tentar compreender o brutalismo em grande escala, cujas vítimas imediatas são civis indefesos e crianças.

Hélio Schwartsman - Maníacos

Folha de S. Paulo

Novo livro de Benjamín Labatut embaralha realidade e ficção na vida de cientistas

Adoro ficção, mas leio pouca, e a culpa é sua, leitor. É que, para tentar comentar na coluna um livro novo toda semana, dedico quase todo o meu tempo de leitura a obras de não ficção. Penso que, nas páginas de um jornal, o que não é ficção deve ter prevalência sobre o inventado. Abri uma exceção para "MANIAC", o novo livro de Benjamín Labatut (já há edição brasileira), e não me arrependi.

Labatut opera nos limites entre a ficção e a realidade. Como em seu primeiro livro, a matéria-prima é a vida de cientistas e outros personagens salientes em momentos-chave da história. Sem violentar os fatos, ele se dá a liberdade de imaginar situações e fluxos de consciência para iluminar encruzilhadas científicas e morais. No caso de "MANIAC", os escolhidos são o físico austríaco Paul Ehrenfest, o matemático húngaro John von Neumann e o jogador de go sul-coreano Lee Sedol.

Poesia | Receita de Ano Novo - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Xande de Pilares - Samba de Arerê