A votação do salário mínimo na Câmara acabou sendo melhor do que o próprio governo poderia esperar. A adesão integral do PMDB, com 100% de votos a favor do governo, é fato inédito, uma demonstração de lealdade e de controle da base partidária pela direção do partido.
O vice-presidente Michel Temer reuniu os 77 deputados federais da bancada no dia anterior e conseguiu tirar um compromisso de votação que se materializou.
Esse também foi um aviso do PMDB, de que, da mesma maneira que ele tem uma bancada que vota unida em favor de determinado assunto de interesse do governo que integra, essa unidade pode se voltar contra o governo caso os interesses do partido não sejam atendidos, como não estão sendo até agora.
Além desse comprometimento peemedebista, outro fato que deve ter surpreendido agradavelmente o governo foi que apenas 15 deputados da base aliada votaram contra o mínimo de R$545, com o detalhe de que nove desses votos vieram do PDT, uma dissidência irrisória numa base que pode variar de 380 a 400 deputados.
Alguns deputados que votaram contra a proposta do governo na base aliada têm atuação individualista, pois não necessitam nem do partido nem do governo para se eleger, como é o caso de Paulo Maluf, do PP de São Paulo, que tem lá seu eleitorado cativo.
Assim também o novato Tiririca, do PR, que votou pelo mínimo de R$600 defendido pelo PSDB. A primeira reação do deputado foi dizer que votara com o governo, mas, quando a lista oficial da votação saiu, ele assumiu que votara a favor da maior proposta, alegando que estava ali "por causa do povo".
É, aliás, um voto muito lógico esse do Tiririca, que não tem nenhum compromisso nem com o governo nem com o partido que lhe cedeu a legenda apenas para conseguir eleger mais dois ou três deputados na esteira de sua votação excepcional, que não teve nenhuma ajuda oficial e se elegeu por razões insondáveis do eleitorado, votos de protesto ou de deboche, mas decisões individuais que geraram um deputado desligado de qualquer movimento político.
No final das contas o governo superou seu primeiro teste importante na Câmara com folga, mas vitória tão fácil não deve iludir os governistas. Nos próximos quatro anos a dificuldade de unir a base aliada aumentará à medida que as demandas não forem atendidas ou que os ventos da popularidade não forem favoráveis.
Já a oposição também não ficou mal, embora desorganizada ainda, com os dois maiores partidos - PSDB e DEM - com problemas internos seriíssimos e disputas de poder que, no caso do DEM, podem literalmente levar à extinção do partido, como, aliás, desejou em voz bastante alta, de cima de um palanque, o ex-presidente Lula durante a recente campanha presidencial.
Até se acertarem para partir para uma política mais organizada, vai demorar um pouco, mas saíram-se bem diante do eleitorado, o PSDB defendendo coerentemente o salário mínimo de R$600 apresentado como programa de governo de seu candidato derrotado à Presidência da República José Serra; e o DEM apoiando, com a Força Sindical, o mínimo de R$560.
Não tinham outro papel a desempenhar numa disputa previamente ganha pelo governo. Aliás, o presidente da Força, o deputado federal Paulo Pereira da Silva, foi quem levou seu partido a um racha maior e era o mais exaltado na defesa de um salário maior que o anunciado pelo governo.
Chegou a dizer que para vencer o governo o jeito seria o povo ficar "18 dias acampado na praça", numa referência ao movimento de protesto do Egito que acabou derrubando o ditador Hosni Mubarak.
Mas, como o pessoal não está com essa disposição toda, conformou-se Paulinho, a derrota seria inevitável, como foi.
A truculência de suas palavras e atitudes não seria a mesma, certamente, se Lula ainda estivesse no governo, mas de qualquer maneira posicionou-se como uma oposição tão aguerrida quanto foi a do PT fora do governo.
Com o agravante de que Paulinho é deputado da base partidária governista, e a Força Sindical foi uma das centrais beneficiadas por decisões do governo anterior, com o reconhecimento formal e muita distribuição de verbas.
Assim como o PDT sofrerá represálias do governo, perdendo cargos que almejava - o candidato derrotado ao governo do Paraná e ex-senador Osmar Dias preparava-se para assumir a direção de Itaipu -, também a Força Sindical deverá permanecer numa lista negra do Palácio do Planalto até que mostre a sua real face nas comemorações do dia 1º de Maio.
Até lá, é previsível que haverá tempo para acordos com o governo em torno de outros temas trabalhistas que interessem à central sindical de Paulinho, sendo pouco provável que aceite voltar à oposição fazendo aliança com o PSDB ou com o DEM.
A oposição, por sinal, tinha um ponto forte para apoiar sua reivindicação de um salário mínimo maior. O problema é quando um partido de oposição apoia um aumento maior do salário mínimo com o governo empenhado em fazer o controle da inflação e retomar o equilíbrio fiscal.
Há uma aparente incoerência nessa atitude.
Quando o PT era oposição, o partido cansou de defender aumentos maiores do salário mínimo mesmo com o governo dando um aumento real.
Desta vez, o governo está tendo que conter os gastos por decisões erradas que tomou nos dois últimos anos da gestão anterior, com objetivos eleitoreiros.
Quando um governo está em situação fiscal ruim, como este está, por culpa de atitudes irresponsáveis anteriores, a oposição tem então condições morais de dizer que o corte de gastos não pode recair sobre o trabalhador, mas sim nos setores do governo que foram inchados politicamente.
Deveria, no entanto, ter incluído na discussão a reforma da Previdência.
FONTE: O GLOBO