O Globo
Às vezes, acho que estou preso numa Matrix
bolsonarista. Matrix é o nome de um filme muito discutido no mundo. O
personagem Neo (Keanu Reeves) descobre que vive num mundo de sonhos. Seu corpo
físico está dentro de um casulo, ao lado de outros casulos nos quais as pessoas
sonham sua existência. Elas foram colocadas nesses casulos por senhores robôs,
para que tenham vidas de sonhos e se sintam em paz.
O governo Bolsonaro transcorreu, em sua
maior parte, durante a pandemia, que limita nossos movimentos, reduz contatos
físicos e, com seus ataques intermitentes, impede o planejamento do trabalho.
Em vez de sonhos, quase todos os dias
Bolsonaro nos oferece algo muito errado para que possamos exercitar nosso bom
senso. Ele posta pornografia e pergunta o que é golden shower, ele imita
pessoas morrendo de falta de ar, combate vacinas, insulta jovens repórteres,
aparece emporcalhado de farinha e anuncia que arrotou — enfim, é um repertório
inesgotável para que possamos ter algo a condenar, expressando um pouco de
sensatez, antes que caia a noite e descansemos para a indignação do dia
seguinte.
Tudo isso se passa num contexto em que
nossas vidas são atropeladas por um turbilhão de notícias, um tsunami de
embates virtuais, um incessante toque do celular, anunciando que algo de novo
chegou.
No passado, era mais fácil. Lembro-me de que acordava bem cedo, lia todos os jornais para fazer a pauta do JB. Saia para almoçar no Degrau, onde sempre estava o cronista Carlinhos de Oliveira, e, de vez em quando, Tom Jobim falava longamente de passarinhos.