O que aconteceu ontem no plenário do Senado sinaliza a tentativa do renascimento do debate político em nível alto, com objetivos maiores do que simplesmente vencer uma disputa partidária ou imobilizar o adversário com golpes baixos. Quando o senador Tasso Jereissati subiu à tribuna para pedir desculpas aos eleitores por ter se envolvido no bate-boca da semana passada com o senador Renan Calheiros, ocasião em que se xingaram mutuamente de “cangaceiro” e “coronel”, estava delimitando a diferença entre os senadores sérios, interessados em uma solução de compromisso com valores e reformas do Senado, e os integrantes da “tropa de choque” governista, que quer manter o controle da situação tal como ela está, com a utilização de táticas sujas como os dossiês, as ameaças e as chantagens.
O polêmico senador Mão Santa, do Piauí, já iniciara no dia anterior uma tentativa de valorização dos membros do Senado, destacando a atuação de cada um dos senadores que subiam à tribuna.
Com sua maneira exuberante e folclórica de se pronunciar, que não esconde uma cultura eclética, Mão Santa aproveitou que presidia a sessão para chamar a atenção do público da TV Senado para as qualidades de diversos senadores, numa tentativa de erguer a imagem da Casa.
Se não bastassem o bateboca da semana anterior e a tentativa de intimidação feita ao senador Pedro Simon, naquele mesmo dia o plenário do Senado havia tido um outro episódio ultrajante, com mais um pronunciamento exaltado do senador Fernando Collor, que, entre outros ataques, disse que estava “obrando” ( no sentido de defecar, de acordo com os dicionários) na cabeça de um jornalista.
A atitude do senador Tasso Jereissati provocou uma série de pronunciamentos de representantes de diversos partidos, os da oposição reafirmando a necessidade de se fazer uma profunda reforma administrativa no Senado, alguns mesmo falando diretamente na saída do senador José Sarney da presidência, mesmo ele estando presidindo a sessão por boa parte do tempo.
O senador Jarbas Vasconcellos, do PMDB de Pernambuco, mostrou-se cético em relação a se chegar a algum consenso para as mudanças necessárias enquanto a “tropa de choque” continuar tentando controlar o Senado através de intimidações. Ele chegou a aventar a possibilidade até mesmo de ocorrerem tiros no plenário ou nos corredores, se a tática governista permanecer sendo a tentativa de intimidar e de constranger os adversários.
Mas o que ficou claro no pronunciamento de todos os senadores presentes à sessão, pouco mais de um terço do plenário do Senado, é que há uma massa crítica disposta a se contrapor ao grupo que tenta dominar as decisões na base do rolo compressor.
Há um grupo de senadores, até mesmo dentro do campo governista, que não deseja se aliar a essa tática fascista de atuação política, e não quer ter sua história política ligada a momentos como aqueles que dominaram os debates da semana passada.
Logo, logo saberemos se o bom senso voltou a prevalecer no plenário do Senado ou se a agressividade, por enquanto apenas verbal, e as decisões sumárias continuarão a marcar a atuação da base governista.
Os membros da “tropa de choque” não deram as caras no plenário ontem. Nos próximos dias, saberemos se não o fizeram por um constrangimento moral, ou se estava tudo combinado.
Saberemos também, na reunião do Conselho de Ética de hoje, se tudo se resume a um grande acordo para livrar tanto o presidente do Senado, José Sarney, quanto o senador tucano Arthur Virgílio, sem que se altere a essência dos procedimentos do Senado, como temem os mais céticos.
Prefiro acreditar que o que houve ontem foi uma reação indignada do que ainda existe de sério no Senado.
A cada dia mais provável saída da senadora Marina Silva do PT para se filiar ao Partido Verde, num projeto de longo prazo que deve levála a se candidatar pelo novo partido à sucessão do presidente Lula, pode redundar num “realinhamento histórico” com PT e PSDB, na avaliação da cúpula partidária.
As pesquisas que o PV tem indicariam que existe um espaço político e cultural que nenhum dos outros candidatos é capaz de ocupar, e que transcende o simples voto de protesto ou a crítica de esquerda ao governo Lula.
Sua candidatura iria além do protesto, da classe média e entraria bem no Nordeste.
A ideia seria, tanto na improvável hipótese de uma vitória quanto em uma eventual boa participação de Marina na campanha eleitoral no primeiro turno, aproveitar o momento político para levar os dois partidos a um compromisso maior com a sustentabilidade e a “economia verde”.
Segundo o dirigente verde do Rio, Alfredo Sirkis, Marina sinaliza “uma nova visão econômica que se distancia do desenvolvimentismo dos anos 60 compartilhado por Serra e Dilma e se aproxima das tendências de eco-desenvolvimento esboçadas nos EUA por Barack Obama e que na Europa já são assimiladas tanto pela social-democracia quanto por alguns conservadores modernos”.
Na avaliação da cúpula do PV, o Brasil está singularmente bem situado para liderar essa tendência à economia verde, mas segue preso à velha visão de crescimento predatório, desperdício, imediatismo e lucro máximo em detrimento de tudo mais.
Esse “realinhamento histórico” também abrangeria uma reforma do sistema eleitoral que favoreça a mudança da cultura política hegemônica no país, na definição de Sirkis.