Fora o imprevisto, sempre uma possibilidade face a insânia que medrou livre nos últimos quatro anos, pode-se, ao fim e ao cabo, realizar uma celebração cívica para o recomeço da vigência dos rituais próprios à democracia. Mas que ninguém se engane, finda a festa, a inana dos conspiradores antidemocráticos seguirá seu curso, em certos setores ainda mais enraivecida pelo infortúnio dos seus propósitos, e que têm em mãos posições nos poderes legislativos e nas máquinas estaduais de várias cidades e estados, além do fato de terem expressão partidária.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 31 de dezembro de 2022
Luiz Werneck Vianna* - Concretizar democraticamente o nacional-desenvolvimentismo
Pablo Ortellado - Final melancólico
O Globo
Durante quatro anos, ele repetiu que a
“liberdade” deveria valer mais que a própria vida. Mas, agora, quando teria de
colocar seus ideais à prova, preferiu fugir para os Estados Unidos
Depois de dois meses de silêncio, no último
dia útil do seu governo, Bolsonaro falou. Foi elíptico e evasivo sobre os temas
importantes e fugiu logo em seguida para os Estados Unidos. Foi um final
melancólico para uma aventura perigosa. A democracia brasileira sobreviveu, mas
saiu chamuscada. Ganhamos um respiro, mas o risco não foi de todo afastado.
A maior parte do pronunciamento de mais de
50 minutos foi dedicada a celebrar as realizações do governo. Mas, entre
louvores ao preço baixo dos combustíveis e à criação do Auxílio Emergencial,
surgiram alertas sobre a volta do PT e justificativas para ele não ter atendido
aos radicais acampados nos quartéis. Tudo sob uma chuva de comentários de
espectadores no YouTube pedindo intervenção militar.
Bolsonaro disse que, nestes dois meses de silêncio estratégico, não ficou parado: “Como foi difícil ficar dois meses calado trabalhando para buscar alternativas!”. As alternativas, sabemos pelas movimentações noticiadas pelos jornais, foram a busca do apoio das Forças Armadas e do Parlamento para uma ruptura autoritária.
Eduardo Affonso - Adeus, Jair
O Globo
Seu maior legado é o que toma posse neste
domingo. Um retrocesso de seis anos para retomada do que já não deu certo, nem
nunca dará
Duas cartas lhe foram endereçadas, aqui
nesta coluna. A primeira, pouco antes da eleição de 2018, contém mais
pensamento mágico que qualquer outra coisa. Dizia: “Você é depositário das
esperanças de milhões e milhões de brasileiros. São pessoas que o admiram ou
apostam em você para nos livrar de um mal maior. Tomara que não estejam
cometendo um equívoco”.
Estavam.
Prosseguia, num misto de sugestão e súplica: “Não entre no toma lá dá cá. Não faça conchavo”. Você entrou. Fez. “Descupinize o Estado. Deixe-o mais leve, mais ágil, mais saudável. Dê um basta nos privilégios; acabe com os feudos, as tetas, as tretas. Desestatize, desburocratize, reforme. Melhore a vida do cidadão. Devolva com saúde, educação, saneamento, infraestrutura e segurança o imposto que ele paga.” Parece psicologia reversa: foi feito exatamente o contrário.
Ascânio Seleme - Pelé, respeito à hierarquia
O Globo
Jornalismo é também hierarquia. Não fosse
ela, não haveria manchete nos jornais, e as notícias seriam amontoadas pela
ordem de chegada. Nos primórdios da internet, era assim nos sites noticiosos.
Mas, mesmo o ambiente digital rendeu-se à autoridade da relevância. O mais
importante vem antes, tem mais destaque, ganha caixas altas e, se possível,
brilha e pisca. É o caso de Pelé. Sua morte atraiu todas as atenções do dia 29
de dezembro. O anúncio dos derradeiros ministros de Lula, os preparativos para
a sua posse e a prisão de bolsonaristas radicais foram praticamente ignorados
nas TVs e nos jornais digitais durante toda a tarde. A morte de um rei é muito
mais notícia do que a assunção de um presidente.
E não estamos falando de um rei qualquer, de um filho nobre que herdou a coroa que pertencia ao seu pai ou a sua mãe. Não. Pelé foi um self-made-king, um rei que se construiu, que desenhou a coroa que mereceu usar em cada um de seus 65 anos de reinado. Pelo seu gigantismo e pioneirismo, Pelé foi o principal assunto dos noticiários de TV e destaque em todas as primeiras páginas dos jornais brasileiros e mundo afora. O GLOBO deu quatro primeiras páginas ao rei. Lindas, mais do que primeiras, são capas que ilustram a estatura do atleta. O jornal foi superlativo com Pelé, ele próprio sinônimo de superlativo.
Carlos Alberto Sardenberg - Eu vi o Rei
O Globo
Os que jogavam a seu lado ou contra ele
também sabiam que ali estava o melhor de todos, capaz de jogadas impossíveis
para os mortais
Vi Pelé jogar. E concordo com Nélson
Rodrigues. Pelé sabia que era o Rei. Mais: os que jogavam a seu lado ou contra
ele também sabiam que ali estava o melhor de todos, capaz de jogadas
impossíveis para os mortais. Mais ainda: a torcida sabia. Todas as torcidas. No
estádio, era um espetáculo. Quando Pelé dominava a bola no meio-campo e virava
o corpo na direção do gol adversário, as pessoas se levantavam na expectativa.
Reparem: Pelé estava a meio campo do gol,
vários adversários à frente, e a torcida já de pé. Quando ele partia em
velocidade, as pessoas já estavam comemorando. Mesmo que não saísse o gol, a
gente podia dizer: eu vi.
Meu gol preferido é da Copa de 1958, contra
o País de Gales. Pelas circunstâncias. Zero a zero, jogo eliminatório, segundo
tempo. Pelé está dentro da área, de costas para o gol. Pede a bola. Recebe no
peito, deixa cair, um toquezinho sobre as pernas do marcador e coloca no canto.
Ele faria outros gols espetaculares e
decisivos. Mas a gente já sabia que era o Pelé. Em 1958, era um rapaz de 17
anos que se apresentava ao mundo. E todos entenderam, era muito mais que um gol
de Copa. Ou se poderia dizer: vocês ainda não viram nada.
Governo Lula
Oscar Vilhena Vieira* - O futuro da Constituição
Folha de S. Paulo
O sucesso depende de sua capacidade de
articular estabilidade e mudança
Muito antes de Darwin, Maquiavel já
preconizava —em seus "Discursos"— ser a capacidade de adaptação a
principal responsável pela sobrevivência da República. Associada à diversidade
e à liberdade dos cidadãos, a disposição para mudar permitiria à República se
adaptar às novas circunstâncias, preservando o cerne de sua Constituição.
As constituições modernas são dispositivos institucionais que buscam contribuir para que as Repúblicas sejam capazes de se adaptar, ao estabelecer a liberdade, o pluralismo e a alternância no poder como suas regras essenciais; criando obstáculos, no entanto, para que os que venham a exercer o poder não possam colocar em risco as premissas fundamentais para a sobrevivência da própria República.
Igor Gielow - Bolsonaro sai pela porta dos fundos e arrisca vácuo político
Folha de S. Paulo
Em live lacrimosa, ex-presidente em
atividade tenta se desvincular de extremistas que insuflou
Para quem esperava um Götterdämmerung, um
crepúsculo dos deuses wagneriano, o ocaso da Presidência
de Jair Bolsonaro (PL) chegou ao fim formal nesta sexta (30) com um
sussurro algo vazio antes
de embarcar rumo ao reino de Donald Trump.
Na
forma de uma lacrimosa live, Bolsonaro encerrou dois meses de mutismo para
entregar um pacote de platitudes e lamentos. Não chegou a questionar as urnas
como de costume, moderando sua agressividade talvez em vista dos dois dias de
foro privilegiado que tem pela frente.
Nem tampouco admitiu a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), embora o tenha feito de forma tácita ao admitir que o sol nascerá no dia 1º como sempre. Titubeante, não apagou o efeito que sua reclusão final no Palácio da Alvorada potencialmente causou no movimento que o levou ao poder no pleito de 2018.
Demétrio Magnoli - Imaginando o ano novo
Folha de S. Paulo
Um roteiro para um 2023 genuinamente feliz
O mercado profetiza um início de governo
assaltado por repiques de juros que anunciam um horizonte sombrio. A extrema
direita sonha com um desastre iminente, acompanhado por atos golpistas
multitudinários. Mas, e se 2023 surpreender? Como seria um ano novo
genuinamente feliz? Eis um roteiro imaginário.
1. Haddad adota um plano formulado por
Persio e Armínio
Março. O ministro da Fazenda levou ao Congresso sua proposta de nova ancoragem fiscal anticíclica. Nas fases de crescimento, faremos elevados superávits primários; nas de recessão, produziremos déficits, irrigando a economia. Como resultado, a dívida pública decrescerá paulatinamente como proporção do PIB. De passagem, Haddad anunciou que o governo gastará de fato, em 2023, apenas cerca de dois terços do espaço fiscal aberto pela PEC da Transição.
Camila Rocha - A última live
Folha de S. Paulo
Desde o início de seu governo, Jair
Bolsonaro fez a opção de se dirigir apenas aos seus apoiadores. O final de sua
passagem pelo Planalto não foi diferente.
Após dois meses de recolhimento, sua última
live no poder foi
dedicada a todas as pessoas que permanecem acampadas nos arredores de quartéis
à espera de um golpe militar.
Durante a transmissão ficou claro que tal
caminho não será trilhado: "não tem tudo ou nada". Para minimizar o
clima de velório face à iminência do despejo, a frase "o Brasil não vai
acabar no dia 1° de janeiro" foi repetida várias vezes pelo mandatário.
Tais esforços não são em vão. Afinal, o que importa ao bolsonarismo é manter sua base constantemente mobilizada. Sobretudo nos tempos difíceis que se avizinham, a julgar pelos recentes ataques terroristas e pelo que vem se passando acima da linha do Equador.
João Gabriel de Lima * - As várias faces dos desafios de Haddad
O Estado de S. Paulo.
Time de Haddad terá de entregar uma melhora significativa nas áreas social e ambiental
A
campanha das “Diretas-já” era um evento histórico, e a tradicional Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco não poderia ficar de fora. Corria o ano de
1984, e o jovem presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Eugênio Bucci,
tinha senso de História. Gastou todo o orçamento do grêmio estudantil em
manifestações, festas e participações em comícios. Seu sucessor herdou uma
dívida portentosa.
“Foi o primeiro ajuste fiscal que tive que fazer”, disse-me certa vez, entre risos, o sucessor de Eugênio Bucci no Centro Acadêmico – o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A conversa se deu há três anos no bandejão do Insper, onde éramos professores. Salvo engano, o presidente da escola, o economista Marcos Lisboa, estava entre nós – e riu junto.
Bolívar Lamounier* - Programa de governo sem projeto de país?
O Estado de S. Paulo.
Precisamos nos alçar até o degrau superior de uma escada para de lá delinear um horizonte que nos sirva como meta e aspiração
Se o número de ministérios do governo que
ora se inicia for uma boa indicação da qualidade do programa que ele pretende
implementar, estamos feitos; teremos um governo supimpa.
Infelizmente, no Brasil, em geral acontece o contrário; o presidente quebra a cabeça para encaixar três dúzias de aliados nos ministérios e depois cada um sai à cata de um programa. Ignorando, na maioria dos casos, quais deveriam ser os afazeres de cada um, prefiro me manter a uma prudente distância do emaranhado programático. Abro uma exceção para a Educação. Pelo menos nessa área, atrevo-me a pensar que o governo entrante têm ciência de que a situação brasileira é catastrófica, não comportando reforminhas encabuladas como as que temos tido há séculos.
Entrevista | Carlos Melo: ‘Bolsonaro preferiu liderar os radicais ao invés de uma base social mais ampla’
Por Eduardo Kattah / O Estado de S. Paulo
O cientista político Carlos Melo, professor
do Insper, avalia que o presidente Jair Bolsonaro ficou “refém de uma parte dos
seus eleitores, os mais radicais”. Para Melo, a última live do presidente antes
de deixar o cargo simbolizou o seu dilema, traduzido em um silêncio de dois
meses desde que foi derrotado nas urnas pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Leia a entrevista:
O presidente Jair Bolsonaro fez uma live, a última antes de deixar o Palácio do Planalto, marcada por justificativas ao seu público pelo silêncio de dois meses enquanto apoiadores se manifestavam contra a vitória de Lula. Como avalia esse discurso final?
Bolsonaro ficou refém de uma de uma parte dos eleitores mais radicais, que vieram com ele até o final e não queriam que ele assumisse a posição civilizada e democrática. Para não desprezar esse leitor radical então ele vem com uma live no final pedindo desculpas, que não pôde atendê-los com um golpe. Bolsonaro preferiu liderar os radicais ao invés de liderar uma base social mais ampla que lhe deu quase 50% dos votos agora.
Entrevista | Sérgio Abranches cientista político: Sem o orçamento secreto, Lula poderá dispensar o Centrão
Por Rayanderson Guerra / O Estado de S. Paulo
RIO — Com o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), limitado pela
decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional o orçamento secreto, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva precisa
de MDB, União Brasil e PSD como fiadores da sua coalizão para levar seu governo
para o centro, avalia o cientista político Sérgio Abranches.
Autor de Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político
brasileiro, ele diz que, com esse movimento, Lula pode prescindir
do apoio do Centrão. Para Abranches, sem o instrumento derrubado pelo Supremo,
o chefe da Câmara perde a força que teve no governo de Jair Bolsonaro. “Sem fontes espúrias
de poder, ele (Lira) é
um presidente (da
Câmara) como outro qualquer.”
Eleito, Lula abriu diálogo
com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para a aprovação da PEC da Transição.
A articulação é uma prévia de como deve ser a relação entre o novo governo e o
comando da Casa?
Não é necessariamente o modelo que deve se perpetuar no novo governo porque a correlação de forças na Câmara vai mudar. Temos cerca de 200 deputados que não vão voltar. Vai haver uma mudança no plenário que afeta a relação entre o presidente da República e o presidente da Câmara. O presidente precisa ter uma maioria, e aceitar determinadas modificações que não comprometam o teor de suas propostas. O que aconteceu com a PEC da Transição? No final, ele (Lula) conseguiu o que queria. Fizeram concessões. Esse é o modelo de relacionamento. Com esse Ministério, ele tem uma maioria dentro da coalizão majoritária, que prescinde dos partidos que apoiaram Bolsonaro ou mesmo o Centrão. Precisará de poucos acenos.
Marcus Pestana - O que nos reserva o amanhã?
Amanhã, 01 de janeiro de 2023, uma vez mais o gesto da passagem da faixa não ocorrerá. Mas, desta vez, a questão é um pouco mais séria. Jair Bolsonaro, 38º. presidente do Brasil, optou por um silêncio sepulcral após as eleições e por uma ausência eloquente nos dois últimos meses de poder, deixando um vácuo de liderança a partir do qual brotaram iniciativas estapafúrdias de setores radicalizados do bolsonarismo, envolvendo os atos de vandalismo no dia da diplomação dos eleitos e a preparação de atos terroristas antidemocráticos.
Fernando Carvalho* - A Corrupção do Nióbio Brasileiro
Isso porque o nióbio é uma espécie de "enzima" metálica que confere ao aço e outros metais propriedades especiais: leveza, dureza, supercondutividade, resistência à corrosão, à altas temperaturas e ao tempo. Ou seja, a revolução industrial não chegaria ao ápice em que se encontra sem o nióbio. As grandes potências incluem o nióbio entre os metais com oferta crítica ou ameaçada. Em 2010, o portal Wikileaks divulgou um documento do Departamento de Estado dos Estados Unidos que colocava as reservas brasileiras de nióbio como de "importância estratégica para os Estados Unidos".
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
Declarações de Haddad apontam direção correta
O Globo
Futuro ministro da Fazenda acerta ao
manifestar desejo de “arrumar a casa”, mas também desperta preocupação
Trouxeram certo alívio as declarações do
futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao GLOBO. Seu
principal recado: é preciso “arrumar a casa” logo no início do governo,
revisando gastos e desonerações promovidos pelo governo Jair Bolsonaro que,
segundo ele, resultaram num impacto fiscal equivalente a 3% do PIB. Haddad
também se comprometeu a obter um resultado primário em 2023 melhor que o
déficit de R$ 220 bilhões previsto no Orçamento. É um alento saber que ele
reconhece a situação crítica das contas públicas e se esforçará para
equilibrá-las.
Caso cumpra os compromissos, ajudará a criar confiança na política econômica do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, abalada depois da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, que acabou com a credibilidade do teto de gastos e semeou dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública.