segunda-feira, 8 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil tem condição de superar recuo no ensino fundamental

O Globo

Estados que obtiveram sucesso mostram como é possível recuperar educação do retrocesso da pandemia

Vigente desde 2014, o Plano Nacional de Educação estabeleceu 20 objetivos a cumprir até 2024. Um dos principais é universalizar o ensino fundamental, com duração de nove anos, para toda a população de 6 a 14 anos, garantindo que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada. De 2016 a 2022, a parcela da população nessa faixa etária no ensino fundamental nunca ficou abaixo de 95,2%. Parecia que pelo menos esse quesito era uma conquista garantida. No ano passado, porém, o número caiu para 94,6%, mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Continua divulgados recentemente pelo IBGE.

A média nacional mascara realidades distintas. Alagoas, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo apresentam desempenho igual ou superior a 95%. Todos os outros estados estão abaixo, com destaque negativo para Roraima e Mato Grosso. No ano-limite para cumprir mais essa meta do Plano Nacional de Educação, os governadores dos estados retardatários têm o dever de apresentar explicações e planos para enfrentar o problema.

A pandemia certamente tem boa parte da responsabilidade pelo recuo. O Brasil foi um dos países em que as escolas ficaram fechadas por mais tempo. Diante da liderança débil do Executivo, prevaleceu a vontade dos sindicatos. Ao contrário de funcionários públicos das áreas da saúde e de segurança, os professores se negaram a trabalhar presencialmente durante um tempo demasiado longo. Quando as portas das escolas finalmente reabriram, as crianças já haviam acumulado atraso na trajetória escolar. Em 2019, último ano antes da Covid-19, apenas 11% das crianças de 6 anos — idade recomendada para o início da escolarização formal — frequentavam a pré-escola em vez do ensino fundamental. Na última medição, eram 29%.

César Felício - Cresce apreensão no PT com polarização nas eleições locais

Valor Econômico

Política externa de Lula é considerada um sangradouro de votos para o presidente

Cresce o pessimismo dentro do PT com as eleições municipais. Na opinião de um dos mais influentes dirigentes da sigla, a perspectiva eleitoral é ruim para o partido fora do Nordeste, especialmente em relação a São Paulo, principal colégio eleitoral, onde o PT apoiará o deputado Guilherme Boulos (Psol).

A avaliação é que Boulos está garantido no segundo turno, mas terá grandes dificuldades em agregar apoio do centro político para derrotar o prefeito Ricardo Nunes (MDB), apoiado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

São dois os motivos citados por este dirigente: Nunes comanda uma máquina administrativa e eleitoral capitalizada e o cenário de polarização nacional tende a transferir a rejeição a Lula na cidade para Boulos, sem que a rejeição a Bolsonaro vá para o atual prefeito. O prefeito não tem um histórico de identidade com a extrema-direita, enquanto Boulos e o Psol têm grande identificação com o campo da esquerda.

Bruno Carazza - Disciplina, lealdade e dinheiro no bolso

Valor Econômico

Emendas orçamentárias e fundão eleitoral mudaram o comportamento dos parlamentares nas votações?

A política brasileira passou por mudanças importantes em resposta à grave crise de 2013 a 2016. Em meio a tantas turbulências, os poderes Legislativo e Judiciário tomaram decisões que alteraram a organização e o funcionamento do sistema político-partidário.

Em março de 2015 o Congresso Nacional aprovou a primeira de uma série de emendas constitucionais que vêm tornando obrigatória a aplicação de uma parcela cada vez maior de recursos orçamentários segundo a vontade de deputados e senadores, reduzindo uma importante moeda de troca política à disposição do presidente da República.

Em setembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal proibiu empresas de doarem para partidos e candidatos. Para suprir o fim da maior fonte de recursos das eleições, em 2017 o Congresso criou um fundo para custear as campanhas. No mesmo pacote, as coligações eleitorais foram proibidas, e a cláusula de desempenho levou a uma onda de fusões e aquisições de partidos.

Alex Ribeiro - Para o Copom, menos pode ser mais

Valor Econômico

O que importa, na verdade, não é apenas a taxa no fim do ciclo de corte, e sim toda a trajetória de queda de juros

Membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central disseram nos últimos dias que, se o colegiado for mais devagar na baixa da Selic, poderá chegar mais longe no ciclo de distensão. Isso significa que dentro de duas reuniões, em junho, a Selic cai só 0,25 ponto percentual?

Não necessariamente. O cenário central é uma baixa de 0,5 ponto, que só não foi sinalizada porque as incertezas aumentaram, e há risco de baixar menos. A teoria do “menos é mais” parece ter a intenção de mostrar que, se o BC reduzir o ritmo de cortes para 0,25 ponto, a taxa no fim do ciclo não será maior. Para combater a inflação, o que importa é o juro médio, que pode subir se o ritmo de cortes for menor, para uma mesma taxa no fim da distensão.

No seu ciclo de comunicação da última reunião - incluindo comunicado, ata do Copom, Relatório de Inflação, entrevistas e pronunciamentos ao mercado financeiro - todo esforço foi direcionado para deixar viva a possibilidade de um corte de juros de 0,5 ponto percentual em junho.

Fernando Gabeira - Gênero e as batalhas da guerra cultural

O Globo

Política de gênero não pode ser a espinha dorsal de campanhas majoritárias, pois isso resultaria numa inevitável vitória da direita

Quando deputado, tratei, entre outras, das questões de gênero. Jamais imaginei, entretanto, que, anos depois, viessem a ser tema de uma guerra cultural planetária, que o movimento LGBT+ fosse classificado como terrorista na Rússia e que a extrema direita fosse fazer disso sua principal bandeira de luta.

Volto ao assunto nesta semana, provocado por dois episódios isolados: o embate da famosa escritora J.K. Rowling com a nova lei escocesa contra o discurso de ódio e a leitura do livro de Judith Butler “Quem tem medo do gênero?”.

A autora de “Harry Potter” desafiou a polícia do seu país a prendê-la, sob a nova lei, pois continuaria a chamar de homens as mulheres trans e fazia isso para proteger as que nasceram como mulheres e também as meninas de seu país.

Miguel de Almeida - Vou chamar o síndico

O Globo

Nascida na esquerda americana, dentro de sua realidade social e política, a gradação ideológica da pauta identitária não é consenso sequer entre os iguais

Em seis situações, a política de cepa identitária assim se encontra neste início de outono:

1) o Tribunal de Justiça de São Paulo abriu concurso para o cargo de desembargador. Homens, fora! É um certame por merecimento somente para mulheres. Vivo, Raymundo Faoro ficaria na janela;

2) a veneranda USP, ancorada em sua Banca de Heteroidentificação, algo como um tribunal racial, rejeitou a inscrição de um aluno, dentro das cotas raciais, por não ser considerado “pardo” o suficiente. Qual Whitney Houston, ele tem “lábios afilados”;

3) a Fuvest, ligada à USP, indicou apenas livros de autoras para seu próximo vestibular;

4) o autor Itamar Vieira Junior, negro, vociferou contra uma crítica a seu novo livro, visto como incipiente, porque foi escrita por uma mulher branca;

5) o deputado Guilherme Boulos, do PSOL, nascido em família de classe média, escolheu morar na empobrecida periferia paulistana;

6) muitos dos indicados a cargos comissionados pela base governista não têm currículo profissional à altura da ocupação, mas preenchem o figurino identitário. Não falo de “ministres”.

Ricardo Henriques* - Investimento na primeira infância

O Globo

Há robusta evidência científica sobre os efeitos positivos e longevos, para toda a sociedade, do investimento nos primeiros anos de vida e na adolescência

Programas de transferência condicionada de renda surgiram no mundo na década de 90, com dois objetivos principais. Um, imediato, é o alívio da situação de pobreza das famílias mais vulneráveis. O outro, de médio e longo prazo, procura combater causas estruturais da pobreza ampliando o acesso de crianças e jovens aos serviços de educação, saúde e assistência social. No Brasil, o programa mais conhecido com esse escopo é o Bolsa Família, uma das políticas públicas mais bem avaliadas ao longo do tempo.

Diogo Schelp - Elon Musk e a censura no Brasil

O Estado de S. Paulo

Participantes do debate público no País recorreram nos últimos anos à intimidação judicial

“Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?”, perguntou o bilionário Elon Musk, dono do X, antigo Twitter, a Alexandre de Moraes, ministro do STF e presidente do TSE, em uma postagem na própria rede social. Em seguida, Musk ameaçou reverter a suspensão de perfis banidos por decisões judiciais e, em última instância, fechar o escritório do X no Brasil.

A mais recente diatribe do sul-africano foi motivada pela divulgação, na semana passada, de um pacote de e-mails internos do Twitter revelando exigências e decisões ilegais por parte de autoridades brasileiras, em especial do TSE, que resultavam em invasão de privacidade, censura prévia e pesca probatória contra indivíduos por motivação política. Detalhe: foi o próprio Musk quem entregou os e-mails, que estão sendo chamados de “Arquivos do Twitter”, aos jornalistas que os divulgaram.

Denis Lerrer Rosenfield - Diplomacia ideologizada

O Estado de S. Paulo

O atual governo, de repente, torna-se um baluarte do antiocidentalismo, sob a máscara esquerdista da luta contra o ‘imperialismo norte-americano’

Em períodos normais, as relações externas do País têm pouco impacto sobre a política interna. Presidentes e diplomatas estão centrados na defesa dos interesses estratégicos do Brasil, de seus interesses comerciais e em sua inserção num mundo cada vez mais globalizado. Isso se traduz pelo fato de que questões diplomáticas se tornam assuntos restritos de especialistas e do Itamaraty. Saliente-se a neutralidade e a imparcialidade, enquanto princípios norteadores, do trabalho de nossa diplomacia. Todavia, a diplomacia presidencial está tendo como efeito a perda de popularidade do presidente.

Ana Cristina Rosa - O Brasil branco é um produto de cotas

Folha de S. Paulo

E o enfrentamento da herança da escravidão deveria partir do Brasil branco

Quem observa a oposição às cotas raciais nas universidades e no serviço público é capaz de pensar que o Brasil nunca adotou cotas anteriormente. Errado. O difícil é encontrar alguém que não tenha tido um ancestral cotista entre a nossa população branca.

Não é segredo a adoção de políticas de ação afirmativa (como doação de terras) para estimular a imigração de europeus (a começar por italianos e alemães). Para desbravar o mundo novo e embranquecer o território enegrecido pela exploração dos escravizados africanos, foram distribuídos subsídios diversos.

Contudo, avançando nos séculos, antes da aprovação da Lei de Cotas, em 2012, nunca havia sido implementada uma política de inclusão social voltada à população negra.

Marcus André Melo - Corrupção eleitoral

Folha de S. Paulo

Descompasso entre lisura dos procedimentos e financiamento corrupto das eleições é particularidade brasileira

As práticas eleitorais corruptas eram a norma até o início do século 20 do Reino Unido e da Alemanha, aos países escandinavos. Todos passaram por notável mudança institucional e hoje são campeões da integridade eleitoral. O que explica o sucesso de reformas que visaram a eliminação destas práticas?

Esta é a pergunta que Isabela Mares analisa em Protecting the Ballot How First Wave Democracies Ended Electoral Corruption? (2022). Combinando estudos de casos e métodos estatísticos avançados, a autora argumenta que foi a formação de coalizões majoritárias entre facções dissidentes das elites no poder e setores emergentes fora do poder (partidos ancorados no operariado e setores de renda média). Os conflitos intraelite resultaram de choques econômicos e políticos que solaparam o equilíbrio existente (pelo qual as elites no poder que controlavam recursos impunham seu domínio sobre rivais).

Sérgio Augusto - E ainda as' malamadas'

O Estado de S. Paulo, 7.4.2024

Sexta-feira, 3 de abril de 1964. Entro na redação sobressaltada por ameaças que não deixam seus telefones em paz. A maioria das vozes, sempre anônimas e uma oitava acima, é feminina. São as “malamadas” xingando o jornal e seus profissionais em repúdio a um editorial, Terrorismo, não!, contra as arbitrariedades e violências cometidas pelo governo do então Estado da Guanabara (leia-se Carlos Lacerda) nas primeiras horas do regime militar.

“Isto mostra o fanatismo e a intolerância das lacerdistas”, reagiu o jornal, acrescentando-lhes mais um defeito: a puerilidade de crer que alguma ameaça pudesse atemorizar o Correio da Manhã, amainar-lhe a indignação e fazê-lo recuar de uma guerra que apenas iniciara seus estragos irreparáveis.

Foi o cronista Antonio Maria quem cunhou a expressão “malamada”, para irritar Lacerda e tipificar o mulherio sexualmente recalcado que o idolatrava.

Fareed Zakaria - O retrocesso que ameaça a revolução liberal*

O Estado de S. Paulo, 7.4.2024

Democracias ocidentais encaram uma maré crescente de um populismo cético e antiliberal

Vivemos uma era de reação a três décadas de revoluções em diferentes campos. Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, o mundo testemunhou a liberalização dos mercados e a explosão da tecnologia da informação. Cada tendência pareceu reforçar a outra, criando um mundo em geral mais aberto, dinâmico e interconectado. Para muitos americanos, essas forças pareciam naturais e autossustentáveis, mas não são. As ideias que se espalharam pelo planeta durante essa era de abertura eram ideias americanas, ou pelo menos ocidentais, e fortalecidas pelo poder dos EUA. Ao longo da década passada, conforme esse poder começou a ser contestado, essa tendência começou a se reverter. Neste momento, a política em todo o mundo está repleta de ansiedade, uma reação cultural a anos de aceleração.

A oposição ao poder dos EUA é facilmente visível no campo da geopolítica. Após três décadas de hegemonia americana incontestada, a ascensão da China e o retorno da Rússia nos trouxeram de volta a uma era de competição entre grandes potências. Essas nações, assim como algumas potências regionais, como o Irã, buscam perturbar e erodir o sistema internacional dominado pelo Ocidente, que tem ordenado o mundo nas décadas recentes.

Mas isso não é simplesmente uma resposta ao poder bruto dos EUA; é também uma reação à ampla disseminação das ideias liberais do Ocidente. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, o da China, Xi Jinping, e o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, são aliados em um aspecto crucial: todos acreditam que os valores ocidentais são estranhos às suas sociedades e minam seus governos. Muito mais preocupante: dentro do mundo ocidental desenvolveu-se uma reação negativa a muitos desses mesmos valores.

Ana Luiza Albuquerque - Ditadores da manipulação

Folha de S. Paulo, 7.4.2024

'Democracia Fake' discute como governantes abandonam tática do medo por manipulação mais sutil

[RESUMO] Livro "Democracia Fake", publicado recentemente no Brasil, alerta para nova estratégia de ditadores contemporâneos. Buscando forjar um verniz democrático que possibilite o estabelecimento de relações com países liberais, esses líderes abandonam a repressão violenta e se voltam para táticas de manipulação menos escancaradas.

Uma multidão se aglomerava na praça principal da capital do Congo. Era 2 de junho de 1966 e o ditador Mobutu havia declarado feriado naquele dia. Ele queria que todos acompanhassem o que aconteceria ali.

Sob um sol escaldante, desceram de um jipe militar quatro homens que usavam capuzes pretos, como descreve reportagem publicada no dia seguinte pelo jornal americano The New York Times. Eles caminharam até o centro da praça e, um a um, subiram os degraus de um andaime improvisado, onde havia uma grossa corda pendurada. Na frente de todos, foram enforcados.

Os quatro eram inimigos políticos de Mobutu, que ordenou a execução sob o argumento de que o grupo tentaria matá-lo para dar um golpe.

Sessenta anos depois, demonstrações ostensivas de violência como essa são mais raras, mesmo entre ditadores —no século 21, eles perceberam os benefícios de posar como democratas. É essa a tese proposta no livro "Democracia Fake" (Vestígio), de Sergei Guriev e Daniel Treisman.

Hélio Schwartsman - O teste do tempo

Folha de S. Paulo, 7.4.2024

Ideias de Hannah Arendt não envelheceram; filósofa foi presciente em relação a Israel

Há autores que passam bem pelo teste do tempo. Hannah Arendt é um deles. Não que ela tenha acertado em tudo, mas seus escritos permanecem em larga medida atuais.

"We Are Free to Change the World" (somos livres para mudar o mundo), de Lyndsey Stonebridge, não é exatamente uma biografia, embora funcione como uma. A obra analisa alguns dos temas centrais da filósofa, explicando sua gênese, o sentido que faziam à época e de alguma forma os atualizando para os dias de hoje. É assim que Stonebridge explora tópicos que teimam em permanecer entre nós, como tirania, pós-verdade, refugiados, racismo, e coloca figuras como Putin Trump sob o escrutínio das ideias de Arendt.

Poesia | Tabacaria, de Fernando Pessoa

 

Música | Gal Costa - Chega de Saudade