sexta-feira, 23 de abril de 2021

Sergio Fausto* - Preservar a democracia e as Forças Armadas

- O Estado de S. Paulo

Há uma relação de mútua dependência, seja o que for que os militares pensem do golpe de 64

A crise militar desencadeada por Bolsonaro deixou no ar um misto de alívio e apreensão. O pior não aconteceu. O presidente seguiu o critério de antiguidade na nomeação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A apreensão deriva do fato de que essa não foi a primeira nem será a última vez que Bolsonaro busca instrumentalizar as Forças Armadas em função do seu projeto político, sabidamente autoritário e destrutivo das instituições do Estado. O que está em jogo é a preservação da democracia e das Forças Armadas, como instituição republicana, impessoal, que não se confunde com governos e chefes de Estado transitórios. São dois objetivos inseparáveis.

O presidente é sistemático e incansável em seu intento de criar exércitos para chamar de seus. Na base da sociedade, fomenta o acesso a armas e uma cultura de violência, em nome da liberdade e da segurança individuais, mandando às favas quaisquer escrúpulos de civilidade. Usa seu poder presidencial para reforçar sua identidade com grupos de indivíduos que fazem da intimidação um modo de ser, quando não um modo de vida e um negócio, como no caso das milícias. Na base do Estado, estimula o antagonismo entre policiais militares e governadores. Visa ao menos a criar a impressão de que, no dia D e na hora H, exércitos de PMs obedecerão ao seu comando para, junto com milícias civis bolsonaristas, encostar governadores e prefeitos contra a parede. Na cúpula do Estado, Bolsonaro dedica-se a enredar as Forças Armadas nas malhas de seu governo, pois sabe, como Hugo Chávez sabia, que sem cooptação das forças regulares a ameaça de intimidação de facções armadas é menos plausível.

Eliane Cantanhêde - Rui o tripé ideológico

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaristas têm um trabalhão para seguir o salto triplo do ‘mito’ em saúde, política externa e ambiente

Depois de rasgar as bandeiras do combate à corrupção e do liberalismo econômico, o governo Jair Bolsonaro está desmoronando o seu tripé ideológico: saúde, política externa e ambiente. Isso, claro, cria um problemão para a sua seita, sobretudo na internet. Eles e elas terão de rever suas crenças e posições para seguir essa “inflexão”, ou salto triplo carpado, do presidente. Vão defender Joe Biden, França, Alemanha e Noruega? Cúpula de Paris, Fundo da Amazônia? Até China e vacina?

Não deve ter sido fácil para os bolsonaristas se alinharem com o PT no ataque ao ex-juiz Sérgio Moro, ícone do combate à corrupção, quando ele caiu acusando Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal. E não está fácil jogar Paulo Guedes ao mar, depois do blablablá de que Bolsonaro podia não ser lá essas coisas, mas o Guedes segurava as pontas.

E lá se vai também o tripé ideológico. O diplomata Ernesto Araújo está de volta à sua insignificância e ao limbo dos seus delírios contra o comunismo. O general da ativa Eduardo Pazuello vaga pelo Exército, olhado de esguelha pelos companheiros de farda depois de humilhado e desautorizado pelo presidente na compra de vacinas e de se sair com o indecente “um manda, outro obedece”. Ambos, Araújo e Pazuello, estão na mira da CPI da Covid.

Vera Magalhães - Jair sem Trumpinho

- O Globo

'Alvorada sem alambrado/ Pão sem leite condensado/ Sou eu assim sem você. Ema sem cloroquina/Dudu sem carabina/ Sou eu assim sem você.'

Na hora e meia em que esperou sua vez de falar sem convicção na Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada por Joe Biden, Jair Bolsonaro bem poderia cantarolar essa versão negacionista do sucesso de Claudinho & Buchecha.

Não que o clássico do funk carioca mereça ter seus versos solares e meigos substituídos pelo lamento do presidente brasileiro sobre o isolamento a que foi relegado no tabuleiro mundial depois que seu amigo Trumpinho foi derrotado nas urnas. Mas sua visível falta de ambiente na reunião em que teve de ler, a contragosto, um papel com o contrário daquilo que pensa e pratica em termos de política ambiental me lembrou os versos “Eu não existo longe de você/ E a solidão é meu pior castigo”.

Antes, quando era Trump, e não Biden, o anfitrião, Jair, família e agregados eram recebidos com alegria galhofeira. A caravana dos puxa-sacos exóticos dos Trópicos vestia boné, ganhava tapinha nas costas e se achava a tal. Podia mandar às favas os indicadores vergonhosos de desmatamento e queimadas. Afinal, primo Donald não estava nem aí para esse mimimi.

Bernardo Mello Franco - Um Brasil imaginário

- O Globo

Jair Bolsonaro tentou vender um Brasil imaginário na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Nas palavras do presidente, o país está “na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global”. Nem parecia o chefe do governo que mutilou a fiscalização ambiental e permitiu o avanço do desmatamento da Amazônia.

Na defensiva, Bolsonaro sustentou que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta e promoveu uma “revolução verde” no campo. Se tudo vai bem, o mundo estaria perdendo tempo ao se preocupar conosco.

O capitão abusou da boa-fé dos estrangeiros. Sem corar, ele disse ter determinado o “fortalecimento dos órgãos ambientais”. Na vida real, seu governo pilota uma operação de desmonte, executada pelo ministro Ricardo Salles.

Ricardo Noblat - Como de hábito, Bolsonaro mente da manhã à noite

- Blog do Noblat / Veja

Quem o pariu que o embale

O presidente Jair Bolsonaro acordou e foi dormir ontem mentindo, que é o que ele sempre sabe fazer de melhor.

De manhã, mentiu ao mundo na abertura da Cúpula do Clima ao dizer que “o Brasil está na vanguarda no enfrentamento ao aquecimento global”. Não está, já esteve.

Mentiu à noite nas redes sociais ao recomendar a cloroquina como remédio eficaz contra a pandemia do coronavírus.

A MM (mentira matinal) parece ter sido bem aceita por diplomatas que servem ao presidente Joe Biden, o organizador e anfitrião da cúpula. Eles gostaram do tom do discurso de Bolsonaro.

A MN (mentira noturna) pode ter agradado os devotos que a escutam como prova de coerência, mas somente a eles.

Dora Kramer - Plágio improvável

- Revista Veja

No momento o nome do jogo em relação às eleições é o da indefinição

Eleição, reza do dito confirmado pelos fatos, não se ganha de véspera. Tampouco se definem resultados com tal antecedência, e nossa história recente mostra isso. Nenhum dos três presidentes que disputaram, e ganharam, um segundo mandato em 1998, 2006 e 2014 estava com a vida ganha no ano anterior ao do pleito.

Senão, vejamos: em 1997, Fernando Henrique Cardoso enfrentava uma das cinco crises econômicas mundiais que atingiram seu governo e via Luiz Inácio da Silva lhe roçar os calcanhares nas pesquisas eleitorais; em 2005, Lula estava enrolado até o pescoço no escândalo do mensalão e só não sofreu um processo de impeachment porque a oposição optou por vê-lo “sangrar”; Dilma Rousseff, em 2013, atordoava-se sem saber para onde ir em meio às “jornadas de junho”.

Apesar desses pesares, FH, Lula e Dilma conseguiram se reeleger. Boa notícia para Bolsonaro? Não necessariamente, porque comparado aos três é o que maiores dificuldades tem pela frente. Nas vitórias dos antecessores entre outros fatores contou o peso da cadeira e da caneta presidenciais. É a vantagem maior, não raro definitiva, dos chamados incumbentes. Como eles, Jair Bolsonaro detém as duas — cadeira e caneta —, mas não sabe usá-las. Quando usa, abusa do direito de errar.

Murillo de Aragão - Dificuldade em enxergar o óbvio

- Revista Veja

Estamos perdendo a capacidade de valorizar o que existe de bom

O Brasil é uma das últimas fronteiras do mundo para investimentos. Há necessidades gigantescas na área de infraestrutura e existe um mercado de mais de 200 milhões de pessoas educadas para o consumo.

As oportunidades existentes são únicas. Talvez nós, brasileiros, não tenhamos uma clara noção do nosso potencial devido à nossa irresistível vocação para falar mal do país. Na linha do que é ruim a gente mostra; o que é bom a gente esconde.

O setor imobiliário, por exemplo, pode avançar de forma extraordinária com a expansão do crédito. Somos uma das sociedades mais interconectadas do planeta, sistema que resistiu mesmo com o aumento de 50% do tráfego na internet durante a pandemia.

No campo ambiental, além de possuirmos uma das melhores matrizes energéticas do mundo, somos um dos maiores produtores de alimentos do planeta, mesmo com uma cobertura florestal que representa mais de 50% do território nacional. O agronegócio no Brasil, em sua imensa maioria, segue uma rígida legislação ambiental.

Alon Feuerwerker - O cachorro do Pavlov

- Revista Veja

Os reflexos condicionados contra uma frente ampla de oposição

Na culinária e na política, nem sempre quem faz o bolo come o bolo. Em 1992, o PT ofereceu a base popular para depor o presidente Fernando Collor de Mello. Certa hora, achou-se que Luiz Inácio Lula da Silva emergiria do processo imbatível em 1994. Mas Fernando Henrique Cardoso reagrupou as tropas dispersas do collorismo, pegou o trem do Plano Real e matou o sonho do PT de surfar a onda do impeachment rumo ao poder.

Deu-se o mesmo na queda de Dilma Rousseff. PSDB e PMDB (hoje MDB) decretaram o fim do quarto governo petista, reuniram-se em torno de Michel Temer e projetaram poder ir adiante no tempo. Mas a entropia trazida pela Lava-­Jato foi além da conta e acabaram ambos tragados pelo tornado bolsonarista. O antipetismo trouxe junto a antipolítica e o antitudo, e tucanos e emedebistas viram o bolo escapar na undécima hora.

Monica de Bolle* - Sociedades que se movem

- Revista Época

O novo na condenação de Derek Chauvin pelo homicídio de George Floyd se apresenta pela imaginação, pelo desejo e, sobretudo, pela forma de realização da justiça

Há sociedades que se movem em direção ao novo, há sociedades que parecem não sair do lugar, e há aquelas que se movem em direção ao passado. Sim, imaginação. A abertura para o novo e para as mudanças que ele pode trazer exigem imaginação. Um dia se imaginou que o homem chegaria à lua. Ao longo da pandemia, o esforço de combatê-la e de pensar no que sobreviria exigiu imaginação. Aqui nos Estados Unidos o trabalho da imaginação esteve presente ao longo da campanha de Joe Biden, em sua vitória, durante o turbulento período de transição, e continua presente quatro meses depois do início de seu governo.

Imaginou-se que o país seria capaz de imunizar rapidamente a população em alguns meses utilizando as vacinas mais sofisticadas do mundo. Estamos a um par de meses de conseguir fazê-lo. Imaginou-se que o debate sobre clima e meio ambiente se tornaria central na reorganização das políticas públicas. O Plano Biden está aí para mostrar que também isso foi possível, a despeito do que venha a ocorrer durante as discussões no Congresso. Imaginou-se que a retomada econômica viria com a criação de empregos e com o apoio aos mais vulneráveis. Novamente, o pacote aprovado no início de 2021 tem como princípio norteador a ajuda aos mais pobres. Imaginou-se que seria possível começar a enfrentar o racismo e a violência policial contra os negros. No dia 20 de abril, o policial que ajoelhou sobre o pescoço de George Floyd a ponto de esmagá-lo e asfixiá-lo foi condenado por seus crimes. Não é mais do que um início, como muitos têm enfatizado. Mas, para quem vive aqui nos Estados Unidos e é testemunha do que se passa a toda hora com a comunidade negra, a esperança é palpável. Para quem viveu os anos Trump, mais ainda.

José de Souza Martins* - Deixa eu ficar mais um dia

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Neste país subdesenvolvido, há pouco lugar para quem não é adulto

A tragédia do menino Henry, de 4 anos de idade, morto em casa, em seus pequenos e dolorosos detalhes, ilumina a tragédia brasileira das crianças sem infância.

No plano policial e judicial está sendo ouvida a palavra dos envolvidos. Não será ouvida, porém, a palavra da criança. Quando o pai o levou de volta à casa da mãe e do padrasto, dele ouviu o que era um pedido de socorro na língua infantil do amor: “Deixa eu ficar mais um dia com você”. Pediu o abrigo de um peito que sabia seu.

Alguém da família do menino, a quem o pai revelou sua queixa de que “o tio me machuca”, referindo-se ao padrasto, procurou tranquilizá-lo: criança fantasia para conseguir o que quer.

A interpretação da fantasia infantil, como se fosse malandragem de adulto, mostra a incapacidade do adulto referencial da sociedade contemporânea em compreender a criança que pensa e age como criança. A infância está sendo extinta.

Armando Castelar Pinheiro* - À espera da inflexão

- Valor Econômico

Há que resistir à tentação de usar a inflação no ajuste das contas públicas: a conta vem depois, não compensa

A realidade tem se mostrado mais complexa que as previsões. Novas cepas, múltiplas ondas de casos e mortes, efeitos colaterais das vacinas, tudo eleva a incerteza sobre quando se controlará a pandemia da covid-19 e, não menos importante, como será o novo normal depois disso. Fica claro, também, que os países ricos não conseguirão controlar a epidemia vacinando só suas populações, enquanto no resto do mundo a pandemia segue solta, facilitando o surgimento de novas e mais virulentas variantes do vírus.

Isto posto, tudo indica que 2021 verá uma inflexão nesse processo, fruto do gigantesco esforço de vacinação em curso. E de que, os dados mostram, as vacinas estão funcionando. Até aqui foram aplicadas quase 900 milhões de doses globalmente, quase uma dose para cada seis pessoas com 20 anos ou mais. Na última semana, mais de 100 milhões de doses foram administradas e a tendência é esse ritmo acelerar, conforme suba a produção de vacinas. Mesmo que isso não ocorra, mantido esse ritmo o ano fechará com 4,5 bilhões de doses aplicadas, o suficiente para vacinar boa parte dos mais vulneráveis.

Claudia Safatle - Governo não consegue controlar a despesa

- Valor Econômico

As expectativas se voltam para a próxima administração

Por incompreensão, ignorância ou ideologia, o fato é que o governo não consegue administrar o país com o mínimo de controle do gasto público. A lei que estabeleceu o teto para o aumento da despesa, aprovada em 2016, agora chegou no limite, e Executivo e Legislativo decidem corromper o seu entendimento para superar as amarras do controle do gasto. Pelo teto, a despesa não pode ter crescimento real.

Esse não é um procedimento novo, ao contrário. Desde sempre tentou-se financiar o gasto crescente com aumento da receita com impostos. Não há mais essa possibilidade, dado que a carga tributária ronda a casa dos 33% do PIB e, na sua complexidade, inferniza a vida de quem quer empreender.

Para quê, então, foi colocado um teto para a expansão do gasto se, no momento em que a despesa ameaça furar o seu limite, não se considera a hipótese de cortá-la? Há, no setor público, uma disposição infinita para gastar. Razão pela qual a dívida interna bate recorde como proporção do PIB e há grandes incertezas a respeito da sua dinâmica.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro pode perder corrida pelo dinheiro para governadores

- Valor Econômico

Presidente se mostrou no encontro como um aliado arrependido do trumpismo

Dezessete chefes de Estado e a presidente da Comissão da União Europeia falaram antes do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes pelo Clima. O presidente do país “detentor da maior biodiversidade do planeta”, como Bolsonaro definiu o Brasil, começou a falar quase duas horas depois de a conferência virtual ter começado. E não pôde, a exemplo de Angela Merkel (Alemanha), Emmanuel Macron (França), Ursula Leyen (UE) e Cyril Ramaphosa (Africa do Sul), saudar, com uma estocada da boa diplomacia, a volta dos Estados Unidos, anfitrião do encontro, ao esforço contra o aquecimento global.

Os americanos voltaram ao Acordo de Paris um mês depois da posse do presidente Joe Biden e três anos e sete meses depois de o ex-presidente Donald Trump tê-lo denunciado. Os líderes europeus e da África do Sul não deixaram passar a oportunidade de lembrar Biden do passado muito recente do país que agora se arvora à liderança global do ambientalismo na tentativa de reconquistar um viés de “superioridade moral” perdido na era Trump. Bolsonaro, porém, não pôde fazer o mesmo porque, de todos os 40 chefes de Estado convidados para a conferência, foi o mais estreito aliado de Trump.

Luiz Carlos Azedo - Ajoelhou, tem que rezar

- Correio Braziliense

Bolsonaro precisa dar demonstrações práticas de que mudou a política ambiental. A mais aguardada é a demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles

A narrativa ambiental do presidente Jair Bolsonaro mudou da água para o vinho, ontem, na Cúpula do Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que não assistiu a seu discurso, mas mandou o porta-voz americano para o Clima, John Kerry, dizer que gostou do pronunciamento. Bolsonaro prometeu adotar medidas que reduzam as emissões de gases e pediu “justa remuneração” por “serviços ambientais” prestados pelos biomas brasileiros ao planeta.

De certa forma, surpreendeu o próprio Biden. Bolsonaro disse que “não poderia estar mais de acordo” com o apelo dos EUA sobre metas mais ambiciosas para o clima. Não mencionou o Plano Amazônia apresentado na semana passada, mas voltou a mencionar a eliminação do desmatamento ilegal, por meio do Código Florestal, reiterando a promessa da carta que enviara a Biden na semana passada. Anunciou, também, que o Brasil reduzirá emissões em 37%, em 2025, e 40%, até 2030, alcançando a neutralidade climática em 2050, ou seja, 10 anos antes da meta prevista pelo Brasil. São objetivos ambiciosos, porém ficarão por conta dos futuros governos. O problema é o agora.

Vinicius Torres Freire - O dólar toma um calmante

- Folha de S. Paulo

Comércio exterior em alta, calmaria nos EUA e entrada de capital aliviam situação, por ora

O preço do dólar está muito estressado, qualquer que seja a conta que se faça do seu valor “adequado”, do preço mais ou menos compatível mesmo com os números degradados da economia brasileira (que estaria em torno de R$ 4,50, calculam economistas). Nos últimos dias, porém, os mercadores de moeda tomaram um calmante. Nesta quinta-feira (22), o dólar baixou a R$ 5,44.

E daí?

Para começar, dólar mais barato pode ser um alívio para a inflação. O IPCA acumulado em 12 meses está em 6,1%; ainda deve passar de 7,5% entre maio e julho. Segundo um chute informado dos economistas, daí em diante baixaria até algo em torno de 4,5% no final do ano. Um dólar mais barato daria um empurrão nessa descida. Um IPCA menor pode evitar alta maior de juros (Selic) por aqui.

Bruno Boghassian - A comissão e o tapetão

- Folha de S. Paulo

Esforço mostra que Bolsonaro teme o que será revelado se a investigação correr solta

Preocupado com a exposição pública de seu comportamento mortífero na pandemia, Jair Bolsonaro tenta ganhar a guerra da CPI da Covid no tapetão. Aliados do governo acionaram a Justiça para interferir na escolha dos integrantes da comissão, lançaram uma campanha nas redes sociais para intimidar os senadores e abriram investigações contra rivais do presidente.

Os requisitos mínimos para a instalação da CPI estão preenchidos desde o início de fevereiro, mas o governo não desperdiçou uma gota de suor. Contou com a lealdade do presidente do Senado, que guardou o pedido na gaveta até que o STF determinasse a abertura da investigação.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro fraqueja de novo

- Folha de S. Paulo

Discurso acaba escancarando que ele nunca passou de uma farsa

Longe de mim duvidar da virilidade do presidente Jair Bolsonaro, mas estou achando que não foi só ao fazer a filha que ele “deu uma fraquejada” (são palavras dele, não minhas).

Seu discurso na Cúpula do Clima também me pareceu emasculado, já que o presidente deixou de frisar que temos soberania plena sobre a porção da floresta que está em nosso território, não denunciou a sórdida campanha contra o Brasil movida por potências estrangeiras de olho em nossas riquezas nem chamou de feia a mulher de nenhum chefe de Estado. Basicamente, Bolsonaro pôs o rabo entre as pernas.

Ironias à parte, para os que nunca confiaram na palavra do presidente, o discurso adamado não traz muita surpresa. A única coisa consistente na carreira de Bolsonaro, do baixo oficialato à Presidência, são as tentativas de eximir-se de culpa sempre que a situação aperta. Mas, para os eleitores que lhe louvavam a autenticidade, o súbito abandono da valentia pode soar como mais uma traição.

Reinaldo Azevedo - Discurso de Bolsonaro desafia Mateus

- Folha de S. Paulo

Uma constante do presidente em 28 meses de mandato é nunca recuar; ao contrário: ele sempre piora o que fez no dia anterior

Quem era aquele presidente que, nesta quinta, falou em lugar de Jair Bolsonaro na Cúpula de Líderes Sobre o Clima? O mesmo que, no dia anterior havia participado do almoço de desagravo ao ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, na casa do dito "moderado" Fábio Faria, ministro das Comunicações? Obviamente não. E aí mora o problema. A reação à fala, mundo afora, é de desconfiança.

Uma pausa para uma consideração: quando o "moderado" do governo oferece um costelão amigo a Salles, cercado pela nata do reacionarismo, o que se deve esperar dos não moderados? No dia anterior, o homenageado havia feito pouco caso dos povos indígenas, com seu habitual humor truculento, destacando que há índios com iPhone, num esforço claro de deslegitimação das demandas dessas comunidades.

Na terça ainda, o delegado Alexandre Saraiva foi apeado da Superintendência da Polícia Federal do Amazonas, depois de trombar com Salles, que resolveu se solidarizar com madeireiros do Pará, apontando falhas inexistentes na operação, empreendida em dezembro do ano passado, que resultou na maior apreensão de madeira ilegal da história.

Ricardo Abramovay* - O liberalismo miliciano de pires na mão em Washington

- Folha de S. Paulo

Querem legitimar atividades destrutivas como virtudes do empreendedorismo

Tontura, olhos pesados, sono profundo —e você só acorda no dia seguinte. Aí percebe que está num mundo novo. Não é mais possível qualquer atividade que conduza à emissão de gases de efeito estufa.

O cidadão norte-americano, canadense ou chinês não pode tirar o carro da garagem. Luz elétrica ou internet, só algumas poucas horas por dia, já que a matriz energética desses países (e da maior parte dos outros) depende da queima de combustíveis fósseis. Se a vida não parar, o colapso do sistema climático, as secas, os incêndios, os furacões e a subida no nível do mar vão se tornar ainda mais destrutivos.

pandemia de Covid-19 ofereceu uma versão suave desse cenário apocalíptico. Em média, durante 2020, as emissões de gases de efeito estufa tiveram, globalmente, retração inédita de 7%. Tal declínio só foi alcançado com uma redução brutal das atividades econômicas e da interação social.

O ritmo de queda da dependência humana dos combustíveis fósseis é muito mais lento do que o necessário para evitar a intensificação dos eventos climáticos extremos. Por isso, Estados Unidos e União Europeia comprometem-se a reduzir pela metade suas emissões nos próximos dez anos. E, claro, não querem fazer isso paralisando a vida econômica.

Carlos Andreazza - Salles é um Bolsonaro que executa

- O Globo

Jair Bolsonaro comportou-se como se réu num tribunal. Discurso defensivo. E – claro – mentiroso. Perfeitamente de acordo com o padrão bolsonarista. Não havia mesmo margem para que fosse diferente. Faltava o que apresentar. E sobravam suspeitas – desconfianças – sobre as práticas do Brasil. Faltava, esclareça-se, o que apresentar de bom; de conquistas derivadas de políticas públicas para o meio ambiente. Regredimos; e – agravante – sem que estivéssemos em bom lugar. E então o presidente lançou-se a promessas. (Mas desde que, como um cachorro pidão, recebendo dólares de apoio antes.)

Improvável que alguém – entre os ouvintes gringos – compre esse Bolsonaro do amanhã. O passivo de ontem é pesado; e está fresco na memória o uso populista da soberania nacional para desqualificar o Fundo Amazônia – que tem seus dinheiros paralisados porque o governo brasileiro se negou a admitir representantes da sociedade civil na comunidade gestora dos recursos. Mas as promessas foram feitas. Promessas, diga-se, para efeito em longo prazo. (O dinheiro pedido, porém, teria de vir imediatamente.)

Imediatamente nos vem à cabeça o passado – tão presente. Bolsonaro divulgou metas que até seriam louváveis, para 2050, não houvesse dois anos de práticas ambientais avessas – hostis mesmo – aos compromissos assumidos; práticas que, continuadas, nos devastarão até 2030. Como acreditar? Se o que fazemos hoje, e progressivamente, atenta contra os objetivos projetados no discurso, como crer?

Malu Gaspar - Meta que Bolsonaro prometeu melhorar na Cúpula do Clima não existia

- O Globo

Em seu discurso na Cúpula do Clima, Jair Bolsonaro improvisou a redução de uma meta ambiental que, na prática, nunca chegou a existir.

Até ontem, o Brasil nunca havia se comprometido a neutralizar suas emissões de carbono em 2060, como o presidente sugeriu em seu discurso. Na mais recente manifestação formal sobre o tema, protocolada na Organização das Nações Unidas em dezembro, o país apenas dá um “indicativo de longo prazo” de que poderia chegar lá.

A data de 2060 foi mencionada em um documento oficial de compromisso, conhecido como NDC, protocolado 22 dias antes da data final para cada país entregar à ONU sua lista quinquenal de compromissos contra o aquecimento global.

Nele, a diplomacia brasileira fixou metas numéricas para a redução da emissão de carbono até 2030 e indicou que, a continuar nesse ritmo, o país poderia chegar à neutralidade em 2060. A neutralização das emissões acontece quando o país emite apenas o volume de gases que provocam o efeito estufa equivalente ao que consegue retirar da atmosfera.

Flávia Oliveira - Floyd: desfecho excepcional

- O Globo

Excepcional no “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa” é adjetivo que guarda tanto sentido de exceção, fora da normalidade, quanto de excelência, muito acima do padrão. Os desdobramentos do assassinato, há 11 meses, de George Floyd, homem negro, pelo então policial branco Derek Chauvin — crime tão brutal quanto recorrente nos EUA, no Brasil — contêm os dois significados. Foram excepcionais a indignação coletiva, os protestos caudalosos, o impacto político, a indenização aos familiares, o veredito do júri. Falta a sentença, espera-se, igualmente excepcional. E, a partir daí, mudanças estruturais que ponham fim, sobretudo, à violência policial com viés racial ou à impunidade recorrente nesses casos.

Foi Kamala Harris, vice-presidente dos EUA, quem chamou atenção para o risco de a condenação do assassino de Floyd se consumar como episódio isolado. Ela se pronunciou antes do presidente Joe Biden, um par de horas depois de a dúzia de jurados, metade branca, considerar o réu culpado nas três acusações: homicídio culposo em segundo grau (matou por negligência), homicídio em terceiro grau (matou em ato perigoso, desprezando a vida humana), homicídio em segundo grau (não premeditou, mas matou porque quis). Kamala disse que justiça em um caso não é o mesmo que Justiça igualitária. E completou: “Precisamos reformar o sistema”.

Ruth de Aquino - Anitta e teletubbies pedem #ForaSalles

- O Globo

Nunca tinha visto os teletubbies até o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chamar Anitta assim, em resposta a um tuíte da cantora na hashtag #ForaSalles. Ele escreveu irado: “Fica na sua aí, ô Teletubbie”. Eu sabia que os teletubbies eram uns personagens coloridos e barrigudinhos, com antenas. Pesquisei, por achar inusitado um ministro reagir assim nas redes. Anitta tinha chamado Salles de “desserviço ao meio ambiente”. A cantora foi até elegante com um ministro acusado de vilão, crápula e criminoso.

A série de desenho infantil foi criada pela BBC nos anos 1990. Os quatro teletubbies pulam, rolam no chão, e sua fala é idiotizada. Suspeito que retardem o cérebro de bebês. Tinky Winky, Dipsy, Laa-Laa e Po são ridículos e toscos. Tem um, o roxo, “acusado” de ser homossexual, “um perigo” para as crianças. Os quatro bonecos enrolam as sílabas nos desenhos – e o que deveria ser LGPD (lei geral de proteção de dados) se torna LGBT, acho que vocês me entendem. O Carluxo entende, vai. Não é piada. O filho vereador de Bolsonaro, indignado com “gente que se autodenomina tigre, leão, jacaré, papagaio, periquito”, confundiu acesso a dados com orientação sexual. Não foi surpresa, ninguém o leva a sério, é um teletubbie completo.

Música - Edu Lobo / Bena Lobo - No Cordão da Saideira

 

Poesia | Bertold Brecht – Nada é impossível de mudar

Desconfiai do mais trivial,

na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:

não aceiteis o que é de hábito

como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta,

de confusão organizada,

de arbitrariedade consciente,

de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural

nada deve parecer impossível de mudar.