quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Vitórias de Haddad impressionam, mas falta controlar gasto

O Globo

Sucesso em 2023 é inquestionável, mas arrecadar mais não bastará para cumprir metas fiscais agressivas

Depois de um ano como ministro da Fazenda, Fernando Haddad destacou suas conquistas em entrevista exclusiva ao GLOBO. A primeira foi o novo arcabouço fiscal, que tranquilizou — ao menos por ora — o mercado sobre o compromisso do governo em controlar a dívida pública. A segunda foi a reforma tributária, que começa a corrigir o sistema de impostos mais disfuncional do mundo.

Em 2023, Haddad contribuiu para um debate econômico racional, feito nada desprezível tendo em vista o retrospecto de gestões petistas. Teve a sabedoria de evitar os ataques estéreis à taxa de juros que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desferiu contra o Banco Central. Derrotou a resistência em seu próprio partido e conquistou o apoio de lideranças do Congresso para aprovar os projetos cruciais a sua gestão. O resultado de tudo isso se vê nos indicadores: dólar em queda, inflação sob controle, recuperação na renda e crescimento acima da expectativa no início do ano. Êxitos inquestionáveis.

Na entrevista, ele foi sábio ao deixar a arrogância de lado e realçar que, nos embates com setores do PT, foi Lula a decidir pelo caminho que seu instinto ou sua experiência anterior como presidente indicavam como correto. No sistema presidencialista, se o presidente não arbitra, nada anda.

Vera Magalhães - Ministro chama Lula para mediar conflito

O Globo

Ministro sabe que enfrentará tormenta maior em 2024 que no primeiro ano de mandato

Demorou um ano para que Fernando Haddad reagisse publicamente a uma campanha persistente do PT de confrontação da política econômica e fiscal. Quando o fez, o ministro da Fazenda claramente instou o presidente Lula a ser mais proativo na mediação desse conflito. Por que logo agora? Porque Haddad sabe que o mar que enfrentará em 2024 será mais tormentoso que no primeiro ano do mandato.

Sem PEC da Transição, com uma meta fiscal bem mais apertada e a folhinha indicando o mês de março logo ali, o ministro anteviu que o primeiro trimestre seria uma fustigação sem trégua de sua agenda por parte do próprio partido. A resolução do Diretório Nacional do PT que chama a política fiscal de “austericídio” foi a confirmação do que estaria por vir. Os embates com a Casa Civil ao longo de 2023 também foram um prenúncio de que, no ano dois, a pressão por gastos e pela ideia de um Estado indutor de crescimento econômico só cresceria.

Bernardo Mello Franco - Haddad, Gleisi e o pós-Lula

O Globo

Ministro da Fazenda e presidente do PT não admitem, mas querem a mesma coisa

Fernando Haddad terminou 2023 como o ministro mais forte do governo Lula 3. A economia cresceu acima do esperado, enquanto a inflação e o desemprego caíram. Mesmo assim, o petista passou o ano na mira do próprio partido.

Em dezembro, o PT afirmou em resolução que o Brasil “precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do BC ‘independente’ e do austericídio fiscal”. Haddad não foi citado, mas encarou as últimas duas palavras como um ataque à sua política de déficit zero.

Em entrevista ao GLOBO, o ministro da Fazenda passou recibo da irritação. “Não dá para celebrar Bolsa, juros, câmbio, risco-país, PIB que passou o Canadá, e simultaneamente ter a resolução que fala que está tudo errado, tem que mudar tudo”, queixou-se.

Ele ainda reclamou do modo como dirigentes petistas celebraram os números da economia nas redes sociais. “Meu nome não aparece. O que aparece é assim: ‘A inflação caiu, o emprego subiu. Viva Lula’. E o Haddad é um austericida”, protestou.

José Eduardo Faria* - Mais crises à vista

Folha de S. Paulo

PEC que limita decisões de ministros põe STF diante de uma encruzilhada

Qual é o alcance da autoridade jurisdicional de uma corte suprema para rever a constitucionalidade de atos dos outros Poderes e declarar inconstitucional uma proposta de emenda constitucional aprovada adequadamente no plano formal —mas discutível no plano substantivo— pelo Legislativo?

A relação entre democracia e jurisdição constitucional se esgota na tomada de uma decisão judicial? Questões como essas surgiram quando o Senado aprovou uma PEC limitando as decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal, sob a justificativa de evitar que a Justiça estaria invadindo as áreas de atuação do Executivo e do Legislativo.

Em resposta a elas, dois fatos não podem ser desprezados. Como, pela Constituição, o STF detém o poder derivado concedido pelo poder constituinte originário para controlar a constitucionalidade das leis, essa prerrogativa sempre implica risco de crise institucional. Além disso, conscientes dos absurdos da ditadura militar, os constituintes incluíram na Constituição cláusulas pétreas em matéria de direitos e estrutura de poder. Com isso, a Constituição transferiu temas do campo da política para o campo do direito, com o objetivo de evitar que novas configurações do Legislativo resultantes de maiorias parlamentares episódicas gerassem caos jurídico no país.

Wilson Gomes* - Uma agenda de Ano-Novo

Folha de S. Paulo

É fundamental aceitar que conservadores representam interesses legítimos

De tanto ouvir a objeção de que só sei apontar o dedo para o comportamento da esquerda, sem nunca indicar caminhos, resolvi mostrar que sou mais que um comentarista rabugento. Tomei a liberdade de escrever cinco propostas de Ano-Novo para esquerdistas e progressistas, começando hoje com essas duas abaixo.

Em primeiro lugar, é fundamental aceitar de uma vez por todas que os conservadores não apenas representam interesses legítimos presentes em sociedades pluralistas, como também possuem uma legitimidade democrática tão válida quanto a de qualquer outra posição política. Se na democracia, há lugar para a esquerda e para progressistas, tem de haver lugar também para a direita e para conservadores. É simples assim.

Ademais, conservadores constituem uma força política consistente, que não dá sinais de desaparecimento ou redução em um horizonte próximo. Antes, continuam a prosperar eleitoralmente, mantendo um foco claro na conquista de mandatos parlamentares.

Notadamente os de matriz evangélica popular, adotam uma estratégia eleitoral eficiente e de longo prazo, com uma base organizada, ampla capilaridade e presença em áreas onde outras forças políticas têm dificuldade de entrar, como as comunidades dominadas por facções. E sabem mobilizar e direcionar votos populares como só católicos e sindicalistas foram um dia capazes de fazer.

Bruno Boghossian - O bingo do populismo autoritário

Folha de S. Paulo

Políticos dessa espécie jogam com a ideia de que podem descumprir as regras do jogo para entregar resultados

Javier Milei não economiza nos superlativos. No penúltimo dia de 2023, ele alertou para uma "catástrofe social de proporções bíblicas" e insinuou que parlamentares que se opõem a seu programa querem um "país devastado". Por fim, pediu que "os argentinos de bem" exijam que o Congresso aprove seus planos.

Com a mensagem de fim de ano, Milei tenta completar o bingo do populismo autoritário em tempo recorde. Em três semanas no cargo, o presidente restringiu protestos, ameaçou usar a força contra opositores e pediu superpoderes para governar numa "situação de emergência nacional". Agora, ele tenta pressionar o Congresso de fora para dentro.

Hélio Schwartsman - Impacto profundo

Folha de S. Paulo

Eventual segundo mandato de Donald Trump tende a ser mais destrutivo que o primeiro

Em poucos dias terá início o processo de primárias nos EUA, que determinarão os dois principais candidatos a enfrentar-se na eleição presidencial de novembro. Este ano, porém, a menos que ocorra uma intervenção direta do inesperado, os nomes já estão definidos. Serão o presidente Joe Biden, pelos democratas, e o ex-presidente Donald Trump, pelos republicanos. E, a julgar pelas pesquisas de hoje, são grandes as chances de Trump voltar ao poder.

Elio Gaspari - A rainha que ri

O Globo

Num tempo de celebridades pasteurizadas e poucas rainhas que riem, Margrethe II da Dinamarca, com 83 anos nas costas e 52 de reinado, anunciou que no dia 14 entregará o trono a seu filho Frederik, de 55 anos. Como a mãe, ele também ri.

Para quem acompanha a Casa Real inglesa, com suas rainhas circunspectas, reis tristes e espirais de maledicências, o sorriso dessa rainha era um bálsamo. Dentuça, Margrethe ri desde criança. Ela tem o sorriso no rosto e uma certa alegria na alma. Enquanto os ingleses fazem das crises de sua monarquia uma atração cultural, as realezas nórdicas sabem ficar longe dos holofotes.

Numa época em que grifes cultivam celebridades, e celebridades cultivam grifes, Margrethe desenha suas próprias roupas. Octogenária, mantém um estilo “que se danem”. Com cores vivas e acessórios pesados, ecoa destaques de escolas de samba. Talvez por isso tenha sido convidada para desenhar cenários e figurinos para o filme “Ehrengard, a ninfa do lago”, da Netflix.

Roberto DaMatta - Quando as comidas nos comem

O Globo

Tempos natalinos e carnavalescos são tempos, reitero, de gastar em vez de economizar e do desfilar exibicionista

Quando eu era jovem e metido a teórico da vida social, escrevi no livro “Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro”, em 1979, que havia três modos de ritualizar. O primeiro, reforçando os elos sociais existentes; o segundo, neutralizando vínculos estabelecidos; e o terceiro — certamente o mais divertido e contraditório —, invertendo rotinas e fazendo tudo ao contrário. Cantar, em vez de discursar; desfilar dançando, em vez de trotar firme para o emprego; beber, pular e ficar “sem fazer nada”, em plena liberdade, em vez de trabalhar; e, por fim, mas não por último, instituindo o Rei Momo como desgovernante, esquecendo esses nossos administradores estadomaníacos, dedicados a desmanchar o feito e fazer desmanchando, com a conhecida ineficiência e o gozo dos privilégios de seus cargos.

Zeina Latif - Dia de olhar o copo meio cheio

O Globo

A capacidade prosseguir com reformas, apesar da alternância de poder, é elemento valioso para potencializar o crescimento de longo prazo

A função principal dos economistas não é fazer projeções macroeconômicas. E tampouco há instrumentos bons o suficiente para isso. Essa foi uma contribuição de Robert Lucas. O Nobel de Economia em 1995, que faleceu ano passado, mostrou a dificuldade de se prever o efeito das políticas econômicas, devido a mudanças de comportamento da sociedade, que reage a elas de forma pouco previsível.

Um exemplo: os déficits orçamentários recorrentes podem impactar mais ou menos a inflação e os juros, dependendo de como os investidores julgam o compromisso do governo com ajustes no futuro.

O papel social dos economistas é, com base em evidências, prover diagnósticos e recomendações de ação estatal e, assim, fomentar o debate público. É um importante contraponto ao otimismo incurável de políticos da situação. Como resultado, muitas vezes os alertas dos economistas alimentam sua fama de pessimistas.

Vinicius Torres Freire – O século em erros de previsão do PIB

Folha de S. Paulo

Projeções de mercado em geral são otimistas e estiveram muito erradas em 15 de 22 anos

Os erros de previsão de crescimento do Brasil foram um assunto do Ano Velho. Neste 2024, conviria fazer uma rabanada desse pão dormido. A ideia aqui não é promover um seminário a fim de incrementar a precisão das estimativas, o que é válido, claro. Mas de refazer a pergunta de 2023: algo mudou na economia? O tamanho da mudança é relevante? Altera diagnósticos do que é preciso fazer no país?

Antes de prosseguir, segue um lembrete dos erros deste século, baseado nas estimativas recolhidas semanalmente pelo Banco Central, a profecia de "o mercado" —no caso, a previsão feita no final de um ano para o seguinte, comparada aos dados do PIB "da época" (sem revisões).

Desde 2000, a média aritmética do crescimento do Brasil foi de mísero 1,84% ao ano (2,3%, depois das revisões); a média do tamanho do erro foi de 1,91 ponto percentual (o valor absoluto de previsões menos o PIB divulgado à época). Enorme. É como tentar passar por uma porta e bater de cara na parede. Mesmo quando se eliminam anos de epidemia (2020-21), a média do crescimento fica em 1,98% ao ano; o erro, em 1,74 ponto.

Bruno Carazza - 2024, um ano para muitas reflexões sobre o passado e o futuro

Valor Econômico

Efemérides nos lembram de democracia, estabilidade econômica e combate à corrupção

Esse peculiar costume ancestral que nós humanos temos de celebrar mais uma volta completa do nosso planeta em torno do sol tem o poder de nos deixar pensativos. Refletimos sobre os erros e acertos do ano que se finda e, sobretudo, expomos nossos desejos e traçamos metas para o novo ciclo que se inicia.

Vem de tempos imemoriais o hábito de anotar a posição dos principais astros no céu a cada noite. A regularidade das observações permitiu a diferentes povos criar seus calendários e, muito depois, chegar à conclusão de que a Terra gira em torno do sol.

Tiago Cavalcanti* - Queremos pagar imposto como os ricos

Valor Econômico

Os 10% mais ricos responderam por 41,6% do total de deduções no Imposto de Renda

Aproveitando o recesso acadêmico na Universidade de Cambridge, tive a oportunidade de desfrutar do nosso calor humano, da culinária e da natureza do nosso país. Em uma conversa com amigos, discutimos o significado de pertencer à classe média no Brasil e se o governo deveria tributar proporcionalmente mais ou não os mais ricos.

De forma geral, havia a percepção de que a maioria fazia parte da classe média e não da rica no país, e que a tributação deveria ser progressiva. Ou seja, a percepção geral era de que os mais ricos deveriam pagar uma proporção maior de seus rendimentos em impostos, e a grande maioria dos amigos não pertencia à classe rica.

Então, comentei que, se fizéssemos uma fila em que todos os adultos do país fossem ordenados por renda, da maior para a menor, em qual decil de renda cada um achava que estaria: entre os 10%, 20% ou 30% mais ricos, ou mais próximo da mediana - 50% mais ricos, que deveria ser a classe média? A maioria ainda tinha a percepção de que estaria mais próximo da mediana, ao invés dos 10% mais ricos.

Marcelo Godoy - A democracia desafiada

O Estado de S. Paulo

Ainda podemos viver juntos? Cerimônia do dia 8 repõe a questão diante do desafio do ‘nós’ contra ‘eles’

No dia 8, os chefes dos três Poderes vão se reunir em Brasília para lembrar o maior ataque à democracia durante a Nova República. Governadores identificados com a direita estarão ausentes do evento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o último a falar antes do descerramento de uma placa alusiva aos fatos e da entrega simbólica do exemplar da Constituição roubado do Supremo. Ou seja: passado um ano, a desunião e a polarização permanecem.

Em seu livro A Democracia Desafiada, o professor Marco Aurélio Nogueira relembra a pergunta originalmente feita por Alain Touraine: afinal, poderemos viver junto? “A possibilidade de convivência nas sociedades em que vivemos depende essencialmente da existência de um pacto mínimo sobre o que significa viver juntos”, escreve Nogueira.

Nicolau da Rocha Cavalcanti* - Noticiar de forma sóbria e séria

O Estado de S. Paulo

Não há exercício responsável de cidadania onde o olhar sobre a realidade é simplesmente superficialidade

Em resenha de um livro sobre o jornal The New York Times, Alan Rusbridger – que foi editor do jornal The Guardian entre 1995 e 2015 – falou do desafio contemporâneo de noticiar de forma sóbria e séria. Ao ler sobre isso, veio-me à mente a trajetória do Estadão, um jornal cuja história, cuja identidade, apesar de todas as vicissitudes, foi sempre marcada por este ideal: cobrir e analisar os fatos de forma sóbria e séria.

Nestes tempos de grandes transformações na produção e no consumo da informação, é oportuno refletir sobre em que consiste esse ideal e qual é sua relevância pública. Certamente, há muitas coisas que podem e devem mudar no jornalismo. E há outras tantas que devem permanecer exatamente como sempre foram. Distingui-las bem é tarefa de toda instituição que deseja perdurar no tempo.

José Pastore* - Desastre anunciado: a reoneração da folha de pagamento

Correio Braziliense

O custo da contratação sobe ainda mais quando se consideram as despesas com vale transporte, vale alimentação, auxílio creche, licenças (maternidade e paternidade), cotas (deficientes e aprendizes), obrigações de segurança e outro

Depois de mais de um ano de discussão, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.784/2023 que permite às empresas de 17 setores que empregam cerca de 9 milhões de trabalhadores a contribuir para a Previdência Social recolhendo entre 1% e 4,5% do seu faturamento. O diploma foi vetado pelo presidente Lula, mas mantido pelos representantes do povo.

A Medida Provisória 1.202/2023 praticamente anula a referida lei e restabelece o pagamento de alíquotas elevadas ao INSS a partir de 1º de abril de 2024. O ministro Fernando Haddad argumentou que a desoneração não tem efeito na geração de empregos. Ele podia ter defendido essa ideia, com calma, durante as longas discussões da referida matéria.

O Brasil é um dos países que mais oneram a contratação formal. O trabalho é onerado com três tipos de despesas. Em primeiro lugar, há as contribuições sociais obrigatórias (INSS, FGTS, salário educação etc.) que somam 35,80% do salário nominal. Em segundo lugar, há as despesas ligadas à remuneração do tempo não trabalhado (férias, abono de férias, 13º salário, aviso prévio etc.) que chegam a 52,08%. Em terceiro, há a incidência de todos os encargos do primeiro grupo sobre o segundo — o que gera uma despesa de 14,55%. No total, são 102,43% sobre o salário nominal. (José Pastore, Encargos Sociais: implicações para o salário, emprego e competitividade, Brasília, Sebrae, 1994). Na prática, um salário de R$ 2 mil custa para empresa, mais de R$ 4 mil.

Poesia | A flor e a náusea - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | PORTELA Carnaval 2024 - Samba Enredo