sábado, 29 de julho de 2023

João Gabriel de Lima* - Um crime que envergonha o Brasil

O Estado de S. Paulo

Além do assassinato de Marielle em si, a falta de solução para o crime enlameia a reputação do País

No prédio de número 64 na rua Gitschiner, em Berlim, há um mural para homenagear a vereadora brasileira Marielle Franco e lembrar seu assassinato em março de 2018. De lá, caminha-se 20 minutos pelo bairro boêmio de Kreuzberg e se chega à Marielle-Franco-Platz. Há espaços públicos com o nome de Marielle em Paris, Florença, Amsterdam e Buenos Aires. Em Lisboa, onde moro, há um mural em homenagem a Marielle no Monsanto, o maior parque da cidade.

A repercussão internacional do assassinato de Marielle foi um dos pretextos jurídicos para que a investigação saísse do Rio de Janeiro e passasse à alçada federal, no início deste ano. Nesta semana, em delação premiada, o ex-policial Élcio de Queiroz confirmou que o crime havia sido planejado, acusou o miliciano Ronnie Lessa de ser o executor e revelou detalhes fundamentais para que a Polícia Federal chegue ao mandante.

Bolívar Lamounier* - Onde começa o começo?

O Estado de S. Paulo

A tríade latifúndio, escravidão e monocultura de exportação e a gosma cultural da contrarreforma nos legaram um zero à esquerda em termos de tecnologia

David Fromkin, um dos principais historiadores contemporâneos, professor da Universidade de Boston, certa vez concebeu uma anedota ao mesmo tempo deliciosa e cientificamente importante.

Ao começar seu curso semestral, fez a seus 50 alunos uma proposta deveras inusitada. Distribuiu-lhes pequenos envelopes identificados pelos respectivos nomes, cada um contendo meia folha de caderno. Cada aluno deveria responder em um parágrafo – não mais que um parágrafo – qual foi ou quais foram as causas da Primeira Guerra Mundial. Finda a operação, que foi breve, o professor começou a abrir os envelopes e ler as respostas para a turma. A primeira, por coincidência, foi o lugar-comum mais conhecido: “Um estudante sérvio matou a tiros o Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro presuntivo do trono austro-húngaro”.

Nos outros 49 envelopes, os estudantes deram rédea solta à imaginação. O segundo apontou uma causa distante no passado: o fato de Júlio César, violando as leis de Roma, ter cruzado o Rubicão e entrado na cidade com seu exército.

Rica e divertida, a experiência certamente mostrou aos jovens que determinar com exatidão onde um processo histórico começa, e por que começa, não é uma matéria tão simples como possa parecer. Essa história veio-me à mente outro dia, no programa apresentado por William Waack na TV CNN, quando tive o privilégio de participar de uma troca de ideias com o ex-deputado Roberto Brant, que ocupou uma cadeira na Câmara durante cinco mandatos consecutivos, e o jovem cientista político Carlos Melo, professor do Insper. O mote sugerido por William Waack foi “por que o Brasil não sai do lugar”. Por que nosso sistema político está há décadas afundado neste paradeiro, incapaz de aprimorar sua organização institucional e menos capaz ainda de levar à prática nossos ideais de crescimento econômico e bem-estar social.

Pocchmann no IBGE é escolha pessoal de Lula, que se irritou com críticas

Catia Seabra e Julia Chaib / Folha de S. Paulo

Auxiliares atribuem ao entorno de Tebet restrições à indicação do economista do PT Marcio Pochmann

BRASÍLIA - O presidente Lula (PT) tem manifestado contrariedade com as críticas à sua escolha para a presidência do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo interlocutores, o petista está particularmente incomodado com as suspeitas de manipulação de dados levantadas contra o economista Marcio Pochmann, por quem tem apreço pessoal.

Nas palavras de aliados, Lula classifica como uma descortesia supor que, na presidência do IBGE, Pochmann venha a adulterar dados.

Ainda de acordo com esses colaboradores, foi após consultar o presidente que o ministro Paulo Pimenta, da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), confirmou o nome do economista na noite da última quarta-feira (26), à saída do Palácio do Alvorada.

A intenção ali foi colocar um ponto final na controvérsia, "estancar a sangria", evitando que Pochmann seja exposto a ataques até 15 de agosto, quando deverá assumir a função.

Para outra ala de integrantes do Palácio do Planalto, porém, Pimenta foi voluntarioso. Em reunião do Palácio da Alvorada, o ministro questionou Lula sobre as especulações a respeito de Pochmann. Ouviu do presidente que a decisão estava tomada.

O ministro teria interpretado essa resposta como uma orientação para que a tornasse pública. Mas, na avaliação de seus pares, Pimenta se antecipou e, ao divulgar a decisão sem antes conversar com Tebet, constrangeu a ministra. Na noite desta quinta-feira (27), Pimenta telefonou para ela na tentativa de dissipar esse mal-estar.

Dora Kramer - Um equilibrista no Planalto

Folha de S. Paulo

Lula busca compensar aliança com centrão com acenos nem sempre sensatos à esquerda

Os preparativos para a entrada oficial do centrão no governo exibem movimentos interessantes. A negativa do presidente Luiz Inácio da Silva, por exemplo, sobre a inexistência do bloco. "O centrão não existe", pontificou.

Ora, não apenas existe como detém a maioria dos votos no Congresso, matéria-prima de interesse do Planalto. Trata-se, no entanto, de uma aquisição que demanda compensações à esquerda pela perda de um antagonista de estimação.

Na falta dele, há sempre à disposição Jair Bolsonaro para trocas de insultos (a mais recente acerca de jumentos) com Lula ou um Roberto Campos Neto a quem se pode chamar de "capacho" e "lacaio" do capital sem maiores consequências.

Carlos Alberto Sardenberg - Estragar o IBGE, não vai. Mas pegou mal

O Globo

A ideia foi colocar um companheiro numa boa posição, mesmo ele não tendo o currículo e a expertise para o cargo

Numa boa: se era para colocar o economista Marcio Pochmann no governo, a presidência do IBGE foi uma saída de pouco dano. Lá, o potencial de estragos é menor, quase nada.

Com todo o respeito que o IBGE merece, o fato é que lá não se formula nem se pratica política econômica. Trata-se de um órgão que pesquisa e elabora dados. Mede e calcula população, inflação, emprego, desemprego e renda, o Produto Interno Bruto, contas nacionais.

Mais: o IBGE tem tradição e estruturas consolidadas, além de um corpo técnico profissional e gabaritado.

Algumas pessoas levantaram hipóteses de manipulação dos dados, de modo a criar uma imagem mais favorável do país, beneficiando a propaganda do governo.

Eduardo Affonso - Provocação nada homeopática

O Globo

‘Que bobagem!’ não é uma bobagem. É bem fundamentado. Mas opta por matar a vaca para acabar com o carrapato

Uma das fórmulas mais elementares do humor é a “regra de três”: estabeleça, reforce, subverta. Em outras palavras, crie uma expectativa e a quebre. Algo como dizer que há coisas que não se devem engolir de jeito nenhum, tipo bala Soft, caroço de jabuticaba e Marcio Pochmann no IBGE.

Da mesma forma, existem receitas infalíveis para causar polêmica. Misture galhos com bagulhos, junte uma pitada de argumento de autoridade e polvilhe provocação a gosto. Se for uma obra, dê-lhe um título lacrador — como “Que bobagem!”, o recém-lançado livro de Natalia Pasternak e Carlos Orsi, que trata de “pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”.

Pablo Ortellado - Trabalho por plataforma segue ruim

O Globo

Não há ainda mecanismos legais que garantam o salário mínimo

Nesta semana foi lançada uma nova edição do relatório Fairwork Brasil, que avalia a qualidade do trabalho por plataformas, como Uber, iFood e Parafuzo. Pouca coisa mudou desde a edição anterior, lançada em 2021, que mostrava trabalhos mal pagos, sem equipamento de proteção, com contratos e práticas gerenciais opacas e pouco respeito à liberdade de associação dos trabalhadores.

Numa escala de zero a dez, a maior nota, do aplicativo AppJusto, foi de apenas três. iFood fez dois pontos. Parafuzo fez um. Americanas, 99, GetNinjas, Lalamove, Loggi, Rappi e Uber não pontuaram. A situação destoa de outros países da América Latina, como Colômbia ou Equador, que tiveram aplicativos, avaliados com os mesmos critérios, fazendo até oito pontos.

Alvaro Costa e Silva - Caso Marielle enlouquece Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Novo relatório da PF põe em xeque as instituições que antes investigavam o assassinato

Na noite em que executou Marielle Franco e Anderson Gomes, o matador de aluguel Ronnie Lessa foi beber com amigos num badalado bar da Barra da Tijuca, sem ao menos se preocupar em esconder a arma do crime. Com ele, estava o comparsa Élcio Queiroz, que durante a farra vomitou três vezes, segundo declarou em sua delação premiada. Os dois encheram a caveira para celebrar a morte e o esquema de proteção de que desfrutavam para matar.

Os cinco anos que se passaram desde o início das investigações dos assassinatos —ligados a uma rede estruturada de tráfico de drogas e de armas, clubes de matadores, lavagem de dinheiro e formação de milícias paramilitares— impuseram, de acordo com a Polícia Federal, "limites intransponíveis" para a resolução do caso.

Oscar Vilhena Vieira* - A rua não é lugar para se viver

Folha de S. Paulo

Decisão de Alexandre de Moraes é bem-vinda ao estabelecer prazo e processo para que as autoridades cumpram suas obrigações

A invisibilidade e a indiferença são estratégias que muitas vezes empregamos, ainda que inconscientemente, para lidar com situações dramáticas, como a das populações em situação de rua. Com o tempo, vamos nos tornando moralmente insensíveis em relação aos sofrimentos desse grupo heterogêneo de pessoas que passam a viver em pobreza extrema, destituídas de moradia, de vínculos familiares, de trabalho estável, entre outras formas de privação e negligência.

A invisibilidade e a indiferença podem, no entanto, se transformar em estigmatização e hostilidade. Com o aumento das pessoas em situação de rua, esse grupo passa a ser visto cada vez mais como ameaça, gerando demandas e ações políticas, administrativas e "zeladoria" mais violentas, discriminatórias e excludentes.

Demétrio Magnoli - A corte suprema de Israel —e a nossa

Folha de S. Paulo

STF prolonga as exceções jurídicas para além do período de excepcionalidade política

Em Israel, o poder político avança sobre as prerrogativas e a independência da Suprema Corte. A sociedade israelense reage, em defesa da democracia ameaçada. No Brasil, temos um problema quase oposto com o STF, que opera há tempos como protagonista político. Contudo, desviamos o debate substancial para a esfera das guerrilhas identitárias. A sucessão de Rosa Weber é uma oportunidade para enfrentá-lo.

"In Fux we trust", replicou Sergio Moro a uma mensagem de seu fiel escudeiro Dallagnol, em abril de 2016. Não era só Luiz Fux: o juiz político podia confiar na maioria do STF. Ao longo daqueles anos, o tribunal superior funcionou como câmara de eco do partido clandestino da Lava Jato.

O STF militava. Embriagado pelos aplausos da opinião pública, fabricava leis implícitas de exceção. Então, suspendeu mandatos parlamentares, legalizou a prisão em segunda instância e referendou os acordos espúrios de delação premiada firmados pelo Ministério Público. A inflação do poder do tribunal refletia a desmoralização do Executivo e do Congresso.

Marcus Pestana* - A Espanha, o Brasil e a raiz de nossos problemas

No último domingo, a Espanha foi às urnas. De imediato é preciso registrar: lá o sistema é parlamentarista, aqui, presidencialista. Esta diferença é central. No parlamentarismo, a formação da maioria parlamentar de sustentação política ao novo governo se resolve nas eleições, a partir do pronunciamento da sociedade nas urnas. Aqui, nove meses depois das eleições, o presidente Lula ainda tenta formar a maioria necessária para governar, já distante do pulsar das ruas e restrito aos bastidores de Brasília.

Na Espanha, meses atrás, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), do presidente do governo Pedro Sánchez, perdeu importantes eleições regionais, num sintoma claro de insatisfação popular. Evidenciando a superioridade do sistema parlamentarista em relação ao presidencialismo, foi captado o sentimento da sociedade e dada uma resposta política. Usando a flexibilidade dos mandatos – no presidencialismo os mandatos são rígidos, faça chuva, faça sol - Pedro Sánchez antecipou as eleições gerais para consultar a população sobre os rumos que desejava dar ao país.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lula erra ao escolher novo chefe do IBGE

O Globo

Economista apontado tem histórico de radicalismo e já chamou Pix de decisão ‘neocolonial’ do Banco Central

O ritmo de produção do IBGE é alucinado. Na média, são quatro anúncios por semana. Juntos, formam um retrato fidedigno do Brasil. São dados sobre inflação, desemprego, distribuição de renda, pobreza, mortalidade infantil, expectativa de vida ou produção na economia. O Censo, divulgado a cada dez anos, é o que exige mais recenseadores. Mas levantamentos permanentes também têm estrutura monumental. Os pesquisadores da Pnad Contínua visitam 210 mil domicílios em 3.500 municípios a cada três meses.

O anúncio nesta semana de que o economista Marcio Pochmann assumirá o comando do IBGE a pedido expresso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva coloca em risco a credibilidade desse trabalho conquistado em mais de oito décadas. Lula ainda fez a grosseria de passar por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet, que o apoiou no segundo turno da eleição de 2022.

Poesia | O Menestrel - Willian Shakespeare I Lucas Segatto

 

Música | Cuidar de mim - Paula Lima e Seu Jorge