terça-feira, 19 de março de 2024

Luiz Carlos Azedo - Lula é prisioneiro de uma “jaula de cristal”

Correio Braziliense

Sim, Lula administra uma herança maldita de Bolsonaro, mas já está há 15 meses no poder e, como ele próprio reconhece, ainda não mostrou os resultados que os eleitores esperam

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é dono das suas circunstâncias. Foi eleito num contexto que já não é mais o mesmo, para o bem e para o mal. Por exemplo, no plano internacional, a situação mudou para pior, com o surgimento de conflitos nos quais o rumo dado à política externa esbarrou em obstáculos que não estavam no horizonte, como as guerras da Ucrânia e de Gaza, e, agora, as eleições na Rússia e na Venezuela. Esses episódios desnudaram um viés terceiro -mundista da política externa que cheira a naftalina.

Ontem, na reunião ministerial, Lula relevou esses assuntos, porém, fez uma cobrança generalizada em relação aos ministros, sobretudo à atuação de Nísia Trindade. Em ambos os casos, as circunstâncias também são diferentes. A economia surpreende os próprios agentes econômicos, com a inflação controlada, mercado de trabalho aquecido, arrecadação em alta e um crescimento mais robusto do que se imaginava, apesar da oposição que Haddad sofre do PT e alguns ministros palacianos.

Andrea Jubé - Lula é cobrado a reocupar o centro

Valor Econômico

Presidente teria ouvido de um ministro não petista que “o governo tem que ser o maestro da narrativa”

Em determinado trecho da manifestação aos ministros, na reunião desta segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que é preciso melhorar o desempenho e a comunicação do governo para atrair a fatia da população que considera a sua administração apenas “regular”.

Pesquisas de três institutos divulgadas nas duas últimas semanas - Quaest, Ipec e Atlas Intel - atestaram o derretimento da avaliação do governo. A pesquisa Ipec (ex-Ibope), publicada no dia 8 de março, mostrou uma queda de 5 pontos percentuais na avaliação positiva da gestão Lula.

Segundo o Ipec, 33% dos entrevistados consideram o governo ótimo e bom (eram 38% em dezembro); 32% classificam a gestão petista como ruim ou péssima (eram 30%); e 33% a avaliam como regular (eram 30%). No contexto dessas pesquisas, Lula observou que as obras de maior visibilidade do governo, como a ampliação do Bolsa Família, o reajuste real do salário mínimo, a retomada de contratos do Minha Casa, Minha Vida voltados para a faixa 1, a volta da Farmácia Popular e programa Pé de Meia (para alunos de baixa renda do ensino médio) são direcionados aos brasileiros com renda mensal de até dois salários mínimos.

Mario Mesquita* - Os vários desenhos da economia

Valor Econômico

Se as perspectivas para a atividade econômica são mais favoráveis, o mesmo não pode ser dito quanto à inflação

O debate sobre conjuntura econômica brasileira está esquentando, focado nos temas tradicionais, atividade, inflação, desafios fiscais e política monetária.

Em relação à atividade, as discussões giram em torno da possibilidade do crescimento em 2024 repetir a taxa observada em 2023, sem desaceleração. As projeções dos analistas que respondem a pesquisa Focus, do Banco Central, sobre o crescimento do PIB em 2024 começaram o ano em 1,6%, estão agora em 1,8%, e têm sido revisadas para cima sucessivamente. As economistas do Itaú recentemente elevaram a projeção de 1,8% para 2%.

Eliane Cantanhêde - O ‘fator Garnier’

O Estado de S. Paulo

Novo temor: o almirante Almir Garnier desmentir e incriminar Freire Gomes e Baptista Jr.

Há um alívio nas Forças Armadas com a separação entre o joio golpista e o trigo legalista, depois que o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Jr., ex-comandantes do Exército e da FAB, confirmaram a tentativa de golpe e que o então presidente Jair Bolsonaro a liderava pessoalmente. A preocupação, agora, é com um novo depoimento do almirante Almir Garnier, o único dos três comandantes que apoiou o golpe e colocou “as tropas da Marinha” à disposição de Bolsonaro para a aventura.

Hélio Schwartsman - O futuro do golpismo

Folha de S. Paulo

Depoimentos de oficiais-generais não devem afetar base de eleitores bolsonaristas convictos

Os depoimentos do general Antônio Freire Gomes e do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior dão cor e textura à tentativa de golpe capitaneada por Jair Bolsonaro e seus seguidores, mas não creio que mudem muito as perspectivas penais do ex-presidente. O STF, afinal, em todas as decisões relativas aos ataques de 8 de janeiro, já dera sinais de que uma eventual condenação de Bolsonaro era questão de tempo. Um placar de 9 a 2 me parece verossímil.

As falas dos dois ex-comandantes também não devem mudar muito o pensamento dos cerca de 25% de eleitores que se dizem bolsonaristas convictos. Já comentei aqui o trabalho do psicólogo Drew Westen, que mostra que militantes políticos parecem sentir prazer sempre que conseguem apaziguar uma dissonância cognitiva relativa a seu líder. Os circuitos cerebrais utilizados, os sistemas de recompensa, são os mesmos envolvidos na dependência de drogas.

Dora Kramer - A verdade não absolverá

Folha de S. Paulo

Quando militares revelam urdiduras do golpe, cai a versão de perseguição política

O avanço das investigações, o que vai sendo revelado pouco a pouco sobre as preparações golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), nos mostra muita coisa.

Também já torna possível que pessoas presentes na avenida Paulista em 25 de fevereiro para corroborar a tese da injustiça considerem a hipótese de terem sido enganadas.

Não digo os fanáticos nem os adeptos da ruptura institucional, mas aqueles que por alguma razão acreditavam que Bolsonaro fosse vítima de narrativa oposicionista. Os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica à Polícia Federal não permitem que se fale em perseguição política.

Alvaro Costa e Silva -Tarcísio, o candidatíssimo

Folha de S. Paulo

Governador de São Paulo constrói imagem de Bukele à brasileira

O cenário do bolsonarismo revela um Tarcísio em alta e um Jair emparedado. Com a certeza de que o tempo se esgota e a cana dura se aproxima, o ex-presidente exibe a face de um golpista fracassado, enquanto seu principal herdeiro político ergue a construção de uma imagem —o Bukele à brasileira.

Bolsonaro se esforça para passar uma impressão de frieza. Alimenta a algazarra da perseguição, conversa por videochamada com Trump, implora para reaver o passaporte, viajar a Israel e beijar a mão de Bibi.

Trata o PL como seu puxadinho doméstico. No fim de semana esteve no Rio fazendo campanha em territórios dominados pela milícia. Deu a ordem de que a ex-primeira-dama Michelle só poderá ser candidata ao Senado, de preferência por Brasília ou na vaga do aliado Sergio Moro, se este perder o mandato.

Paulo Sérgio Pinheiro* - Gaza: o que virá depois de um cessar-fogo provisório?

Folha de S. Paulo

Nenhum crime pode ser interrompido com data marcada para continuar

Passados cinco meses de bombardeios maciços e operações militares terrestres de Israel, resultando em mais de 30 mil mortes de palestinos, entre as quais 10 mil crianças, a Faixa de Gaza tornou-se um campo de ruínas. Além da destruição de 6 hospitais e 12 universidades, tudo o que dizia respeito à vida social foi arrasado: mesquitas, tribunais, escolas, arquivo histórico, museus, centros culturais. A infraestrutura civil de água, esgoto e eletricidade também foi aniquilada.

As ordens militares de evacuação da população resultaram em deslocamento forçado do norte para o centro, logo alvo de bombardeios, para o sul e, dali, para Rafah —agora também sob ataque.

Todo esse quadro é agravado por impedimentos, por parte dos israelenses, para a distribuição de ajuda humanitária —apesar de uma das medidas provisórias impostas pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) ter obrigado Israel a facilitar o acesso do apoio internacional à região.

O volume de ajuda humanitária entrou em colapso em razão dos ataques de Israel a policiais —suspeitos de serem militantes do Hamas— que vigiam os comboios. Nas últimas semanas, 62 caminhões entraram em Gaza —bem abaixo dos 200 por dia que Israel se comprometera a liberar, ainda que se estime que para atender às necessidade básicas da população seriam necessários 500 veículos.

Paul Krugman* - Por que os americanos ainda estão pessimistas em relação à economia?

Folha de S. Paulo

Democratas precisam superar a falsa narrativa de que o país está indo mal

Você está numa situação melhor do que estava quatro anos atrás? Sinceramente, eu não achava que os republicanos repetiriam a famosa frase de Ronald Reagan, já que grande parte da estratégia do Partido Republicano para 2024 depende de uma espécie de amnésia coletiva sobre o último ano da presidência de Donald Trump.

Será que é realmente uma boa ideia lembrar os eleitores de como foi o segundo trimestre de 2020?

Porque foi um momento terrível: foi um momento de medo, com as mortes por Covid aumentando drasticamente. Foi um momento de isolamento, com as interações sociais interrompidas. Foi um momento de aumento da criminalidade violenta, talvez causado por essa interrupção social. Foi um momento de grandes perdas de emprego, com a taxa de desemprego atingindo 14,8% em abril daquele ano. Você se lembra da grande escassez de papel higiênico?

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Elo de Bolsonaro com trama golpista ficou mais evidente

O Globo

Acusações de ex-chefes do Exército e da Aeronáutica contra ex-presidente revelam militares leais à Constituição

É da mais alta gravidade a suspeita de que Jair Bolsonaro, ministros, militares e integrantes de seu governo planejaram um golpe de Estado depois da derrota no segundo turno das eleições de 2022 e tentaram atrair para a trama a cúpula das Forças Armadas. Não há pior acusação contra um governante num regime democrático. Os depoimentos prestados à Polícia Federal pelos então chefes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, ganham credibilidade por vir de onde vieram — comandantes militares que resistiram ao golpismo. A acusação de envolvimento de Bolsonaro foi explícita e complica a situação do ex-presidente na Justiça.

É certo que as declarações não encerram a apuração. Os investigadores ainda precisam ouvir todas as versões e buscar novas provas antes de apresentar uma denúncia. Mas os dois relatos implicam Bolsonaro no planejamento e na execução do plano golpista. Ele foi acusado de, em mais de uma reunião, ter apresentado aos comandantes das Forças Armadas documentos elaborados para emprestar um verniz de legalidade à ruptura institucional e obter apoio deles à virada de mesa.

Merval Pereira - Disputa inglória

O Globo

Lula não consegue se colocar como opção às pessoas que não gostam de Bolsonaro e rejeitam o PT

O presidente Lula sente que a situação política não está favorável a seu governo, mas repete os erros, mesmo quando poderia evitá-los. Ao chamar Bolsonaro de “covardão” por não ter conseguido executar o autogolpe planejado, retira das instituições o mérito de terem impedido a ilegalidade, além de chamar mais uma vez para a briga seu adversário preferido no momento.

Seu próprio discurso é um dos problemas. Ele continua querendo fazer o contraponto ao bolsonarismo, atacando Bolsonaro pessoalmente, chamando a atenção para a disputa dos dois lados, em vez de apresentar-se como a melhor alternativa com atos. O presidente Lula exacerba o ambiente político, chama Bolsonaro para a briga, na certeza de que é boa para ele essa disputa. Mas isso cria um ambiente tenso no país, ele não procura se aproximar dos que apoiam Bolsonaro por falta de opção.

Lula não consegue se colocar como opção às pessoas que não gostam de Bolsonaro e rejeitam o PT. Ao ficar nessa disputa, restringe seu raio de ação, pode ganhar por pouco, como da outra vez, mas pode perder por pouco também, porque o país está dividido. E não consegue esvaziar o apoio a Bolsonaro — apoio que tem lógica, pois seus seguidores se sentem menosprezados, constrangidos pelo assédio dos petistas.

Míriam Leitão - E se o general desse a ordem?

O Globo

O que era uma insinuação hoje se sabe que é uma certeza. Mas ainda há muito a entender sobre a tentativa de golpe de Bolsonaro

Os comandantes de área, ou seja, das regiões militares, obedeceriam a ordem do general Freire Gomes caso ela fosse favorável ao golpe? Essa pergunta me foi respondida por um ex-comandante de área. “Uma ordem ilegal não seria cumprida”. Por mais importante que tenha sido a atuação do general Freire Gomes, é um equívoco pensar que um homem segurou a instituição, segundo avaliação que eu ouvi. Os comandantes de área são poderosos porque têm tropas. Eles é que fariam o golpe andar, se houvesse a quebra da ordem constitucional. Um almirante, que comandava tropas da Marinha em 2022, me disse que o almirante Garnier não determinou movimentação de tropas. Por que ele ofereceu apoio e não acionou seus subordinados? Há muito ainda a entender dessa intentona de Bolsonaro.

Carlos Andreazza - A incerta de Lewandowski

O Globo

Ricardo Lewandowski foi a Mossoró. De novo. Para “dar uma incerta”. Ele mesmo de paradeiro recente incerto. E então a incerta — o reaparecimento. Chegou-chegando, com aquela energia boleto-free de juiz aposentado ora parecerista. Para pegar a tropa de surpresa. (E para nos lembrar: há um governo de turno.) Um mês depois da inédita fuga de dois traficantes de presídio federal.

Palavras do ministro da Justiça e Segurança Pública, concluídos os encontros com autoridades sobre as buscas aos criminosos:

— Vim para cobrá-los. Precisava dar uma incerta, como se diz no meio militar. A polícia me garante que serão capturados, mas não sabemos quando.

Cobrado, foi cobrar. Agastado, sobrevoou a caatinga desgastada e assegurou a foto-clichê. Perdido, encontraria outros perdidos. Não os fugitivos. Os que garantem. Garantem a captura. Nalgum momento. “Não sabemos quando.” (A alternativa sendo haver hora marcada para prisão.) Sabemos que o ministro garantista desconfia do garantido — ou não teria passado a revista sem aviso prévio.

Poesia | Belo Belo, de Manuel Bandeira

 

Música | Moacyr Luz - Atravessado

 

segunda-feira, 18 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Desmatamento no Cerrado exige mais de governadores

O Globo

Região continua a bater recordes com omissão e falta de rigor na permissão legal para derrubar vegetação

Os governadores de MaranhãoTocantins, Piauí e Bahia devem explicações sobre o que acontece no Cerrado. A omissão deles é a principal causa do desmatamento descontrolado. A última medição do Inpe registrou 11 mil km2 de vegetação destruída, a maior extensão desde 2015. Os principais focos estão justamente nos quatro estados, região conhecida como Matopiba, onde acontece 75% do desmatamento. Entre 2003 e 2022, uma área do tamanho do Estado de São Paulo foi transformada em lavoura ou pasto. O ritmo atual continua frenético e deverá, em 2024, superar a marca do ano passado.

Na Amazônia, a destruição da floresta costuma ser ilegal, com ação de criminosos em terras da União. O caso do Cerrado é distinto. Estados e municípios emitem documentos dando permissão para derrubar vegetação nativa em propriedades privadas, respeitado o limite de preservação entre 20% e 35% estabelecido no Código Florestal. Como mostrou reportagem do GLOBO, metade dos 2.833 km2 de Cerrado desmatados no Maranhão entre 2022 e 2023 obteve aprovação da Secretaria do Meio Ambiente do estado.

Sergio Lamucci - Atividade surpreende e começa o ano mais forte que o esperado

Valor Econômico

Indicadores mostrando crescimento mais firme da economia surgem num momento em que pesquisas revelam queda na popularidade de Lula

A atividade econômica dá sinais de crescimento mais forte no começo de 2024, depois da estagnação no segundo semestre do ano passado. Em janeiro, o comércio e os serviços avançaram mais do que esperavam os analistas, e a geração de empregos formais foi bem acima do esperado. A arrecadação também foi elevada no primeiro mês do ano, e as estimativas indicam que isso se repetiu em fevereiro.

Os números positivos vêm a público num momento de queda da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Numa sociedade polarizada politicamente, a economia teria menos peso na avaliação dos governantes pelos eleitores? O tema tem sido discutido exaustivamente neste mês, com a divulgação de pesquisas com piora na aprovação de Lula, que causam desconforto no presidente e em seu entorno. Nesse cenário, cresce o risco de o governo recorrer a medidas populistas, como aumento de gastos, para tentar reverter a situação. Caberá especialmente ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conter essas pressões, que volta e meia reaparecem na atual gestão.

Bruno Carazza* - A boquinha e a fome: as estatais e seus conselhos

Valor Econômico

Conselhos de administração de empresas atendem a diversos interesses no governo

A semana passada foi repleta de episódios envolvendo a governança corporativa de estatais e de empresas privadas nas quais a União ainda detém algum tipo de ingerência, mesmo que indiretamente.

O retorno de Lula ao poder representou a retomada da visão de que as estatais têm um papel estratégico na promoção do desenvolvimento nacional. Nesse sentido, a nova administração da Petrobras tem sinalizado com a ampliação de seu plano de investimentos e novas diretrizes a respeito de refino, distribuição de combustíveis e transição energética. O episódio mais recente dessa história se deu na atual crise sobre os dividendos.

Se uma mudança de rumos em relação à administração anterior é válida e legítima, ela não deve ser feita à revelia dos demais sócios privados da empresa. Assim, todas as decisões da Petrobras que possam afetar a distribuição de dividendos aos acionistas precisam ser comunicadas com muita transparência, para se evitar as turbulências que vimos no preço das suas ações na última semana.

Maria Cristina Fernandes - Forças Armadas deixaram o país muito perto de um golpe

Valor Econômico

Os ex-comandantes não denunciaram golpismo do ex-presidente, tampouco agiram para coibir a indisciplina interna, como a leniência em relação à carta dos oficiais demonstra

Ficou mais difícil para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escapar da acusação de golpe de Estado e afronta ao Estado de direito depois do conjunto de depoimentos cujo sigilo foi aberto pelo ministro Alexandre de Moraes. Os ex-comandantes do Exército, Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior, foram determinantes para evitar a reversão da ordem democrática, mas ainda não está claro se poderiam ter evitado que o país tivesse chegado tão perto de um golpe como, de fato, aconteceu.

Foi Baptista Junior quem pintou de herói o general Freire Gomes ao dizer que o golpe só não aconteceu porque o ex-comandante não havia aderido. Confirmou ainda que o general havia ameaçado o ex-presidente Jair Bolsonaro com uma ordem de prisão, conforme antecipou o Valor em 21/9/2023, se ele tentasse o golpe. No seu depoimento, Freire Gomes se limita a dizer que advertiu o ex-presidente de que ele poderia ser responsabilizado penalmente se tentasse impedir a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

Carlos Pereira* - Sociedades resilientes

O Estado de S. Paulo

Destino da democracia depende de sociedades interdependentes, vibrantes e interligadas

Diante do fracasso das interpretações catastrofistas de que as democracias, inclusive no Brasil, corriam riscos de quebra ou mesmo de erosão com a eleição de líderes populistas de extrema esquerda ou de extrema direita, os estudos agora têm se voltado para explicar o seu oposto; ou seja, por que democracias têm sido tão resilientes, mesmo diante de iniciativas iliberais de populistas de enfraquecê-las.

Por que a maioria dos líderes populistas eleitos não têm conseguido asfixiar a democracia? Que condições políticas, institucionais e sociais neutralizariam ações iliberais de populistas?

Ana Cristina Rosa - Inclusão não é favor

Folha de S. Paulo

Ações de promoção da equidade racial devem ser respeitadas e fomentadas num país racista como o Brasil

Inclusão não é favor. Inclusão é direito! Essa é a principal razão pela qual ações voltadas à promoção da equidade racial devem ser respeitadas, defendidas e fomentadas num país racista como o Brasil.

Nos últimos anos, temos presenciado o aumento de iniciativas para ampliar a inserção social de pretos, pardos e indígenas. O cenário, fruto da ação de movimentos sociais, ainda é tímido se comparado ao nível das desigualdades raciais vigentes. No entanto, tem se mostrado suficiente para provocar irresignação entre quem não convive bem com a ideia de compartilhar direitos que, na prática, sempre constituíram privilégios de uns poucos.

Lygia Maria - Ficção identitária

Folha de S. Paulo

Filme indicado ao Oscar mostra como obsessão da militância por opressão estimula caricaturas de minorias na literatura

Na última década, o Oscar tem buscado premiar mais panfletos sociais e políticos do que filmes. O fenômeno é resultado da ascensão do movimento identitário, que cobra por indicação e premiação de histórias de opressão de minorias, e reclama quando elas não recebem estatuetas.

Mas, neste ano, não se viu a tradicional indignação por um filme dirigido por um negro (Cord Jefferson), com elenco negro e baseado no livro de um escritor negro (Percival Everett) não ter sido premiado nas categorias de melhor filme e ator —venceu em roteiro adaptado.

Camila Rocha* - Disputa pelo legado de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Michelle Bolsonaro, e seu discurso antissecular, e Tarcísio de Freitas, e seu pragmatismo reacionário, são opções

"Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí".

A frase poderia ser de Jair Bolsonaro, mas foi proferida pelo governador de São Paulo. No dia 8 de março, em Genebra, Tarcísio de Freitas foi denunciado ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) pela Comissão Arns e pela ONG Conectas em virtude da escalada de violências cometidas durante a Operação Verão.

Durante a reunião do Conselho, Camila Asano, diretora-executiva da Conectas, relatou acusações de execuções sumáriastortura e prisões forjadas, além de apontar a ausência deliberada do uso de câmeras corporais entre os policiais envolvidos.

A operação já é tida como uma das mais letais da história do estado de São Paulo.

Marcus André Melo* - O eleitor está calcificado?

Folha de S. Paulo

A dinâmica incumbente - oposição e a disjunção entre voto presidencial e legislativo sugerem um padrão complexo

Felipe Nunes, um dos mais destacados cientistas políticos brasileiros acaba de publicar, em co-autoria com o jornalista Thomas Traumann, "Biografia do Abismo" onde defendem o argumento de que o eleitorado brasileiro está calcificado.

Trata-se de um argumento desenvolvido originalmente para o caso americano; como mostrei aqui. O primeiro pilar da calcificação é que 1) à semelhança do ocorrido entre democratas e republicanos nos EUA a distância ideológica entre bolsonaristas e petistas se ampliou muito, aumentando para o eleitor o custo de mudar o voto. O segundo é que 2) internamente esses dois grupos de eleitores, nos dois países, estariam cada vez mais homogêneos em termos demográficos —religião, raça— e programáticos. O eleitor petista seria nordestino e pobre.

Fernando Gabeira - Um país em conflito

O Globo

Quantos episódios não estão artificialmente politizados? Quantas amizades não se romperam?

Num artigo sobre pesquisas, mencionei a polarização política como dado constante e crescente no país. Apenas esbocei a necessidade de atenuá-la. É preciso reconhecer que a polarização de certa forma interessa a algumas forças políticas, mas não só a elas. O país rigidamente dividido cria uma espécie de zona de conforto onde, não importa o que se defenda, sempre será bem-visto quem favorecer um dos lados. Criar, portanto, estreitas superfícies de contato em que se possa desenvolver algo em comum é muito difícil e, além do mais, desperta a suspeita de que se está sutilmente trabalhando para um dos lados.

No entanto existe uma infinidade de circunstâncias em que uma espécie de unidade nacional aumenta o potencial do país. Não me refiro apenas aos possíveis inimigos externos que inspirem uma defesa nacional. Parto de situações mais simples, como a epidemia de dengue. No estágio atual, não se pode contar principalmente com vacina. É preciso limpar as casas e desenvolver iniciativas de vizinhança que localizem problemas nos terrenos baldios, residências abandonadas. É preciso um nível mínimo de convivência respeitosa para realizar um trabalho assim.

Demétrio Magnoli - Ucrânia, bandeira branca?

O Globo

‘Bandeira branca’, sugeriu o Papa Francisco. A Ucrânia replicou de imediato: só temos uma bandeira, que é amarela e azul. Na sequência, um tanto constrangido, o Vaticano esclareceu que não propunha a rendição, mas a negociação. De um jeito ou de outro, a intervenção papal reflete a prolongada confusão estratégica do Ocidente.

Lá no início, quando os ucranianos surpreenderam o mundo barrando a ofensiva russa sobre Kiev, os Estados Unidos definiram o objetivo de impor uma derrota estratégica à Rússia. A Ucrânia forneceu um conteúdo a essa meta: reconquistar todas as terras ocupadas pela Rússia desde 2014, inclusive a Crimeia. Putin foi empurrado à escolha entre tudo ou nada.

Poesia | Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Carlos Lyra - Maria Ninguém

 

domingo, 17 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Queda no IDH reflete o descaso da classe política

O Globo

Congresso tem sido incapaz de adotar programa consistente nas áreas críticas para o desenvolvimento humano

Inspirado nas ideias do Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado para ampliar o entendimento sobre bem-estar. Em vez de atrelar a avaliação de um país apenas à dimensão econômica, com ênfase no PIB per capita, o conceito incorpora estatísticas sobre educação e saúde. O objetivo é ambicioso: medir as condições de os cidadãos conquistarem a capacidade e a oportunidade para ser o que quiserem ser. Os dados sobre o IDH, divulgados anualmente pelas Nações Unidas, fornecem uma oportunidade para políticos no Executivo e no Legislativo refletirem sobre o passado e as prioridades para o futuro.

Os resultados de 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro, deveriam motivar um pacto para elevar de forma significativa o desenvolvimento humano no Brasil. A meta deveria ser, no mínimo, atingir o patamar de desenvolvimento classificado como “muito alto”, já alcançado por países como Argentina, Chile e Uruguai. O Brasil, 89º colocado no ranking do IDH, está 20 posições abaixo do necessário para integrar esse grupo. Na América do Sul, ainda continua atrás de Equador e Peru e, pior, perdeu duas posições em relação ao ano anterior.

Paulo Fábio Dantas Neto* - O golpismo em ato de Bolsonaro e a narrativa eleitoral de Lula

Deveremos saber, dentro em pouco, se o presidente Lula estava certo quando disse, em entrevista recente ao SBT News, que o Brasil está polarizado entre duas pessoas (no caso, ele próprio e o ex-presidente Jair Bolsonaro) e não entre dois partidos. A confirmação, ou não, dessa arriscada afirmação poderá vir de consequências da quebra do sigilo, pelo ministro Alexandre Morais, de 27 depoimentos tidos como cruciais dentro do processo relativo à tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.

Se a divulgação de tais documentos tiver efeito legitimador - perante a sociedade civil e cidadãos nela organizados ou referenciados - de uma decisão judicial rigorosa que impeça o ex-presidente de voltar a ser elegível, não apenas em 2026, mas nos termos de uma proscrição perene, esse efeito mais do que esperado não bastará para testar a pertinência do diagnóstico de Lula. Novidade zero, não haverá razão para se soltar muitos foguetes. Mais adequado seria só dar suspiros de alívio. O juízo da sociedade civil sobre Bolsonaro implicou em majoritária e implacável condenação política já durante seu governo, ainda que no âmbito daquela se conte parte das igrejas evangélicas e das organizações empresariais. Esse juízo teve tradução eleitoral em 2022, como amplo consenso, não como polarização. Bolsonaro uniu contra si (mais do que Lula reuniu a seu favor) amplíssima e incontrastável maioria da sociedade civil, a qual engajou-se na busca de votos dos cidadãos-eleitores que o seu raio de influência alcança.

Merval Pereira - O autogolpe

O Globo

Tudo indica que teremos prisões de alto coturno, que servirão de exemplo para futuras aventuras golpistas

Diz a lenda que o presidente deposto João Goulart deu uma gargalhada quando soube que o Marechal Castelo Branco o substituiria na presidência da República depois do golpe militar de 1964. Castelo Branco teria garantido apoio a Goulart dias antes. Estará o ex-presidente Bolsonaro rindo hoje, ou chorando de raiva, ao tomar conhecimento dos depoimentos à Polícia Federal dos militares quatro estrelas sobre a tentativa de golpe?

De minha parte, fiquei contente de saber que pelo menos os comandantes do Exército e da Aeronáutica reagiram às propostas de golpe ameaçando prender Bolsonaro, no caso do General Freire Gomes, ou classificaram a ideia de ilegal, no caso do Brigadeiro Baptista Junior, que deixou atônito o General Augusto Heleno ao afirmar que não concordaria com um golpe de Estado.

Míriam Leitão - As cenas de um ato ilegal

O Globo

Ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica descortinam a construção de uma tentativa de golpe de Estado liderado pelo ex-presidente Bolsonaro

As cenas são cinematográficas, mas descritas naquele mar de “que” do texto do inquérito policial. O brigadeiro Batista Jr. pilotava o avião voltando a Brasília em 16 de dezembro de 2022. Ao lado dele, o general Heleno, que deixara a festa da formatura do neto no Instituto Tecnológico da Aeronáutica para ir a uma convocação urgente de Bolsonaro. Ali Heleno ficara “atônito”. Numa conversa na sala reservada do ITA, o brigadeiro, o piloto daquele voo, dissera que a FAB não apoiaria o golpe. No dia 14 de dezembro de manhã, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira convocou os comandantes ao seu gabinete para analisar uma das versões da minuta do golpe. O brigadeiro Batista Jr. perguntou: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente da República?”. O ministro ficou em silêncio. Ele saiu da sala. A minuta ficou sobre a mesa do general. Numa das reuniões convocadas por Jair Bolsonaro para convencer os comandantes militares a apoiá-lo, o general Freire Gomes, do Exército, teria dito ao então presidente que se ele insistisse em atentar contra o regime democrático teria que prendê-lo. Freire Gomes em seu depoimento amenizou. Falou em “responsabilidade penal”.

Bernardo Mello Franco - Golpe à moda antiga

O Globo

Os ex-comandantes deram informações úteis, mas é ingenuidade tratá-los como heróis da pátria

O avanço das investigações da Polícia Federal mostra que Jair Bolsonaro planejou um golpe à moda antiga. Queria usar tanques, caças e fragatas para se manter no poder pela força.

O capitão conspirou com ex-colegas de farda para invalidar o resultado da eleição e impedir a posse de Lula. No caminho, fecharia o TSE, prenderia a cúpula do Judiciário e suspenderia as liberdades civis.

A natureza do golpe era militar. Seu estado-maior reunia três generais da reserva: Braga Netto, vice na chapa derrotada; Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional; e Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa.

A trinca dava ordens a outros generais e coronéis. No front civil, o ministro Anderson Torres e o assessor Filipe Martins preparavam minutas de decreto para dar verniz de legalidade à quartelada.

Luiz Carlos Azedo - A história como farsa na tentativa de golpe de Bolsonaro

Correio Braziliense

Bolsonaro foi aconselhado a recuar para não ser preso. Esses conselhos também vieram de ministros do Supremo, de generais legalistas e do governo dos Estados Unidos

Alguém já disse que a história se repete como farsa ou como tragédia. No caso da tentativa de destituição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse, poderia ter sido uma tragédia, com a implantação de uma ditadura militar que enfrentaria grande resistência e, para se impor, teria que fazer como os militares argentinos, em 1976, quando o general Jorge Rafael Videla, o almirante Emílio Eduardo Massera e o brigadeiro Orlando Ramón Agosti tomaram o poder e dissolveram o Congresso. Bolsonaro teria que promover uma repressão ainda mais brutal e intensa do que a que ocorreu no Estado Novo e durante o regime militar implantado após o golpe de 1964, que completará 60 anos no próximo dia 31.

Ainda bem, o golpe de 8 de janeiro está mais para uma farsa, um Plano Cohen frustrado. Segundo os depoimentos dos comandantes das Forças Armadas à Polícia Federal — cujo teor integral foi liberado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes —, após as eleições de 2022, Bolsonaro chamou a cúpula militar para reuniões que articulariam um golpe de Estado. O ex-comandante do Exército Freire Gomes disse que o próprio ex-presidente apresentou uma minuta golpista e discutiu seu teor em duas reuniões. O da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, confirmou. Ambos não embarcaram na aventura. O ex-comandante da Marinha Almir Garnier, que ficou calado em seu depoimento, assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro, supostamente, só não moveu suas tropas porque seu comandante supremo não deu a ordem.

Dorrit Harazim – Distâncias

O Globo

Quem deve decidir quanto a liderança de Netanyahu é problemática são os próprios israelenses, por óbvio

Na semana passada houve júbilo no grupo de terráqueos que há 47 anos acompanha a odisseia das naves gêmeas Voyager 1 e 2. Consideradas tesouro nacional pelos americanos, elas são as duas “criaturas” mais paparicadas e estimadas da agência espacial dos Estados Unidos (Nasa). Só que, desde novembro último, criador e criatura deixaram de falar a mesma língua. Em vez de transmitir dados por meio da linguagem binária com que fora programada, a Voyager 1 passou a emitir apenas um ruído contínuo, indecifrável, semelhante ao sinal de ocupado de um telefone comum.

O enguiço durou quatro longos meses e parecia prenunciar um tristonho réquiem. Na tarde de quarta-feira, porém, sem avisar, a nave se fez viva, pareceu querer restabelecer o diálogo com os humanos. A partir de alguma localização interestelar, emitiu um sinal que percorreu 22 horas e meia até chegar aos computadores da Nasa, e esse fragmento de linguagem conseguiu ser parcialmente decodificado. Para uma das veteranas do projeto, que acabara de se formar em 1977 quando a primeira sonda foi lançada, o sinal recebido na semana passada lhe deu alegria só comparável ao restabelecimento de um batimento cardíaco.

Elio Gaspari - Lembrai-vos de Pasadena

O Globo

Encrencas têm prazo de maturação e duram anos. Hoje a Petrobras tem na mesa a encrenca da empresa de fertilizantes Unigel. Em 2019, durante o governo Bolsonaro, ela arrendou duas fábricas da Petrobras. Compraria gás e venderia fertilizantes. O mercado virou, a Unigel passou a operar no vermelho e fechou as fábricas. Voltou a operar com um novo contrato que, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), poderá custar à Petrobras R$ 487 milhões.

O contrato, assinado em dezembro de 2023, tem pescoço comprido, corpo malhado e cabeça pequena. Parece uma girafa. A estatal defende a virtude no negócio, mesmo sabendo-se de divergências internas e conhecendo-se a fabricação de uma ameaça de greve na Petrobras para forçar a aprovação do negócio.

Eliane Cantanhêde - Propriedades da melancia

O Estado de S. Paulo

Está confirmado: melancia é indigesta para golpistas e faz bem à democracia

Além de deliciosa, suculenta e refrescante, a ciência política acaba de descobrir outras propriedades da melancia: é indigesta para candidatos a ditador, impede golpes de Estado e faz bem à democracia. Acusados de “melancias” pelos golpistas, oficiais de alta patente não cederam às “ordens”, pressões e constrangimentos do então comandante em chefe das Forças Armadas e, assim, frustraram a decretação de estado de defesa e anulação da posse do presidente legitimamente eleito.

Se a melancia é verde por fora e vermelha por dentro, nenhum dos oficiais legalistas, como o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, é ou seria “vermelho” ou comunista. É ridículo, mais uma farsa, uma fake news grosseira para manipular mentes e corações vazios e suscetíveis a mitos, Messias, salvadores da Pátria. Aqueles oficiais foram apenas o que 100% de militares deveriam ser: legalistas, batendo continência à Constituição e aos poderes constituídos.

Celso Lafer* - FHC e o Real, 30 anos

O Estado de S. Paulo

É justo dizer que, graças à sua atuação, Fernando Henrique Cardoso ampliou até os dias de hoje o controle da sociedade brasileira sobre o seu destino

Há 30 anos teve início o Real, que debelou anos de alta e crônica inflação, com efeito corrosivo no dia a dia da vida das pessoas. Teve um impacto perdurável. Transformou a sociedade brasileira, propiciando a previsibilidade econômica e social das expectativas.

A moeda não serve apenas para comprar e vender. É, como a língua e a bandeira, um símbolo nacional, na observação antropológica de Darcy Ribeiro. Tem, com sua dimensão de credibilidade, uma função aglutinadora fundamental. Foi o que observou FHC em A Arte da Política, livro de reflexão sobre a sua experiência, em que dá relevante destaque ao que foi a tarefa política da implantação do Real, um dos seus duradouros legados para o País.