O Globo
Lições não se resumem aos mecanismos de
formar maioria: dizem respeito também à inclinação ideológica divergente entre
governo e Congresso
Há muitos ensinamentos a tirar da derrota
sofrida pelo governo na derrubada de trechos de dois decretos assinados por
Lula para alterar o Marco do Saneamento Básico. O erro será ficar na mais
imediata e rasa das leituras: que falta interlocução política para compor a
base, e o caminho para resolver isso é só a liberação de emendas parlamentares.
Em partes, portanto.
Começando pela superfície. Arthur Lira
havia cantado a bola do perigo que rondava o Executivo quando houvesse uma
votação que testasse se existe mesmo uma base aliada com esse nome.
Para o presidente da Câmara, o modelo de
montagem do governo, de concessão de ministérios a partidos para que eles
garantam os votos nas duas Casas do Congresso, está vencido. O caminho seria
uma espécie de orçamento secreto 2.0, em que um esquema bem montado de emendas
garantiria o apoio aos projetos do governo.
Sim, é necessário criar mecanismos eficazes
para que o presidente e o palácio não sejam surpreendidos a cada abertura de
contagem do painel eletrônico de votações da Câmara e do Senado. Também é
verdade que Lira tem se mostrado disposto a garantir esses votos — e ele, hoje,
é capaz disso muito mais que os ministros palacianos e os representantes dos
partidos na Esplanada —, desde que esse mecanismo que ele defende seja
azeitado.
Pode funcionar de uma maneira geral e nos casos menos polêmicos. Mas o nó da governabilidade de Lula é bem mais cego que esse, e até aqui a questão tem passado ao largo das cobranças do presidente, das atenções de seus auxiliares e de uma reflexão mais madura e realista dos partidos que integram a coalizão governista.