A derrubada de um helicóptero da Polícia Militar não é apenas mais um episódio da guerra do tráfico de drogas no Rio. É um agravamento, uma mudança de escala. Não é como o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, pensa: “Um ato de desespero dos bandidos.” É uma demonstração de força. O Rio ser uma cidade olímpica dá mais destaque à notícia, mas o crime tem que ser combatido por nós.
Não é pela Olimpíada que o Rio tem que encontrar caminhos de solução do seu pior problema — a violência ligada ao tráfico de drogas —, mas porque essa é a única forma de salvar a cidade.
Outro dia, estive no Complexo do Alemão para fazer uma gravação. O PAC estava lá, com suas obras. Era fácil até ouvir o martelar da construção.
Mas não havia Estado.
Havia obras, mas não a presença do Estado. Vi na rua central da Grota jovens armados com fuzis, à luz do dia. Subi uma daquelas ruelas sinuosas até à laje onde faria a gravação. As ruelas não são mais de chão batido, escorregadias. Agora estão cimentadas. Melhor.
Mas numa das encruzilhadas da subida, vi uma mesa de venda de cocaína, com inúmeras sacolinhas de pó.
Em outra mesa, o dinheiro exposto. Na volta, vi que havia mais dinheiro e menos sacolinhas. Cruzei com trabalhadores voltando das obras do PAC. Melhor que elas sejam feitas e que eles tenham emprego, mas não basta edulcorar a realidade, é preciso transformá-la.
Não é um problema banal.
Fosse, teria sido resolvido.
Mas ontem, a ministracandidata Dilma Rousseff disse que a violência no Rio mostra “o quanto faltou o Estado, no sentido amplo da palavra, nestas comunidades.” Exatamente. Mas pertencendo a um governo que está no seu sétimo ano, sendo aliada do atual governador e tendo o apoio dos dois últimos governadores à sua candidatura — Rosinha e Anthony Garotinho — talvez ela devesse ter mais a dizer do que culpar um ser incorpóreo. Devia perguntar aos seus três apoiadores o que deu errado até agora na política de segurança pública do Rio nos últimos 10 anos. O problema, claro, é mais antigo: mas uma década já faria diferença se o Estado estivesse estado presente, no seu sentido amplo, nestas comunidades.
Uma das dificuldades óbvias é a falta do governo federal. A cada crise, o governo oferece a Força Nacional.
A Força é para emergências e nós temos aqui uma rotina de uma complexa violência cujo pior ingrediente é o tráfico de drogas.
E o tráfico é responsabilidade do governo federal combater. É ele que tem que estar nas fronteiras secas e molhadas, é o aparato policial federal que tem que combater o tráfico. Aqui, as polícias Civil e Militar, além das funções de prevenção, policiamento e investigação, ainda acumulam o combate de uma verdadeira guerra contra o tráfico.
Em 2002, fui ao Morro dos Macacos com Rodrigo Baggio, do Centro de Democratização da Informática.
Lá, ouvi dos moradores a seguinte explicação para a geografia do drama local: a favela está sob o controle de um grupo de traficantes, cercada por traficantes rivais por todos os lados. Por isso vive em guerra. Sete anos depois, tudo igual.
Na primeira entrevista coletiva que deu no segundo mandato — cinco meses depois de reassumir — o presidente Lula disse o seguinte, quando perguntado sobre o assunto segurança: “Vamos colocar as coisas no seu devido lugar. A questão da segurança pública, o governo federal não é um foco principal, é uma força auxiliar de um sistema que é majoritariamente controlado pelos estados. O governo federal só entra quando é pedido.” Resposta errada.
Todas as instâncias de poder têm uma parte da responsabilidade, e o governo federal não é “auxiliar” no combate ao tráfico de drogas e armas, é o principal ator.
Está claro que está havendo um aumento do poderio das armas dos grupos de traficantes no Rio de Janeiro.
Como o Rio tem cerca de mil favelas, pelo menos trezentas delas ocupadas pelo tráfico de drogas através de três facções inimigas — e isso sem falar na milícia —, está havendo uma corrida armamentista na cidade. Só de 2007 para cá, as polícias do Rio capturaram 35 metralhadoras antiaéreas, fora as incontáveis granadas e fuzis.
Armas de guerra. Se está ocorrendo isso, as forças federais têm responsabilidade porque são elas quem têm que combater o tráfico de armas. Não é um favor ao Rio ou ato de solidariedade.
Há casos bem sucedidos nesse mar de fracasso que é a política de segurança pública do Brasil. Liguei ontem para o sociólogo Gláucio Soares para ver se ele me contava alguns desses bons casos, para amenizar essa coluna. Gláucio começou com uma frase forte.
“Passei as duas últimas semanas na prisão.” Deu uma pausa e completou: “pesquisando.” Foi na prisão de Caruaru, dirigida por uma mulher, Sirlene, onde ele encontrou um recorde: não há rebelião, ninguém quer ser removido, e há casos muito bem sucedidos de integração.
Uma das razões é a mobilização de empresas feita pela direção do presídio para o ensino de vários ofícios dentro da prisão, o trabalho remunerado, e a esperança de contratação na saída.
Há alguns casos de queda de criminalidade, de homicídios, mas há um sub-registro também. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, menos de 20% dos crimes ocorridos chegam à Polícia para registro.
Isso dificulta a análise das estatísticas e penaliza os estados onde a população confia na Polícia.
O total de gastos realizados pelos governos estaduais em segurança pública subiu de R$ 24 bilhões para R$ 33,5 bilhões, de 2005 para 2008, mas os gastos federais são apenas 0,6% do Orçamento, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Pouco. Quase nada.